“Nele,
digo, em quem também fomos feitos herança, havendo sido predestinados,
conforme o propósito daquele que faz todas as coisas, segundo o conselho
da sua vontade”. (Efésios 1:11) Às vezes lança-se àqueles que sustentam
que Deus é soberano em tudo o que Ele faz que tenha de se reconhecer
que a vontade do homem é outro lado desse assunto que ajusta a verdade.
No entanto, é difícil imaginar como alguma declaração poderia ser mais
positiva do que essa em Efésios 1:11 e se há outro lado do assunto, ele
não entrará em contradição com essa declaração, pois toda Escritura é
inspirada por Deus e é pois infalível.
Em
nenhuma esfera nega-se tanto a soberania de Deus como no assunto da
salvação do homem. Apenas cem anos atrás, e por aí, era comum ouvir
mensagens sobre o dever de submissão à vontade de Deus, mas quem chega a
ouvir uma mensagem sobre esse tema nesta época de teimosia? Muitas
vezes se ouve grandes sermões acerca da suposta livre e suprema vontade
do homem, e a maioria dos evangelistas (?) não consegue dar um convite
sem expandir nesse tema, mas geralmente ignora-se a vontade de Deus.
No
entanto, o texto acima não é o único que apresenta a supremacia da
vontade de Deus; há muitos outros, e muitas vezes são mais
especificamente mencionados com relação à salvação do que os acima. Note
o seguinte: “Estava no mundo, e o mundo foi feito por ele, e o mundo
não o conheceu. Veio para o que era seu, e os seus não o receberam. Mas,
a todos quantos o receberam, deu-lhes o poder de serem feitos filhos de
Deus, aos que crêem no seu nome; Os quais não nasceram do sangue, nem
da vontade da carne, nem da vontade do homem, mas de Deus”. (João
1:10-13) “Assim, pois, isto não depende do que quer, nem do que corre,
mas de Deus, que se compadece. Porque diz a Escritura a Faraó: Para isto
mesmo te levantei; para em ti mostrar o meu poder, e para que o meu
nome seja anunciado em toda a terra. Logo, pois, compadece-se de quem
quer, e endurece a quem quer”. (Romanos 9:16-18) “Porque Deus é o que
opera em vós tanto o querer como o efetuar, segundo a sua boa vontade”.
(Filipenses 2:13) “Segundo a sua vontade, ele nos gerou pela palavra da
verdade, para que fôssemos como primícias das suas criaturas”. (Tiago
1:18) A esses poderiam-se acrescentar outros textos igualmente fortes e
explícitos, mas se alguém não se convencer com esses, também não se
convenceria com mais Escrituras.
Há
várias palavras no Novo Testamento grego que são traduzidas “vontade”, e
elas têm várias nuanças de sentido. Em Efésios 1:11, a palavra
traduzida “conselho” (grego boule) em sua forma verbal é muitas vezes
traduzida “vontade”. É juntada com “vontade” (grego thelema) que é uma
forma mais fraca. A palavra grega boule (e suas formas relacionadas
boulema e boulomai) sugere “desígnio deliberado” e é “o resultado de
determinação”, em oposição a mero desejo ou vontade. É necessário que
distingamos entre essas duas nuanças de sentido, ou então poderemos
chegar à ímpia conclusão de que Deus é incapaz de realizar Seus
propósitos sem a ajuda do homem. Os teólogos do passado distinguiam
entre a vontade revelada de Deus, e Sua vontade secreta; a vontade
revelada de Deus (muitas vezes expressa pela palavra grega thelo ou
thelema) revela o desejo de Deus, e assim prova nossa obediência; mas a
vontade secreta de Deus (expressa pelas palavras gregas boule, boulema e
boulomai) expressam a vontade determinada secreta de Deus que não pode e
não será frustrada. Muitas vezes se distingue a vontade de Deus em Sua
vontade eficaz ou Sua vontade permissiva. O Dr. Green bem distingue
entre essas.
Contudo,
deve-se notar com cuidado aí que todos os que corretamente sustentam
essa doutrina declaram que deve-se sempre manter uma diferença entre o
que foi denominado os decretos eficazes e os decretos permissivos de
Deus. Seus decretos eficazes têm relação com tudo o que é moralmente
bom; Seus decretos permissivos têm relação com tudo o que é moralmente
mau. Em outras palavras, Seu meio de ação direto, de acordo com seu
decreto, tem a ver com tudo o que é moralmente bom: seu meio de ação
direto nunca tem a ver com o que é moralmente mau. Ele permite que o mal
ocorra, e eficazmente o anula para o bem — para a promoção da sua
glória. — Lectures On The Short¬er Catechism (Preleções acerca do
Catecismo Menor), Vol. I, pp. 180 181. Presbyterian Board of
Publication, Phila¬delphia.
Nossa
época não é a primeira a resistir à vontade e poder soberano de Deus,
pois Paulo falou disso em sua época em Romanos 9:18 21, nem nos
preocupamos que alguém poderia derrubar a vontade de Deus; porém, é
importante que não nos achemos em rebelião contra os propósitos do
Senhor: os quais certamente serão realizados, e nos arrebentaremos se
tentarmos resistir a eles. Mas uma coisa é conhecer a vontade de Deus, e
outra bem diferente é fazer Sua vontade; é aí que entra a
responsabilidade humana, e certamente cremos nisso, porém isso não é a
mesma coisa como “livre arbítrio”, embora isso seja o que muitos querem
dizer quando falam de “livre arbítrio”. Se um homem se perde, ele é o
único responsável, pois João 5:40 diz literalmente: “E não quereis vir a
mim para terdes vida”. Se alguém é salvo, é porque Deus primeiramente
trabalhou nele tanto o querer como o efetuar, para com isso realizar
Seus propósitos soberanos, que são salvar um número definido — aqueles
aos quais Ele deu a Cristo na aliança da redenção, para que Ele lhes
desse vida (João 17:2,6,8 9) — e Ele realmente salvará cada um desses,
mas nenhum a mais do que esses (João 6:37,44).
