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segunda-feira, 7 de outubro de 2019

É SEMPRE ERRADO JULGAR OS OUTROS?

A doutrina é um aspecto necessário à vida cristã; a nós cabe a responsabilidade de discernir a verdade do erro em assuntos doutrinários. Frequentemente se sugere, entretanto, que ainda que tal discernimento possa ser exercido a nível pessoal, não temos o direito de aplicá-lo a outros. Quem somos nós para dizer a outros em que acreditar?

Quem somos nós para dizer-lhes que suas doutrinas são falsas? Não deveríamos, ao contrário, dizer” “Eu pessoalmente não acredito nisso, mas você, é claro, pode acreditar no que quiser”?

 As respostas a essas perguntas não são tão óbvias quanto possa parecer. Em alguns determinados sentidos, não temos o direito de julgar outros; em outros sentidos, temos de exercer discernimento com relação a outros. Saber como distinguir entre esses sentidos é extremamente importante para o discernimento espiritual.

Quando É errado Julgar

(1) Julgamentos Hipócritas

Ninguém gosta quando pessoas criticam duramente ou condenam outras, quando elas mesmas são culpadas dos mesmos atos. O que faz esse tipo de julgamento inaceitável não é simplesmente o fato de que a pessoa fazendo a acusação também é culpada. O que é ofensivo é o fato de que a pessoa fazendo a acusação se diz (ou finge ser) inocente. O hipócrita finge ser justo quando na verdade não o é. Por outro lado, quando uma pessoa diz: “Você e eu somos culpados disto e temos de mudar”, isto não é hipocrisia.

Não é por serem falsos que julgamentos hipócritas são inaceitáveis – eles podem até serem verdadeiros. Eles são inaceitáveis justamente porque são hipócritas. Os hipócritas que julgam outros serão eles mesmos julgados, e portanto têm de lidar com seus próprios pecados primeiro (Mt. 7:1-5).

O fato de serem hipócritas, entretanto, não prova por si só que tais acusações sejam falsas. Jesus até disse que os fariseus hipócritas normalmente estavam certos no que diziam; o problema é que eles não seguiam seus próprios conselhos (Mt. 23:1-3). Há nisso uma importante lição para nós. Se formos alvos de críticas vindas de pessoas que consideramos hipócritas, não devemos, por causa de sua hipocrisia, simplesmente desconsiderar tais críticas. Ao contrário, devemos examinar se a crítica tem fundamento. Deus às vezes usa pessoas com más intenções para comunicar algo verdadeiro a outros (Fp. 1:15-18).

Muitas vezes as pessoas não dão ouvidos a nenhuma crítica, com base na ideia de que ninguém é perfeito. De fato ninguém o é, mas isso não nos impede de às vezes estarmos corretos naquilo que afirmamos. As advertências bíblicas contra a hipocrisia não têm por objetivo nos paralisar no que diz respeito a expressar discordância com outros, mas sim nos alertar para a importância de lidarmos com nossos próprios pecados.

O curioso é que aqueles que rejeitam todo e qualquer julgamento por parte de outros estão, eles mesmos, julgando as outras pessoas. Isto é, se eu digo a uma pessoa: “você está errado em julgar outros”, eu estou julgando essa pessoa! Para evitar esse tipo de dilema, eu poderia abrandar meu argumento para algo como: “Eu pessoalmente não julgaria outros”. Nesse caso, porém, eu não teria uma base sólida para opor-me a outros que estão julgando. A verdade é que, de uma maneira ou de outra, todos nós consideramos erradas algumas coisas que outros fazem ou acreditam, e frequentemente expressamos tais críticas verbalmente.

(2) Julgamentos Injustos

  Jesus disse: “Não julgueis pela aparência, e, sim, pela reta justiça” (Jo. 7:24). É evidente que Jesus não proibiu todo tipo de julgamento. O problema não é se julgamos ou não, mas como julgamos.
  Que tipo de julgamento, então, Jesus proibiu? Ele proibiu o julgamento “pela aparência”. Ele não quis dizer que devemos ignorar evidências externas e julgar de acordo com alguma intuição mística. Nem tampouco quis dizer que devemos julgar buscando discernir o que realmente há no coração dos outros. O contraste não é entre fatos externos e intuições internas, mas entre aparência e realidade. Em resumo, Jesus nos proíbe julgamentos superficiais, que não penetram além da aparência quando buscam discernir a realidade. Tais julgamentos, obviamente, tendem a ser injustos.

  Enquanto os julgamentos hipócritas podem ser ou não verdadeiros, os julgamentos injustos são necessariamente falsos. Eles são baseados numa má interpretação das aparências, e não podem julgar os fatos como eles realmente o são.

  Como podemos evitar a má interpretação das aparências? É comum que haja situações nas quais somos mal interpretados, e muitas vezes podemos corrigir tal julgamento. Isso acontece frequentemente e demonstra que é possível que se façam julgamentos justos.

