Nota do tradutor:
Provavelmente
você já ouviu alguém dizer que Romanos 9 é a kryptonita do Arminianismo. Se
esse é o caso, então João 6 é certamente o golpe de misericórdia. Nesse
fascinante comentário elaborado pelo Dr. James White, temos a refutação de
duas ideias errôneas (porém bastante distintas) que se propagaram no
Cristianismo: a transubstanciação e a depravação parcial do homem.
Tendo em
vista que essa é uma leitura extremamente detalhada (e, portanto, longa) do
Capítulo 6 de João, irei fornecer também um link contendo o comentário em
questão em um arquivo PDF (Joao Cap 6 –
James White). Assim como o autor, eu espero que esse comentário seja
útil para os crentes do Brasil e que ele ajude a Igreja brasileira a
buscar um material teológico são.
Erving
Ximendes
Em nossa
constante tentativa de satisfazer a necessidade de um material teológico são
para a comunidade cristã, estamos disponibilizando esta tradução e comentário
sobre o sexto capítulo de João. Nossa razão para isso é que queremos deixar a
poderosa luz das Escrituras incidir sobre duas questões bastante distintas. Em
primeiro lugar, as palavras de Jesus em João 6 são vitais para a nossa
compreensão da doutrina da eleição dos santos de Deus. João 6:38 é uma das mais
claras exposições que temos da doutrina da salvação do Senhor. Por isso, a
proclamação da verdade chegará ao ponto de corrigir os muitos erros (tanto
dentro quanto fora) da comunidade cristã. Em segundo lugar, João 6:48 é uma
passagem importante para lidar com a teologia
sacramental e especificamente com os ensinamentos da Igreja Católica
Romana no que diz respeito à transubstanciação e toda a sua doutrina da
salvação. Esperamos que este comentário e tradução literal (feitos por James
White, diretor do Ministério Alpha & Omega) sejam úteis
para o ministério dos santos.
O sexto
capítulo do Evangelho de João é um trecho fascinante de literatura
-aparentemente narrado com grandes propósitos. Ele tem o dobro do tamanho médio
dos capítulos de João. O capítulo narra dois grandes milagres (a alimentação
dos 5.000 e Jesus andando sobre as águas) e os conecta para formar a introdução
a um diálogo cristológico muito importante. Este diálogo, em seguida,
termina na confissão de fé dos verdadeiros discípulos de Jesus.
1 – Algum
tempo depois Jesus partiu para a outra margem do mar da Galileia (ou seja, do
mar de Tiberíades). 2 – E grande multidão continuava a segui-lo,
porque vira os sinais miraculosos que ele tinha realizado nos doentes.
Comentário:
Boa parte do ministério de Jesus está intimamente ligada ao Mar da Galileia.
João dá o que provavelmente seria o nome “romano” oficial para uma grande
quantidade de água, embora este nome apareça com pouca frequência. A cidade de
Tiberíades (nomeada conforme o imperador) tinha obtido esse nome apenas
alguns anos antes da época do ministério de Jesus, daí a menção secundária
feita por João. João fala de uma grande multidão que segue a Jesus,
presumivelmente por terra e não pelo mar, por causa dos poderes de cura que
Jesus possuía. Nenhuma menção é feita a uma suposta presença de enfermidade no
meio desta multidão; as pessoas parecem muito mais atraídas à possibilidade de
um milagre do que a qualquer outra coisa.
3 – Então
Jesus subiu ao monte e sentou-se com os seus discípulos. 4 – Estava próxima a
festa judaica da Páscoa.
Comentário:
Há possivelmente uma figura de retórica no verso 3, reminiscente do Sermão da
Montanha, em Mateus (5:1). Aparentemente, o Senhor e Seus discípulos chegaram à
parte e subiram a montanha sozinhos. Se Jesus queria ter uma conversa
particular com os discípulos, João não menciona isso. O que ele menciona, no
entanto, é o fato de que a Páscoa estava próxima. Levando em conta o caráter
não judaico de sua audiência, João menciona que a Páscoa é a festa dos judeus
(um item que seria certamente desnecessário se o seu público fosse, em sua
maioria, judaico). João pode apenas estar colocando os eventos em seus
contextos históricos. Ou, ele pode estar atribuindo importância às ações de
Jesus naquilo que vai acontecer mais adiante. Será que Jesus está colocando a
si mesmo como o portador da verdadeira Páscoa? Se a Páscoa estava se
aproximando, por que essas pessoas não estavam subindo a Jerusalém? Será que
Jesus estava apontando para si mesmo como o cumprimento da Páscoa? O próximo
capítulo começa com a Festa dos Tabernáculos (quase seis meses depois). Assim,
parece haver um intervalo de tempo entre os dois capítulos, e, portanto, um
propósito real por trás da menção da festa da Páscoa.
5 –
Levantando os olhos e vendo uma grande multidão que se aproximava, Jesus disse
a Filipe: “Onde compraremos pão para esse povo comer?” 6 – Fez essa
pergunta apenas para pô-lo à prova, pois já tinha em mente o que ia fazer.
Comentário:
João retrata Jesus vendo a multidão que vinha ter com Ele de longe. A princípio
parece que Ele percebe que essa multidão estará com fome, pois teria viajado
uma longa distância. Os evangelhos sinópticos, no entanto, indicam que um
período de ensino interveio e até que esse ensinamento acabasse já seria tarde
demais para que as pessoas voltassem as suas casas (daí a necessidade de
comida).
Filipe
parece ter sido a melhor escolha para o questionamento feito pelo Senhor, uma
vez que ele era de Betsaida e, se isso aconteceu “na outra margem do mar”,
oposta a Cafarnaum, sua cidade natal estaria bem perto. Assim, voltando-se para
o menino local, Jesus pergunta sobre as fontes de alimentação na vizinhança.
Mas João é rápido em apontar que Jesus sabia o tempo todo o que iria fazer, a
questão estava em testar a compreensão de Filipe sobre Sua própria pessoa
e sobre Seu poder.
7 – Filipe
lhe respondeu: “Duzentos denários não comprariam pão suficiente para que cada
um recebesse um pedaço!” 8 – Outro discípulo, André, irmão de Simão Pedro,
tomou a palavra: 9 – “Aqui está um rapaz com cinco pães de cevada e dois
peixinhos, mas o que é isto para tanta gente?”.
