Os Erros do Espiritismo e da Reencarnação
Na psicologia moderna e no uso comum, entende-se por psique o conjunto das funções sensitivas, afetivas e mentais graças às quais o indivíduo tem experiência de si mesmo e da realidade externa. Este conjunto de funções se traduzem em representações de eventos, de fatos, de coisas e em necessidades, desejos, atos volitivos e intelectivos. O filósofo católico Jean Daujat evidenciou como foi a concepção cartesiana de alma (herdeira dos erros platônicos) criando uma grande confusão entre a religião e as ciências psicológicas porque considerou o corpo e a alma como duas substâncias entre si ligadas e não como dois princípios constitutivos de uma única substância.
Para Descartes, o homem é constituído por duas substâncias, um corpo material e um espírito puro: a alma habita no corpo, mas é independente e separada do corpo, uma espécie de piloto que guia a máquina – corpo. Esta concepção levou Descartes a dividir o estudo do ser humano em duas ciências: a fisiologia que estuda o corpo e a psicologia que estuda a alma.
Corpo e alma, na verdade, não são duas substâncias que se somam, mas os princípios constitutivos de uma única substância. Por isso, a psique não é o reino no qual age um espírito puro independente do corpo, mas é preciso considerar a existência da parte vegetal e animal da psique da qual se originam sensações e fantasias que fogem ao controle direto da vontade e da consciência e se situam abaixo da consciência (subconsciente). No subconsciente se situam, por exemplo, as imagens sensíveis que se encontram em nós sem que mantenhamos uma memória consciente: automatismos do instinto, automatismos adquiridos com o hábito, sentimentos (atrações, repulsões, agressividade, afetividade) que nos movem e nos influenciam e sobre os quais devemos, com esforço, dirigir a atenção da vontade e da inteligência para podermos tornar-nos conscientes e para poder guiá-los em direção ao que é bom objetivamente. A psique, então, não compreende apenas a parte da consciência e da vontade, mas também a parte do inconsciente – obviamente, entendido em sentido etimológico e não no sentido freudiano – na qual se move tudo o que há em nós de vegetal (vida orgânica) e de animal (funções da sensibilidade): isso constitui propriamente o subconsciente e é o lugar de onde se originam todos aqueles impulsos do comportamento situados abaixo da consciência.
No inconsciente se move também aquilo que há em nós de mais espiritual e do qual origina a manifestação da consciência e da vontade: a natureza imaterial da nossa própria alma e que constitui o supraconsciente.
Assim, há na alma uma estrutura e uma hierarquia extremamente complexa assim como a própria realidade humana, e nesta realidade profunda e misteriosa do ser humano tudo é ligado.
Da concepção cartesiana da alma como espírito puro independente do corpo e que constitui a psique, nasceu uma espécie de rivalidade entre a religião e as terapias psicológicas que, ao contrário, são autônomas e distintas nas suas respectivas esferas de ação. (1)
A distinção entre as realidades espirituais e as físicas, que se manifestam nas funções da psique, não deve, todavia, chegar ao limite da separação e, portanto, é desejável que se chegue a uma colaboração entre psicologia e religião com o objetivo de contribuir para melhorar a saúde da pessoa vista na sua totalidade física e espiritual.
A religião e, portanto, os sacerdotes, os moralistas e os teólogos devem ter em conta o fato de que muitas pessoas sofrem dificuldades no caminho do espírito por uma diminuição da liberdade determinada por mecanismos psicológicos errados e não de todo o consciente.
A psicoterapia deve ter em conta o fato de que nas zonas mais profundas da psique humana existe a memória e a necessidade do sagrado, e que o amor de Deus e a esperança da vida eterna representam a principal e mais potente motivação capaz de iluminar e encorajar o ser humano nas dificuldades da vida, capaz de suscitar e manter nele a vontade de curar, mesmo frente às dificuldades mais graves que superam as forças humanas.
Tomás de Aquino, recorda Daujat, não caiu no erro de Descartes e, de acordo com Aristóteles, situou a ciência psicológica no campo da física de modo a não confundi-la com a metafísica. Mas o que é exatamente a alma e onde está localizada?
Platão localizava a alma no ponto de conjunção da medula espinhal com o cerebelo; Descartes na glândula pineal; J.C. Eccles – prêmio Nobel para a neurobiologia – nos módulos piramidais do córtex sensitivo-motor.
