A relação entre libertação e adoração no Êxodo
Antes de Deus falar a lei a Israel do alto do Sinai, ele fala de libertação a Moisés, lá da sarça ardente. Israel vivia os sofrimentos de uma labuta amarga. Quatrocentos anos no Egito os haviam transformado em escravos sem esperança de liberdade. Mas a sarça fala. Yahweh dá a conhecer seu plano de grande resgate. Moisés deve ir a Faraó com um pedido: “Deixa-nos ir caminho de três dias para o deserto, a fim de que sacrifiquemos ao Senhor, nosso Deus” (Êx 3.18).
Deixa ir o meu povo. Esse será o refrão dos próximos dezesseis capítulos de Êxodo. Sete vezes, Moisés trará as palavras de Deus ao Faraó: “Deixa ir o meu povo, para que me celebre uma festa no deserto” (Êx 5.1; 7.16; 8.1, 20; 9.1, 13; 10.3).
Uma festa no deserto. Um ato de adoração. Algo até então fora de questão. A amarga servidão a Faraó havia tornado impossível para Israel o culto abençoado a Deus. Como eles poderiam servir tanto a Deus como a Faraó? A adoração obediente ao Rei do céu não pode ser oferecida por aqueles que se encontram escravizados no reino de Faraó. Deixa ir o meu povo.
Mas Faraó é um mestre teimoso. Por que ele os libertaria para servir a outro mestre quando, na verdade, estão servindo a ele? Com dez pragas, Yahweh quebra o cetro de Faraó e liberta seus filhos por passagens de sangue e de água. Dez grandes dores de parto e um nascimento: os servos de Faraó se encontram renascidos em sua verdadeira identidade como servos de Deus. Que a festa comece!
Mas a fome e a sede são seus primeiros companheiros, e eles murmuram contra Deus. Deus, então, supre suas necessidades com água viva e comida do céu, uma amostra da provisão que os aguardava em Canaã. E, por fim, eles se aproximam do sopé da montanha, o lugar para onde Deus os chamara com o propósito de adoração, sacrifício e festa.
Deus desce em trovões e relâmpagos, e não lhes dá a festa que esperavam, mas aquela de que necessitam. Ele lhes dá a lei. A lei de Faraó, essa eles sabem de cor, mas a lei de Yahweh, para eles, é, na melhor das hipóteses, uma lembrança remota, após quatrocentos anos no Egito. Ele não a dá quando estão no Egito, pois como poderiam servir a dois senhores? Não, em vez disso, ele espera, dando-a, graciosamente, no momento em que eles finalmente são capazes de obedecer. Venha para a festa. Venha aquele que passa fome por causa da lei do Faraó para se banquetear com a lei do Senhor. Venha provar a lei que dá liberdade (Tg 1.25).
Muitos anos depois, Jesus falaria a seus seguidores sobre sua própria relação com a lei. Ninguém pode servir a dois senhores. Nasça de novo pela água e pelo sangue. Tenha fome e sede de justiça. Se o Filho vos libertar, verdadeiramente sereis livres. Jesus se mostra o verdadeiro e melhor Moisés, guiando-nos até o sopé do Monte Sião para trocar a lei de pecado e morte pela lei de amor e vida.
Foi para a liberdade que Cristo, o verdadeiro e melhor Moisés, nos libertou. Fomos transportados do reino das trevas para o reino da luz, da lei desumanizadora do opressor para a lei humanizadora da liberdade. Encontramo-nos no deserto da provação, alimentados com o pão que desceu do céu, ansiando por um lar melhor. Como, então, viveremos?
Ouça as palavras de Paulo:
Assim como oferecestes os vossos membros para a escravidão da impureza e da maldade [transgressão da lei] para a maldade, assim oferecei, agora, os vossos membros para servirem à justiça para a santificação. (Rm 6.19)
Para os que estão no deserto, a lei é graciosamente dada para nos separar daqueles que nos rodeiam e apontar o caminho para o amor a Deus e o amor ao próximo. As Dez Palavras nos mostram como ter vidas santas como cidadãos do céu enquanto ainda moramos na terra. Para o crente, a lei se torna um meio de graça.
Palavras encorajadoras
As regras possibilitam o relacionamento. As Dez Palavras, graciosamente, nos posicionam para viver em paz com Deus e com os outros. O Grande Mandamento, aquele que Jesus diz que resume todas as 611 leis gerais e específicas do Antigo Testamento, confirma isso:
Amarás o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração,
de toda a tua alma, de todas as tuas forças e de todo o
teu entendimento; e: Amarás o teu próximo como a ti
mesmo. (Lc 10.27)
O Grande Mandamento é o princípio fundamental para toda vida correta. Naturalmente, as Dez Palavras seguem o mesmo padrão de cumprimento da lei: primeiro para com
Deus e, em seguida, para com o homem. As Dez Palavras são encorajadoras, destinadas a nos dar esperança — esperança de que viveremos de forma correta, orientados para Deus e para as outras pessoas, e esperança de que cresceremos em santidade. Elas não são dadas para desencorajar, mas para alegrar. Não são nada menos do que palavras de vida.
Mas tome nota: essas não são palavras de vida para todas as pessoas. Para o incrédulo, a obediência às Dez Palavras pode produzir apenas o fruto mortal do legalismo. Como o autor de Hebreus deixa claro: “Sem fé é impossível agradar a Deus” (Hb 11.6). Essas palavras trazem vida somente para aqueles que se uniram a Cristo pela fé. Nosso relacionamento foi comprado pela perfeita obediência de Cristo à lei. A vida de Jesus cumpre as palavras proféticas de Salmos 40.8: “Agrada-me fazer a tua vontade, ó Deus meu; dentro do meu coração, está a tua lei”.
Aquele que se deleitou na lei de Deus a oferece àqueles que confiam nele, para que também se deleitem nela. E para que possam agradar a Deus. Com fé, pelo poder do Espírito, é possível agradar a Deus.
Proponho que decidamos não apenas nos lembrar das Dez Palavras, como também nos alegrar com elas, ver beleza nelas, buscar nelas encorajamento e viver por elas. Elas permanecem antigas e atemporais, assim como para o Israel resgatado, também para nós: uma festa de justiça espalhada pelo deserto, fortalecendo nossos corações para a jornada de volta ao lar.


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