Em 2002 eu pastoreava em Curitiba. Naquela bela (e fria) cidade, certa vez me deparei com uma situação perigosa. Estava no centro da cidade, esperando o ônibus em um tubo (pra quem não conhece, os ônibus bi-articulados de Curitiba param em estações chamadas de tubo por serem tubulares). De repente, vi alguns funcionários de linhas de ônibus marchando pela rua e gritando palavras de ordem. Estava começando, naquele momento, uma greve geral no transporte urbano curitibano. Vi que alguns ânimos ficaram exaltados um pouco além dos limites civilizados, e por isso desisti do ônibus, pegando um táxi para voltar pra casa. Houve alguns princípios de quebra-quebra. Gente revoltada pela greve começar justamente em um horário de pico (era cerca de 18 horas), funcionários dos ônibus exaltados pela própria atmosfera de greve. Ao chegar em casa, vi pelo noticiário que aquela era sim uma greve e fui um “felizardo” de vê-la nascendo.
Quando uma classe de trabalhadores entra em greve é porque sente que seus direitos não estão sendo respeitados e, portanto, o sistema está errado. Porém, quando se parte para o vandalismo, vê-se que o erro está além do sistema. Nesses casos, o erro do sistema se torna um álibi para extravasar toda a inadequação interna.
Estou em um grande conflito interior. Estou muito preocupado com a igreja. A cada dia que passa, surgem novas modas, inovações, e padrões até ontem inexistentes passam a servir como um novo “mover” do Espírito. Surgem novos cargos, criando uma espécie de “hierarquia carismática”, onde os dons, antes entendidos como doação do Espírito para serem vividos para a edificação da igreja, servem como identificação de persona eclesial. Algo como os padrões dos kilts dos escoceses, que identificam os clãs. Se antes alguém tinha o entendimento que era chamado para ser pastor, e que tal dom deveria ser exercido com temor e zelo, hoje o pastorado, para muitos, é apenas a porta de entrada em um plano de cargos e salários celestial, onde o alvo deixou de ser o prêmio da soberana vocação em Cristo Jesus e passou a ser o cargo de apóstolo, ainda que totalmente desvirtuado de seu sentido bíblico.
Ao mesmo tempo em que me preocupo com a igreja e com o caminho que anda tomando, confesso que estou ficando cansado. Isso porque nos últimos tempos, com a desculpa de negar os descalabros que estão acontecendo, está surgindo um grupo, ou vários grupos, de franco-atiradores. Tal qual Jean Meslier, que achava que o mundo só seria livre quando o último rei fosse estrangulado nas tripas do último padre, tais pessoas acham que a igreja só será livre quando o último pastor for queimado na fogueira da última Bíblia. Esse grupo tem cada vez mais ouvintes, a despeito de ser tão igual aos que pretensamente combate. Postam mensagens onde ignorantemente discorrem, com toda a arrogância peculiar, sobre como a Bíblia está mal interpretada por ser encarada como algo divino, sobre como Cristo, em todo o seu amor cósmico, convida a todos a continuar com seus padrões de vida pecaminosos e retorcidos, e sobre como cada um, sozinho, é igreja. Realizam o mesmo trabalho de desconstrução do grupo que dizem combater, só que mais ridiculamente pseudo-intelectualizado. Gente que joga no lixo tudo o que vimos e vivemos até hoje, como se o Espírito nunca tivesse agido no planeta, ao menos não do jeito que eles entendem. Para ilustrar, eles estão, como diz o ditado, jogando fora o bebê junto com a água suja. Enfim, é uma ressurreição tardia e torta do iluminismo, onde o homem é a medida de todas as coisas e não mais Deus. Esses semi-Bakunins talvez não saibam, mas a epístola de Judas foi escrita tendo em mente gente desse naipe.
Talvez meu cansaço decorra do fato de ver que perdemos nossos referenciais, nossos heróis (apesar de Bertold Brecht ter dito que “infeliz é a nação que precisa de heróis”). Talvez meu cansaço se deva ao fato de que, hoje, o rascunho já é ruína. Ou talvez meu cansaço seja pelo fato de que a Bíblia mesmo diz, em Ezequiel 3.7: “Mas a casa de Israel não te quererá ouvir; pois eles não me querem escutar a mim; porque toda a casa de Israel é de fronte obstinada e dura de coração”. Eu queria que a casa de Israel ouvisse, mas não posso negar o que a Bíblia diz. Eu queria estar iludido, mas parece que a realidade medíocre me vence. Eu queria que a igreja estivesse vivendo mesmo momentos de avivamento, e não de grosseira mercantilização. Eu queria que estivesse sendo separado um grupo que prima pela coerência escriturística e não pelo extremo egocentrismo pecaminoso.
Mas ainda que haja gente que queira quebrar tudo pelo simples prazer da iconoclastia, não posso perder a esperança de que um dia o Senhor mude a história. Ainda que a figueira não floresça, ainda que a babaquice pretensiosamente pseudo-academicista cresça a cada dia, ainda que o deslumbramento pela manipulação de gente vazia seja uma realidade, eu ainda assim esperarei no Senhor.
• Rodrigo de Lima Ferreira, casado, duas filhas, é pastor da Igreja Presbiteriana Independente do Brasil desde 1997. Graduado em teologia e mestre em missões urbanas pela FTSA, hoje pastoreia a IPI de Serranópolis, GO.
Fonte: https://bereianos.blogspot.com
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