No entanto, para Tomás de Aquino e para a doutrina da Igreja Católica – Concílio de Viena – a alma é o princípio vital do qual tem origem cada ação corpórea, a do aparelho locomotor como a da psique. A alma não está em um lugar particular do corpo porque é o arquiteto interior que dá forma à matéria informe, que estrutura a matéria de tal modo a fazê-la um ser vivo, é o princípio vital que unifica, organiza e harmoniza mesmo a menor parte do corpo penetrando na raiz e totalmente: pode-se dizer, com Tomás de Aquino, que não é o corpo que contém a alma, mas é a alma que contém o corpo e o contém até quando continuem a permanecer em vida aqueles elementos corpóreos indispensáveis a assegurar a manutenção da unidade funcional do organismo.
Atualmente, a ciência médica considera que o organismo não esteja morto até quando reste o tronco cerebral em funcionamento, cuja vida assegura a manutenção da unidade funcional dos órgãos, embora numa condição de tipo vegetativo persistente. (2)
A existência da alma espiritual
Escreve Pio X no seu Catecismo Maior: “a alma é a parte mais nobre do homem, porque é substância espiritual, dotada de intelecto e de vontade, capaz de conhecer a Deus e de possuí-lo eternamente. [...] a nossa alma não se pode nem ver nem tocar porque é espírito. [...] a alma humana não morre nunca: a fé e a própria razão provam que ela é imortal”. (3)
Sobre o termo alma, que deriva de ánemos (sopro, vento), se entende o princípio primeiro da atividade de todos os seres viventes.
No homem, a natureza da alma é imaterial, mesmo que ela informe o corpo e constitua com ele uma única substância: o modo de agir manifesta o modo de ser e algumas operações intelectivas e volitivas do ser humano, enquanto procedendo do corpo, transcendem o mundo material demonstrando que não podem ter o corpo como único sujeito.
A existência da alma espiritual é demonstrável por via lógico-dedutiva: ela se deduz da existência de três atividades humanas que transcendem o corpo e a própria matéria. Estas atividades são o conhecimento intelectivo (para não confundir com o simples conhecimento sensitivo), a autoconsciência ou consciência refletida ou reflexão, o desejo da felicidade absoluta e, portanto, da eternidade.
Conhecer no sentido intelectual não consiste no simples pegar, tocar, sentir ou ver as coisas com os sentidos e com o cérebro que é o centro de integração dos sentidos: o cérebro, de fato, é dotado de imaginação reprodutiva (capacidade de reproduzir o objeto visto), imaginação associativa (capacidade de associar as imagens dos objetos vistos) e memória (capacidade de conservar as imagens). Os sentidos têm a tarefa de registrar as coisas como se apresentam, mas somente a inteligência tem necessidade de colocar a pergunta “O que é isso?”.
Esta pergunta é o sinal de que, para o homem, nos dados provenientes dos sentidos resta um objeto a conhecer que os sentidos não podem capturar. Qual é, então, este objeto? Este objeto é a essência de uma coisa, aquilo pela qual uma coisa é o que é: o por quê existe e por que existe deste modo.
Por exemplo, enquanto com o olho vejo muitas plantas particulares, diferentes umas das outras, com o intelecto sou capaz de fazer abstração das diferenças das plantas particulares e de formar o conceito de planta que posso aplicar a todas as plantas, da salada ao pinheiro: primeiro processo abstrativo que capta a unidade extraindo-a da diversidade. O animal vê uma planta particular, mas é incapaz de conceber a característica unitária que junta todas as plantas. Em virtude desta capacidade abstrativa, o homem pode dizer: a planta pertence ao reino vegetal e não ao animal, como o cachorro, nem ao mineral, como o ferro. Ou seja, pode formular juízos que se aplicam a todas as plantas, a todos os animais, a todos os minerais. Para nós, seres humanos, esta operação de abstração intelectual é tão natural que não nos damos conta da existência desta capacidade pelos simples fato de que continuamente a colocamos em funcionamento de um modo todo natural, assim como colocamos para funcionar os nossos cinco sentidos. Esta capacidade abstrativa é mais evidente nos conceitos quantitativos de ordem físico-matemática, isto é, naqueles conceitos onde definimos a mensurabilidade das coisas pela sua grandeza. O comprimento, por exemplo, é uma palavra que serve para indicar uma propriedade comum das coisas (os objetos são mais ou menos longos), mas também para expressar a ideia ou modelo do comprimento que tem a propriedade do comprimento no grau máximo, isto é, infinitamente comprido. Esta medida máxima é uma ideia ou modelo que os sentidos não podem conhecer porque nenhum objeto que nós vemos ou tocamos tem totalmente esta propriedade, mas a recebe somente em parte de algo que transcende as próprias coisas: segundo processo abstrativo que consegue capturar a essência de um objeto sem o objeto particular, isto é, que consegue capturar a ideia diretriz, o projeto do qual teve origem a propriedade de uma coisa.
