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quinta-feira, 27 de janeiro de 2022

Questões sobre a Trindade que todo cristão deve saber responder


A Trindade é o centro do cristianismo ortodoxo. Porém muitos críticos — judeus e muçulmanos principalmente — alegam que ela é incoerente e contraditória. Os cristãos ortodoxos insistem em que o ensinamento de que Deus é um em essência mas três em personalidade é complexo, mas não contraditório. A questão central é a divindade de Cristo, uma doutrina inseparável da doutrina da Trindade.

Se a pessoa aceita o ensinamento bíblico sobre a divindade de Cristo, a pluralidade na Trindade foi reconhecida. Por outro lado, se a doutrina da Trindade é aceita, a divindade de Cristo é parte do pacote. É claro que monoteístas rígidos, tais como muçulmanos e judeus ortodoxos, rejeitam a divindade de Cristo e a Trindade, como negação da unidade absoluta de Deus.

Corrigindo a má interpretação

Obstáculos na mente unicista impedem a aceitação da Trindade divina. Alguns são filosóficos; outros são bíblicos. Os teólogos muçulmanos por exemplo geralmente fazem uso arbitrário e seletivo dos textos bíblicos de uma forma que favorece seus propósitos. No entanto, até os textos que consideram “autênticos” são distorcidos ou mal interpretados para apoiar seus ensinamentos.
 

Cristo como “unigênito” de Deus.

Talvez nenhum conceito cristão desperte uma reação tão violenta entre os muçulmanos quanto o de que Jesus é o “Filho unigênito de Deus”. Isso cria tensão de imediato, porque os muçulmanos entendem as palavras de maneira rudemente antropomórfica. Os cristãos evangélicos semelhantemente devem ficar ofendidos ao ouvir o que os muçulmanos entendem por termo. É necessário evitar essa má interpretação.

A Bíblia refere-se a Cristo como o Filho “Unigênito” de Deus (Jo 1.18; cf. 3.16). No entanto, os teólogos muçulmanos em geral interpretam o termo erroneamente, no sentido carnal de alguém que literalmente gera filhos. “Gerar” implica o ato físico de relações sexuais. Eles acreditam, e os cristãos também, que isso é absurdo.

Deus é um Espírito sem corpo. Como o teólogo islâmico Anis Shorrosh alega:

“Ele [Deus] não gera porque gerar é um ato animal. Isso pertence ao ato animal inferior do sexo. Não atribuímos tal ato a Deus” (Shorrosh, p. 254).

Mas apenas algumas seitas, particularmente os mórmons, têm um ensinamento que se aproxima dessa interpretação de “gerar”.

Além disso, para a mente islâmica, gerar é “criar”. “Deus não pode criar outro Deus [...] Ele não pode criar outro ser incriado” (ibid., p. 259). Mais uma vez, os cristãos concordam plenamente.

As afirmações precedentes revelam o nível em que o conceito bíblico da filiação de Cristo é mal interpretado pelos teólogos muçulmanos. Pois nenhum cristão ortodoxo interpreta a palavra “gerar” como “fazer” ou “criar”. O arianismo ensinava isso e sofreu séria resistência em todos os lugares em que apareceu na história da igreja. Seus principais defensores hoje pertencem a outra seita, as Testemunhas de Jeová. Não é de admirar que ‘Abdu ‘L-Ahad Dawud conclua que, “do ponto de vista islâmico, o dogma cristão relativo à geração ou nascimento eterno do Filho é blasfêmia” (p. 205).
Traduções novas e mais precisas têm o cuidado de dizer o que o original grego pretendia dizer. Unigênito não é referência a qualquer geração física, mas a uma relação especial entre o Filho e o Pai. O termo remete a uma relação singular, e poderia ser traduzido, como indicado nas notas de rodapé da Nova Versão Internacional, Filho Único. Isso não implica criação pelo Pai ou qualquer outro tipo de geração.