Comentário:
A resposta de Filipe é uma de surpresa: todo o tesouro dos apóstolos provavelmente
não continha dinheiro suficiente para comprar uma quantidade tão grande de
alimentos ainda que estivessem disponíveis. Ainda sem perceber o propósito do
Senhor, André (que parece ter sido uma pessoa observadora, sempre levando as
pessoas a Jesus) traz à atenção do Senhor a única fonte aparente de
sustento: um menino que tinha cinco pães de cevada (o alimento do homem pobre)
e dois peixinhos. Mas até mesmo André tem que acrescentar: “Mas o que é isso
para tanta gente?”. Ele ainda não conhece a suficiência daquilo que é
pequeno nas mãos de Jesus.
10
– Disse Jesus: “Mandem o povo assentar-se”. Havia muita grama naquele
lugar, e todos se assentaram. Eram cerca de cinco mil homens. 11 – Então Jesus
tomou os pães, deu graças e os repartiu entre os que estavam assentados, tanto
quanto queriam; e fez o mesmo com os peixes.
Comentário:
João enraíza firmemente na história o mais popular dos milagres de Jesus (a
julgar pela inclusão deste relato em cada um dos evangelhos). Jesus
dá ordens (Lucas, o historiador, observa que eles deveriam ser separados em
grupos de 50) e João se lembra de detalhes visuais, isto é, havia muita grama
naquele lugar. A imagem é impressionante: um dia frio de
primavera com um grande grupo de homens e mulheres (em um número
maior que 5.000) reclinando sobre a relva verde. Enquanto isso, os
discípulos se perguntam o que o Senhor iria fazer nesse momento. Pode-se
até imaginar o sorriso de João à medida que ele escreve (ou dita) esta
parte do seu livro. Quão grande anseio ele deve ter tido de estar ali
novamente!
Jesus tomou
o pão e, como era seu costume, deu graças por isso. Infelizmente, a formulação
exata desta oração não nos é fornecida (o máximo que podemos fazer é nos
perguntar como foi que Jesus agradeceu por aqueles pequenos pães e peixes
secos). João atribui importância a este ato, uma vez que ele o menciona
novamente no verso 23.
No estilo
típico, o milagre é narrado sem enfeites ou fantasias. É simplesmente afirmado
que a comida foi distribuída aos que se reclinavam sobre a grama (com cada um
tendo sua porção). O milagre está mais implícito do que diretamente
declarado, embora não haja dúvidas de que ele realmente tenha acontecido.
12 – Depois
que todos receberam o suficiente para comer, disse aos seus discípulos:
“Ajuntem os pedaços que sobraram. Que nada seja desperdiçado”. 13 – Então eles
os ajuntaram e encheram doze cestos com os pedaços dos cinco pães de cevada
deixados por aqueles que tinham comido.
Comentário:
João continua a projetar outro ponto: que não só a comida havia sido suficiente
para todos, mas, na verdade, havia sido mais do que o necessário. A
graça de Deus era maior do que a própria necessidade. Em seguida, os discípulos
ajuntam doze cestos cheios. Curiosamente, na narrativa dos evangelhos sinóticos,
quando Jesus alimenta os 4.000, sete cestas maiores são retomadas,
aparentemente indicando um excesso ainda maior do que a que aconteceu com os
5000.
14 – Depois
de ver o sinal miraculoso que Jesus tinha realizado, o povo começou a dizer:
“Sem dúvida este é o Profeta que devia vir ao mundo”.
Comentário:
Como resultado do sinal (não do ensino), os homens estão convencidos de que
Jesus é “o Profeta”. Muitos veem isso como uma referência a uma crença do
primeiro século no “Profeta” (como Moisés era, Dt. 18:18) e que ela deve ser
distinguida da crença de que Jesus era o próprio Messias. Outros veem uma
relação similar entre Messias e Profeta. Eu prefiro a primeira opção.
15
– Sabendo Jesus que pretendiam proclamá-lo rei à força, retirou-se
novamente sozinho para o monte.
Comentário:
Jesus sempre é retratado por João como tendo a capacidade de conhecer os
pensamentos dos homens. Parece, sem sombra de dúvidas, que essa
capacidade é apresentada como um poder sobrenatural. Ainda assim, João não
é o único a fazer isso. Marcos (2:4-8) dá a mesma informação, embora não da
maneira tão forte que João a fornece.
Os homens
estavam prestes a vir e fazer de Jesus “rei”. As multidões, como sempre,
estavam procurando o conquistador político/militar que poderia livrá-los da
tirania romana. No entanto, se estes homens estavam procurando o “Profeta”, ao
invés do Messias, existe a possibilidade de termos aqui a conexão feita
posteriormente pelo próprio Jesus: o “Profeta” será semelhante a Moisés, e
Moisés deu ao povo o maná no deserto. Assim, se Jesus é capaz de dar o “maná”
no deserto moderno, Ele não deveria ser “profeta” assim como Moisés? A maneira
que as expressões “o Profeta” e “fazê-lo rei” se encaixam é difícil de
determinar, e depende da teoria que você adere quanto às crenças messiânicas do
primeiro século. Embora o aspecto militar seja forte nos evangelhos sinóticos,
ele não parece ser tão prevalente aqui.
Jesus se
desvia dos planos precipitados dos homens e vai sozinho para a montanha.
Possivelmente os próprios discípulos corriam o perigo de serem levados pelo
frenesi da multidão. Nos relatos dos evangelhos sinópticos, eles nunca desistem
da ideia de um herói/messias militar, e isso pode estar presente aqui também.
16 – Ao
anoitecer seus discípulos desceram para o mar, 17 – entraram num barco e
começaram a travessia para Cafarnaum. Já estava escuro, e Jesus ainda não tinha
ido até onde eles estavam. 18- Soprava um vento forte, e as águas estavam
agitadas. 19 – Depois de terem remado cerca de cinco ou seis quilômetros, viram
Jesus aproximando-se do barco, andando sobre o mar, e ficaram aterrorizados.
Comentário:
João faz uma transição muito natural até a próxima parte deste dia agitado
(e ao próximo milagre também). Os discípulos decidiram ir a Cafarnaum. A
repentina isolação de Jesus bem no momento em que eles esperavam que Ele fosse
aceitar os elogios da multidão deve ter-lhes causado consternação. Será que
Jesus tinha dado instruções de atravessar a Cafarnaum? Será que eles
descobriram que Jesus queria que eles fossem para lá? Será que eles estavam
abandonando a Jesus? João não diz nada a respeito e somos deixados apenas
com perguntas. João observa que já estava escuro quando eles entraram no barco
(uma coisa perigosa a se fazer sobre as águas traiçoeiras do mar da Galiléia).