(3) Julgamentos Presunçosos

  Há assuntos que nós, seres humanos, simplesmente não somos competentes para julgar. Não podemos, por exemplo, julgar se um determinado indivíduo vai ou não ser salvo. Esse tipo de julgamento é de competência exclusiva de Jesus Cristo, o Filho de Deus (Jo. 5:22-23; At. 17:31). Querer julgar nessa área é pura presunção. O poder da salvação e da destruição não é nosso; portanto, não temos o direito de nos fazer juízes do destino eterno dos outros (Tg. 4:11-12; 5:9).

  Outro tipo de julgamento presunçoso é fazer de assuntos não essenciais o critério pelo qual decidimos com quem mantemos comunhão. Paulo especificamente nos adverte quanto a isso em referência a observâncias religiosas e restrições dietéticas (Rm. 14:1-23). Seria presunçoso da minha parte achar que todos os cristãos têm de concordar comigo em tudo.

  Por outro lado, é claro que nem todo julgamento é presunçoso. O reconhecimento de que sempre há uma possibilidade real de que haja presunção não deve se tornar desculpa para que rejeitemos todo julgamento.


Quando É certo Julgar

   O que foi dito até agora nos dá uma ideia sobre que tipos de julgamentos são apropriados. Julgamentos que evitam hipocrisia, superficialidade e presunção são julgamentos válidos.

(1) Julgando Entre a Verdade e o Erro, o Bem e o Mal.

  O Novo Testamento coloca clara ênfase no julgamento entre a verdade e o erro, e entre o bem e o mal. Isso deve ser feito, não somente ao nível individual, mas também pela igreja (Rm. 12:2, 9; 1 Co. 12:10; 14:29; 1 Ts. 5:19-22). Essas passagens enfatizam a necessidade de se discernir as revelações verdadeiras das falsas. Aqueles que se dizem profetas, que alegam falar sob a inspiração do Espírito Santo, devem ter seus ensinamentos testados pelos apóstolos e profetas das Escrituras, ou seja, pela Bíblia (At. 17:11; 2 Pe. 2:1; 3:2; 1 Jo 4:1-2; Ti. 17).

(2) Julgando Pecadores Impenitentes na Igreja

  Tanto Jesus como Paulo ensinaram que aqueles que cometem pecados sérios, que violam a integridade da igreja, e que se recusam a se arrepender, devem ser excomungados, ou seja, devem ser excluídos da comunhão cristã (Mt. 18:15-18; 1 Co. 5:9-13). A excomunhão não diz respeito ao julgamento de seu destino eterno. É uma ação disciplinar para com os impenitentes, e de manutenção da integridade da igreja. Em outras palavras, é saudável tanto para o pecador quanto para a igreja.

  Note bem que isso é responsabilidade da igreja como um todo, e não de indivíduos isolados. Note também que Jesus ensina que tal julgamento deve ser feito através de um processo apropriado, e não de maneira arbitrária. Tal processo previne contra julgamentos superficiais.

(3) Julgando os Mestres de Versões Falsas do Cristianismo

  Temos a obrigação não só de rejeitar revelações proféticas falsas e doutrinas falsas, mas também de rejeitar aqueles que as proclamam. A Bíblia é explícita nesse ponto (Rm. 16:17; Gl. 1:6-9; 2 Tm. 3:16-4:4; Tt 3:10-11). Falsos mestres têm de ser identificados, por nome se necessário (2 Tm. 2:7), e a igreja alertada para que não apoie seus ensinamentos.

  Nossa falibilidade em tais julgamentos deve ser admitida, mas não nos escusa de nossa responsabilidade. Se eu tivesse, por exemplo, a errônea impressão de que uma pessoa estava a ponto de beber veneno, eu a alertaria. Eu não permitiria que a possibilidade de eu estar enganado me impedisse de avisá-la. Se a pessoa questionasse meu aviso, eu não desistiria; ao contrário, insistiria que ela examinasse o líquido para certificar-se. Tampouco o fato de eu não ser um químico me impediria de avisá-la. Até mesmo pessoas comuns podem entender a diferença entre água e veneno, se aprenderem os fatos básicos sobre cada um.

  De maneira semelhante, é apropriado que alertemos a outros se a religião que estão “consumindo” é nociva à sua saúde espiritual. Antes que possamos fazer isso, é claro, temos que aprender a diferença entre o verdadeiro cristianismo e versões falsas da fé cristã.

  Assim sendo, é mais do que necessário que alguns cristãos se concentrem no ministério de discernimento, fazendo esse tipo de julgamento e repassando suas conclusões à igreja. Do mesmo modo como precisamos de serviços de defesa do consumidor que nos alertem sobre produtos defeituosos no mercado, precisamos também de pessoas que possam nos alertar sobre as afirmações falsas feitas por várias doutrinas em circulação. Se esses especialistas cumprirem bem o seu papel, eles nos ensinarão a rejeitar o que é nocivo e aproveitar ao máximo o que é saudável. No que diz respeito à doutrina, ainda que alguns de nós possam ter dons mais aguçados do que outros, somos todos responsáveis pelo exercício do discernimento.


Fonte: www.teologaroficial.com.br

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