Assim como pai e filho terrenos têm uma relação filial especial, o Pai eterno e seu Filho eterno atuam singular e intimamente um com o outro. Isso não se refere a geração física, mas a uma procedência eterna do Pai. Assim como para os muçulmanos a Palavra de Deus (Alcorão) não é idêntica a Deus, mas procede eternamente dele, para os cristãos, Cristo, O “Verbo” de Deus (surata 4.171), procede eternamente dele (v. Alcorão, suposta origem divina do).

Palavras como geração e procedência são usadas com relação a Cristo no sentido filial e relacional, não em sentido carnal e físico. Alguns teólogos muçulmanos confundem a filiação de Cristo com seu nascimento virginal.

Michael Nazir-Ali observou que:

“na mente muçulmana a geração do Filho geralmente significa seu nascimento da Virgem Maria” (Nazir-Ali, p. 29).

Como Shorrosh observa, muitos muçulmanos acreditam que os cristãos fizeram de Maria uma deusa, sendo Jesus o filho e Deus Pai o marido dela (p. 114). Com essa má representação carnal de uma realidade espiritual, não é de admirar que os muçulmanos rejeitem o conceito cristão do Pai e do Filho eternos.
A má interpretação da Trindade é incentivada pela má interpretação de Maomé, que disse:

“Ó Jesus, filho de Maria! Foste tu que disseste aos homens: Tomai a mim e a minha mãe por duas divindades, em vez de Allah?” (surata 5.116).

Centenas de anos antes de Maomé, os cristãos condenaram tal interpretação grotesca da filiação de Cristo. O autor cristão Lactâncio, escrevendo por volta de 306 d.C, disse:
Quem ouve as palavras ‘Filho de Deus’ não deve imaginar tamanha perversidade como Deus procriando por meio de casamento e união com qualquer fêmea — algo que não é feito exceto por um animal provido de corpo e sujeito à morte.
Além disso, como Deus é único, com quem poderia unir-se? Ou [sic], já que era poderoso o suficiente para realizar tudo que quisesse, certamente não precisava da companhia de outra para o propósito de criar(Pfander,p. 164).

Distorção de João 1.1

Se a rejeição da filiação eterna de Cristo é baseada numa interpretação gravemente errada do conceito cristão de Cristo como Filho de Deus, outro texto que proclama a divindade de Cristo é bastante distorcido:

“No princípio era aquele que é a Palavra, Ele estava com Deus e era Deus” (Jo 1.1).

Sem apoio textual de nenhum dos mais de 5.300 manuscritos gregos, os muçulmanos traduzem a última frase por “e o Verbo era de Deus״. Dawud declara, sem qualquer fundamento:

“a forma grega do caso genitivo ‘Theou, i.e.,‘de Deus’, foi corrompida para ‘Theos’, isto é, ‘Deus’, na forma nominativa do nome!” (p. 16-7).

Essa tradução não só é arbitrária, como também é contrária ao restante da mensagem do evangelho de João, no qual as afirmações de que Cristo é Deus são feitas várias vezes (cf.Jo 8.59; 10.30; 12.41; 20.28).

Má interpretação da confissão de Tomé

Quando Jesus desafiou Tomé a crer depois que este o viu seu corpo físico ressurreto, Tomé confessou a divindade de Jesus, declarando: “Senhor meu e Deus meu!” (Jo 20.28). Porém muitos autores muçulmanos diminuem essa proclamação da divindade de Cristo ao reduzi-la a uma exclamação: “Deus meu!”. Deedat afirma:

“O quê? Ele estava chamando Jesus de seu Senhor e seu Deus? Não. Essa é uma exclamação que as pessoas utilizam [...] Essa é uma expressão particular” (Shorrosh, p. 278).

A interpretação alternativa de Deedat não é viável. Primeiro, em referência óbvia ao conteúdo da confissão de Tomé sobre Jesus como “Senhor meu e Deus meu”, Jesus o abençoou por ter visto e crido corretamente (Jo 20.29).