O nosso intelecto, assim, não somente conhece uma propriedade comum das coisas, pelas quais afirmamos que os objetos são mais ou menos longos – primeiro processo abstrativo que capta a unidade extraindo-a da diversidade – mas consegue também extrair desta propriedade unitária a sua medida máxima.
Depois do conhecimento sensitivo, então, o intelecto é capaz de obter um conhecimento ulterior e consegue ver, por exemplo, não somente que as coisas são mais ou menos belas, mas também conceber a ideia da beleza absoluta; consegue ver não somente que as coisas são mais ou menos compridas, mas também conceber a ideia do infinitamente comprido.
Quando definimos as coisas, a definição apresenta as coisas na sua essência e esta essência vem extraída fora da matéria, liberada da matéria (sem tempo, sem espaço), erradicada do seu contexto material, particular, limitado, finito. Por exemplo, quando digo que o homem é um animal racional, a definição do homem – animal racional – não implica, em si, nem dimensões, nem cores, nem idade, nem língua, ou seja, nada do que caracteriza os indivíduos singulares e que, portanto, não é comum a todos os homens.
Quando definimos as coisas, a nossa inteligência prescinde totalmente da matéria sensível. A definição apresenta as coisas na sua essência e abstrai de tudo aquilo que é sensível e material. Isso prova que a alma humana tira as essências do mundo da natureza e as “destemporaliza” e as “desespacializa”. (4)
Consideremos agora a autoconsciência ou o conhecimento refletido ou a reflexão: nós, seres humanos, não somente entendemos, mas entendemos que entendemos; junto ao scire, há o cum scire, isto é, junto à ciência existe a autoconsciência.
Uma faculdade puramente corpórea é estendida e conhece apenas de modo estendido, como uma parte pode retirar-se sobre outro, mas não o tudo sobre o tudo: o olho, sozinho, sem um espelho não pode ver a si próprio e o dente não pode morder a si mesmo. Ao contrário, a inteligência é consciente de si mesma, se retira completamente sobre si própria de modo a ser junto força cognitiva e objeto conhecido: o intelecto, para poder conhecer a si mesmo, deve se colocar de um ponto de vista diferente daquele do objeto de modo a poder observar-se como um objeto. De acordo com o princípio da não contradição (o qual diz que nenhuma coisa pode ser e não ser ao mesmo tempo e sob o mesmo aspecto), o intelecto, na operação da reflexão, pode ser ao mesmo tempo sujeito conhecedor e objeto conhecido, mas não pode sê-lo sob o mesmo aspecto: isto é, pode ser sujeito conhecedor e objeto conhecido, mas de pontos de consideração diferentes; sujeito conhecedor em algumas operações e objeto conhecido em outras.
A análise da vontade é análoga: também na vontade se verifica uma reflexão sobre si mesma, uma autovolição.
Como o intelecto conhece o seu conhecimento, assim a vontade pode querer a sua volição a qualquer custo: por exemplo, posso deixar de ler esse escrito apenas para querer demonstrar que o quero. (5)
Enfim, consideremos o desejo tipicamente humano da felicidade absoluta e, portanto, da eternidade. O ser humano deseja que os seus momentos de felicidade sejam tais para satisfazê-lo perfeitamente e tais, portanto, para não acabarem nunca. O desejo de felicidade absoluta comporta o desejo da imortalidade porque a felicidade absoluta não seria tal se tivesse que terminar com a morte. O desejo de imortalidade introduz o conceito de um tempo diferente do atual onde a felicidade não tem fim e que chamamos eternidade. Tomás de Aquino explica que se pode desejar algo – mesmo de novo – mas somente a partir de algo que já se conhece.
