Você já passou por um par de rapazes de camisa branca e calça cáqui, gravatas balançando ao vento, enquanto pedalavam suas bicicletas pela rua? Ou talvez você tenha aberto a porta da frente apenas para encontrar um casal ansioso para lhe entregar literatura anunciando o apocalipse vindouro? Se essas experiências lhe parecem tão americanas quanto torta de maçã, é porque elas são [N. do Editor: no Brasil também é bem comum vermos nas ruas as Testemunhas de Jeová oferecendo literatura e também tocando nossas campainhas pela manhã oferecendo estudo bíblico]. A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias [mórmons] e as Testemunhas de Jeová representam religiões de origem exclusivamente americanas, forjadas no fogo do revivalismo, populismo e milenarismo do século XIX.
Mas de que maneiras os mórmons e as Testemunhas divergem de outros grupos cristãos? Eles deveriam ser considerados cristãos? Para responder a essas perguntas, este ensaio abordará três tópicos relacionados: (1) como o mormonismo e as Testemunhas de Jeová se desenvolveram; (2) como eles diferem do cristianismo histórico; e (3) se eles deveriam ser chamados de seitas, cristãos ou outra coisa.
O Surgimento dos Mórmons e Testemunhas
Mórmons e Testemunhas de Jeová surgiram da América do século XIX, um período marcado por uma significativa reviravolta espiritual, diversidade religiosa, liberdade de expressão e experimentação teológica. Vários fatores contribuíram para esse ambiente, incluindo o Segundo Grande Despertar, expansão para o oeste, uma população crescente, descontentamento com o cristianismo tradicional e a democratização de crenças e práticas religiosas — talvez evidenciadas mais agudamente na ascensão de denominações cristãs e novos movimentos religiosos.
Este clima, inigualável em gerações anteriores, criou um terreno fértil para inovadores religiosos como Joseph Smith, o fundador do mormonismo, e Charles Taze Russell, cujos ensinamentos lançaram as bases para as Testemunhas de Jeová. Neste contexto, líderes religiosos com revelações novas e convincentes ou interpretações novas e intrincadas da Bíblia atraíram seguidores ao oferecer alternativas às tradições cristãs estabelecidas, como o episcopalismo e o presbiterianismo. Nathan Hatch, um historiador da religião americana, refere-se a esta era como uma de democratização religiosa, chegando ao ponto de argumentar que os movimentos religiosos que surgiram no final do século XIX “fizeram mais para cristianizar a sociedade americana do que qualquer coisa antes ou depois”.[1]
Joseph Smith e as origens do mormonismo
Joseph Smith era um garoto de quatorze anos que vivia no norte do estado de Nova York quando reivindicou sua primeira revelação divina em 1820. Ele estava experimentando o que ele chamava de “ansiedades” e “desespero” espirituais[2], e então decidiu colocar Tiago 1.5 à prova, retirando-se para a floresta sozinho e orando pela sabedoria de Deus para levá-lo à verdade. Durante esta Primeira Visão, Smith afirmou que Deus Pai e Jesus Cristo apareceram física e pessoalmente a ele, confirmando que as tradições cristãs atuais “estavam todas erradas” e que seus adeptos “eram todos corruptos”.[3] Retornando para sua casa, a primeira observação de Smith para sua mãe foi: “Aprendi por mim mesmo que o presbiterianismo não é verdadeiro”.[4]
Este era o ponto sem retorno. À medida que Smith recontava esses eventos para outros, se desenrolava nos dias e meses seguintes uma “perseguição amarga” que ele sentiu de “homens de alta posição” que o encorajou a se apoiar em suas revelações e se imaginar como um colega dos apóstolos cuja perseguição de líderes religiosos tinha, de acordo com Smith, convencido-os da verdade de sua mensagem e da correção de sua causa.[5]
Três anos depois, em 1823, Smith descreveu uma Segunda Visão, na qual um anjo chamado Morôni revelou a ele a existência de escrituras ocultas feitas de placas de ouro, que ele traduziu para o Livro de Mórmon. Publicado em 1830, este texto, juntamente com a Bíblia, tornou-se a pedra angular das escrituras do movimento incipiente, bem como o “cartão de visita de Joseph Smith para o mundo”.[6] Escrito em inglês King Jamesiano, este livro recontou a história perdida dos israelitas que navegaram para as Américas após o exílio babilônico e cujos descendentes dos últimos dias foram visitados por ninguém menos que o próprio Jesus Cristo após sua ressurreição dos mortos.