A confissão de Tomé da divindade de Cristo vem no contexto de uma aparição miraculosa do Cristo ressurreto, no auge do ministério após a ressurreição, quando os discípulos de Jesus estavam fortalecendo sua fé em Cristo, baseados nos sinais miraculosos dele (cf. Jo 2.11; 12.37).

A confissão de Tomé sobre a divindade de Cristo é coerente com o tema declarado do evangelho de João:

“Para que vocês creiam que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e crendo, tenham vida em seu nome” (Jo 20.31). Mesmo deixando isso de lado, Tomé era um judeu devoto que reverenciava o nome de Deus. Ele jamais usaria o nome de Deus numa exclamação tão profana. Sem dúvida havia um tom maravilhado na voz de Tomé quando declarou a divindade de Cristo, mas reduzir o que ele disse a mera exclamação emocional é afirmar que Jesus abençoou Tomé por desobedecer ao mandamento que condena o uso do nome de Deus em vão.

O Filho de Davi e o Senhor de Davi.

Em Mateus 22.43, ao citar Salmos 110, Jesus disse: “Então, como é que Davi, falando pelo Espírito, o chama ‘Senhor’ [Messias]?. Então, segundo Dawud: “Com essa expressão segundo a qual o ‘Senhor’, ou o ‘,Adôn’, não poderia ser um filho de Deus, Jesus se exclui desse título” (p. 89).

No entanto, uma investigação do contexto mostra que Jesus está falando o contrário. Jesus confundiu seus questionadores judeus e céticos ao apresentar-lhes um dilema que abalou o próprio conceito deles sobre o Messias. Ora, como Davi poderia chamar o Messias de “Senhor” (como fez em Sl 110.1), quando as Escrituras também dizem que o Messias seria o descendente de Davi (cf. 2Sm 7.12)?
A única resposta é que o Messias seria homem (filho ou descendente de Davi) e Deus (Senhor de Davi). Jesus está afirmando ser Deus e humano. A mente islâmica não deveria ter mais dificuldade em entender como Jesus pode unir numa pessoa as naturezas divina e humana do que em entender sua própria crença de que seres humanos combinam espírito e carne, o eterno e o transitório numa pessoa (surata 89.27-30; cf. 3.185).

Mesmo segundo a crença islâmica, tudo que o Deus Todo-Poderoso, Criador e Governador de todas as coisas, deseja na sua sabedoria infinita ele também pode realizar, pois “Ele é o soberano absoluto dos Seus servos” (surata 6.61).

Os muçulmanos não entendem a TRINDADE por não entenderem a própria escritura deles muito menos a nossa.
 

Somente Deus é bom

Muitos teólogos islâmicos afirmam que Jesus negou ser Deus quando repreendeu o jovem rico, dizendo: “Por que você chama bom? Ninguém é bom a não ser um, que é Deus” (Mc 10.18).

Uma investigação desse texto no seu contexto revela que Jesus não estava negando sua divindade. Na verdade, ele estava pedindo para o jovem considerar as implicações da sua apelação impulsiva.

Jesus não disse: “Não sou Deus” ou “Não sou bom”. Na realidade, tanto a Bíblia quanto o Alcorão ensinam que Jesus não tinha pecado (cf. Jo 8.46; Hb 4.14). Antes, Jesus o desafiou a examinar o que realmente estava dizendo quando o chamou de “Bom Mestre”. Na verdade, Jesus estava dizendo:

Você percebe o que está dizendo ao chamar-me de ‘Bom Mestre’? Somente Deus é bom. Você está me chamando de Deus?”.

O fato de o jovem rico recusar-se a fazer o que Jesus pedira prova que ele não considerava realmente Jesus seu Mestre. Mas Jesus não negou em momento algum que era Mestre ou Deus do jovem rico.

Na verdade, em outra passagem Jesus afirmou claramente ser Senhor e Mestre de todos (Mt 7.21-27; 28.18; Jo 12.40).