Por exemplo, posso desejar caminhar no ar porque conheço a possibilidade de caminhar em terra e conheço a existência do céu; posso desejar a existência de formas de vida no universo porque conheço duas coisas: a vida e o universo.
Posso desejar uma felicidade absoluta, isto é, livre de vínculos e de limitações e tal, portanto, para não terminar nunca porque existe já em mim algo que tende à perfeição e à eternidade. Todo sujeito dotado de conhecimento deseja continuar no ser no modo com o qual conhece o ser: aquele que conhece o ser de um momento deseja somente esta existência momentânea, aquele que conhece o ser perpétuo deseja ser sempre, e enquanto nenhum desejo natural pode ser vão, este sujeito conhecedor deve ser sempre.
O próprio suicídio não é uma negação do desejo de felicidade perfeita e, portanto, imortalidade.
Na maior parte dos casos, o suicídio não é um ato de amor pela morte em si própria, mas uma fuga à dor.
Em alguns casos raros, o suicídio é o fruto da soberba, isto é, da desordenada estima de si mesmo. O soberbo pode chegar a refutar a sua dependência ao Criador até o ponto de querer ser dono do momento de sua morte. O filósofo ateu Friedrich Wilhelm Nietzsche, em Assim Falou Zaratustra, chega a exaltar “a livre morte, que vem a mim, porque eu quero.” Zaratustra não deseja a morte por si mesma, mas procura rebelar-se à sua condição de ser – mortal – dando-se a morte. (6)
A conexão entre a alma espiritual e o corpo
O homem é uma substância feita de alma e corpo; alma e corpo não são duas substâncias ligadas entre si, mas são a forma e a matéria da mesma substância homem.
Matéria e forma, em metafísica, são dois princípios constitutivos de uma mesma substância e não duas substâncias que se somam. Um pedaço de madeira, por exemplo, pode se tornar uma estátua ou uma cadeira, uma mesa. A madeira é a “matéria” que pode ter a “forma” da estátua ou da cadeira ou da mesa: a forma em metafísica não é o perfil externo de uma coisa, mas o princípio do ser de uma coisa, o ato que lhe confere uma determinada propriedade, que a faz ser aquilo que antes não era, que a organiza em um certo modo. A matéria, entretanto, é aquilo que vem organizado, aquilo que é capaz de receber um ato que lhe confira uma determinada propriedade. Depois que o material da madeira foi organizado em um certo modo, ele adquiriu uma forma: a forma de estátua ou de mesa ou de cadeira.
Dizer que a água é composta de oxigênio e de hidrogênio – isto é, de dois átomos que se unem – não é a mesma coisa que afirmar que a estátua é composta do material e da forma de estátua, porque a matéria e a forma da estátua não são duas substâncias que se somam, mas são dois princípios constitutivos de uma mesma substância.
A alma não está em um lugar particular do corpo, mas é forma corporis – a forma do corpo em sentido metafísico – isto é, o primeiro princípio que anima – põe em movimento – um ser de dentro, sem uma intervenção externa a ele, tornando-o um ser vivente. Se se observa um ser vivente em via de formação, tem-se que possui em si mesmo o princípio interior do seu desenvolvimento. Tal princípio interno apresenta, sobretudo, três características:
1. Põe em movimento a matéria de dentro;
2. Este trabalho de movimento e de desenvolvimento harmonicamente finalizado revela a presença de um projeto intrínseco ao vivente ou ideia – guia;
3. Como os diversos órgãos e as diversas partes do corpo são unificadas em um todo perfeitamente organizado, tal característica se chama forma: com este termo se quer indicar não tanto a figura externa, mas o princípio intrínseco de determinação e de unificação. (7)
Por unidade substancial do ser humano, então, deve-se entender aquela situação na qual a alma não está em um lugar particular do corpo, mas é o princípio vital que informa toda a matéria do corpo.
A filosofia que nega a unidade substancial do ser humano (condenada pela Igreja Católica no Concílio de Viena, onde se afirma que a alma é forma corporis) é errada, porque termina, mesmo sem querê-lo, por negar aquilo que afirma, isto é, a existência da alma.
De fato, se a alma e o corpo fossem duas substâncias, cada uma tendo um ser próprio distinto do ser da outra substância, a alma seria como uma espécie de guia e o corpo (cérebro incluso) seria a máquina a se guiar.