Não
é pois necessário dizer que eu não sou um batista do “livre arbítrio”,
mas sou um batista da “graça soberana”, pois creio com Charles Spurgeon
que “Afirmamos que o plano inteiro da salvação, do começo ao fim, em
toda maneira depende da vontade absoluta de Deus, e não da vontade da
criatura” (Metropolitan Tabernacle Pulpit [Púlpito do Tabernáculo
Metropolitano], Vol. 8, p. 183. Pilgrim Publications, Pasadena, Texas,
1971).
Muitas
vezes ouvimos pessoas resumirem sua teologia acerca da extensão da
expiação dizendo: “Olha, creio no ‘Qualquer um que quer’”. Ao que
dizemos um forte “AMÉM!” Mas isso não toca o problema real do assunto.
Não há dúvida alguma de que só “quem quer que creia” será salvo, pois a
promessa de Deus o garante, mas as perguntas são: “Por si mesmo o homem
tem condições de querer?” “Como é que um homem consegue querer crer que
ele pode ser salvo?” Só um ateu ou agnóstico total negaria que quem quer
que creia será salvo, pois tal negação repudia as promessas de Deus. O
problema do homem nunca foi se ele será salvo se ele crer em Cristo, mas
seu problema sempre foi que por natureza ele não tem disposição de
crer.
Há
cinco palavras e frase gregas que são traduzidas “quem quer que”, mas a
que se acha em João 3:15,16 é a mais comum, e é mais comumente
traduzida “cada um”, “todos”, mas sempre com uma limitação que se diz ou
indica claramente. Se tão somente considerarmos o que as Escrituras têm
a dizer acerca do estado natural da vontade do homem, veremos que o
homem não consegue “querer” ser salvo sem a graça divinamente gravada de
Deus, que muda a natureza do homem, regenerando-o, e tornando-o
disposto no dia em que o poder de Deus for exercido nele (Salmo 110:3;
João 6:63; Efésios 2:4 10). Que o leitor consulte as Escrituras
seguintes, e ele verá que não só a vontade do homem está em escravidão a
Satanás, mas também que ele é totalmente depravado, sem nada bom em si,
e ele também não tem a capacidade ou o desejo de saber ou fazer a
vontade de Deus (2 Timóteo 2:25 26; Romanos 3:9-12; 1 Coríntios 2:14;
Romanos 8:7 8). Com esses pensamentos em mente, gostaríamos de
considerar o assunto da vontade do homem, e o examinaremos a partir de
três ângulos.
I. A FALÁCIA DO LIVRE ARBÍTRIO.
Geralmente
se aceita como verdade óbvia que o homem possui o “livre arbítrio” e
negar isso é arriscar ser designado de “casca-dura”, mas jamais
aplicou-se esse termo a alguma pessoa originalmente por causa de suas
convicções doutrinárias, pois quando esse termo começou a ser usado,
tanto aqueles que eram chamados de “cascas-duras” quanto aqueles que não
geralmente eram fiéis ao mesmo calvinismo rígido que nega que o homem
tenha o “livre arbítrio”. Os cascas-duras eram historicamente contra as
missões e contra os esforços, e o fato de que eles eram calvinistas era
questão secundária, pois naquela época todos os batistas sólidos eram
calvinistas. Portanto, é uma difamação do pior tipo chamar um homem de
casca-dura só porque ele adere à teologia calvinista.
O
homem não tem o “livre arbítrio”, se com isso se quer dizer que o homem
naturalmente, em si e por si mesmo, tem a capacidade de escolher entre o
bem e o mal. Essa verdade é óbvia a partir do próprio fato de que
nenhuma única pessoa em toda a história do mundo chegou a se salvar sem a
graça divina. Deus sempre teve de iniciar e completar a salvação para o
homem. Não só o homem não tem a capacidade de se salvar sem a graça
divina, mas até depois que ele é salvo, é necessária a graça divina para
mantê-lo naquele estado de salvação; mas pela graça divina, todas as
pessoas salvas se perderiam novamente antes que tivessem sido crentes
por um único dia inteiro.
Ao
dizer que o homem não tem livre arbítrio, não queremos dizer que o
homem não é responsável por seu pecado; o homem é totalmente
responsável, pois ele é um pecador não só por natureza, mas também por
escolha. O fato de que todos os homens voluntariamente escolhem
continuar no pecado mostra que eles não têm disposição e condição de
exercer qualquer vontade para o bem. Com sua queda no Éden, o homem se
tornou pecador; ele cometeu suicídio moral e espiritual. Pode-se
ilustrar desse jeito: um homem entra no elevador do edifício mais
elevado na cidade. Ele tem a liberdade de vontade de fazer isso. Ele vai
até à cobertura e ali sai do elevador. Ele tem a liberdade de vontade
de fazer isso. Em seguida, ele vai até a beira da cobertura e pula. Ele
também tem a liberdade de vontade de fazer isso. Mas ao pular, ele
entregou-se a uma condição da qual ele não tem a liberdade de vontade de
escapar, mas está condenado à destruição, a menos que alguma força fora
de si o resgate. Assim era com o homem: com sua rebelião no Éden, Adão
cometeu suicídio moral e espiritual por si e por toda a sua posteridade;
e só uma força externa poderá resgatar da destruição qualquer membro da
raça caída de Adão.