Era um relato ousado e fantástico, mas seria verdade?
Desde o início, as alegações de Smith foram polarizadoras. Por um lado, o movimento de Smith cresceu rapidamente e atraiu seguidores que estavam dispostos a abandonar suas crenças fundamentais e herança familiar em serviço de um ideal épico e de comunidade de fé que ele inspirava. A visão de Smith de uma igreja restaurada, sem corrupção, ressoou com muitos que se sentiam desprivilegiados e desconsiderados pelo protestantismo tradicional, especialmente variedades impregnadas de credos, formalidade, status, riqueza e tradição. Por outro lado, o movimento de Smith foi controverso, com “uma maioria de americanos não mórmons vendo a igreja [mórmon] e seus adeptos com suspeita e desdém”.[7] A teologia de Smith, particularmente sua rejeição de doutrinas cristãs estabelecidas como a Trindade, juntamente com sua crença na revelação contínua — sem mencionar a prática do casamento plural (poligamia) — levou muitos a considerar o mormonismo heterodoxo na melhor das hipóteses e herético na pior. Esse sentimento polarizador em relação à Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias perdurou por anos, levando à eventual migração dos mórmons para Utah sob a liderança de Brigham Young após a morte de Smith em 1844.
Charles Russell e o Movimento dos Estudantes da Bíblia
Charles Taze Russell era um cético cristão de dezoito anos que vivia em Pittsburgh quando conheceu a pregação sobre o fim dos tempos de Jonas Wendell em 1870.[8] Wendell, um evangelista adventista, era seguidor do homem que praticamente inventou a iniciativa de prever o fim do mundo — William Miller — e, por isso, começou a divulgar o momento exato em que Jesus retornaria à Terra.
Como se viu, todas essas previsões provaram ser falsas, mas a obsessão de Russell com a especulação sobre o fim dos tempos nunca caiu muito longe da árvore adventista. Suas crenças o levaram a criar o Movimento dos Estudantes da Bíblia (o protótipo das Testemunhas de Jeová), e ele se convenceu de que Cristo havia retornado invisivelmente em 1874. Vendendo o negócio de seu pai e, assim, garantindo os meios financeiros para se tornar um estudante da Bíblia sobre o fim dos tempos em tempo integral, ele se envolveu em cronologias bíblicas e previsões apocalípticas, produzindo longas publicações de forma prolífica. Sem nenhum treinamento formal teológico ou linguístico, ele conseguiu escrever uma série definitiva de seis volumes sobre interpretação bíblica chamada Studies in the Scriptures [Estudos nas Escrituras] , além de uma revista chamada Watchtower [Torre de Vigia]. Rejeitando os credos da igreja, a história cristã e as tradições estabelecidas, Russell concluiu que a doutrina da Trindade era falsa, argumentando que Jesus não era eternamente divino, mas sim o primeiro ser criado por Deus.