Talvez eles tivessem esperado o máximo que puderam, e só agora haviam cedido e
começado a atravessar o mar.
Enquanto
estavam no mar, um “grande vento” surgiu (uma ocorrência comum em climas
desérticos). João nos diz que os homens estavam quase na metade do caminho
quando Jesus veio a eles (não muito longe dado o fato de que muitos deles eram
pescadores e seriam habilidosos em viagens aquáticas). O vento estava,
obviamente, contrário a eles. Os evangelhos sinópticos nos dizem que a essa hora
já era muito tarde da noite. Marcos nos diz que estavam na quarta vigília
(Marcos 6:48).
Não sabemos
quem foi o primeiro a ver Jesus andando sobre as águas, mas o choque certamente
deve ter sido grande. Todo tipo de possível explicação naturalista tem sido
oferecido para este milagre mas o texto simplesmente não as permite. Jesus vem
em direção ao barco, andando sobre as águas, e os homens ficam com medo (o que
é bastante compreensível, dada a situação).
20
– Mas ele lhes disse: “Sou eu! Não tenham medo!” 21 – Por isso eles
quiseram recebê-lo no barco e logo após Ele entrar, se encontraram na
costa para a qual estavam indo.
Comentário:
Jesus rapidamente se identifica ao perceber o medo de Seus discípulos. João não
fornece tantos detalhes quanto Mateus (14:22-27). Sua narrativa é bastante
autodisciplinada. A identificação de Jesus acalma os medos dos
discípulos e Ele então entra no barco.
A próxima
cláusula parece indicar mais um evento miraculoso: o transporte imediato do
barco e dos homens para o seu local de destino. Os relatos sinópticos não dão
qualquer indício disso e Mateus 14:34 parece indicar exatamente o contrário. O
milagre observado pelos escritores sinópticos é a cessação imediata da
tempestade (que pode ser o que João está fazendo alusão aqui), isto é, uma vez
que o mar havia se acalmado, eles chegaram ao destino rapidamente (ou
“imediatamente”).
22 – No dia
seguinte, a multidão que tinha ficado no outro lado do mar percebeu que apenas
um barco estivera ali, e que Jesus não havia entrado nele com os seus
discípulos, mas que eles tinham partido sozinhos. 23 – Então alguns barcos de
Tiberíades aproximaram-se do lugar onde o povo tinha comido o pão após o Senhor
ter dado graças. 24 – Quando a multidão percebeu que nem Jesus nem os discípulos
estavam ali, entrou nos barcos e foi para Cafarnaum em busca de Jesus.
Comentário:
Este parágrafo introduz um novo cenário e ainda assim fornece continuidade
com o que foi dito anteriormente. A multidão, que parece ter passado a noite na
zona rural circunvizinha, vê que os discípulos partiram sem Jesus. Eles
obviamente ficam perplexos quanto ao local onde o Senhor poderia estar. Então,
embarcando em pequenos barcos provenientes de Tiberíades, eles atravessam o mar
e voltam para Cafarnaum em busca dEle.
A frase “…
após o Senhor ter dado graças” no verso 23 é um pouco estranha e gerou algumas
variações textuais. Uma possibilidade seria “depois de dar graças ao Senhor”,
embora o genitivo não seja normalmente encontrado nesta forma.
25 – Quando o
encontraram do outro lado do mar, perguntaram-lhe: “Mestre, quando chegaste
aqui?” 26 – Jesus respondeu: “A verdade é que vocês estão me procurando, não
porque viram os sinais miraculosos, mas porque comeram os pães e ficaram
satisfeitos.
Comentário:
Aqui a multidão encontra o Senhor Jesus e obviamente faz a
seguinte pergunta: “Como você chegou aqui?”. Ao invés de respondê-la, o
Senhor trata diretamente da motivação que a multidão tinha para buscá-Lo. Ele
declara que o que Ele havia feito não tinha como propósito apenas a alimentação
de um grande grupo de pessoas, mas sim uma razão especial. Parece óbvio
que o milagre foi realizado para apontar Jesus como o novo Moisés (e ainda mais
que isso) e como o cumprimento da Páscoa (e ainda mais que isso). Como Jesus
irá em breve falar, o pão que Ele deu aos homens representa muito mais (na
verdade, ele representa o “pão da vida”).
27 – Não
trabalhem pela comida que se estraga, mas pela comida que permanece para a vida
eterna, a qual o Filho do homem lhes dará. Deus, o Pai, nele colocou o seu selo
de aprovação”.
Comentário:
Jesus aconselha seus ouvintes a priorizarem aquilo que é valioso. A ênfase
errada que eles tinham (claramente vista na motivação para buscá-Lo) é
comparada aqui a busca pelo pão que se estraga, ao invés do pão que “permanece
para a vida eterna”. Este pão, por sua vez, é encontrado em apenas um: o Filho
do Homem. Este é o pão que o Pai (o próprio Deus) selou/separou (colocou sua
marca nele, por assim dizer). Ao longo deste discurso, Jesus irá fazer uma
conexão íntima entre Sua pessoa e a vida eterna que Ele dá. Não se pode ter a
vida eterna sem ter uma compreensão adequada dAquele que a dá: o Senhor Jesus
Cristo.
28 – Então
lhe perguntaram: “O que precisamos fazer para realizar as obras que Deus requer?”
29 – Jesus respondeu: “A obra de Deus é esta: crer naquele que Ele enviou”.
