Ao passar por seções religiosas de uma livraria, é
provável que você encontre um punhado de títulos que sugerem a descoberta
de “Livros Perdidos” da Bíblia. Geralmente, estes representam obras que
eram “politicamente incorretas”, segundo às noções teológicas da época.
Rejeitadas com espúrio pelos líderes da igreja primitiva,
eram desacreditadas e destruídas. Felizmente, um punhado de cópias
sobreviveram. Os arqueólogos resgataram os tão chamados “livros perdidos”
da Bíblia. O Evangelho de Tomé, descoberto na biblioteca de Nag Hammadi
no Egito, em 1945, seria um exemplo dessas obras.
Invariavelmente, isso causa um choque no cristão
consciente. Será que a arqueologia descobriu antigos textos bíblicos que desafiam
o atual cânone das Escrituras? É possível que a Bíblia que os cristãos têm hoje
seja incompleta?
Pode ser difícil de acreditar, mas esta questão
pode ser respondida sem ler qualquer um dos livros em questão. Nenhuma pesquisa
precisa ser feita. Curiosamente, toda a questão pode ser respondida por um
olhar cuidadoso para uma palavra: Bíblia.
A Santa Bíblia
Toda a questão dos supostos livros perdidos da
Bíblia caem na questão de o que se quer dizer com a palavra “Bíblia”. Só pode
significar uma de duas coisas, ao meu ver. Há uma definição religiosa da
palavra, e há ainda uma definição mais secular.
Quando alguém pergunta a um cristão evangélico o que é a Bíblia, é provável que ele responda: “É a Palavra de Deus.” Quando pressionado por uma definição mais teologicamente precisa, ele poderia acrescentar que Deus supervisionou a redação das Escrituras de modo que os autores humanos, usando seu próprio estilo, personalidades e recursos, escreveram, palavra por palavra, exatamente o que Deus
destinava-os a escrever. Esta inspiração plenária verbal é uma parte vital da definição cristã da palavra “Bíblia”.
O conceito-chave para a nossa discussão é a frase “exatamente o que Deus pretendia que eles escrevessem.” Um elemento fundamental desta compreensão da “Bíblia” é a ideia de que Deus não estava limitado pelo fato de que autores humanos foram envolvidos no processo.
Erros humanos
Uma objeção comum à noção de inspiração é que a
Bíblia foi escrita por homens, e homens cometem erros. Esta indagação peca por duas
razões.
Em primeiro lugar, não é porque os humanos foram envolvidos no processo de escrita, que a Bíblia deve estar necessariamente errada. Erros podem acontecer, mas eles não são necessários. Assumir a presença de erro em toda a escrita humana é uma ideia auto-destrutiva. A própria declaração “A Bíblia foi escrita por homens, e os homens cometem erros”, seria suspeita pelos mesmos padrões. O fato é que os seres humanos podem escrever e produzir textos sem erros. Isso acontece o tempo todo.
Além disso, a indagação de que os homens cometem
erros ignora a questão principal: se a Bíblia foi ou não escrita apenas por
homens. O cristão até aceita que os seres humanos são limitados, mas nega que
as limitações do homem são importantes nesse caso, porque a inspiração implica
que o poder de Deus fornece o que é necessário ao homem.
Uma pergunta simples que seve como ilustração:
“Você está dizendo que se Deus existe, Ele não é capaz de escrever o que Ele
quer através de homens imperfeitos?” A noção de um Deus onipotente não ser
capaz de realizar uma tarefa tão simples é ridícula! Se, por outro lado, a
resposta é “Não, eu acho sim que Ele é capaz”, então a objeção desaparece. Se
Deus é capaz, então as limitações do homem não são um limite para Deus. Se Deus
garante os resultados, não importa se os homens ou os macacos fazem a escrita,
eles ainda vão escrever exatamente o que Deus quer. Isso é parte do que
significa dizer que a Bíblia é divinamente inspirada. Nosso propósito aqui não
é defender a noção de inspiração divina, mas entender que a autoria de Deus e
preservação sobrenatural estão necessariamente ligadas à primeira definição da
palavra “Bíblia.” A Bíblia é um conjunto de 66 livros contidos que são
sobrenaturalmente inspirados por Deus, e são preservados e protegidos pelo Seu
poder. Tendo isso em mente, as limitações do homem são irrelevantes.
A Bíblia Secular
A segunda definição da palavra “Bíblia” não é
religiosa e, portanto, não admite qualquer origem sobrenatural das Escrituras.
Esse ponto de vista diz que enquanto os cristãos tratarem as Escrituras como
divinamente inspiradas, eles estarão enganados. A Bíblia é meramente um
consenso humano, uma coleção de livros escolhida pela igreja primitiva para
refletir suas próprias crenças.