Após a morte de Russell em 1916, Joseph Franklin Rutherford, um advogado que frequentemente representava Russell no tribunal, tornou-se o líder do movimento.[9] Foi sob sua gestão que o grupo adotou o nome Testemunhas de Jeová em 1931. As agressivas campanhas de proselitismo de Rutherford, combinadas com a urgência escatológica do movimento, ajudaram a solidificar as Testemunhas de Jeová como um corpo religioso distinto, infame por condenar virtualmente todas as práticas cristãs históricas como pagãs e por considerar outras tradições cristãs como feitas pelo homem em vez de baseadas na Bíblia. E, como seu antecessor, Rutherford pegou a caneta, escrevendo o equivalente a um livro por ano pelo resto de sua vida, regularmente prevendo, alterando e reformulando as datas do fim dos tempos. Este hábito se tornaria uma característica marcante das Testemunhas de Jeová, que em sua breve história previram sem sucesso que o fim do mundo ocorreria em 1874, 1878, 1881, 1910, 1914, 1918, 1920, 1925 e 1975.[10]
Como os mórmons e as testemunhas diferem do cristianismo histórico
Podemos resumir as maneiras pelas quais os mórmons e as Testemunhas de Jeová diferem do cristianismo histórico em quatro tópicos: revelação, doutrina de Deus, salvação e escatologia.
Revelação
Vamos começar com a revelação. Tradicionalmente, os cristãos se apegam ao cânone fechado da Bíblia, particularmente à luz de passagens como Apocalipse 22.18–19, que adverte contra a adição de revelação adicional, bem como passagens como Colossenses 1.15–23 e Hebreus 1.1–3 , que indicam que não há revelação adicional necessária à luz da encarnação, crucificação e ressurreição de Cristo.
Como é bem sabido, no entanto, os mórmons argumentam que Deus continua a revelar a verdade à humanidade por meio de profetas, razão pela qual eles aceitam não apenas a Bíblia, mas também o Livro de Mórmon, Doutrina e Convênios e Pérola de Grande Valor como autoritativos no que é chamado de “Obras Padrão”. De fato, mesmo hoje, os atuais profetas-presidentes são capazes de receber revelação oficial em nome da igreja.
Em contraste, as Testemunhas tomam a direção oposta ao extremo. Embora afirmem que a Bíblia é a única fonte de teologia, elas sustentam que todas as traduções da Bíblia foram corrompidas e mal traduzidas. Como tal, elas fazem uso de sua própria tradução do texto bíblico, chamada Tradução do Novo Mundo, que foi publicada originalmente em 1961. Ao contrário de outras traduções profissionais da Bíblia, no entanto, a Tradução do Novo Mundo é profundamente sectária. Não apenas se apropria indevidamente de milhares de versículos chamando o Deus do Antigo Testamento de “Jeová”, mas também reformula todas as passagens do Novo Testamento que afirmam ou implicam a divindade de Jesus Cristo. Ela também muda todas as referências à palavra grega cruz para estaca ou estaca de tortura em uma tentativa flagrante de proteger a afirmação infundada das Testemunhas de que Jesus não morreu na cruz. Além disso, ao contrário do cristianismo histórico, que tolera uma variedade de traduções bíblicas, apenas a Tradução do Novo Mundo pode ser usada pelas Testemunhas de Jeová.
Doutrina de Deus
Uma das razões iniciais pelas quais tanto mórmons quanto testemunhas ficam fora do cristianismo histórico é devido à rejeição da doutrina da Trindade. Por exemplo, a teologia cristã clássica está enraizada na crença de que Deus possui uma natureza, mas existe eternamente como três pessoas — Pai, Filho e Espírito Santo.
Em contraste, os mórmons ensinam que Deus Pai costumava ser um ser humano, Jeová é Jesus, e o Espírito Santo é um homem com poder limitado. Como Smith ensinou com relação a Deus Pai, “o próprio Deus já foi como nós somos agora, e é um homem exaltado.”[11] Além disso, como o teólogo mórmon Bruce McConkie explica, “Cristo é Jeová; eles são uma e a mesma Pessoa.”[12] Essas crenças contradizem as descrições cristãs clássicas da natureza de Deus, conforme articuladas pelos Credos Niceno e dos Apóstolos.