Comentário:
O uso do termo “trabalho” no versículo 27 induz a pergunta feita ao Senhor: “O
que devemos fazer para realizar as obras de Deus?”. Parece haver uma mudança de
foco aqui, uma vez que é provável que a multidão ainda estivesse presa ao
milagre ao invés de seu significado. Ou seja, o que eles queriam realmente
saber era como poderiam realizar os milagres que Jesus fazia. A resposta de
Jesus, assim como suas respostas à mulher no poço, redireciona magistralmente a
conversa aos seus objetivos. A obra de Deus, Jesus diz, é crer nEle! Esta é a
obra de Deus. Nossos sentidos são frequentemente insensíveis ao tremendo
impacto de declarações como esta devido à nossa familiaridade com a pessoa do
Senhor Jesus. Mas é importante tentar entender esse tipo de declaração no
contexto em que ela foi originalmente proferida. Nenhum profeta de Israel ousou
proferir tais palavras! Eles sempre colocavam o foco exclusivamente em Deus e
bem longe deles. Jesus, no entanto, igualou as “obras de Deus” com a fé em Sua
pessoa. Quão impetuoso! A menos, é claro, que Jesus seja quem Ele afirme ser
nos relatos de João. Os conceitos modernistas de um profeta/professor
visionário da Galiléia que era um homem bom mas certamente não um Messias
divino são ridicularizas se expostas a declarações como estas. Nenhum
“homem bom” iria igualar a obra de Deus com a fé depositada nele mesmo! A
imensidão desta Pessoa Divina é claramente retratada aqui, embora muitas vezes
esquecida em uma leitura casual!
30 – Então
lhe perguntaram: “Que sinal miraculoso mostrarás para que o vejamos e creiamos
em ti? Que farás? 31 – Os nossos antepassados comeram o maná no deserto; como
está escrito: ‘Ele lhes deu a comer pão do céu’”.
Comentário:
Se nós, os modernos, deixamos escapar a importância das palavras de Jesus, os
ouvintes de sua época certamente não deixaram. Eles imediatamente responderam
(observe a conexão de suas perguntas com o que foi dito antes) pedindo por
sinais e argumentando o seguinte: “Se temos que acreditar em você, precisamos
de mais sinais. Você nos deu apenas um e, ainda assim, os nossos pais comeram o
maná no deserto não apenas uma vez, mas por muitos anos!”. Jesus terá que fazer
mais do que um único jantar para poder disputar com o maná!
32 –
Declarou-lhes Jesus: “Digo-lhes a verdade: Não foi Moisés quem lhes deu pão do
céu, mas é meu Pai quem lhes dá o verdadeiro pão do céu. 33 – Pois o pão de
Deus é aquele que desceu do céu e dá vida ao mundo”.
Comentário:
A citação retirada de Salmos 78:24, dada pelo povo, identifica especificamente
o Senhor como o “Ele” que havia dado o pão no deserto. Possivelmente o
povo estava relacionando isso (diretamente ou por implicação) a Moisés, e,
portanto, Jesus os corrige. Ou isso ou eles estão fazendo a comparação entre
Ele (a quem alguns tinham dito “este é verdadeiramente o Profeta”) e Moisés, e,
portanto, Jesus está corrigindo a incompreensão deles em relação a Sua pessoa.
Ao invés disso, a fonte do “verdadeiro pão” é o Pai. O Pai deu o maná no
deserto, mas agora está dando (tempo presente) o “verdadeiro pão do céu” que
não é um alimento perecível, mas sim uma pessoa: “aquele que desceu do céu”.
Mais uma vez a magnitude destas palavras deve ser aproveitada. Em todo caso,
as primeiras coisas (tão preciosas para o povo de Israel) são ofuscadas pela
vida e pelo ministério de Jesus, e ainda mais por Sua própria pessoa! O
verdadeiro pão é uma pessoa que desceu do céu. Não é de se admirar que os
intérpretes liberais, que desejam manter suas opiniões míticas e
“psychologizcd” sobre Jesus e sua suposta falta de conhecimento sobre Sua
própria missão divina até mais tarde em seu ministério, rejeitam a
historicidade da obra de João. Um homem que se descreve como alguém que “desceu
do céu” obviamente tem uma visão divina acerca de suas origens!
Existe
também outro paralelo (mas incompleto, é claro): assim como o maná desceu do
céu e forneceu o sustento para o povo de Deus durante a sua permanência, Jesus
também desceu do céu para ser o sustento do povo de Deus (e de sua salvação).
Jesus irá utilizar este tipo de simbologia dualista durante todo esse discurso,
referindo-se à realidade física do maná para representar a realidade espiritual
da fé nEle. Lamentavelmente, esse dualismo foi perdido pela igreja romana, que
lê nesta passagem a sua própria doutrina errônea da transubstanciação, e, assim
fazendo, inverte a direção que o próprio Senhor está tomando na conversa. Eles,
assim como os ouvintes do primeiro século, não conseguem enxergar a realidade
por trás do símbolo.
34 –
Disseram eles: “Senhor, dá-nos sempre desse pão!” 35 – Então Jesus declarou:
“Eu sou o pão da vida. Aquele que vem a mim nunca terá fome; aquele que crê em
mim nunca terá sede.
Comentário:
A multidão continua em sua cegueira, incapaz de ver o verdadeiro significado
das palavras de Jesus. Ainda lembrando da alimentação dos 5.000, eles clamam
pelo fornecimento contínuo do pão celestial. Em resposta, Jesus é bem
específico: Ele mesmo é o pão. Aquele que “vem a mim”, uma clara
referência à fé (como o paralelo irá mostrar), não terá fome (daí, o pão é
espiritual, não natural) e aquele que “crê em mim” nunca mais terá sede. A
referência à sede parece um pouco fora de contexto aqui, uma vez que até este
ponto apenas temos tratado de alimento. Mas a verdade é que não existe
nenhuma dificuldade, pois Jesus não está se referindo ao consumo físico de
alimentos, Ele está se referindo à necessidade espiritual. O homem tem uma
necessidade espiritual (símbolo: fome e sede) e Jesus atende a essa necessidade
por completo e para sempre. Os termos “vir” e “acreditar” irão se tornar
“comer” e “beber” no verso 54. Existe uma clara progressão nestes termos que
será registrada no comentário.
36 – Mas eu
lhes falo porque vocês viram a Mim porém não acreditaram.
Comentário:
O Senhor conhece os seus corações, seus pensamentos, suas mentes. Apesar de
eles terem confessado que Jesus era um profeta (verso 14), Ele sabe que eles
não “acreditaram”, pois este não é o nível mais alto e mais verdadeiro de fé
que João descreve em seu evangelho. Apesar de eles terem visto o pão da vida,
não acreditaram nEle. Eles foram confrontados com a revelação do próprio
Deus, mas não a aceitaram. No versículo 40, Jesus irá dizer que todos os que “olham”
(theoron) para o Filho têm a vida eterna. Aqui Ele diz que eles têm
visto (heorakate) a Ele. Mais uma vez temos aqui o dualismo de João. O
que se segue, até o versículo 47, parece ser uma explicação para a rejeição por
parte desses discípulos distintos (v. 66) quando confrontados com a realidade
da Sua pessoa. A diferença entre aqueles que ficam com Jesus e aqueles que
se afastam é simplesmente essa: a atração do Pai.