Ao
negar o livre arbítrio, não queremos com isso negar a realidade de que
todo homem é agente livre. Contudo, ele é livre apenas dentro da esfera
de sua vida natural, que é uma esfera de morte espiritual, e assim de
incapacidade espiritual. Ele é um filho da desobediência e ira, sob o
controle completo do príncipe deste mundo (Efésios 2:1 3). O fato de que
o homem é um agente livre é limitado apenas pela natureza do homem; ele
é livre de qualquer coerção externa para pecar. Satanás pode tentá-lo,
mas é sempre o próprio homem que cede a essa tentação e pecados. Ele
assim peca livremente quando peca, pois está dentro de sua natureza
pecar. T. P. Simmons diz acerca do homem natural como um agente livre:
O
homem não pode fazer outra coisa do que continuar no pecado enquanto
estiver em sua condição natural (Jeremias 17:9; Provérbios 4:23; Jó
14:4; Jeremias 13:23; João 6:65; Romanos 8:7,8; 1 Coríntios 2:14). Mas
sua permanência no pecado não é devido a coerção ou controle externo,
mas a seu próprio caráter que faz com que ele escolha as trevas ao invés
da luz (João 3:19). Ele continua no pecado pela mesma razão que um
porco rola na lama. Ele continua no pecado pela mesma razão que Deus
continua na santidade. Assim ele é inteiramente um agente livre. —
System-atic Study of Bible Doctrine (Estudo Sistemático da Doutrina da
Bíblia), p. 185. Associated Publishers, Daytona Beach, Florida, 1969.
Entretanto,
o homem não pode livremente se arrepender e confiar em Cristo, porque
não está dentro de sua natureza agir dessa forma; ele tem condições de
agir assim apenas pela graça de Deus. É por isso que negamos o “livre
arbítrio”; veio a significar, para um grande número de mentes, que um
homem tem a livre capacidade em e por si mesmo de se arrepender e se
voltar para Deus em fé; isso as Escrituras negam enfaticamente em muitos
lugares. Sustentar o “livre arbítrio” no sentido que muitos fazem é
sustentar que um homem tem a capacidade de agir de modo contrário à sua
natureza e a disposição dominante de sua alma, e isso não é verdade. Há
só um jeito de transcender à natureza, e é pela graça de Deus, e então é
contrário à natureza. Portanto, a natureza não tem direito à sua
realização. Ao falar desse assunto, E. Y. Mullins bem diz:
A
liberdade no homem não implica isenção da operação de influências,
motivos, hereditariedade e ambiente. Significa em vez disso que o homem
não está debaixo de coerção. Suas ações são no último caso determinadas
de dentro. É ele mesmo quem determina tudo o que faz. Alguns sustentam
que a liberdade no homem significa a capacidade de transcender a si
mesmo e agir de modo contrário à seu caráter. A vontade é assim
considerada não como uma expressão do que o homem é em seu caráter
essencial. É livre no sentido de ser capaz de escolhas que não tenham
relação com escolhas passadas, características adquiridas e tendências
hereditárias. Essa é uma perspectiva de liberdade que não dá para
defender. Faz da vontade uma mera ligação externa com a natureza do
homem, em vez de uma expressão disso. A liberdade exclui a imposição que
vem de fora. Exclui também mero capricho e arbitrariedade. Liberdade é
autodeterminação. Os atos de um ser livre são seus próprios atos. — The
Christian Re¬ligion In Its Doctrinal Expression (A Religião Cristã em
Sua Expressão Doutrinária), pp. 258 259. Judson Press, Philadel¬phia,
1932.
Essa
idéia errada de que o homem tem um “livre arbítrio” pelo qual ele pode
transcender a si mesmo e agir de forma contrária à sua natureza e à
disposição dominante de sua alma é a perspectiva do arminianismo,
socinianismo e da teologia moderna de nossa época, e, infelizmente, se
infiltrou na teologia de muitos batistas de nossos dias também. Há a
necessidade de uma volta à teologia batista mais antiga e sã, do
passado.
Dá-se
hoje muita ênfase no fato suposto do livre arbítrio do homem, e muitos
sustentam que ninguém — nem mesmo Deus — pode anular a vontade do homem.
Mas veremos a falácia disso ao considerar cuidadosamente os fatos
seguintes, que revelam que a vontade do homem não é tão livre quanto ele
supõe.
1.
A vontade do homem não é livre em seu nascimento, pois ninguém escolhe
nascer, nem ninguém tem a liberdade de escolher em que lar, nação,
condição social ou outras circunstâncias nascerá. Deus soberanamente
determina de antemão sem ao menos dizer “com licença”, quando, onde e
sobre quais circunstâncias cada um de nós nascerá.
2.
A vontade do homem não é livre no que se refere à sua saúde, pois
ninguém chegaria a escolher ficar doente, e se alguém tivesse a escolha
da doença que ele tivesse de contrair, se ele tivesse de ter uma, muitas
doenças logo sumiriam da face da terra, mas há um grande número de
diferentes doenças às quais o homem está sujeito, e muitas pessoas,
apesar da maior assistência de saúde, ainda contraem doenças e sofrem e
morrem por causa delas.
3.
A vontade do homem não é livre no que se refere a acidentes, pois
muitos acidentes — às vezes até mesmo acidentes fatais — acontecem mesmo
com as pessoas mais cuidadosas. Muitas vezes esses acidentes são de
natureza tão esquisita que só dá para explicá-los pela vontade de Deus
sendo a sua causa.
4.
A vontade do homem não é livre com relação às circunstâncias da vida,
pois muitas pessoas sofrem frustrações em suas ambições e planos;
poderíamos entender como Deus poderia frustrar os planos de homens
malignos como Adolf Hitler, mas muitas vezes Deus frustra os planos de
pessoas piedosas quando seus planos são certos e bons, mas Ele age dessa
forma de modo que Seus próprios propósitos venham a se cumprir.
5.
A vontade do homem não é livre com relação à sua capacidade
intelectual, pois todos os homens gostariam de ser gigantes
intelectuais, mas nenhum homem consegue ir além da capacidade mental que
Deus lhe deu em seu nascimento. Uma limitação natural da vontade do
homem é tanto uma limitação quanto qualquer outra, e dá para se atribuir
essa limitação diretamente ao Deus da natureza.
6.
A vontade do homem não é suprema na aquisição de posses materiais, pois
é uma coisa bem rara achar alguém que seja pobre por escolha. É fácil
suficiente planejar ser um pobre e ter sucesso, se alguém com tal desejo
peculiar se achar, porém o mundo está cheio de pretendentes a
milionário que foram impedidos de ficar ricos porque Deus não lhes
concedeu o poder de obter riquezas (Deuteronômio 8:18; Lucas 12:16 21).