As Testemunhas de Jeová rejeitam a Trindade completamente, rotulando-a como uma doutrina pagã introduzida no cristianismo pela filosofia grega. Elas defendem uma forma de Unitarismo, onde somente Jeová (Deus Pai) deve ser adorado, e Jesus é visto como um ser criado subordinado identificado com o arcanjo Miguel. Elas baseiam esse ensinamento em uma leitura arbitrária de João 1.1, onde sua Tradução do Novo Mundo controversamente traduz a frase “o Verbo era Deus” como “o Verbo era um deus”, relegando Jesus a um ser criado por Jeová. Essa Cristologia Ariana — um renascimento da antiga heresia que negava a divindade completa de Cristo — tem sido consistentemente rejeitada pelos cristãos por séculos. De fato, historiadores como JND Kelly, um estudioso da doutrina cristã primitiva, observam que a igreja primitiva afirmou inequivocamente a divindade plena de Cristo.[13]
Salvação e Escatologia
A teologia mórmon e das Testemunhas de Jeová também divergem do cristianismo clássico em seus ensinamentos sobre salvação e escatologia. Os mórmons acreditam em uma vida após a morte em camadas, onde os indivíduos são designados a um dos três reinos de glória com base em sua fé e obras: os reinos celestial, terrestre ou telestial.[14] Enquanto os mórmons afirmam a importância da expiação de Cristo, eles também ensinam que a adesão a ordenanças específicas (como o batismo por procuração, que ocorre em um templo privado onde não mórmons são proibidos de entrar) são essenciais para a exaltação. Em contraste, o cristianismo tradicional ensina que a salvação é somente pela graça, por meio da fé somente em Cristo, e que as boas obras são o fruto e a confirmação da plena aceitação de Deus, não o meio de ganhá-la (Efésios 2.8–10 ).
As Testemunhas de Jeová também afirmam um sistema de salvação multinível, embora ele seja diferente do mormonismo. As Testemunhas acreditam em duas classes de indivíduos salvos. Por um lado, há os 144.000 indivíduos “ungidos” que governam com Cristo no céu e já possuem corpos espirituais ressuscitados; por outro lado, há o restante dos fiéis — a chamada “grande multidão” — que viverá para sempre em um paraíso terrestre restaurado. Este ensinamento é extraído de uma leitura literal de Apocalipse 7.4–9, mas não é consistente com a escatologia cristã histórica, que vê os 144.000 como simbólicos da totalidade do povo de Deus.
O mormonismo e as Testemunhas de Jeová são únicos?
Ao focar neste ensaio na Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias e na Igreja Mórmon, é tentador pensar nelas como os únicos movimentos religiosos que surgiram da América do século XIX que não permaneceram dentro dos limites do cristianismo histórico. Mas esse não é o caso. Embora várias tradições teológicas tenham surgido naquele século que mais ou menos aderiram às crenças cristãs clássicas — como o Movimento Adventista (por exemplo, Adventistas do Sétimo Dia), Movimento de Santidade (por exemplo, Igreja Wesleyana) e Movimento de Restauração (por exemplo, Discípulos de Cristo) — muitas outras surgiram que não permaneceram dentro desses limites. Isso inclui a Ciência Cristã, a Teosofia e o Espiritualismo, todos os quais surgiram do Nordeste na mesma época que o Mormonismo e as Testemunhas de Jeová.
Por exemplo, fundada no final dos anos 1800 por Mary Baker Eddy, os Cientistas Cristãos rejeitaram a realidade da doença física e da morte, vendo-as como ilusões do mundo material. Eles também negaram a divindade de Cristo e a compreensão tradicional da expiação. Além disso, como a Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias, os Cientistas Cristãos elevaram os escritos de seu fundador a um nível equivalente à Bíblia.