Desta maneira, não se entende como o guiador, uma vez que tenha decidido – e se trataria de uma decisão espiritual tomada pela alma – levar a máquina a uma certa direção (por exemplo, de afrontar um perigo), se puxe atrás e não consiga fazê-lo.
Se o guiador (que seria a alma) não consegue guiar a máquina do corpo, uma vez que tenha decidido, isso significaria – e é a consideração do filósofo Baruc Spinoza – que a alma não existe por si mesma, mas seria apenas um atributo do corpo.
A concepção dualista – isto é, a concepção segundo a qual o corpo e a alma são duas substâncias ligadas entre si – termina por negar a existência da própria alma, isto é, o fato de que a alma possa existir por si mesma. (8)
Para as substâncias puramente corpóreas, não pode existir a forma sem a matéria: por exemplo, a estátua não pode existir sem o material que vem organizado em estátua.
Na substância homem, entretanto, por via das operações espirituais do intelecto e da vontade, a alma deve subsistir por si mesma de maneira espiritual, ainda que sem a matéria que informa: subsistir significa existir por si e não em virtude de um outro ser.
Enquanto em todas as substâncias corpóreas quem tem o ser é o composto de forma e de matéria, no homem quem tem o ser é a alma a qual comunica ao composto assim que a substância homem existe em virtude do ser da alma. Para o homem, cujas operações intelectuais e volitivas demonstram a existência de um elemento não corpóreo – que, portanto, tem uma subsistência espiritual – tal elemento, que chamamos alma, deve continuar a subsistir necessariamente, mesmo se vem privada do corpo que é a sua construção, o seu modo de ser.
A natureza espiritual da alma exige que a sua origem seja devida a uma intervenção direta de Deus. De fato, a alma não pode ser produzida por substância material pré-existente sendo-lhe superior; nem pode ser produzida pela substância espiritual pré-existente dos pais. De fato, este tipo de geração exigiria que o espírito dos pais comunicasse uma parte de si, mas isto não é possível, porque o espírito não é divisível como a matéria. A alma por isso é criada diretamente por Deus no mesmo momento no qual acontece a fecundação humana.
A ação imediata de Deus não é uma ação especial de tipo milagroso porque faz parte da ordem e do plano natural do universo criado. (9)
Esta unidade substancial do ser humano – situação em que a alma não está em um determinado local do corpo, mas é o princípio fundamental que informa a matéria do corpo – explica bem as relações que intervêm entre a realidade material e a espiritual.
Com a unidade substancial do ser humano entendem-se os motivos pelos quais o homem não consegue sempre fazer o que quer – e se trataria de uma decisão espiritual do eu dotado de consciência e vontade. Os motivos são dois: os defeitos corporais e as desordens da alma.
Defeitos do corpo: o homem em estado de coma não pode agir, o intelecto de uma criança deve aguardar o desenvolvimento do cérebro para se manifestar. Após a morte, o eu espiritual subsiste necessariamente, mas de um modo que não podemos ter alguma ideia ou experiência. Trata-se de um estado violento não natural a ele enquanto separado do seu modo de ser (o corpo) e por isso não pode agir no mundo dos corpos, porque o seu corpo é o seu meio ordinário de ação: a sua possibilidade de ação pode depender apenas da livre iniciativa de Deus.
Desordens da alma: a rebelião contra Deus produziu a rebelião das potências inferiores da alma (paixões) contra as superiores (razão e vontade) pelas quais o próprio homem não faz o bem que quer, mas o mal que não gostaria.
Escreve Santo Agostinho: “a alma manda que a mão se mova, e a coisa acontece assim imediatamente que mal se distingue o comando da execução: e a alma é espírito e a mão é matéria. A alma depois manda a si mesma querer: se trata da mesma alma, e ainda não obedece. Como isso? Por quê? A alma, digo, ordena querer: não ordenaria se não quisesse, e, no entanto, não executa aquilo que ela mesma ordena. (...)
Não é (...) incrível que aconteça de querer e de não querer ao mesmo tempo, porque é uma fraqueza da alma (...).” (10)
O pecado de Adão e Eva feriu a natureza humana pela qual o projeto interior – a ideia-guia, isto é, a alma criada por Deus – não pode realizar-se de maneira completa e ordenada com a natureza contaminada que se encontra à disposição. O pecado dos progenitores feriu a matéria vivente para transmitir aos filhos. Depois do pecado original, a alma de cada ser humano realiza um trabalho de movimento, de desenvolvimento e de formação sobre uma matéria vivente que foi feita privada dos benefícios particulares dos quais Deus a havia dotado para poder responder às exigências da própria alma: de fato, tal matéria tornou-se corruptível e carrega consigo a marca de um conflito evidente entre os vários componentes psíquicos. Um conflito que faz o apóstolo Paulo dizer que a carne tem desejos contrários ao espírito.