Muitas vezes os empreendimentos comerciais mais cuidadosamente
planejados se tornam fiascos financeiros.
7.
A vontade do homem não é livre em sua relação com seus semelhantes,
pois muitas vezes são passadas leis que restringem a vontade do
indivíduo. Não só isso, mas sabe-se bem que um homem pode muitas vezes
anular e forçar a vontade de outro; aliás, alguém que tenha algum
conhecimento de psicologia pode manipular as pessoas a fazer
inconscientemente a sua vontade. Os pais muitas vezes agem assim com os
filhos, e às vezes os filhos usam psicologia com seus pais; e a
capacidade de a esposa “de ter o marido na palma da mão” quase que virou
provérbio.
8.
A vontade do homem como ser natural, sem a graça de Deus, não é livre,
pois as Escrituras expressamente declaram que o homem natural é tomado
cativo pelo diabo “à sua vontade” (2 Timóteo 2:26), de modo que é tão
absurdo um homem se gabar de seu livre arbítrio, quando o diabo o toma
cativo a qualquer momento que quiser, como era para os judeus se gabarem
de que nunca estiveram em escravidão a nenhum homem, enquanto ao mesmo
tempo estavam debaixo do jugo dos romanos (João 8:33). Mas nosso Senhor
mostrou no versículo 34 que o pecador, tão longe de ter o livre
arbítrio, está numa escravidão ainda maior — a escravidão ao pecado,
pois o “servo” é literalmente “escravo”.
9.
A vontade do homem não é livre na questão da salvação, pois ele não
pode se salvar a qualquer momento que quiser, conforme ensinam João
1:13; Tiago 1:18; João 6:44 e outras passagens. Não só isso, mas se a
vontade do homem fosse tão livre como ele gosta de se gabar, então ele
poderia se salvar, não só a qualquer momento que quisesse, mas também
sob quaisquer circunstâncias, e até mesmo sem ajuda alguma, do Senhor.
10.
A vontade do homem não é livre nem mesmo como cristão, pois de todas as
pessoas, a vontade do crente é sempre sujeita à vontade de Deus. Veja
Atos 16:6-10. Não só isso, mas de acordo com Gálatas 5:17, a natureza
carnal ainda exerce tal força no crente que ele está numa situação “para
que não façais o que quereis”. A natureza má da carne é uma força
potente, até mesmo impedindo a vontade renovada de funcionar conforme
deseja funcionar.
11.
A vontade do homem não é livre com relação à morte, pois poucos chegam a
ter permissão de escolher a hora de sua morte, e muitos que querem se
matar são frustrados em suas tentativas de tirar a própria vida, e eles
continuam vivendo, regozijando-se de que foram impedidos em sua
tentativa de se matar. “Nenhum homem há que tenha domínio sobre o
espírito, para retê-lo; nem tampouco tem ele poder sobre o dia da
morte”. (Eclesiastes 8:8)
Se
não houvesse nenhuma outra prova da falácia do livre arbítrio além da
declaração de 2 Timóteo 2:25-26, essa passagem seria suficiente para
eliminar essa idéia completamente, pois esse texto declara: “Instruindo
com mansidão os que resistem, a ver se porventura Deus lhes dará
arrependimento para conhecerem a verdade, E tornarem a despertar,
desprendendo-se dos laços do diabo, em que à vontade dele estão presos”.
Se considerarmos esses versículos na ordem inversa em que estão,
veremos as coisas seguintes: (1) O homem natural é levado cativo à
vontade do diabo, e daí o homem só é tão livre quanto o diabo escolhe
permitir que ele fosse, e o diabo certamente jamais permitiria que
alguma pessoa quisesse se salvar se ele pudesse impedir isso. (2) O
homem natural não tem consciência dessa escravidão ao diabo, mas essa
inconsciência é por escolha própria, pois a palavra “despertar”
significa despertar de um torpor de embriaguez. Assim, o homem age
livremente no pecado, embora ele esteja inconscientemente em escravidão
ao diabo. (3) A única esperança de escapatória está não no homem
querendo se soltar do poder do diabo, mas no ato de Deus lhe dar
arrependimento, e isso Ele faz, usando a Palavra como o instrumento de
instrução e conversão. Deus é sempre o lado ativo na salvação do homem, e
há muitos textos que declaram que tanto o arrependimento quanto a fé
são dons de Deus, operados no homem. Assim a Confissão de Fé Batista
Ortodoxa declara sob o Artigo 8:
Cremos
que o arrependimento e a fé são pré-requisitos sérios e inseparáveis da
salvação; que são graças inseparáveis operadas no coração pelo Espírito
Santo vivificador; que o pecador de fora, estando profundamente
convencido de pecado, de justiça e de juízo mediante o ministério
pessoal do Espírito Santo, e mediante a iluminação dEle no entendimento
humano de modo que o homem possa ver o caminho da salvação por meio de
Cristo, possa realmente se arrepender, voltando-se para Deus com
contrição, confissão e súplica sincera, e possa realmente crer,
entregando-se de todo o coração ao Senhor Jesus, imediatamente
recebendo-O como Salvador pessoal e completamente suficiente e
confessando-O publicamente diante de todos os homens. — publicado pela
Primeira Igreja Batista Ortodoxa, Ardmore, Oklahoma, 1965.
