O Dr. Eryl Davies faz a seguinte afirmação em seu
artigo publicado no jornal Themelios, intitulado Dr. Martyn Lloyd-Jones: Uma
Introdução: “Embora carismáticos e pentecostais o reivindiquem como
defensor dos seus pontos de vista, uma leitura cuidadosa dos escritos de M. L-J
deixa claro que eles o entenderam mal”.
Davies fundamenta a sua afirmação (em parte)
apontando para uma seção da obra Unidade Cristã, de Lloyd-Jones, na qual
o Doutor (como ele era frequentemente chamado) discute a natureza da profecia
do Novo Testamento.
Aqui está o que Lloyd-Jones afirmou:
“Podemos dizer, contudo, que o profeta era uma
pessoa a quem a verdade era dada pelo Espírito Santo [...] Vinha-lhes uma
revelação ou mensagem ou algum discernimento da verdade e, cheios do Espírito,
podiam fazer declarações benéficas e proveitosas para a igreja. Certamente
está claro que também isto era temporário, e por esta boa razão, que naqueles
primeiros dias da Igreja não havia Escrituras do Novo Testamento, a verdade
ainda não tinha sido exposta em palavras escritas. Tente imaginar a
nossa posição se não possuíssemos estas cartas do Novo Testamento, mas apenas o
Antigo Testamento. Era essa a posição da igreja primitiva. A verdade foi dada a
ela, principalmente pelo ensino e pregação dos apóstolos, mas ela foi
suplementada pelo ensino dos profetas aos quais foi dada a verdade e também a
capacidade de falar com clareza e poder na demonstração e autoridade do
Espírito. Mas uma vez que estes documentos do Novo Testamento foram escritos, o
ofício de um profeta não era mais necessário. Por isso, nas Epístolas
Pastorais, que se aplicam a uma etapa posterior na história da Igreja, quando
as coisas haviam se tornado mais estáveis e fixas, não há nenhuma menção aos
profetas. É evidente que mesmo o ofício de profeta não sendo mais necessário, a
chamada foi para os mestres, pastores e outros exporem as Escrituras e
transmitirem o conhecimento da verdade. Mais uma vez temos que observar que muitas
vezes na história da Igreja o problema surgiu porque as pessoas pensavam que
eram profetas no sentido do Novo Testamento, e que tinham recebido revelações
especiais da verdade. A resposta para isso é que, na perspectiva das
Escrituras do Novo Testamento, não há necessidade de verdades adicionais. Essa
é uma proposição absoluta. Nós temos toda a verdade no Novo Testamento, e não
temos necessidade de quaisquer outras revelações. Tudo foi dado, tudo o que é
necessário para nós está disponível. Portanto, se alguém alega ter recebido
uma revelação de alguma nova verdade, devemos suspeitar dele imediatamente
[...] A resposta para tudo isso é que a necessidade de profetas terminou uma
vez que temos o cânon do Novo Testamento. Não precisamos mais de revelações
diretas da verdade; a verdade está na Bíblia. Nunca devemos separar o Espírito
da Palavra. O Espírito nos fala através da Palavra, por isso, devemos sempre
duvidar e consultar qualquer suposta revelação que não seja completamente
consistente com a Palavra de Deus. Na verdade, a essência da sabedoria é
rejeitar completamente o termo ‘revelação’, no que nos diz respeito, e só falar
de ‘iluminação’. A revelação foi dada de uma vez por todas, e o que precisamos
e o que pela graça de Deus podemos ter, e temos, é a iluminação do Espírito
para entender a Palavra” (D. Martyn Lloyd-Jones. Christian Unity. Grand
Rapids: Baker, 1987. pp. 189-91).[i]
Claramente, a explicação de Lloyd-Jones acerca da profecia do Novo Testamento é contrária à posição continuísta.
Porque o seu nome é levantado muitas vezes por aqueles que defendem uma posição continuísta, a sua descrição de profecia se torna especialmente pertinente na atual discussão sobre os dons.
UPDATE: Alguns
comentaristas têm sugerido que Lloyd-Jones estava se referindo apenas à
profecia escriturada e, portanto, suas declarações acima não se aplicam à
posição continuísta contemporânea. No entanto, este não é o caso. Num parágrafo
da introdução da discussão acima, Lloyd-Jones descreveu o tipo de profecia do
Novo Testamento ao qual ele estava se referindo:
“No Novo Testamento os profetas geralmente são
unidos aos apóstolos, como no segundo capítulo desta epístola: ‘Edificados
sobre o fundamento dos apóstolos e profetas, sendo ele próprio a pedra angular,
Jesus Cristo’ (Ef 2.20). Mas, embora estejam junto dos apóstolos, os profetas
são obviamente diferentes. Por exemplo, não era necessário que um profeta
tivesse visto o Senhor ressuscitado. Na verdade, em geral, ele não precisava
ter muitas das qualificações do apóstolo. Essencialmente, um profeta era um
homem que falava sob a inspiração direta do Espírito Santo. É claro que,
algumas vezes, um profeta era uma mulher. Somos informados no segundo capítulo
de Lucas, que Ana era uma ‘profetisa’. De igual modo, é dito em Atos que
Filipe, o evangelista, tinha quatro filhas que ‘profetizavam’ (21.9). Existem
muitas referências a profetas no Novo Testamento. Por exemplo, em Atos nos é
dito que havia vários profetas na igreja de Antioquia, alguns dos quais tinham
vindo de Jerusalém (11.27; 13.1). Um deles, chamado Ágabo, profetizou que uma
grande fome estava para vir sobre a terra, e ele exortou os cristãos sobre
isso. Há um ensino específico sobre os profetas no capítulo catorze da Primeira
Epístola aos Coríntios” (D. Martyn Lloyd-Jones. Christian Unity. Grand
Rapids: Baker, 1987. p. 188).[ii]
Observe que Lloyd-Jones vê uma distinção entre apóstolos e profetas em Efésios 2.20. Isto vai contra a comum interpretação continuísta desta passagem. Além disso, observe que Lloyd-Jones inclui as filhas de Filipe, Ágabo e até mesmo os profetas congregacionais de 1Coríntios 14 sob a égide da profecia do Novo Testamento que ele está discutindo.
Nada nos comentários de Lloyd-Jones (ao menos nesta seção em particular) sugere que ele abraçou a visão dos dois níveis da profecia do Novo Testamento, que caracteriza a posição continuísta contemporânea.
Notas:
[i] Publicada no Brasil pela editora PES: D. Martyn Lloyd-Jones. A Unidade Cristã: Exposição sobre Efésios 4:1-16. São Paulo: PES, 1994. pp. 163-166.
[ii] Ibid. p. 163.
Tradução: Rev. Alan Rennê Alexandrino Lima
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