Depois do pecado original, o eu espiritual criado por Deus, dotado de consciência e vontade, animando uma matéria vivente contaminada, submete-se a uma situação de desordem, não em sua essência, mas em suas operações.
O espiritismo e a reencarnação
O espiritismo e a reencarnação pressupõem uma concepção dualística platônico-cartesiana de alma e corpo que nega a unidade substancial do ser humano e leva, como vimos, à posição errada do materialismo.
Somente a oração a Deus é o meio ordinário para poder se comunicar com a alma separada violentamente do seu corpo. A alma privada de seu corpo não pode agir no mundo dos corpos, salvo por iniciativa de Deus: as técnicas do espiritismo são uma evidente forçação do mundo do espírito porque pretendem obter com esforços humanos somente aquilo que Deus pode conceder e, portanto, são negativas do ponto de vista do equilíbrio psicológico e espiritual e, por último, existe a suspeita razoável de que eles não estejam imunes à intervenção diabólica.
Escreve Carlos Aldunate no seu livro – O cristão frente ao paranormal – “Provocar esses fenômenos significa entrar voluntariamente no estado particular de receptividade que se chama TRANSE. Nele, o médium deixa de lado o seu espírito crítico e se faz transportar da sua própria sensibilidade. Por isso, o transe é um estado degradado do homem. (...) O médium em transe suspende as próprias capacidades superiores, por estar permeável às forças do inconsciente inferior (...).
Essas forças são desconhecidas: podem vir do inconsciente do médium, do inconsciente do cliente ou do inconsciente coletivo. Podem vir também de um espírito desconhecido, porque não há nunca plena segurança que venham do espírito invocado. Podem, enfim, vir de um demônio.
Certamente, não podem vir de Deus, porque Deus não pode ser captado e obrigado a responder às nossas perguntas.
Cria-se facilmente uma dependência dos espíritos; dependência que pode resultar bastante funesta.
Conhecemos vários casos nos quais a invocação dos espíritos provocou obsessões com vozes, sensações corporais, impulsos ao suicídio etc. (...) Se uma atividade é essencialmente insalubre para o homem, é sinal de que ela não é conforme à sua natureza, não entra na intenção do Criador. Aquela atividade é simplesmente contra a ética; não se deve realizar.
Os perigos das práticas espíritas, os efeitos perniciosos que frequentemente produzem, nos advertem que eles não devem ser realizados. O transe sempre comporta uma diminuição da clareza intelectual, do espírito crítico e da liberdade humana; portanto, deriva sempre uma diminuição da responsabilidade, que é a característica própria do homem adulto e maturo.
O homem em transe é como um homem mais ou menos drogado, um homem diminuído. Este transe se verifica no médium e também na pessoa que o consulta e que entra na sugestão desencadeada pelo médium. (11)
A doutrina da reencarnação é, na sua realização prática, como uma roda que parte de um ponto para retornar ao lugar de partida. A diversidade dos seres é momentânea, presente apenas nas existências intermediárias que se manifestam entre a partida e a chegada: minerais, depois plantas, depois animais, depois homens entre eles desiguais e enfim a igualdade e isto é um espírito perfeito, idêntico. Segundo tal doutrina, os homens seriam mais ou menos avançados dependendo se estiverem mais ou menos próximos do ponto de chegada, que é similar ao pleroma gnóstico: o pleroma gnóstico é uma espécie de magma originário e indistinto e o gnóstico Basílides o chama abertamente de nada.
Na doutrina da reencarnação:
1. Os homens não têm um ser próprio, uma identidade pessoal própria: de fato, eles não têm conhecimento das próprias existências anteriores, não podem traçar a própria continuidade e a própria unidade. Esta amnésia das existências precedentes está em contradição mesmo com a teoria da reencarnação, a qual pressupõe a existência de um espírito independente do corpo, isto é, de um espírito que está no corpo como uma substância de natureza completa e que, portanto, guia o corpo como o piloto guia a nave. De fato, se o espírito é uma substância em si mesma completa, no desencarnar deveria levar embora consigo as lembranças e, sem perder a posse delas, deveria entrar no novo corpo do mesmo modo como o piloto não perde as próprias lembranças no passar de uma nave a outra.