Mais distantes das doutrinas e práticas cristãs clássicas, no entanto, estavam a Teosofia e o Espiritualismo. Liderada por Helena Blavatsky, cujos escritos místicos forneceram a sementeira do movimento, a Teosofia adotou crenças esotéricas mais de acordo com o Hinduísmo e o Budismo do que com o Cristianismo. “Provavelmente mais do que qualquer outra”, observa o estudioso Robert Ellwood, “foi a Teosofia que tornou várias gerações de americanos razoavelmente familiarizadas com conceitos como astrologia, carma e reencarnação, juntamente com a ideia geral de mestres espirituais e iniciações espirituais internas”.[15] Da mesma forma, o Espiritualismo, embora nascido de um contexto cristão, afirmava que “os seres humanos sobrevivem à morte e que os vivos podem se comunicar com aqueles que já faleceram”, e assim se concentrou na sessão espírita, ou ritual religioso tentando falar com os mortos.[16]
Os mórmons e as Testemunhas de Jeová são seitas?
Ao contrário dos teosofistas ou espiritualistas, tem sido um desafio contínuo entre sociólogos da religião e praticantes da fé determinar se mórmons e testemunhas são descritos com mais precisão como ramos do cristianismo ou seitas. Certamente, depende de quem é perguntado. Em geral, mórmons e testemunhas se consideram verdadeiros cristãos, enquanto membros de igrejas tradicionais os rejeitam como tal. Na verdade, quando se trata de mórmons, eles “não apenas consideram a deles como uma igreja cristã; eles consideram a deles como a única igreja cristã verdadeira”.[17] E, portanto, eles geralmente “negam a afirmação de que o mormonismo é um culto”.[18] Infelizmente, não há uma definição única e consensual para a palavra “seita”. Em vez disso, acadêmicos de diversas convicções a definem de maneiras diferentes.
Definição sociológica de seitas
Começaremos com definições sociológicas. Em seu livro Understanding New Religious Movements [Compreendendo Novos Movimentos Religiosos], John Saliba prefere abandonar completamente o uso do termo seita, empregando-o apenas com parcimônia. Quando o faz, ele o usa “para se referir aos grupos religiosos (ou quase religiosos) e espirituais relativamente novos que surgiram no Ocidente, especialmente desde a década de 1960”. Continuando, ele afirma que “apesar de suas deficiências, [o termo] aponta para dois fatos inegáveis, a saber, que as novas religiões se destacam da sociedade e da religião tradicional e requerem atenção especial”.[19] Outro estudioso, Timothy Miller, descreve uma seita como “um pequeno e intenso grupo religioso cujos laços com a religião e a cultura tradicionais tendem a ser menos pronunciados… e frequentemente [caem] sob a direção pessoal de um único líder carismático”.[20] Esta definição é semelhante à de Philip Jenkins, que define seita de forma mais restrita como “pequenos [e culturalmente] corpos religiosos impopulares”. Jenkins argumenta que o termo é completamente subjetivo, incomensurável e, portanto, arbitrário, “dizendo-nos tanto sobre as pessoas que aplicam esse rótulo quanto sobre o grupo que é assim descrito”.[21] O sociólogo Thomas Robbins concorda. Ele chega ao fundo da questão quando escreve que, “na verdade, uma ‘seita’ é qualquer grupo estigmatizado como uma ‘seita’”.[22]
Definição teológica de seita
Quando nos ramificamos para fora das definições sociológicas, no entanto, os termos assumem uma forma mais definida. Por exemplo, como cristãos clássicos, observamos e interpretamos seitas de um contexto explicitamente cristão. Isso não necessariamente refuta ou enfraquece as definições sociológicas, mas significa que precisamos explorar como uma cosmovisão cristã discerne e julga movimentos religiosos que divergem das crenças e práticas cristãs bíblicas e históricas.