Vê-se
também a falácia de se pensar que a vontade do homem é livre nas
declarações divinas acerca da soberania absoluta de Deus. Deus faz pelo
homem o que o homem não pode fazer por si, e assim vemos declarações
mostrando que a vontade de Deus é a força motriz em: (1) O NOVO
NASCIMENTO: “Segundo a sua vontade, ele nos gerou pela palavra da
verdade, para que fôssemos como primícias das suas criaturas”. (Tiago
1:18; veja também João 1:13) (2) A SANTIFICAÇÃO DOS QUE NASCERAM DE
NOVO: “Na qual vontade temos sido santificados pela oblação do corpo de
Jesus Cristo, feita uma vez”. (Hebreus 10:10) (3) PREDESTINAÇÃO: “E nos
predestinou para filhos de adoção por Jesus Cristo, para si mesmo,
segundo o beneplácito de sua vontade,… Nele, digo, em quem também fomos
feitos herança, havendo sido predestinados, conforme o propósito daquele
que faz todas as coisas, segundo o conselho da sua vontade”. (Efésios
1:5,11) (4) REVELAÇÃO: “Descobrindo-nos o mistério da sua vontade,
segundo o seu beneplácito, que propusera em si mesmo”. (Efésios 1:9) (5)
FÉ: “Jesus respondeu, e disse-lhes: A obra de Deus é esta: Que creiais
naquele que ele enviou”. (João 6:29; veja também Atos 13:48s) (6) A
SEGURANÇA DOS SALVOS: “Assim, também, não é vontade de vosso Pai, que
está nos céus, que um destes pequeninos se perca”. (Mateus 18:14) “E a
vontade do Pai que me enviou é esta: Que nenhum de todos aqueles que me
deu se perca, mas que o ressuscite no último dia”. (João 6:39) (7)
LIVRAMENTO DESTE PRESENTE MUNDO MAU: “O qual se deu a si mesmo por
nossos pecados, para nos livrar do presente século mau, segundo a
vontade de Deus nosso Pai”. (Gálatas 1:4) (8) A INSPIRAÇÃO DAS
ESCRITURAS: “Porque a profecia nunca foi produzida por vontade de homem
algum, mas os homens santos de Deus falaram inspirados pelo Espírito
Santo”. (2 Pedro 1:21) (9) A NOMEAÇÃO PARA CARGOS: “Paulo, apóstolo de
Jesus Cristo, pela vontade de Deus”. (Efésios 1:1) (10) A CONCESSÃO DE
DONS ESPIRITUAIS (1 Coríntios 12:11).
O
homem orgulhoso gostaria de pensar que ele é, como escreveu William
Ernest Henley em seu poema “Invictus”, “mestre de meu destino, e capitão
de minha alma”, mas tanto as Escrituras quanto a História abundam de
exemplos de homens cuja tentativa de controlar seus próprios destinos
resultaram apenas na destruição eterna de suas almas. Qualquer que seja o
bem que já se tenha achado em algum homem não é o resultado de algum
“livre arbítrio” nele, mas é diretamente atribuível à providência e
provisão de Deus (veja Tiago 1:17).
Ora,
é evidente que de um coração totalmente depravado não podem preceder
ações e afeições puras. Conseqüentemente, tudo o que for de santidade
que houver em algum ser humano, tem de proceder do Espírito de Deus…
Como Deus exerce na mente humana uma influência santificadora e
controladora sem interferir na livre agência e prestação de contas, não
podemos explicar; mas que ele assim age, é óbvio demais para se
contestar. — N.L. Rice, God Sovereign And Man Free (Deus Soberano e
Homem Livre), p. 29. Presbyterian Board of Publication, Philadelphia,
1850.
II. O ALICERCE DO LIVRE ARBÍTRIO.
A
idéia implícita do que geralmente se designa “livre arbítrio” é bem
lisonjeira para a natureza carnal do homem, e é necessária alguma graça e
renúncia para que se aceite alguma outra perspectiva, mas o que
geralmente se quer dizer com “livre arbítrio” se baseia em algum
alicerce estragado e algumas idéias não bíblicas. Primeira, baseia-se na
idéia da autossuficiência humana e dependência em si, que nega
descaradamente a doutrina da depravação total do homem; é impossível
sistematicamente sustentar ambas as doutrinas, pois elas se contradizem.
Se um homem é totalmente depravado, conforme ensinam as Escrituras, e
como há muito sustentam os batistas, então não há nada no homem que
seria aceitável a Deus, e ele não poderia realizar nenhum ato espiritual
que seria agradável a Deus.
Romanos
3:9 12 mostra que a depravação se estende à raça humana inteira: “Pois
quê? Somos nós mais excelentes? De maneira nenhuma, pois já dantes
demonstramos que, tanto judeus como gregos, todos estão debaixo do
pecado; Como está escrito: Não há um justo, nem um sequer. Não há
ninguém que entenda; Não há ninguém que busque a Deus. Todos se
extraviaram, e juntamente se fizeram inúteis. Não há quem faça o bem,
não há nem um só”. Essa passagem inteira nega que o homem tenha alguma
capacidade ou desejo espiritual; denuncia a pecaminosidade do homem das
seguintes maneiras (note como essa passagem também mostra que a natureza
toda do homem é depravada): (1) Já que todos os homens sem exceção são
mencionados no versículos 10, mostra que a natureza do homem é
completamente má, pois ninguém fica isento. (2) As faculdades mentais
são mencionadas no versículo 11, e se mostra que não há desejo de se
aprender de, nem buscar a Deus. (3) Consequentemente, as obras são
totalmente más, e mostra-se que todos os homens estão vivendo em
rebelião contra a vontade de Deus (versículo 12). (4) Perverteu-se e
depravou-se até mesmo a fala do homem natural (versículos 13 14). Esse é
o índice do coração de acordo com o ensino de Jesus em Mateus 12:34 37.
(5) O mal também caracteriza os pés e a caminhada diária do homem
natural (versículos 15 16.) (6) Finalmente, a perspectiva inteira deles,
representada pelos olhos deles, é uma perspectiva de ignorância e
indiferença voluntária acerca da verdade espiritual (versículos 17 18).
Aí se vê um quadro trágico, porém verdadeiro, da humanidade em seu
estado natural; é difícil imaginar uma declaração mais forte acerca da
depravação do homem do que essa. Quem poderá ver algum bem baseado no
homem aqui?