2. A ignorância das existências anteriores torna inútil a reencarnação. De fato, considerando a ignorância das existências precedentes, não se vê de que modo a reencarnação possa servir a favorecer o progresso individual. Para os reencarnacionistas, a doutrina da reencarnação serviria para fazer progredir os indivíduos através das vidas sucessivas correspondentes ao seu estado de avanço espiritual: esta seria a chamada lei do Carma. Para que o avanço do espírito possa ter lugar, ele deveria ser perfeitamente consciente da experiência adquirida em cada uma das existências precedentes, mas como se pode realizar um tal progresso se o espírito perde a lembrança das existências precedentes?
3. Os homens não têm mais uma verdadeira família: de fato, para a doutrina da reencarnação, os filhos já existiam antes que os genitores lhes concedessem um corpo no qual se encarnar. Antes de serem nossos – segundo tal doutrina – os filhos foram de outros genitores, que foram provavelmente também de outra família, de outra nação, de outra pátria, de outra raça. Os próprios genitores poderão se reencarnar em um corpo concedido a eles pelos filhos.
4. Os homens não teriam mais uma verdadeira identidade sexual: de fato, a reencarnação pode acontecer num corpo sexualmente diferente do precedente.
5. E não haveria verdadeira diferença entre o homem e o animal: porque podemos ter sido animais e podemos sê-los no futuro. (12)
Admitida a doutrina da reencarnação, se torna fácil, de um ponto de vista filosófico, justificar comportamentos desviados como o incesto, a homossexualidade, a zoofilia. Além do mais, deste núcleo filosófico reencarnacionista, é inevitável que tenham origem doutrinas contrárias à família e às justas e naturais desigualdades entre os homens.
Da doutrina da reencarnação deriva também uma concepção panteísta: o homem se salva por si através das sucessivas reencarnações e Deus termina por identificar-se com a soma de todas as coisas. Mas se não existe mais um Deus pessoal e transcendente, a natureza não é mais a obra do Criador, não é mais o fruto do logos, o resultado de um projeto racional e, portanto, não existiram mais nem verdade, nem leis, nem direitos absolutos, sagrados, invioláveis. A natureza se tornaria apenas uma espécie de material nascido do acaso, fruto de simples e momentâneas conexões de força, um material sobre o qual o mais forte tem o direito de exercer a sua força: ficaria um só direito e também um só dever, o da força.
Na realidade, o verdadeiro e autêntico domínio do homem sobre a natureza pode atuar somente através do conhecimento e o respeito das leis naturais.
A natureza não pode ser dominada atropelando-se as leis: a natureza se deixa dominar somente conhecendo-se as leis e as aplicando.
“O domínio concedido pelo Criador ao homem não é um poder absoluto, nem se pode falar de liberdade de ‘usar e abusar’, ou de dispor das coisas como melhor agrade.
A limitação imposta pelo mesmo Criador desde o princípio, e expressa simbolicamente com a proibição de ‘comer o fruto da árvore’ (cf. Gn 2,16), mostra com suficiente clareza que, no que diz respeito à natureza visível, estamos submetidos a leis não somente biológicas, mas também morais, que não se podem impunemente transgredir.” (13)
Algumas objeções científicas à reencarnação
A regressão hipnótica seria, para os reencarnacionistas, prova da reencarnação.
Na realidade, no subconsciente acontece uma reelaboração caótica de todos os dados recebidos durante a existência e é possível que haja uma identificação com dados, histórias e acontecimentos depositados e reelaborados no inconsciente, identificação induzida pelo hipnotizador: o influxo do hipnotizador é evidente no fato de que, se sugere ao sujeito um retorno à infância, este age e fala como um menino; se lhe sugere ter sido um animal, este fala e age como um animal; se lhe sugere voltar a uma outra vida, começa a elaborar a história de uma outra vida. Além disso, as histórias dos sujeitos em estado de hipnose são sugeridas mais ou menos conscientemente pelos próprios hipnotizadores.
De fato, os sujeitos hipnotizados por Keeton aceitam o esquema do hipnotizador deles: declaram que todos são reencarnados logo após a morte.