O Pai é maior

A afirmação de Jesus de que “O Pai é maior do que eu” (Jo 14.28) também é mal interpretada pelos muçulmanos. Ela é tirada do seu contexto real para dar a entender que o Pai é maior em natureza, mas Jesus só quis dizer que o Pai é maior em posição. Isso fica evidente pelo fato de que no mesmo evangelho (de João) Jesus afirmou ser o “Eu Sou” ou Iavé do AT (Êx 3.14).

Ele também afirmou ser igual a Deus (Jo 10.30,33). Além disso, várias vezes aceitou adoração (Jo 9.38; cf. Mt 2.11; 8.2; 9.18; 14.33; 15.25; 28.9,17; Lc 24.52). E também disse:“Aquele que, também não honra o Filho não honra o Pai que o enviou” (Jo 5.23).

Ademais, quando Jesus falou que o Pai é “maior”, o contexto era da ida “para o Pai” (Jo 14.28). Apenas alguns capítulos depois Jesus fala do Pai, dizendo: “Eu te glorifiquei na terra, completando a obra que me deste para fazer” (Jo 17.4).

Mas essa diferença funcional do seu papel como Filho revela no versículo seguinte que este não deveria ser usado para diminuir o fato de que Jesus era igual ao Pai em natureza e glória. Pois Jesus disse: “E agora, Pai, glorificame junto a ti, com a glória que eu tinha contigo antes que o mundo existisse” (Jo 17.5).

Conceitos filosóficos mal interpretados

Os teólogos islâmicos também fazem objeções filosóficas à doutrina da Trindade. Estas devem igualmente ser refutadas antes que possam entender o ensinamento bíblico sobre uma pluralidade de pessoas na unidade de Deus.

A ênfase dada à Unidade de Deus é fundamental para o islamismo. Um teólogo muçulmano disse:

Na realidade, o islamismo, como outras religiões antes dele, em sua clareza e pureza original, não é nada mais que a declaração da Unidade de Deus, e sua mensagem é um chamado para testificar sobre essa Unidade (Mahud, p. 20).

Outro autor acrescenta:
A Unidade de Alá é a característica distintiva do islamismo. Essa é a forma mais pura de monoteísmo, i.e., a adoração de Alá, que não foi gerado nem teve qualquer outro a ele associado na sua divindade. O islamismo ensina isso nos termos mais inequívocos” (Ajijola,p. 55).

Por causa dessa ênfase irredutível da unidade absoluta de Deus, no Islã o maior pecado de todos é o pecado do shirk, ou a designação de parceiros de Deus. O Alcorão declara severamente: 

“Allah jamais perdoará quem lhe atribuir parceiros, conquanto perdoe outros pecados a quem lhe apraz. Quem atribuir parceiros a Allah desviar-se-á profundamente” (surata 4.116).

No entanto, essa é uma má interpretação da unidade de Deus.

A Trindade e a heresia.

Existem duas heresias principais das quais a Trindade deve ser distinguida: modalismo e triteísmo.

A heresia do modalismo, também chamada sabelianismo, nega que há três pessoas distintas e eternas na Divindade. Afirma que as denominadas “pessoas” da Trindade são modos de substância divina, não pessoas distintas. Como a água com seus três estados (sólido, líquido e gasoso), a Trindade é considerada apenas três modos diferentes da mesma essência.

Ao contrário dos modalistas, os trinitários acreditam que há três pessoas distintas (não apenas modos) nessa única substância de Deus.

Tanto o islamismo quanto o cristianismo proclamam que Deus é um em essência. O que está sendo discutido é se pode haver qualquer pluralidade de pessoas nessa unidade de natureza. As falhas na visão islâmica de Deus surgem em parte da sua má interpretação do monoteísmo cristão. Muitos muçulmanos a interpretam como triteísmo em vez de monoteísmo.

O erro oposto, que é o triteísmo, afirma que há três deuses separados. Poucos teólogos ou filósofos cristãos defenderam essa posição, mas ela geralmente tem sido atribuída aos trinitarianos.

