QUESTÃO – Jesus disse muito explicitamente: “Não penseis que vim revogar
a Lei e os Profetas; não vim para revogar, vim para cumprir.” Entretanto, certa
ocasião Jesus aprovou seus discípulos quando eles quebraram a lei dos judeus
quanto ao trabalho no sábado (Mc 2.24), e o próprio Jesus aparentemente aboliu
a lei cerimonial ao considerar puros todos os alimentos (Mc 7.19).
Os discípulos de Jesus rejeitaram claramente muito do que era da lei do
AT, inclusive a circuncisão (At 15; Gl 5.6; 6.15). De fato, Paulo declarou:
“Não estais debaixo da lei e sim da graça” (Rm 6.14), e afirmou, também, que os
Dez Mandamentos, gravados em pedra, tinham sido removidos em Cristo (2 Co
3.7,14).
SOLUÇÃO – Na questão quanto se a Lei de Moisés foi abolida por Cristo, a
confusão se estabelece por se deixar de fazer distinção entre várias coisas.
Em primeiro lugar, há a confusão do tempo. Durante sua vida terrena,
Jesus sempre guardou pessoalmente a Lei de Moisés, inclusive oferecendo
sacrifícios aos sacerdotes judeus (Mt 8.4), participando das festas judias (Jo
7.10) e comendo o cordeiro pascal (Mt 26.19). De vez em quando ele violava as
tradições falsas dos fariseus, que tinham sido levantadas em torno da Lei (cf.
Mt 5.43-44), repreendendo-os: “Invalidastes a Palavra de Deus, por causa da
vossa tradição (Mt 15.6). Os versículos que indicam que a Lei foi cumprida
referem-se à situação depois da cruz, quando não há “nem judeu nem grego…
porque todos vós sois um em Cristo Jesus” (Gl 3.28).
Em segundo lugar, há uma confusão quanto a certos aspectos. Pelo menos
algumas das referências (se não todas) à Lei, a respeito de elas terem sido
abolidas no NT, referem-se a cerimônias e tipos do AT. Esses aspectos
cerimoniais e tipológicos da Lei de Moisés foram de forma clara abolidas quando
Jesus, o nosso cordeiro pascal (1 Co 5.7), cumpriu os tipos e predições da Lei
quando à sua primeira vinda (cf. Hb 7-10). Nesse sentido, Jesus claramente
aboliu os aspectos cerimoniais e tipológicos da Lei, não destruindo-a, mas
cumprindo-a.
Finalmente, há uma confusão quanto a contexto, mesmo quando as dimensões
morais da Lei são discutidas. Jesus, por exemplo, não apenas cumpriu as
exigências morais da Lei (Rm 8.2-3), mas também o contexto nacional e
teocrático no qual os princípios morais de Deus foram expressos no AT não mais
se aplica aos cristãos nos dias de hoje. Por exemplo, não estamos debaixo dos
mandamentos como Moisés os expressou para o povo de Israel, porque, ao serem
expressos ao povo nos Dez Mandamentos, eles traziam a recompensa de que os
judeus viveriam uma longa vida “na terra [da Palestina] que o Senhor, teu Deus,
te dá [aos israelitas] (Êx 20.12). Quando o princípio moral contido nesse
mandamento do AT é estabelecido no NT, ele se expressa num contexto diferente,
a saber, num contexto que não é nacional nem teocrático, mas pessoal e
universal.
Para todas as pessoas que honram seus pais, Paulo declara que eles terão
“longa vida sobre a terra” (Ef 6.3). De igual forma, os cristãos não mais estão
debaixo dos mandamentos de Moisés para cultuarem no sábado (Êx 20.8-11), já
que, depois da ressurreição, das aparições, e da ascensão (as quais ocorreram
todas no domingo), os cristãos cultuam no domingo em vez de no sábado (veja At
20.7; 1 Co 16.2).
O culto do Shabbath, declarou Paulo, era no AT apenas uma “sombra” da
realidade nova que foi inaugurada por Cristo (Cl 2.16-17). Já que até mesmo os
Dez Mandamentos, como tais, foram expressos dentro de um contexto nacional,
judeu, teocrático, então o NT pode falar corretamente que o que estava “gravado
em pedras” foi, “em Cristo, removido” (2 Co 3.7, 13-14).
Entretanto, isso não significa que os princípios morais contidos nos Dez
Mandamentos, que refletem a verdadeira natureza de um Deus imutável, não são
mais pertinentes aos crentes nos dias de hoje. De fato, cada um dos princípios
contidos nos Dez Mandamentos é restabelecido num outro contexto no NT, exceto,
é claro, o mandamento para descansar e cultuar no sábado.
Os cristãos hoje não mais se acham debaixo dos Dez Mandamentos tais como
foram dados por Moisés, da mesma forma como não estamos debaixo dos requisitos
da Lei Mosaica de sermos circuncidados (veja At 15; Gl 3) ou de levarmos um
cordeiro ao templo em Jerusalém para ser sacrificado. O fato de estarmos presos
a leis morais semelhantes contra o adultério, contra a mentira, contra o roubo
e contra o assassinato não prova que ainda estamos debaixo dos Dez Mandamentos,
assim como de fato de haver leis de trânsito semelhantes nos diversos estados
de um país não implica que um infrator da lei no estado “A” esteja sujeito à
lei do estado “B”.
A verdade é que aquele que violou uma lei no estado “A” não violou lei
alguma no estado “B”, nem muito menos está sujeito às penalidades impostas
neste estado. Da mesma maneira, embora o AT como o NT se pronunciem contra o
adultério, a punição no entanto é diferente – a pena capital no AT (Lv 20.10) e
somente excomunhão da igreja no NT (1 Co 5.1-13), com a esperança de uma
reintegração mediante o arrependimento (cf. 2 Co 2.6-8).
Fonte: Manual
Popular de Enigmas e “Contradições” da Bíblia – Norman Geisler e Thomas Howe.
Editora Mundo Cristão, 1992, pg. 338-339. Transcrição: Pr. Airton Evangelista
da Costa
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