Deve ser dito que não se trata apenas de que os teístas revisores tenham suas dúvidas e inquietações. Quem não as tem? Trata-se de muito mais do que experimentar algum tipo de conflito interior, ou de ter a mente inquieta pululando e fervendo com muitas indagações, divagações e elucubrações. Não se trata apenas de estar em luta pessoal com algum postulado escolástico ou dogmático. O que já temos diante de nós não é o registro recluído de um diário, ou algo equivalente a vôos inquietos de solitárias aves de arribação. Nem mesmo se trata de crises dos corredores seminariais, ou discussões reservadas de monges-teólogos na torre de marfim. Trata-se, sim, de que tais revisores estão rejeitando as antigas certezas e, de forma pública e determinada, substituindo-as por suas novas definições. Há muito que já não estamos meramente no terreno das perguntas; estamos, na realidade, ouvindo a decidida proposição de novas respostas, que são reiteradamente defendidas aqui e ali. E, buscando companhia, a estão encontrando. Portanto, nada há de misantrópico nesse atual exercício a que temos assistido.
E aqueles que fazem a defesa da "fria e ortodoxa" posição cristã? Alguns dentre estes têm sido desdenhosamente chamados de "guardiões da fé", "patrulheiros implacáveis", "desafetos enfurecidos", "caçadores de bruxas", "proponentes de rótulos", "escriturários do Índex", e "inquisidores do Tribunal do Santo Ofício". Além disso, já têm sido adjetivados de tacanhos, unilaterais, de não gostarem de poesia e nem apreciarem a arte, e de flutuarem em sua arca de Noé, alheios e insensíveis à cultura ao redor e aos clamores de sua geração. São tidos como desencarnados e desnacionalizados, encontrando-se entorpecidos pela falta de criatividade, e a repetir, ad nauseam, "verdades das teologias sistemáticas". Seus dutos estariam entupidos e suas vias aéreas sem oxigênio.
Uma característica de nossa geração tem sido a mania de inovar a qualquer preço e sistematicamente discordar dos pensadores que antecederam o nosso tempo "iluminado", em alguns casos somente pelo temor de nada dizer de novo. Essa é uma atitude muito frequente entre os teólogos, do século XIX até os dias de hoje. É claro que isso não significa que o labor teológico se deva esclerosar em repetições, nem que sua tarefa esteja encerrada. Essa não é uma realidade esgotável, e cada um de nós deve resolver, por si só, cada problema, cada dilema, em nossa própria linguagem, em sua tentativa, incessantemente renovada, de conhecer a Deus e de explicar o homem e o mundo. Essa é uma tarefa que cada geração e cada pessoa têm de realizar. Certamente, situações e contextos específicos podem exigir que antigas questões sejam reexaminadas completamente. E, como escreveu o filósofo Henri Gouhier (1898-1994), "se velhas soluções são boas, encontrar-se-ão de novo necessariamente, mas numa linguagem que não parecerá nem morta nem estrangeira".
Fato é, porém, que teólogos, filósofos e pensadores ferozmente individualistas, do tipo hoje transitoriamente representado pelos existencialistas, têm investido contra a teologia cristã ortodoxa, acusando-a de dogmatismo e rigidez. Esta, contudo, não teme as investidas daqueles e não se opõe a uma respeitosa confrontação, tanto mais largas são suas vistas quanto mais firmes suas bases. Feita uma consideração profunda e honesta da teologia cristã ortodoxa, poderemos ser ajudados, por nossos irmãos do passado, a ver com os nossos próprios olhos - depois do que ela nunca mais nos parecerá fria e inerte. Deveríamos nos aproximar dela com o respeito e a grata consciência de que devemos grandemente a ela a visão de mundo que nos permite, inclusive, a liberdade de até mesmo questioná-la. E plagiando Ariano Suassuna quando fala da Filosofia -"seria, de nossa parte, uma covardia muito grande abandoná-la, com o que ela tem de majestoso, de impotente e de desesperado também, de ardente, de vigoroso, de sólido, de amor pelo mundo, pela vida e pelo homem, abandoná-la somente por medo ou por um estéril espírito de novidade".
Talvez você se indague sobre ter ou não alguma responsabilidade quanto a isto. "Isto é algo para os teólogos, e não me diz respeito!". Você pode preferir a confortável posição de evitar refletir sobre o assunto. Essa é uma opção, sem dúvida. Mas saiba de antemão o seguinte: não existe maneira de escapar à Teologia. A questão é somente saber se a Teologia será consciente ou não, se será verdadeira ou falsa, se será boa ou má, confusa ou clara. Quem recusa a Teologia professa também uma teologia, ainda que não seja consciente dela. Portanto, ignorando ou combatendo, é da teologia que nos valemos para ignorar ou combater a Teologia.