Ao contrário dos triteístas, os trinitários não afirmam existir um Deus com três substâncias diferentes; eles confessam que Deus é três pessoas distintas em uma substância.

A Bíblia declara enfaticamente: “O Senhor; nosso Deus, é o único SENH0R”(Dt 6.4). Jesus (Mc 12.29) e os apóstolos repetem essa fórmula no Novo Testamento (1C0 8.4,6). E os primeiros credos cristãos falam de Cristo como um em “substância” ou “essência” com Deus.

O Credo Atanasiano diz: “Adoramos um Deus em Trindade, e a Trindade em Unidade; Não confundindo as Pessoas; nem dividindo a Substância (Essência)”. Portanto, o cristianismo é uma forma de monoteísmo, que crê no Deus único.

A Trindade e a complexidade


Muitos muçulmanos reclamam que o conceito cristão de Trindade é complexo demais. Mas, se esquecem que a verdade nem sempre é simples. Como C. S. Lewis disse com propriedade:

Se o cristianismo fosse algo inventado, certamente seria mais simples. Mas não é. Não podemos competir, em simplicidade, com as pessoas que estão inventando religiões. Como poderíamos? Estamos lidando com o fato. É claro que qualquer um pode ser simples se não se preocupa com fatos.

O fato que confronta os cristãos e que levou à formulação dessa verdade complexa foi, é claro, as afirmações e credenciais de Jesus de Nazaré de ser Deus (veja o artigo sobre a Divindade de Cristo). Isso os levou necessariamente a supor uma pluralidade na divindade e, logo, à doutrina da Trindade, já que esse Jesus não era o mesmo que a pessoa a quem ele se referia como Pai. Assim, os cristãos acreditam e os muçulmanos negam que haja três pessoas nesse Deus único. Nesse ponto o problema passa a ser filosófico.

O conceito neoplatônico de unidade.

No centro da incapacidade muçulmana de entender a Trindade está o conceito neoplatônico de unidade. O filósofo Plotino, que viveu no século 11 e influenciou muito o pensamento da Idade Média, via Deus (O Supremo) como O Único, uma unidade absoluta na qual não há nenhuma multiplicidade. Esse Único era tão absolutamente simples que não podia nem conhecer a si mesmo, pois autoconhecimento implica uma distinção entre conhecedor e conhecido. Só quando emanava num nível inferior, no Nous ou Mente, é que podia refletir sobre si mesmo e, portanto, conhecer-se.

Para Plotino, o Único não pode ser conhecido, está além da consciência e até além da existência. Era tão indivisivelmente simples que em si mesmo não tinha mente, pensamentos, personalidade ou consciência. Era desprovido de tudo, até de existência. Logo, não podia ser conhecido, exceto pelos seus efeitos que, no entanto, não se assemelham a ele (Plotino, 1.6; 3.8,9; 5.1,8; 6.8,18).

Não é difícil ver fortes semelhanças entre as visões de Plotino e o islã sobre Deus. E não é difícil ver o problema dessa visão. Ela preserva uma unidade rígida em Deus à custa da personalidade real. Ela se apega a uma simplicidade rígida, sacrificando o relacionamento. Isso nos deixa com um conceito vazio e estéril de divindade. 

Ao reduzir Deus a uma unidade singular, resta só uma unidade estéril. Como Joseph Ratzinger o teólogo que se tornou Papa observou com perspicácia:

Quem que não é relacionado, nem relacional, não pode ser uma pessoa. Não existe algo como uma pessoa no singular categórico. Isso já fica evidente nas palavras em que o conceito de pessoa surgiu: a palavra grega“prosopon”significa literalmente “(a) olhar para”, com o prefixo“pros”(para). Isso inclui a idéia de relacionamento como parte integral [...] Portanto, é necessário ultrapassar o singular no conceito de pessoa. [Ratzinger,p. 128-9].

Confusão em relação à Trindade. 

Confundindo unidade e singularidade.

O Deus islâmico tem unidade e singularidade. Mas essas características não são iguais. É possível haver unidade sem singularidade, pois poderia haver pluralidade na unidade.