Romanos
7:18 da mesma forma mostra que essa depravação é total no homem
natural: “Porque eu sei que em mim, isto é, na minha carne, não habita
bem algum; e com efeito o querer está em mim, mas não consigo realizar o
bem”. Paulo falou isso como um cristão, que possuía duas naturezas que
estavam em guerra constante uma com a outra: mas o homem natural não tem
uma natureza espiritual regenerada para resistir à carne; ele é um
homem totalmente carnal, sob a dominação dessa natureza carnal, em que
Paulo declara “não habita (literalmente, ‘não está em casa’) bem algum”,
mas que está num contínuo estado de rebelião deliberada contra a
vontade de Deus. A vontade do homem se inclina apenas numa direção —
longe de Deus e para o pecado. Se João 15:5s é verdadeiro para os
crentes — “sem mim nada podeis fazer” — quanto mais então é verdade
acerca do homem natural que não tem nenhuma natureza espiritual para
lutar contra a carne?
Segunda,
a idéia de um livre arbítrio no homem se baseia numa negação da queda
do homem no Éden, ou então sustenta que a queda foi apenas uma ferida
menor e passageira que não tinha importância. Charles Spurgeon com
justiça diz:
Qualquer
um que crê que a vontade do homem é inteiramente livre, que ele pode se
salvar por sua própria vontade não crê na queda. Conforme lhes digo às
vezes, poucos pregadores cristãos realmente creem em toda a doutrina da
queda, ou então acham que quando Adão caiu ele quebrou o dedinho, e não
quebrou o pescoço e arruinou sua raça. Amados, a queda arrebentou o
homem por completo. Não deixou capacidade alguma intacta; tudo foi
aniquilado, corrompido e manchado; como algum templo muito imponente, as
colunas poderiam ali estar, a arquitetura, as pilastras poderiam ali
estar; mas tudo estava em pedaços, embora algumas coisas ainda tenham
muito de sua forma e posição. — The New Park Street Pulpit (O Novo
Púlpito da Rua Parque), Vol. I, p. 401. Zondervan Publishing House,
Grand Rapids, Michigan, 1963.
Um
número grande de pessoas hoje tem uma idéia bem vaga de tudo o que
ocorreu quando Adão pecou no jardim; elas parecem ter a idéia de que na
queda Adão não sofreu nada mais do que o incômodo de uma pele solta na
raiz da unha, e que mesmo isso ele não passou para sua posteridade. Mas
isso é um grande engano. Quando Adão pecou, ele assim agiu como cabeça
da aliança de todos os seus descendentes, e sua rebelião era deles, e
assim a morte prometida sobreveio a todos os descendentes de Adão:
“Portanto, como por um homem entrou o pecado no mundo, e pelo pecado a
morte, assim também a morte passou a todos os homens por isso que todos
pecaram”. (Romanos 5:12) Em sua constituição original, Adão possuía
“livre arbítrio” no sentido mais pleno da palavra, mas com seu pecado
ele acabou possuindo uma natureza caída e totalmente depravada, e foi
isso o que ele passou para seus descendentes por reprodução natural, bem
como a maldição acompanhante da lei quebrada, de modo que todo
descendente do Adão caído possui a mesma natureza apóstata e caída que
ele tinha depois da sua queda. Cremos que é por isso que quase todo
modernista nega o relato de Gênesis acerca da criação e queda: em seu
orgulho carnal, eles não estão dispostos a admitir um estado de
existência que está além da capacidade de o homem natural remediar para
si, e assim o modernista mistura o mal de sua natureza negando a
realidade da queda. Ao descrever a apostasia de nossos primeiros pais, o
Dr. S. J. Baird bem descreve o homem moderno também. Ele diz:
Daí,
o próprio ato da apostasia — e essa é a própria essência do pecado — é
tal desvio de Deus a ponto de constituir, em si, a suposição de uma
atitude hostil, a aceitação da aversão a ele, e a submissão de todas as
faculdades a essa tendência hostil. E, já que essa influência estranha
abrange todas as faculdades, é evidente que não há, no apóstata, nada
que se possa estabelecer a possibilidade da sua volta sem ajuda; mas,
pelo contrário, a aversão levará continuamente o ser a distanciar-se
mais de Deus, e ampliar eternamente o abismo entre eles. — The Elo¬him
Revealed (A Revelação de Elohim), p. 396. Lindsay and Blakiston,
Philadelphia„ 1860.
Com
seu pecado, o homem se tornou totalmente um homem carnal, e “a
inclinação da carne é inimizade contra Deus, pois não é sujeita à lei de
Deus, nem, em verdade, o pode ser. Portanto, os que estão na carne não
podem agradar a Deus” (Romanos 8:7-8), de modo que com a queda do homem
no Éden, o homem ficou incapacitado de querer e fazer o que é certo, e
aqueles que sustentam que ele pode, se colocam contra a doutrina da
queda. Veja mais no capítulo “Os Frutos da Queda do Homem”.
A
idéia de que o homem tem livre arbítrio também se baseia no autoengano,
pois o homem não tem disposição de crer que ele é tão ruim
espiritualmente quanto ele é, mas ele acha que ele tem a capacidade de
remediar seu próprio caso. O homem natural é como uma pessoa que tem
câncer, e é informado pelo médico de que só a realização de uma cirurgia
médica imediata pode dar alguma esperança de vida, mas que firmemente
recusa o diagnóstico do médico, e pensa que tomando aspirina e matando a
dor que ele logo será curado da doença. Sabemos que o resultado de tal
tolice seria uma morte certa e bem dolorosa; mas a condição do homem
natural é ainda mais séria, a cura é ainda mais certa, e os resultados
de não se receber o diagnóstico do Grande Médico são ainda mais
horrendos. Contudo, o homem natural engana-se a si mesmo ao pensar que
pode cuidar de seus próprios problemas sem nenhuma ajuda de Deus, pois
ele se bajula de que ele tem “livre arbítrio”, e que isso é suficiente
para chegar ao céu. Afinal, ele raciocina, não é simplesmente uma
questão de ter disposição de crer que Jesus morreu e que Ele receberá
todos os que aprovarem esse fato? Infelizmente, muitos pregadores
incentivam os homens nesse assunto lhes dizendo que eles só precisam
mudar de idéia e querer que seja conforme desejam que seja, e será. A.
