“Deus falou comigo.”
Existem poucas declarações que podem encerrar um debate tão rapidamente como essa. Se os cristãos discordam sobre uma doutrina, uma prática ou uma ideia, em seguida, a grande carta na manga costuma ser “Deus falou comigo acerca disso”. Fim da discussão.
Mas, a história da igreja (para não mencionar as
próprias Escrituras) demonstra que tais reivindicações de revelações privadas e
diretas são altamente problemáticas. Claro, isso não significa que Deus não
fala com as pessoas. A Escritura está cheia de exemplos disso. Mas essas
pessoas geralmente eram indivíduos com uma vocação fora do comum (por exemplo,
profeta ou apóstolo), ou então estavam presentes em um período único na
história da redenção (por exemplo, a igreja primitiva em Atos).
Depois do fim do primeiro século, com os apóstolos
já mortos, a igreja rejeitou amplamente a ideia de que qualquer pessoa poderia
dar um passo a frente e afirmar ter uma revelação direta de Deus. Essa
realidade é provavelmente melhor exemplificada no debate da igreja cristã
primitiva sobre o Montanismo.
O Montanismo foi um movimento do século II cujo líder, Montano, afirmava receber revelações diretas de Deus. Além disso, duas de suas “profetisas”, Priscila e Maximila, também alegavam recebê-las. As revelações eram muitas vezes acompanhadas de um comportamento estranho. Quando Montano as tinha, “[Ele] se tornava obcecado, e de repente caia em convulsões e frenesi. Ele começava a ficar extático e a falar estranhamente” (Hist. Ecl. 5.16.7).
O Montanismo foi um movimento do século II cujo líder, Montano, afirmava receber revelações diretas de Deus. Além disso, duas de suas “profetisas”, Priscila e Maximila, também alegavam recebê-las. As revelações eram muitas vezes acompanhadas de um comportamento estranho. Quando Montano as tinha, “[Ele] se tornava obcecado, e de repente caia em convulsões e frenesi. Ele começava a ficar extático e a falar estranhamente” (Hist. Ecl. 5.16.7).
Sem qualquer necessidade de mencionar isso, esse
tipo de atividade causou grande preocupação nos líderes ortodoxos do segundo
século. Parte dela estava na forma em que essas atividades proféticas estavam
ocorrendo. Eles a condenaram, alegando que era “contrário ao costume que
pertence à tradição e sucessão da igreja desde o princípio” (Hist. Ecl.
5.16.7).
Mas, a outra preocupação (e talvez a maior delas) era que essa nova revelação era inconsistente com as crenças da Igreja sobre os apóstolos. Os líderes do segundo século compreendiam que os apóstolos foram um canal exclusivo usado por Deus; de tal forma que eles não aceitariam qualquer revelação que não se podia demonstrar ser apostólica.
Como exemplo desse compromisso, a igreja primitiva rejeitou o Pastor de Hermas (um livro que supostamente continha revelações do céu) com base no fato de que ele havia sido escrito “muito recentemente, em nossos tempos” (Cânone Muratori). Em outras palavras, ele foi rejeitado por não ser um livro da era apostólica.
Mas, a outra preocupação (e talvez a maior delas) era que essa nova revelação era inconsistente com as crenças da Igreja sobre os apóstolos. Os líderes do segundo século compreendiam que os apóstolos foram um canal exclusivo usado por Deus; de tal forma que eles não aceitariam qualquer revelação que não se podia demonstrar ser apostólica.
Como exemplo desse compromisso, a igreja primitiva rejeitou o Pastor de Hermas (um livro que supostamente continha revelações do céu) com base no fato de que ele havia sido escrito “muito recentemente, em nossos tempos” (Cânone Muratori). Em outras palavras, ele foi rejeitado por não ser um livro da era apostólica.
Esta questão chegou a um ponto onde os Montanistas
começaram a escrever novas profecias, formando sua própria coleção de livros
sagrados. Os líderes ortodoxos viram tal atividade como ilegítima porque, em
sua compreensão, Deus já havia falado através de seus apóstolos, e as palavras
dos apóstolos já haviam sido registradas nos escritos do Novo Testamento.
Alguns exemplos de como os líderes ortodoxos rejeitaram esses livros contendo “nova revelação”:
Alguns exemplos de como os líderes ortodoxos rejeitaram esses livros contendo “nova revelação”:
1.
Gaio de Roma, em seu diálogo contra o Montanista
Proclo, repreendeu “a imprudência e audácia de seus adversários ao compor novas
Escrituras” (Hist. Ecl. 6.20.3).
2.
Apolônio se opôs às novas “revelações” com base no
fato de que os profetas montanistas estavam colocando suas “palavras vazias” no
mesmo nível das palavras de Cristo e dos apóstolos (Hist. Eccl 5.18.5.).
3.
Hipólito reclamou que os montanistas “alegavam ter
aprendido mais através desses escritos [os escritos montanistas] do que através
da lei, dos profetas, e dos Evangelhos” (Haer. 8,12).
4.
A crítica anônima ao Montanismo registrada por
Eusébio revela sua hesitação em escrever uma resposta a eles por medo de ser
mal compreendido e visto como se estivesse cometendo o mesmo erro que eles ao
“parecer, para alguns, estar acrescentando aos escritos ou injunções da palavra
da nova aliança e do Evangelho” (Hist. Ecl. 5.16.3).
Quando você olha para essas respostas, alguns pontos importantes se tornam bastante claros. Em primeiro lugar, e isso é crítico, é óbvio que esses autores já tinham recebido e já conheciam uma série de escritos do Novo Testamento como Escrituras dotadas de autoridade. Assim, eles já tinham um cânone do NT (ainda que alguns livros permanecessem sob discussão). De fato, é a existência desses livros que formam a base para as suas principais queixas contra os Montanistas.
Em segundo lugar, e igualmente importante, a resposta desses escritores mostra que eles não aceitaram essas “novas revelações” na época. Para eles, o tipo de revelação que poderia ser considerada como “palavra de Deus” cessou no período apostólico.
Tratando da igreja moderna, há grandes lições a
serem aprendidas aqui. Por um lado, devemos ser igualmente cautelosos sobre
alegações extravagantes de pessoas recebendo nova revelação do céu. E, ainda
mais do que isso, o debate montanista é um grande lembrete para irmos sempre de
volta às Escrituras como orientação e padrão definitivo para a verdade. É na
palavra de Deus escrita que a igreja deve permanecer firme.
Tradução: Erving Ximendes
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