Na verdade, a Trindade é exatamente uma pluralidade de pessoas na unidade de uma essência. Analogias humanas ajudam a ilustrar a questão de maneira superficial. Minha mente, meus pensamentos e minhas palavras têm uma unidade, mas não são uma singularidade, já que são todos diferentes. Semelhantemente, Cristo pode expressar a mesma natureza de Deus sem ser a mesma pessoa que o Pai.

Nesse sentido, o monoteísmo islâmico sacrifica a pluralidade numa tentativa de evitar a dualidade. Ao evitar o extremo de admitir qualquer parceiro de Deus, o islamismo vai para outro extremo e nega qualquer pluralidade pessoal em Deus.

Mas, como Joseph Ratzinger observou: a crença na Trindade, que reconhece a pluralidade na unidade de Deus, é a única maneira para a eliminação final do dualismo como meio de expandir pluralidade junto com unidade; somente por meio dessa crença a validação positiva da pluralidade recebe uma base definitiva. Deus está acima do singular e do plural. Ele rompe com ambas as categorias (Ratzinger,p. 128).

Confundindo pessoa (quem) e natureza (O quê).

O fato de Cristo estar “repleto de ambas as categorias” explica porque cristãos e não-cristãos têm lutado para entender as duas naturezas de Cristo. Uma das melhores explicações sobre aquilo em que os cristãos acreditam, apesar de não conseguir explicar muito, é encontrada numa das declarações de fé da Reforma do século XVI, a Confissão belga, artigo 19:

"Cremos que, por essa concepção, a Pessoa do Filho está unida e conjugada, inseparavelmente, à natureza humana. Não há, então, dois filhos de Deus nem duas pessoas, mas duas naturezas unidas numa só Pessoa, mantendo em cada uma delas suas características distintas. A natureza divina permaneceu não-criada (Hb 7.3) preenchendo céu e terra.Do mesmo modo, a natureza humana não perdeu suas características; mas permaneceu criatura, tendo início, sendo uma natureza finita e mantendo tudo o que é próprio de um verdadeiro corpo. [...] Essas duas naturezas, porém, estão unidas de tal maneira que nem por sua morte foram separadas. [...] Por isso confessamos que Cristo é verdadeiro Deus e verdadeiro homem: verdadeiro Deus a fim de vencer a morte por seu poder; verdadeiro homem a fim de morrer por nós na fraqueza de sua carne".

O cristianismo ortodoxo não acredita que Jesus Cristo era como um milk-shake, tendo duas naturezas misturadas numa massa indistinguível. E os cristãos não acreditam que Jesus tinha uma identidade esquizofrênica na qual as naturezas divina e humana eram tão distintas que teriam de se comunicar por telefone. Essas opiniões e outras idéias igualmente equivocadas tentam macular a teologia cristã em toda a história.

Uma teoria moderna e popular, que não entende Filipenses 2 nem a razão pela qual Deus precisou assumir a forma humana, afirma que Jesus esvaziou-se dos seus atributos divinos de poder e autoridade e manteve apenas sua perfeição moral. Como isso é concebível? 

A posição ortodoxa é que o Deus Filho não abandonou nenhum aspecto de sua divindade, apenas acrescentou a ela a natureza humana. Ele aceitou limitações. Como ser humano, Jesus teve de crescer e aprender. Passou necessidades, sentiu tristeza e havia coisas que a natureza humana de Jesus não sabia, como a data da sua volta (Mt 24.36).

Um teólogo, Charles Hodge, supôs que Deus havia retratado a analogia mais clara das duas naturezas no projeto do templo de Israel em Jerusalém. O átrio onde a adoração diária e o sacrifício aconteciam era o átrio de Israel ou santo lugar. Mas dentro desse espaço havia outra sala que representava a presença de Deus no meio do seu povo. Nessa sala central, o “Lugar santíssimo”, só entrava o sumo sacerdote uma vez por ano. Uma cortina separava as duas partes do santuário para que a sala ficasse escondida.