W. Pink diz:
O
assunto de sua impotência moral está longe de ser um assunto agradável
para o homem natural. Ele quer que lhe digam que tudo o que ele precisa
fazer é esforçar-se, que a salvação está ao alcance do poder de sua
vontade, que é ele quem determina seu próprio destino. O orgulho, que de
modo bem forte não gosta de estar em dívida para com a graça soberana
de Deus, se levanta contra isso. A autoestima, com sua radical antipatia
a tudo o que deixa a criatura no pó, se ressente ardentemente do que é
tão humilhante. Consequentemente, essa verdade é abertamente rejeitada
ou, se for aparentemente recebida, acaba sendo utilizada de modo errado.
— Gleanings From The Scriptures: Man’s Total Depravity (Coletâneas das
Escrituras: A Depravação Total do Homem), p. 216. Moody Press, Chicago,
1969.
Assim,
o alicerce dessa idéia de livre arbítrio também está numa tendência
forte de se crer na salvação em si mesmo — que alguém pode crer e
receber Cristo a qualquer momento. O erro nessa idéia está numa
perspectiva errônea acerca do que as Escrituras querem dizer quando se
referem à atitude de crer em Cristo ou recebê-Lo. Vivemos numa época que
se caracteriza por uma teologia de “fé fácil”; os homens substituíram
uma fé intelectual — uma mera crença sobre Cristo, uma mera aceitação
religiosa dEle — para uma crença do coração que toca o homem inteiro, e
que resulta numa completa confiança em Cristo para se obter a salvação
eterna. É possível perder a salvação por 45 cm — a distância da cabeça
ao coração. Qualquer um pode crer acerca de Cristo e pode concordar com
uma declaração bíblica ou religiosa sobre Cristo, mas isso não é a fé
que salva. Qualquer um pode professar publicamente ter recebido Cristo
como Salvador, mas isso não significa que tal profissão corresponde à
realidade. Só Deus pode dar aos homens a capacidade e autoridade para se
tornarem filhos de Deus, e Ele dá isso apenas àqueles que creem em
Jesus (João 1:12). Há um mundo de diferença entre crer em Cristo, crer
acerca de Cristo e crer no Cristo. O último ato de fé envolve uma
confiança e dependência que desvia a atenção de tudo o mais, e que olha
só para Cristo, e ninguém tem esse tipo de fé enquanto confia também na
água, obras, valor, vontade ou qualquer outra coisa mais que tenha
origem no homem e que ele esteja em condições de fazer.
Jonas
disse “Do SENHOR vem a salvação” (Jonas 2:9), e essa declaração é o
ensino sistemático das Escrituras, e jamais há nem mesmo uma simples
sugestão de que o homem tem qualquer coisa a ver com a salvação
espiritual de sua alma; raramente, ele é admoestado a se salvar, mas
isso sempre se refere a um mero livramento físico ou moral. Por outro
lado, a regeneração do homem é sempre mencionada como sendo obra de
Deus, em que o homem é passivo até que o Espírito o avive, após o que
ele manifesta esse fato pela fé.
III. O DEFEITO DO LIVRE ARBÍTRIO.
O
primeiro defeito, que está na raiz de muitos outros, é que essa teoria
recusa reconhecer que o homem está em escravidão total ao pecado. Escute
a declaração de Paulo em Romanos 7:18-21: “Porque eu sei que em mim,
isto é, na minha carne, não habita bem algum; e com efeito o querer está
em mim, mas não consigo realizar o bem. Porque não faço o bem que
quero, mas o mal que não quero esse faço. Ora, se eu faço o que não
quero, já o não faço eu, mas o pecado que habita em mim. Acho então esta
lei em mim, que, quando quero fazer o bem, o mal está comigo”. Se essa
incapacidade está no crente, então quanto mais é verdade acerca do homem
natural que não tem nenhuma natureza espiritual ao seu redor? O grande
defeito dessa teoria da vontade do homem é que antes que ela declare a
suposta capacidade do homem de fazer atos espirituais e boas obras,
rebaixa o padrão divino à capacidade do homem natural. Como bem disse
alguém: “Posso pular da torre de qualquer igreja, contanto que me deixem
estabelecer a altura dessa torre”.
O
homem originalmente tinha uma liberdade perfeita da vontade antes da
queda, e o homem justificado a terá de novo depois que tiver sido
glorificado, mas atualmente ele não tem isso. E. G. Robinson descreve
esse estado ideal da seguinte maneira:
Ainda
resta considerar o último e mais profundo sentido que foi colado à
frase, Liberdade da Vontade. Essa frase expressa a idéia do homem como
um ser idealmente perfeito, em quem todas as funções de sua natureza
estão em acordo absoluto. O que sua vontade exige, todas as faculdades
mais elevadas de sua natureza aprovam; e o que essas faculdades mais
elevadas mandam, sua vontade espontaneamente elege. Ele instintivamente
escolhe o bem, e sua natureza inteira conspira para realizar sua
escolha. Tal homem é que possui a liberdade verdadeira — liberdade que é
a diferença mais nobre e a glória coroadora de uma existência pessoal; e
tal é a liberdade, a liberdade de uma natureza perfeitamente bem
equilibrada, que deve se supor que o homem caído e ideal tenha possuído.
Mas desse estado original tanto a consciência quanto as Escrituras
agora declaram que o homem tem caído profundamente (João 8:34; Romanos
3:11 18; 6:16; 7:14; Efésios 2:2,3). Seu ser moral está num estado de
anarquia; suas afeições se corromperam; seu entendimento se escureceu;
sua vontade se rebela contra as faculdades mais elevadas de sua alma;
ele está em escravidão ao espírito do mal que usurpou o controle dele. —
Christian Theology (Teologia Cristã), pp. 134 135. Press. of E. R.
Andrews, Roch¬ester, N. Y., 1894.