Walter Martin, fundador do Christian Research Institute, dedicou considerável atenção ao tópico de seitas, principalmente em seu livro The Kingdom of Cults [O Reino das Seitas] (1965). Este livro passou por várias edições e exerce considerável influência sobre o protestantismo evangélico. Por exemplo, Martin desenvolveu uma definição de seitas como diferindo “significativamente em um ou mais aspectos quanto à crença ou prática daqueles grupos religiosos que são considerados expressões normativas da religião”, acrescentando que tais grupos religiosos tendem a se reunir em torno de uma “interpretação errônea da Bíblia” de uma pessoa específica.[23] Não surpreendentemente, o foco apologético da pesquisa de Martin no Christian Research Institute visava expor formas aberrantes de religião que distorciam e desviavam das crenças e práticas cristãs tradicionais e históricas.
James Sire, acrescentando outra camada à definição de Martin, definiu seita como “qualquer movimento religioso que seja organizacionalmente distinto e tenha doutrinas e/ou práticas que contradigam as das Escrituras conforme interpretadas pelo cristianismo tradicional… e expressas em declarações como o Credo dos Apóstolos”.[24] Ron Rhodes, enquadrando as questões em todas essas definições teológicas, entendeu que o termo representa, pelo menos dentro do cristianismo histórico, “um grupo que afirma ser cristão, mas na verdade não é cristão porque nega explícita ou implicitamente uma ou mais… doutrinas centrais da fé cristã histórica”.[25] Uma classificação final de seita dentro de categorias teológicas pode atribuí-los à influência demoníaca ou dano espiritual. Por exemplo, o estudioso do Novo Testamento Clinton Arnold argumentaria que, em vez de estar meramente biblicamente ou teologicamente fora da ortodoxia, uma seita pode estar envolvida em atividades ou práticas demoníacas que são espiritualmente perigosas, uma vez que um espírito malicioso, anjo caído ou demônio pode ser a fonte de sua adoração.[26]
O fato é que tanto as definições sociológicas quanto as teológicas do termo seita oferecem insights. No entanto, devido à falta de precisão e consenso em torno do termo seita (o mesmo é verdade para a palavra sectário) para descrever os milhares de movimentos religiosos que surgiram na América nos últimos dois séculos em particular, ele não é mais usado entre pesquisadores e acadêmicos. Embora seita tenha sido usado comumente no passado, ainda seja preferido pela cultura popular e, às vezes, seja usado pela mídia com sensacionalismo, o que se tornou mais dominante e difundido é o termo novo movimento religioso. Ame-o ou odeie-o, este é o termo preferido entre os estudiosos críticos.[27]
Preservando a Igreja
Ao mesmo tempo, é importante para a identidade e preservação da igreja contemplar os casos em questão. Em suma, devemos considerar o mormonismo e as Testemunhas de Jeová como seitas e, portanto, que não são igrejas e que não são cristãos? Com base nas características e definições teológicas mencionadas acima, os proponentes do cristianismo tradicional devem considerá-los como tal. Certamente, o termo histórico seita é frequentemente controverso, mas é usado por teólogos para se referir a grupos que se desviam das doutrinas cristãs essenciais enquanto pretendem representar o verdadeiro cristianismo. Tanto o mormonismo quanto as Testemunhas de Jeová atendem a essa definição de duas maneiras: primeiro, rejeitando crenças e práticas cristãs fundamentais e, segundo, adicionando novas.
Em face dos movimentos heréticos em andamento, o cristianismo clássico deve constantemente reafirmar seu comprometimento com os limites doutrinários claros estabelecidos pelas Escrituras e os credos históricos da igreja. Novos movimentos religiosos como o mormonismo e as Testemunhas de Jeová servem como exemplos pungentes de como desvios do ensino cristão ortodoxo eventualmente produzem religiões inteiramente novas que adicionam ou removem verdades fundamentais. Esses grupos, embora professem lealdade a Cristo, divergem significativamente em suas doutrinas de Deus e teologias de salvação, revelação e escatologia.