Simbolicamente, no entanto, ela capacitava os sacerdotes na sua vida diária na adoração do templo. Os dois lugares não se misturavam, mas eram unidos e inseparáveis.

A visão ortodoxa das duas naturezas de Cristo é que uma pessoa é ao mesmo tempo Deus e homem. As duas naturezas comungam intimamente, mas não se sobrepõem. Cristo possui duas naturezas unidas. Logo, quando Jesus morreu na cruz pelo nosso pecado ele morreu como o Deus-homem. Não é exagero, disse João Calvino, dizer que no momento em que Jesus estava pendurado na cruz era seu poder como Deus Criador que sustentava o monte no qual a cruz se apoiava. Se Jesus não é Deus e humano, ele não pode reconciliar Deus com a humanidade. Mas a Bíblia diz claramente: “há um só Deus e um só mediador entre Deus e os homens: O homem Cristo Jesus (lTm 2.5).


Como Cristo é um Alguém (pessoa) com dois Algos (naturezas); sempre que é feita uma pergunta a seu respeito ela deve ser separada em duas perguntas, cada uma aplicando-se a uma natureza.

Por exemplo, ele ficava cansado? Como Deus, não; como ser humano, sim. Cristo ficava com fome? Segundo a natureza divina, não; mas na sua natureza humana, sim. Cristo morreu? Na sua natureza humana, ele realmente morreu. Sua natureza divina é eternamente viva. Ele morreu como o Deus-homem, mas sua Divindade não morreu. Quando essa mesma lógica é aplicada a outras questões teológicas levantadas por muçulmanos, a resposta é a mesma. Jesus sabia tudo? Como Deus, sabia, já que Deus é onisciente. Mas, como homem, Jesus não sabia a hora da sua segunda vinda (Mt 24.36)
e, como criança, “crescia em sabedoria” (Lc 2.52).

Jesus podia pecar? A resposta é a mesma: como Deus, não; como homem, sim (mas não pecou). Deus não pode pecar. Por exemplo, a Bíblia diz: “é impossível que Deus minta” (Hb 6.18; cf. Tt 1.2). Porém Jesus foi “passou por todo tipo de tentação, porém, sem pecado” (Hb 4.15). Apesar de jamais ter pecado (cf. 2C0 5.21; lPe 1.19; 1 Jo 3.3), ele realmente foi tentado e era possível que pecasse. Se não fosse, sua tentação teria sido uma fraude. Jesus possuía o poder do livre-arbítrio, que significa que, quando escolheu não pecar, essa foi uma escolha significativa. Ele poderia ter pecado.

Dividir cada pergunta sobre Cristo em duas respostas, referindo-as a cada natureza, resolve muitos problemas teológicos que de outra maneira permaneceriam encobertos pela ambigüidade. Isso também torna possível evitar contradições lógicas que são levantadas por muçulmanos e outros incrédulos.

Conclusão

A doutrina da Trindade é um dos grandes mistérios da fé cristã. Isto é, transcende a razão sem ser contrária à razão. Ela não é conhecida pela razão, mas apenas pela revelação especial. Deus é um em essência, mas trés em pessoas. É uma pluralidade dentro da unidade. Deus é “triunidade”, não uma singularidade rígida.

Quando esses conceitos são compreendidos, caem muitas das barreiras que separam até mesmo monoteístas radicais como judeus ortodoxos e muçulmanos.
 

Elisson Freire

Graduado em História pela Universidade Norte do Paraná e Bacharelando em Teologia pela UNINTER sou um cristão de tradição batista, casado com Miriam Lisboa Freire e pai de 3 lindas filhas.

 

Bibliografia


Referência Bibliográfica para consulta apologética:

J. N. D. Kelly, Doutrinas centrais da fé cristã.

C. S. Lewis, Cristianismo puro e simples.

Norman Geisler, Enciclopédia de Apologética Cristã.
 
 
Fonte: https://www.resistenciaapologetica.com

 

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