Esse
estado horrendo do homem caído vem declarado em Efésios 2:1 3: “E vos
vivificou, estando vós mortos em ofensas e pecados, Em que noutro tempo
andastes segundo o curso deste mundo, segundo o príncipe das potestades
do ar, do espírito que agora opera nos filhos da desobediência. Entre os
quais todos nós também antes andávamos nos desejos da nossa carne,
fazendo a vontade da carne e dos pensamentos; e éramos por natureza
filhos da ira, como os outros também”. Esse texto mostra que a condição
verdadeira do homem natural é: (1) Espiritualmente morto em ofensas e
pecados. (2) Andando em harmonia com o mundo e com o diabo. (3) Um
estado de desobediência. (4) Um andar que se caracteriza pelos desejos
da carne, que é simplesmente um cumprimento das “vontades” da carne e da
mente. Esse texto mostra com clareza que a inclinação da vontade do
homem não regenerado é totalmente para com o mal; e é essa vontade que é
tão exaltada hoje — e da qual se gabam — como “livre”.
A
mesma idéia é apresentada em 1 Pedro 4:3: “Porque é bastante que no
tempo passado da vida fizéssemos a vontade dos gentios, andando em
dissoluções, concupiscências, borrachices, glutonarias, bebedices e
abomináveis idolatrias”. Sempre se vê a vontade que não foi regenerada
como má em suas tendências, e o leitor é desafiado a apresentar um único
exemplo em que a vontade do homem natural e não regenerado chega a ser
vista como capaz de um único ato verdadeiramente bom ou espiritual sem a
capacitação divina.
Um
segundo defeito dessa perspectiva acerca da vontade do homem é que
sempre deixa de glorificar a Deus, mas sempre põe a glória na suposta
capacidade do homem; isso é inteiramente natural, pois se o homem por
natureza tem essa capacidade de se arrepender e crer a qualquer momento
sem a ajuda da graça divina, então Deus não merece louvor além do que é
dado pela Sua criação do homem. Contudo, lemos em Isaías 42:8, e o
contexto mostra que é em referência à obra redentiva de Jesus, que: “Eu
sou o SENHOR; este é o meu nome; a minha glória, pois, a outrem não
darei, nem o meu louvor às imagens de escultura”. Daí, o Senhor nega que
alguma outra pessoa tenha parte na salvação, pois Ele afirma todo o
louvor, que não seria o caso se o “livre arbítrio” do homem entrasse na
questão. Deus criou todas as coisas para Sua própria glória (Apocalipse
4:11), mas essa glória Lhe foi roubada em grande parte por aqueles que
exaltam suas próprias capacidades, e confiam em sua própria vontade para
colocá-los numa relação certa com o Senhor.
Outro
defeito da crença no livre arbítrio é sua tendência de produzir outras
crenças piores, tais como: (1) Adiamento. Por causa de sua crença em seu
próprio livre arbítrio, muitas pessoas ficam deixando para se
arrepender e se submeter ao Senhor mais tarde, pois se possuíssem um
livre arbítrio que lhes tornasse possível se voltarem para Deus a
qualquer momento que quisessem, então mais tarde farão tão fácil o que
poderiam fazer agora, e poderão aproveitar tudo o que o mundo lhes pode
oferece no meio tempo. (2) A apostasia da alma é uma doutrina gêmea da
doutrina do livre arbítrio, pois se sustenta que se alguém pode se
voltar para Deus a qualquer momento pelo mero exercício da vontade,
então ele poderá também se desviar de Deus e se perder de novo a
qualquer momento. A conclusão disso é lógica, mas é incorreta, pois
ambas as idéias se baseiam num alicerce errado. (3) O tempo testou
bastante essa teoria, e o resultado de se sustentá-la é quase sempre que
leva ao socinianismo, pelagianismo ou unitarianismo. O arminianismo é
mau o suficiente, mas essas outras teorias são venenos estritamente
espirituais que condenam a alma de todos os que as sustentam. Tudo o que
é preciso fazer é olhar para os batistas gerais ingleses, e para alguns
batistas da Nova Inglaterra, ambos dos quais sustentavam essa teoria da
vontade, e se verá que esse quase foi, sem variar, o resultado: ambos
foram dominados por outras crenças e logo perderam completamente sua
identidade como batistas. Por outro lado, os batistas particulares, que
jamais sustentaram a liberdade da vontade nunca tiveram problemas com
deserções consideráveis ao socinianismo, pelagianismo ou unitarismo.
CONCLUSÃO
Sentimos
que temos de rejeitar essa perspectiva geral do livre arbítrio, pois a
vontade do homem natural, sendo totalmente depravada e pervertida, não
pode e não deseja fazer a vontade de Deus em nada. Pelo contrário, a
mente do homem natural é “inimizade com Deus”, e como então poderia sua
vontade chegar a ficar em harmonia com a vontade de Deus? Por
experiência, o crente se sente compelido a confessar que ele não pode
fazer as coisas que sua natureza espiritual deseja fazer, pois a vontade
da carne é ainda uma força potente.
E
daí? Como é que o homem pode ser resgatado desse dilema? Ele tem de
reconhecer que apenas pela infusão de um novo princípio nele — sendo
vivificado e regenerado pelo Espírito Santo — ele poderá ser ajustado
para fazer a vontade de Deus. Sem a graça de Deus, não podemos fazer
nada de bom ou certo, mas com a graça de Deus operando em nós, tanto
quereremos quanto faremos a Sua vontade. Estaremos realmente dispostos
no dia em que Ele exercer Seu poder em nós (Salmo 110:3). Temos de
prestar contas pelo uso dos meios de graça que nos foram dados, pois ao
ouvir da leitura e pregação da Palavra, a fé é instilada nos homens, e
eles são santificados e ajustados para o uso do Mestre. Fomos todos
criados para a glória de Deus, não para a nossa própria glória, e só
teremos alegria e contentamento depois que alcançarmos o propósito para o
qual fomos criados. Por causa das atitudes graciosas de Deus para com
os filhos dos homens, ocupamos uma posição gloriosa como filhos de Deus
que nasceram de novo. Temos de glorificar a Deus por Sua graça que nos
coloca em tal posição exaltada.
Fonte: http://ministeriobbereia.blogspot.com
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