Aqueles hipnotizados por Arnall Bloxham transcorrem longos períodos nas esferas astrais. Aqueles de Helen Wambach escolhem o sexo antes de se reencarnarem e aqueles de Edith Fiore se reencarnam entre parentes que se odeiam.
As famosas experiências do Deja vu são facilmente explicáveis com dados e elaboração dos dados que ressurgem do subconsciente seguidos a associações emotivas induzidas por imagens, sensações, lugares, pessoas, situações que contêm elementos análogos àqueles depositados no subconsciente.
Além do mais, a própria parapsicologia fornece instrumentos analíticos para demonstrar como muitos casos de suposta reencarnação sejam na realidade fenômenos de possessão. (14)
Bruto Maria Bruti
Notas:
1) cfr Jean Daujat, Psycologie contemporaine et pensée chrétienne, Téqui, Paris 1976
2) cfr Pierre Marie Emonet O.P., Mirella Lorenzini O.P., Conoscere l'anima umana, elementi di antropologia filosofica, edizioni studio domenicano, Bologna 1997; cfr Gianfranco Basti, Il rapporto mente-corpo nella filosofia e nella scienza, ed. studio domenicano, Bologna 1991, in particolare da pag 265 a pag 269; cfr Tommaso d'Aquino S. Th., I,76,8c, eccetera; cfr Corrado Manni, Il risveglio dal coma? Attenzione a non dire eresie, Il Medico d’Italia, n.6, 7 marzo 1995, p. 9
3) San Pio X, Catechismo Maggiore, ed. Ares, Milano, sesta edizione 1987, n.50, 51, 52 p.22.
3) cfr San Tommaso D’Aquino, Summa Teologica I, q. 75, a. 5; citazione, Pierre –Marie Emonet O.P., Mirella Lorenzini O.P., Conoscere l’anima umana, elementi di antropologia filosofica, edizioni studio Domenicano, Bologna, 1997, p.71
4) cfr San Tommaso d’Aquino, Summa teologica I, q.75, a.5; citazione, Pierre- Marie Emonet O.P., Mirella Lorenzini O.P., Conoscere l’anima umana, elementi di antropologia filosofica, edizioni Studio Domenicano, Bologna, 1997, p.71
5) cfr San Tommaso d’Aquino II Sent. Dist.XIX q.I, 1, art.1; Summa contra Gentiles lib.II, cap.49; cfr Gabriele Paolo Carosi, Compendio di filosofia, ed. Paoline, Roma 1984, pp.396-397
6) cfr Ramòn Lucas Lucas, L’uomo spirito incarnato, compendio di filosofia dell’uomo, ed. San Paolo, Milano 1993, pag 314-330; cfr San Tommaso d’Aquino, Summa Teologica I, q. 75, a. 6
7) Pierre – Marie Emonet O.P., trad. it., in Pierre Marie Emonet O.P. e Mirella Lorenzini O.P., Conoscere l’anima Umana, ed. Studio Domenicano, Bologna 1997, pp.10-11.
8) cfr Armando Plebe, Storia del pensiero, vol.II, ed. Ubaldini, Roma 1970, pp.106-107
9) cfr San Tommaso d’Aquino, Summa Teologica I, q. 76, a. 1, q. 90, aa 2 –3; cfr Sofia Vanni Rovighi, Elementi di filosofia, vol. III, ed. La Scuola, Brescia 1963, pag 178; cfr Ramòn Lucas Lucas, L’uomo spirito incarnato, compendio di filosofia dell’uomo, San Paolo, Milano 1993, pp.288-299
10) S Agostino, Le Confessioni, ed. Paoline 1975, trad. di Aldo Landi, , libro VIII, cap. IX , p 257.
11) Carlos Aldunate, Il cristiano di fronte al paranormale, ed. Ancora, Milano, marzo '94, pag.56-58
12) cfr Fernando Palmés S.J., Gli errori dello spiritismo, I Di oscuri, trad. it., Genova 1989, pp.388-392
13) Giovanni Paolo II, Sollicitudo rei socialis, n.3.
14) J. Head - L. Cranston, Il libro della reincarnazione, Milano 1980; H. Wambach, Life before life, New York 1979; E. Fiore, You Have Been Here Before, New York 1979; H. Sherman, Vivrai dopo la morte, Milano 1984.
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