Um livro seria rejeitado basicamente por duas
razões. Os primeiros cristãos não eram capazes de rastrear a autoria de um
apóstolo ou o registro das testemunhas, e a teologia se distinguia daquela que
tinha sido transmitida pelos apóstolos. O cristianismo não é diferente de
outras religiões que têm coleções de escritos canônicos. A Bíblia, então, está
nessa categoria – apenas uma coleção de livros escolhidos pelos líderes da
igreja primitiva para representar suas próprias crenças.
Portanto, temos dois possíveis significados para a
palavra “Bíblia”, um sobrenatural e um natural. Ou a Bíblia é divinamente
preservada, pelo ponto de vista do cristão conservador, ou é apenas um
documento humano que representam as crenças de um grupo religioso conhecido por
“cristianismo”, o ponto de vista de quase todos as outras pessoas. Dada
qualquer uma destas duas definições, podem haver livros perdidos da Bíblia?
Não há livros perdidos
Comecemos com o primeiro significado, da definição
sobrenatural da Bíblia. É possível que os livros pudessem se perder? A resposta
é claramente não. Lembre-se, nesta visão Deus é sobrenatural para preservar e
proteger a integridade de Sua obra. A hipótese dos “livros perdidos” seria
reduzida a afirmação de que “Certos livros que Deus Todo-Poderoso era responsável
para preservar e proteger se perderam.”
Poderiam haver livros perdidos, dada a segunda
definição? E se os cristãos estão errados em atribuir a administração de Deus
para as Escrituras? E se a Bíblia na verdade é meramente um produto humano? Se
for esse o caso, então, o termo “Bíblia” não se refere à Palavra de Deus (a
primeira definição), mas para o cânone das crenças dos líderes da igreja
primitiva (a segunda definição). É possível que os livros se perdessem nesse
tipo de Bíblia?
A resposta é novamente não! Se a Bíblia é uma
coleção de livros que os primeiros líderes da igreja decidiram que
representaria o seu ponto de vista, então eles têm a palavra final sobre o que
está incluído. Todos os livros que eles rejeitaram nunca fizeram parte de sua
Bíblia, para começar! Por isso mesmo pela segunda definição, os “livros
perdidos” da Bíblia seriam um equívoco.
Considere a seguinte situação. Você decide escrever
um livro sobre suas crenças pessoais a partir de várias de notas contendo
reflexões que você coletou ao longo dos anos. Depois de registrar o que você
concorda, você descarta o resto. Mais tarde, alguém vasculha o seu lixo e acha
as suas notas descartadas. Essa pessoa poderia alegar que achou suas crenças
perdidas?
“Não”, você responde. “Se essas notas fossem minhas
crenças elas estariam no livro, não no lixo”.
É irônico que os defensores dos “livros perdidos”
muitas vezes apontam que os textos redescobertos estavam sumidos porque os
Padres da Igreja os suprimiram. É verdade, eles suprimiram. Os críticos acham
que isso fortalece a sua opinião, mas não é essa a questão. Esse fato na
verdade destrói o ponto de vista deles, provando que os “livros perdidos” não
se perderam, mas foram descartados, rejeitados por não serem representativos das
reais crenças cristãs. Portanto, eles não pertencem à Bíblia cristã. Se eles
nunca estiveram na Bíblia eles não podem ser livros perdidos da mesma!
Independentemente de como você vê as Escrituras,
como sobrenatural ou natural, não faz sentido nenhum dizer que há livros
perdidos da Bíblia. Se a Bíblia é sobrenatural, se Deus é responsável pela sua
escrita, sua transmissão, e sua preservação, então Deus, sendo Deus, não falha.
Ele não erra, Ele não esquece as coisas, e Ele não está limitado por limitações
humanas.
No entanto, se a Bíblia não é sobrenatural, como
muitos irão dizer, especialmente aqueles que afirmam terem encontrado livros
perdidos, eles enfrentam um problema diferente. Por qual padrão que afirmamos
que estes são livros perdidos do cânone da igreja primitiva? Se, a partir de
uma perspectiva humana, a Bíblia é uma coleção de escritos que refletem as
crenças do cristianismo primitivo, qualquer escrito rejeitado pelos pais da
igreja não são livros de sua Bíblia pela própria definição!
A arqueologia tem descoberto textos antigos
desconhecidos? Certamente. Eles são interessantes, notáveis e valiosos? Alguns.
São livros perdidos da Bíblia? A resposta é não. Dois mil anos depois, a
redescoberta de um escrito como o Evangelho de Tomé pode ser arqueologicamente
significativa. Pode ser um livro perdido da antiguidade, um grande achado, até
mesmo um pedaço maravilhoso da literatura.
Mas não é um livro perdido da Bíblia.
Imagem: Google
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