Em afoitas e prejulgadas rejeições à fé cristã ortodoxa e reformada, alguns autores contemporâneos vêm, claramente, preferindo endossar uma teologia heterodoxa, oferecendo lastimáveis exemplos de equívocos exegéticos e históricos. E mais: incorrendo em inoportunas simplificações e generalizações, e desenhando caricaturas e rotulações, isto é, justamente aquilo de que se dizem vítimas. E quando isto parte de autores de largo currículo e que, ao longo dos anos, adquiriram grande respeitabilidade, isso se revela profundamente lamentável. O efeito é tanto mais danoso quanto mais se verifica a tendência de muitos de, simplória e emocionalmente, incorrerem naquilo que a filosofia denomina de "falácia genética", estabelecendo a origem, e não a correspondência, como o teste e o critério da verdade.
Nessas novas revisões que estão sendo propostas, o epicentro de todo o movimento é encontrado na compreensão que seus autores têm de Deus e do homem. E o leitor mais atento poderá perceber que, na realidade, é a visão que alguns autores têm do homem que molda, em grande medida, sua visão de Deus. Poderíamos dizer que, até certo ponto, e sob alguns aspectos, seu Deus foi criado à imagem e semelhança do homem. Minha intenção aqui, portanto, é dedicar, brevemente, alguma atenção à Teologia e, neste caso, estou me referindo particularmente ao conceito que fazemos de Deus. Nesse mister, contudo, também não escaparei ao "infortúnio" de seguir a nossa "malfadada tradição de citar teólogos sistemáticos" - a intenção aqui, aliás, é justamente essa, e o farei na maior parte do tempo, sem nenhuma pretensão de originalidade e muito menos de agir intuitivamente.
A ideia central de qualquer religião é a ideia de Deus. O caráter de qualquer religião é determinado mais por seu conceito de Deus do que por qualquer outro conceito. E, como bem salienta J. I. Packer (n. 1926), em sua respeitável obra O Conhecimento de Deus, a ignorância de Deus é a raiz da fraqueza da igreja contemporânea. Devemos adorar a Deus, servir a Deus e confiar em Deus, mas o Deus revelado em toda a sua majestade e glória. "Grande é o SENHOR, e muito digno de louvor, e a sua grandeza inescrutável" (Sl 145.3). E o apóstolo Paulo relembra-nos que quando os homens mudam a verdade de Deus que lhes é manifesta, substituindo-a por uma concepção rebaixada do caráter divino, perdem o sentido da diferença fundamental entre o Criador e a criatura; sujeitam-se então ao pecado cardinal da idolatria e dão à criatura a adoração que deveria ser dada unicamente ao Criador (Rm 1.19-32; cf. ainda Sl 106.20). E quando o homem degrada a Deus, também degrada a si mesmo (Rm 1.28).
A. W. Tozer (1897-1963), acertadamente, declarou:
A história da humanidade provavelmente mostrará que nenhum povo foi maior do que a religião que adotou, e a história espiritual do homem demonstrará de forma positiva que religião alguma elevou-se acima do seu conceito de Deus. A adoração é pura ou vil conforme os pensamentos elevados ou inferiores que o adorador alimenta em relação a Deus.
Portanto, é muito importante termos noção verdadeira sobre quem é Deus; um conceito correto neste ponto é vital e básico para a vida cristã na prática. No que se refere ao nosso culto, esse conceito tem o mesmo significado que o alicerce tem para um edifício. Onde os alicerces tiverem sido feitos de forma inadequada, ou estiverem fora do prumo, toda a estrutura ficará prejudicada e, mais cedo ou mais tarde, desabará. Quando se tem uma ideia errônea ou imperfeita sobre Deus, a consequência é cair num erro de doutrina ou falhar na ética ou conduta cristã. As noções erradas sobre Deus logo corrompem a religião na qual se introduzem. Podemos ver isto muito claramente demonstrado na longa carreira de Israel, e na história da igreja também. Um conceito elevado de Deus é tão necessário para a igreja que, quando de alguma forma esse conceito declina, a igreja, seu culto e os seus padrões morais declinam com ele. O primeiro passo da igreja em direção à decadência é quando ela compromete sua elevada opinião de Deus. Nos dias atuais, poucas pessoas ou igrejas têm o senso da majestade e sublimidade do glorioso Deus das Escrituras. Muitos grupos religiosos, mesmo dentro do cristianismo moderno, não estão produzindo pessoas tementes a Deus. Assim, nós estaremos prestando uma grande contribuição aos nossos filhos e às futuras gerações se legarmos a eles um nobre conceito de Deus. O conceito verdadeiro e elevado que podemos obter, sobretudo, nas Escrituras Sagradas, e na pessoa de Jesus Cristo, o Filho de Deus.
Fonte: https://bereianos.blogspot.com


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