37 – Todo o
que o Pai me dá, virá a mim; e o que vem a mim, de modo nenhum o lançarei fora;
38 – porque eu desci do céu, não para fazer a minha vontade, mas a vontade
daquele que me enviou. 39 – A vontade daquele que me enviou é esta, que eu nada
perca de tudo o que ele me tem dado, mas que eu o ressuscite no último dia.
Comentário:
Esta seção continua o pensamento do versículo 36. Jesus apresenta a completa
soberania de Deus na salvação. Tudo o que o Pai dá a Jesus virá a Ele. O fator
operativo em responder à pergunta do por que alguns vêm a Jesus e outros
(quando expostos a mesma oportunidade) não, é simplesmente a natureza da
escolha do Pai. O Pai “dá” pessoas ao filho (um presente de amor, com certeza).
Quando o Pai “dá” ao Filho uma pessoa, essa pessoa virá a Cristo (que é o único
caminho para o Pai). Não há dúvida de que se uma pessoa é dada a Cristo (ou,
usando a terminologia do verso 44, é atraída pelo Pai) ela virá a Ele. Este é o
lado divino da salvação: absoluta certeza e segurança. No entanto,
Jesus também menciona a resposta humana (não que o ser humano possa mudar
a decisão de Deus, mas que a resposta humana também está lá). O homem não é
retratado apenas como uma “coisa” pulando de um lado para outro, mas sim como
uma pessoa muito importante que vem a Cristo para a salvação, e
isso conforme o resultado da obra da Graça de Deus em sua vida.
Jesus
continua dizendo que quando alguém é dado a Ele pelo Pai (e vem a
Ele), esse alguém está seguro em seu relacionamento com Ele. Ele nunca irá
lançá-lo fora. O subjuntivo aorista de forte negação deixa claro que a suposta
rejeição de quem busca refúgio em Cristo é uma impossibilidade completa e
total. Que palavras bonitas para o coração do pecador! Aqueles que
vêm a Cristo irão descobrir que Ele é um Senhor amoroso que nunca lançará fora
os que confiam nEle!
Por que o
Senhor nunca lançará fora aqueles que vêm até Ele? O verso 38 explica: o Filho
veio para fazer a vontade do Pai. E qual é a vontade do Pai? Que “que eu
nada perca de tudo o que ele me tem dado, mas que eu o ressuscite no último dia“.
Será que podemos duvidar que Cristo fará aquilo que promete? Será que o Senhor
Jesus irá falhar e não realizar a vontade do Pai? Aqui temos, sem sombra de
dúvidas, a segurança eterna do crente. Mas note que, mais uma vez, tudo está
preeminentemente equilibrado. A segurança do crente é baseada em duas coisas: a
vontade do Pai de que nenhum se perca e, em segundo lugar, o fato de que
aqueles que não se perdem são os mesmos que são dados ao Filho pelo próprio
Pai. Assim, na realidade, há segurança no Pai (Ele nos dá a Cristo) e segurança
no Filho (Ele sempre faz a vontade do Pai).
Uma
observação interessante é encontrada no fato de que no versículo 37, o termo
“todo” significa, literalmente, “todas as coisas” (isto é, temos um termo grego
neutro não masculino). Mas na frase seguinte, onde se lê “e o que vem a
mim, de modo nenhum lançarei fora…“, o primeiro “o” é
masculino (isto é, pessoal). Para mim, isso parece ser proposital da parte de
João, e a mesma diferenciação de neutro/masculino, coisa/pessoa é encontrada no
verso 39. Eu acho que essa diferenciação ocorre pela seguinte razão: quando se
está na perspectiva do decreto absoluto e eterno de Deus, João usa o termo
neutro para se referir ao conjunto desse decreto (que inclui todos os
indivíduos eleitos por Deus). Mas quando estamos na perspectiva da resposta
pessoal do indivíduo, ele volta a usar o pronome pessoal masculino.
40
– Porque a vontade de meu Pai é que todo o que olhar para o Filho e nele
crer tenha a vida eterna, e eu o ressuscitarei no último dia”.
Comentário:
A “vontade do Pai” para o Filho foi expressa no verso 39 e agora é expressa de
forma diferente. Mais uma vez, é apresentado o equilíbrio perfeito e completo
entre o papel de Deus e a resposta do homem na salvação. No versículo 39 temos
a garantia do sucesso do Filho em salvar aqueles que foram dados pelo Pai. No
versículo 40 temos a promessa de que todos os que olharem para
o Filho e acreditarem n’Ele terão a vida eterna. Pelo que lemos
acima, é evidente que muitos olham para o Filho mas não acreditam. A
diferença operativa está na atração (ou “capacitação”) do Pai. Aqui está claro
que o termo “todo” refere-se aqueles mencionados no contexto imediato, ou seja,
todos aqueles que o Pai deu ao Filho. Para esses, é o olhar e o acreditar que
traz a vida eterna (uma vez que a atração do Pai é invisível para eles), eles
veem somente a Cristo.
Deve-se
notar que uma “doutrina” excepcionalmente elevada acaba de ser
apresentada aqui. Será que ela não está fora de lugar? Seria de se esperar que
este tipo de ensino estivesse em Efésios ou Filipenses (ou talvez estivesse
mais “em casa” nas Institutas de Calvino), mas entre uma
multidão de galileus na sinagoga de Cafarnaum? Será que realmente devemos nos
assustar com o fato de que as pessoas acharam as falas de Jesus “difíceis
de ouvir”? Por que então essa “doutrina elevada” se encontra aqui?
Eu sinto que
a resposta dos homens, que tentava projetar um plano puramente físico a partir
dos ensinamentos espirituais de Cristo (o que é demonstrado pela sua
incapacidade de enxergar a realidade espiritual por trás do símbolo físico),
induziu uma explicação da parte de Jesus. Por que as pessoas respondem de
maneiras tão diferentes a Suas palavras e obras? Jesus não está à procura de seguidores
no nível que eles se encontravam: eles precisavam saber a verdade de sua
missão. Ele veio buscar e salvar o perdido (mas não todos os perdidos). Aquele
que o Pai deixa em sua própria escuridão irá responder a Cristo de maneira
muito diferente daquele que foi dado a Ele pelo Pai. É hora de separar os
verdadeiros dos falsos discípulos, os chamados daqueles que
são caprichosamente interessados. A “doutrina elevada” não é nada mais do
que a verdade em sua forma mais pura. Ela foi criada tanto para o teólogo como
para o agricultor.