Somos chamados a batalhar arduamente pela fé uma vez entregue aos santos (Judas 3) e engajar o mundo a partir de um fundamento profundamente enraizado na Palavra de Deus. Ao se apegar firmemente às confissões históricas de fé e à autoridade da Bíblia, a igreja salvaguarda sua identidade e preserva a integridade do Evangelho para as gerações futuras.
[1] Nathan Hatch, The Democratization of American Christianity (New Haven: Yale University Press, 1989), 3.
[2] Pearl of Great Price, History 1:14, 16.
[3] Pearl of Great Price, History 1:18–19.
[4] Pearl of Great Price, History 1:20.
[5] Pearl of Great Price, History 1:21–26.
[6] Richard Bushman, Mormonism: A Very Short Introduction (Oxford: Oxford University Press, 2008), 23.
[7] Reid Neilson, Exhibiting Mormonism: The Latter-day Saints and the 1893 World’s Fair (Oxford: Oxford University Press, 2011), 18.
[8] Andrew Holden, Jehovah’s Witnesses: Portrait of a Contemporary Religious Movement (New York: Routledge, 2002), 18.
[9] Holden, Jehovah’s Witnesses, 19.
[10] M. James Penton, Apocalypse Delayed: The Story of Jehovah’s Witnesses, 3rd ed. (Toronto: University of Toronto Press, 2015), 4.
[11] Joseph Smith, “How God Came to Be God,” em Joseph Smith: Selected Sermons and Writings, ed. Robert L. Millet (New York: Paulist, 1989), 131.
[12] Bruce McConkie, Mormon Doctrine (Salt Lake City, UT: Bookcraft, 1966), 282.
[13] J.N.D. Kelly, Early Christian Doctrines, 5th ed. (London: Bloomsbury, 2006).
[14] Doctrine and Covenants 88:1–31.
[15] Robert Ellwood, “Theosophy,” in America’s Alternative Religions, ed. Timothy Miller (Albany, NY: State University of New York Press, 1995), 315.
[16] Adam Crabtree, “Mesmerism and the Psychological Dimension of Mediumship,” em Handbook of Spiritualism and Channeling, ed. Cathy Gutierrez (Leiden: Brill, 2015), 14.
[17] John Duffy and David Howlett, Mormonism: The Basics (London: Bloomsbury Academic, 2016), 35.
[18] Bushman, Mormonism, 3.
[19] John Saliba, Understanding New Religious Movements (Walnut Creek, CA: Altamira, 2003), 2.
[20] Timothy Miller, “Introduction,” in America’s Alternative Religions, 1.
[21] Philip Jenkins, Mystics and Messiahs: Cults and New Religions in American History (Oxford: Oxford University Press, 2001), 18.
[22] Thomas Robbins, “Religious Movements, the State, and the Law: Reconceptualizing ‘The Cult Problem,’” New York University Review of Law and Social Change 9, no. 1 (1980): 33.
[23] Walter Martin, The Kingdom of the Cults (Minneapolis: Bethany House, 1985), 11.
[24] James Sire, Scripture Twisting: Twenty Ways the Cults Misread the Bible (Downers Grove, IL: InterVarsity, 1980), 20.
[25] Ron Rhodes, The Challenge of the Cults and New Religions: The Essential Guide to Their History, Their Doctrine, and Our Response (Grand Rapids: Zondervan, 2001), 23.
[26] Clinton Arnold, 3 Crucial Questions about Spiritual Warfare (Grand Rapids: Baker Academic, 1997).
[27] Este termo é usado no título do meu mais recente livro. Derek Cooper, Christianity and New Religious Movements: An Introduction to the World’s Newest Faiths (Philipsburg, NJ: P&R, 2023).
Por: DEREK COOPER ©️ Desiring God Foundation. Website: desiringGod.org. Traduzido com permissão. Fonte: American Religions: The Rise of Mormons and Jehovah’s Witnesses | Todos os direitos reservados. Revisão e edição: Vinicius Lima.
Fonte: https://voltemosaoevangelho.com/
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