41 – Com
isso os judeus começaram a criticar Jesus, porque dissera: “Eu sou o pão que
desceu do céu”. 42 – E diziam: “Este não é Jesus, o filho de José? Não
conhecemos seu pai e sua mãe? Como ele pode dizer: ‘Desci do céu’?”.
Comentário:
A reação humana da multidão não é surpreendente. A afirmação de Jesus começa
finalmente a penetrar suas mentes, embora eles pareçam estar fugindo da
mensagem do Senhor! Eles começam a criticá-lo por causa de Sua reivindicação de
origem celeste. As perguntas são simples: Não é este Jesus, o filho de José?
Podemos nos opor ao termo “filho de José”, uma vez que Jesus nasceu de uma
virgem, mas isso pode não estar na mente de John (ao menos não aqui). A ênfase
está mais sobre o fato de que a família e as origens de Jesus eram conhecidas
na sinagoga de Cafarnaum (eles conheciam a família do Senhor). Pensando em
termos estritamente humanos (não entendendo a declaração do próprio João de que
o Verbo se tornou carne, ou seja, da natureza dual do Senhor) como poderia este
cujos pais conhecemos afirmar que “desceu do céu”?
43 –
Respondeu Jesus: “Parem de fazer-me críticas. 44 – Ninguém pode vir a mim, se o
Pai, que me enviou, não o atrair; e eu o ressuscitarei no último dia.
Comentário:
Jesus deixa de lado as queixas e acusações dos homens ao apontar
a incapacidade de eles aceitarem Suas afirmações sobre si mesmo. Em termos
ainda mais fortes Ele reitera que o que havia dito antes: ninguém tem a
capacidade de vir a Ele a menos que o Pai o traga. A formulação é precisa:
ninguém é capaz (ou dunatai, uma frase de capacidade). Como
Paulo mais tarde afirma, o fato de o homem natural não ser capaz de entender as
coisas espirituais é um princípio da esfera espiritual. Isso foi expresso por
Jesus como a razão de as pessoas serem incapazes de entender ou aceitar sua
origem divina. A “atração” do Pai é absolutamente necessária. O termo helkuso é
usado em outras partes do evangelho de João: quando Jesus atrai todos para Ele
mesmo ao ser levantado da terra (João 12:32, embora aqui seja Jesus quem esteja
atraindo) e no final do evangelho, quando Pedro “arrasta” a rede cheia de
peixes para a praia. É impossível afirmar que a atração seja “universal” aqui,
pois todos os que são atraídos são também ressuscitados: o Pai atrai e o Filho
ressuscita aqueles que são atraídos. Isso é exatamente paralelo aos versículos
37-39 acima, só que em termos mais gritantes. Esta é a eleição de acordo com
Efésios 1 e Romanos 8-9.
45 – Está
escrito nos Profetas: ‘Todos serão ensinados por Deus’. Todos os que ouvem o
Pai e dele aprendem vêm a mim. 46 – Ninguém viu o Pai, a não ser aquele que vem
de Deus; somente ele viu ao Pai.
Comentário:
Em defesa do ensino presente no verso 44, Jesus salienta que as próprias
Escrituras haviam indicado isso: Isaías 54:13 é a referência. Neste contexto
Jesus está especificamente relacionando isso ao “ouvir” as palavras do Pai.
“Ouvir” é mais uma daquelas palavras usadas por João de maneira dualista:
alguns ouvem, mas não “ouvem”. Outros ouvem e creem. Todos os que “ouvem” desta
maneira (a partir do Pai) vão a Cristo. Eleição divina mais uma vez! Jesus
afirma que os que ouvem o Pai e aprendem com ele, vem a Cristo, continuando a
ideia principal dessa seção, isto é, de que o “Pai dá ao Filho”. Mais uma vez,
a resposta do homem é vir a Cristo. Este formato é visto novamente no capítulo
17, quando Jesus ora e diz: “Eles (os discípulos) eram
teus; tu os deste a mim, e eles têm guardado a tua palavra“. A fórmula é a
mesma aqui: 1 – o Pai possui os eleitos de forma soberana; 2 – Ele
graciosamente dá os eleitos ao Filho; 3 – os eleitos respondem pela fé no
Filho. A repetição desta verdade ao longo do livro é uma prova de sua
importância para Jesus.
O verso 46 é
paralelo a João 1:18: “Ninguém jamais viu a Deus, mas o Deus Unigênito, o
que existe eternamente no seio do Pai, o tornou conhecido“. Jesus é a
única avenida de conhecimento do Pai (Mateus 11:27, João 14:6). Isto tem
grandes implicações no estudo de “outras” religiões, na rejeição do relativismo
e no exclusivismo arraigado do Cristianismo.
47 –
Asseguro-lhes que aquele que crê tem a vida eterna. 48 – Eu sou o pão da vida.
49 – Os seus antepassados comeram o maná no deserto, mas morreram. 50 –
Todavia, aqui está o pão que desce do céu, para que não morra quem dele comer.
51 – Eu sou o pão vivo que desceu do céu. Se alguém comer deste pão, viverá
para sempre. Este pão é a minha carne, que eu darei pela vida do mundo”.
Comentário:
Quem crê, Jesus diz, tem (tempo presente, ação contínua) a vida eterna. A vida
eterna não está relacionada simplesmente à duração da vida, mas também à
qualidade de vida (não é apenas algo futuro, mas presente também). Mas no que
essa pessoa “crê”? Na Bíblia, a fé sempre tem um objeto (ela nunca existe num
vácuo). A fé não é uma entidade separada com existência própria. Parece que, no
contexto, o principal objeto da fé é a pessoa de Jesus Cristo (o que é visto de
várias maneiras). Primeiro, no versículo 46 Ele afirma ser “aquele que vem de
Deus”. No versículo 48 Ele fala que é o pão da vida. Ambas as declarações são
afirmações sobre quem Jesus é (e, portanto, são objetos próprios da fé).
Além disso, a maior parte da tradição textual lê “crê em mim” no verso 47.
Aparentemente muitos escribas posteriores viram a fé como sendo aquela exercida
no Senhor Jesus, e isso se encaixa muito bem no contexto.
Após a
repetida afirmação de Ele ser o pão da vida, parece que estamos voltando à
conversa original depois de tratarmos (com necessidade) daquilo que diz
respeito à origem da fé verdadeira: o Pai. Jesus agora recomeça a busca do
tópico original. Os pais do êxodo comeram o maná no deserto e morreram, mas o
pão que desce do céu (Ele mesmo) é muito superior (Ele toma a comparação
anterior entre o maná e o milagre da alimentação dos 5.000) ao maná, pois esse
era simplesmente um retrato daquilo que viria posteriormente em Cristo. Aquele
que “come” deste pão nunca morrerá. O “comer” aqui é paralelo ao “crer” do
verso 47: qualquer tentativa de tornar isso uma ação física perde todo o propósito
da fala do Senhor. Aquele que crê tem a vida eterna: quem come do verdadeiro
pão do céu nunca morrerá. Comer = acreditar.
Esta fé é
uma questão pessoal, pois envolve “comer” o verdadeiro pão (que é o próprio
Jesus, verso 51). Comer o verdadeiro pão significa ter vida eterna, e este pão,
diz Jesus, é a Sua carne “que será dada pela vida do mundo”. Não é a carne de
Jesus, por si só, que é o objeto aqui. É a Sua carne como dada em sacrifício
que traz a vida eterna. É o sacrifício que dá a vida e não a carne simplesmente.
Ao doar a Sua vida, o Filho fornece vida ao mundo. O contexto novamente exige
uma interpretação estrita do termo “mundo”. João usa kosmos em
muitas maneiras diferentes, mas aqui está bem claro que kosmos se
refere apenas aqueles que são atraídos pelo Pai, dados pelo Pai ao Filho, e que
respondem pela fé no Filho. Para ser consistente, é necessária uma ênfase
contínua sobre este grupo.
52
– Então os judeus começaram a discutir exaltadamente entre si: “Como pode
este homem nos oferecer a sua carne para comermos?”.
Comentário:
Os judeus, ainda interpretando a conversa no plano físico, e recusando seguir a
Jesus acerca da verdade espiritual subjacente a simbologia de Suas palavras,
começam a discutir entre si acerca disso. É intrigante que frequentemente os
homens brigam entre si por causa de teologia ao invés de deixarem a Palavra
decidir a questão. Isso é verdade ainda hoje. As coisas mudam muito pouco ao
longo do tempo. Os homens perguntam como Jesus pode dar a sua carne para eles
comerem. É claro que Jesus não está dizendo que Ele irá fazer isso. Ele está
falando de Seu sacrifício vindouro, do resultante perdão de pecados e da vida
eterna para todos aqueles que estão unidos a Ele.
53 – Jesus
lhes disse: “Eu lhes digo a verdade: Se vocês não comerem a carne do Filho do
homem e não beberem o seu sangue, não terão vida em si mesmos. 54 – Todo o que
come a minha carne e bebe o meu sangue tem a vida eterna, e eu o ressuscitarei
no último dia.
Comentário:
Jesus decide descer ao nível deles em uma tentativa de levá-los até o Seu. Ele
prossegue com a metáfora, já firmemente estabelecida, de “comer = crer”. O
único caminho para a vida eterna é através da união com o Filho do Homem.
Trata-se de uma relação vital de fé com Ele, simbolizada aqui por comer sua carne
e beber seu sangue. Para completar a equação, Jesus coloca “comer a minha carne
e beber o meu sangue” exatamente na mesma posição de ouvir a Sua palavra e crer
naquele que enviou Jesus em João 5:24, ou de serem atraídos pelo Pai em 6:44,
ou de olhar para o filho e crer em 6:40, ou simplesmente de acreditar em 6:47.
O resultado é o mesmo em cada caso: a vida eterna (isto é, ser ressuscitado no
último dia). Por isso, nós temos aqui uma indicação clara do uso da metáfora de
comer sua carne e beber seu “sangue” em João 6. Graficamente teríamos:
Portanto, a
interpretação sacramental desta passagem é deixada sem fundamento algum.
Obviamente, Jesus não está falando de um “sacramento” da “Eucaristia” que foi
estabelecido anos mais tarde. Sua referência a Seu corpo e Seu sangue aqui é
claramente paralela à crença no filho e a atração do Pai (os mesmos temas tratados
acima). Para ser consistentes devemos rejeitar uma interpretação sacramental
desta passagem.
55 – Pois a
minha carne é verdadeira comida e o meu sangue é verdadeira bebida. 56 – Todo o
que come a minha carne e bebe o meu sangue permanece em mim e eu nele. 57 – Da
mesma forma como o Pai que vive me enviou e eu vivo por causa do Pai, assim
aquele que se alimenta de mim viverá por minha causa.
Comentário:
A razão pela qual se pode ter vida eterna ao comer a carne e beber o sangue do
Filho é, simplesmente, que o Filho é a “verdadeira comida e a verdadeira
bebida”. Ele é a única fonte de sustento espiritual verdadeiro. É pela fé vital
que se une a Cristo (João 15:4-8). Este é o lugar onde a vida pode ser
encontrada. À parte de Cristo, o crente não pode fazer nada (15:5),
pois Jesus é a fonte de toda a vida. A vida vem do Pai, que é dada a nós no
Filho e é nossa somente nEle e por meio dEle. Sabendo que a vida eterna vem
pela fé, o comer e beber são símbolos da dependência contínua na fé em Cristo.
Aqui está a chave para a vida cristã: a dependência no Senhor Jesus Cristo em
todas as coisas. Não há outro caminho para a vida eterna.
58 – Este é
o pão que desceu do céu. Os antepassados de vocês comeram o maná e morreram,
mas aquele que se alimenta deste pão viverá para sempre”. 59 – Ele disse isso
quando ensinava na sinagoga de Cafarnaum.
Comentário:
Este discurso fantástico termina com uma advertência solene: os pais não
comeram deste pão e morreram. Será que seus ouvintes irão compreender esse
aviso? João irá nos dizer que dentre os homens são poucos os que irão ouvir e
crer (e isso porque eles foram escolhidos por Deus). Os homens continuarão a
buscar o natural (o pão físico) e a ignorar o verdadeiro pão espiritual
oferecido em Jesus Cristo.
João enraíza
a extremidade oposta deste sermão na história novamente, pois estas palavras
foram pronunciadas na sinagoga de Cafarnaum, um lugar real, em uma época real.
O mistério do Divino proferindo estas palavras na história: o maior de todos os
mistérios.
60 – Ao
ouvirem isso, muitos dos seus discípulos disseram: “Dura é essa palavra. Quem
consegue ouvi-la?” 61 – Sabendo em seu íntimo que os seus discípulos estavam se
queixando do que ouviram, Jesus lhes disse: “Isso os escandaliza? 62 – Que
acontecerá se vocês virem o Filho do homem subir para onde estava antes!
Comentário:
É triste ver o uso de João do termo “discípulo” aqui: muitos tinham seguido a
Jesus de uma forma que poderia ser chamado de “discipulado”, mas que não era
uma convicção sincera, pois não havia a “atração” ou a capacitação do Pai
dentro deles. Eles ficaram “escandalizados” pela dureza das palavras de Jesus.
Muitas pessoas ficam. Muitos odeiam o forte ensinamento da Bíblia. O
relativismo é o veneno mortal do homem moderno. A pergunta, “Quem consegue
ouvi-la?” entra na categoria de duplo uso da palavra “ouvir” no
evangelho de João. Somente aqueles que “ouvem” do Pai e aprendem com Ele tem a
vida eterna.
Jesus
conhece os pensamentos desses discípulos superficiais e faz a eles uma simples
pergunta: Se eles estão escandalizados com essas verdades básicas sobre Sua
pessoa, o que eles irão fazer se o verem em Sua glória, a mesma glória que Ele
compartilhou com o Pai antes de o mundo vir a existir (João 17:5)? Certamente
isso seria ainda mais difícil de eles lidarem. Como Jesus disse a Nicodemos: “Se
eu falo com você das coisas terrenas e você não acredita, como é que você irá
acreditar quando eu falar das coisas celestiais?“
63 – O
Espírito dá vida; a carne não produz nada que se aproveite. As palavras que eu
lhes disse são espírito e vida. 64 – Contudo, há alguns de vocês que não
creem”. Pois Jesus sabia desde o princípio quais deles não criam e quem o iria
trair.
Comentário:
Pode haver de fato uma nota de exasperação na voz de Jesus aqui. Será que nem
mesmo esses discípulos entendem a diferença entre espírito e carne? Porventura,
eles não entenderam a óbvia dualidade aqui? É o Espírito que dá vida – a carne
não produz nada que se aproveite. Estas palavras de Jesus são espírito e vida
(mas ainda assim eles não entendem, porque não acreditam). Jesus sabia quem não
acreditava assim como sabia quem iria traí-lo.
65 – E
prosseguiu: “É por isso que eu lhes disse que ninguém pode vir a mim, a não ser
que isto lhe seja dado pelo Pai”. 66 – Daquela hora em diante, muitos dos seus
discípulos voltaram atrás e deixaram de segui-lo.
Comentário:
O uso do tempo imperfeito aqui indica uma ação continuada (ou, neste caso,
provavelmente uma ação iterativa) no passado. Jesus não disse isso a eles
apenas uma vez, mas muitas vezes: “ninguém é capaz de vir a Mim, a não ser que
isto lhe seja dado pelo Pai”. Algumas traduções dizem “a menos que o Pai o
capacite”. Vir a Cristo não é o resultado de uma conversa persuasiva. Jesus foi
o maior orador de todos os tempos, no entanto, muitos de seus discípulos
“voltaram atrás e deixaram de segui-lo”. Se o homem pudesse ser convencido
desta forma, essa multidão certamente teria sido convencida. No
entanto, o fator operativo estava faltando: a capacitação do Pai. A soteriologia
de Jesus é, sem sombra de dúvidas, centrada em Deus.
Pode-se explicitamente ver o fundamento da teologia de Paulo expresso bem
aqui.
67 – Jesus
perguntou aos Doze: “Vocês também não querem ir?” 68 – Simão Pedro lhe
respondeu: “Senhor, para quem iremos? Tu tens as palavras de vida eterna. 69 –
Nós cremos e sabemos que és o Santo de Deus”.
Comentário:
Pode-se ver o Senhor Jesus se voltando a seu pequeno grupo de discípulos. Foi
um dia bem difícil para eles. Eles viram o milagre da alimentação dos 5.000 e,
logo depois, o Seu Mestre rejeitar a realeza oferecida. Eles viram Jesus andar
sobre as águas. Mas depois disso viram as falas mais difíceis que Jesus tinha
proferido até então. Este Messias é bem diferente do que o que eles
estavam esperando! Nesse momento, a grande multidão estava saindo. Muitos estão
indo embora. Tudo parece estar terminando em fracasso. E Jesus se volta para
eles e pergunta: “Vocês também não querem ir?”.
O impetuoso
Simão Pedro responde por toda a equipe de discípulos: “Senhor, para quem iremos?”
Quão valiosas essas palavras devem ter sido para o Senhor! Pedro confessa que
estes homens compreendiam que Suas palavras eram referentes à vida eterna, e
que eles têm acreditado e conhecido (ambos no presente perfeito) que Jesus é o
Santo de Deus. Que conforto isso foi ao Seu coração. Os propósitos de Deus
serão cumpridos. Estes homens são alguns dos dados ao Filho pelo Pai, e o Pai
está mantendo sua promessa de ensiná-los. Ele tem feito isso, e eles respondem
seguindo a Cristo, mesmo estando em minoria.
70 – Então
Jesus respondeu: “Não fui eu que os escolhi, os Doze? Todavia, um de vocês é um
diabo!” 71 – (Ele se referia a Judas, filho de Simão Iscariotes, que, embora
fosse um dos Doze, mais tarde haveria de traí-lo.).
Comentário:
Há amor na voz de Jesus quando Ele fala que escolheu estes homens. Ainda assim,
mesmo aqui, a terrível traição não fica fora de vista. Um desses homens
não entende o amor de Jesus. Um desses homens é o “filho da perdição”. Somente
depois de Judas deixá-los na noite da traição foi que Jesus teve total
liberdade de abrir Seu coração para estes homens a quem ele amava “até o
fim” (João 13:1).
Autor: Dr. James White
Tradução/adaptação: Erving Ximendes
Revisão: Bruno Matias
Imagem: Bereianos
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