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sábado, 6 de fevereiro de 2021

Hebreus 6:4-6 ensina que o crente que perde a salvação não tem mais perdão?

Há alguns dias, o meu velho amigo Alon Franco (do sempre excelente site A Grande Cidade) publicou um comentário aqui no blog sobre a passagem de Hebreus 6:4-6 – aquele famoso e muito polêmico texto que até hoje suscita debates fervorosos e dúvidas cruéis, que diz:

“Ora para aqueles que uma vez foram iluminados, provaram o dom celestial, tornaram-se participantes do Espírito Santo, experimentaram a bondade da palavra de Deus e os poderes da era que há de vir, e caíram, é impossível que sejam reconduzidos ao arrependimento; pois para si mesmos estão crucificando de novo o Filho de Deus, sujeitando-o à desonra pública” (Hebreus 6:4-6)

Como o comentário dele foi bom e lúcido demais para ficar “esquecido” na caixa de comentários de um outro artigo sobre um outro tema, eu decidi republicá-lo aqui como um artigo à parte, especialmente porque ele lida de uma forma que até então eu não havia enxergado, mas que faz todo o sentido. Segue abaixo a explicação dele, e após os três pontinhos finais as minhas considerações adicionais.

***

O primeiro problema de Hebreus 6:4-6 é a queda dos iluminados. O segundo problema é a total impossibilidade de uma restauração ou renovação para os que caíram. O texto diz que é “impossível renová-los para o arrependimento". É impossível mesmo renovar alguém que caiu em pecado? Não há perdão para os que caíram? Quem disse? E mais: o texto não diz que eles cometeram a blasfêmia contra o Espírito Santo.

Outra coisa: quem são os iluminados de Hebreus 6? Olha para quem a carta foi escrita. Foi para os judeus! O que significa a expressão cair? Que tipo de queda é essa da qual não há possibilidade de restauração? É voltar para o Judaísmo, para as leis e cerimônias. Impossível levá-los ao arrependimento por esse caminho! Jesus já havia morrido e ressuscitado. Não teria possibilidade alguma dele morrer outra vez. O sacrifício da lei não levaria mais ninguém ao arrependimento. Esses judeus que caíram não caíram no pecado de adultério, roubo ou prostituição, mas viraram as costas para Cristo à semelhança dos judeus de Gálatas 5:1-4:

"Para a liberdade foi que Cristo nos libertou. Permanecei, pois, firmes e não vos submetais, de novo, a jugo de escravidão. Eu, Paulo, vos digo que, se vos deixardes circuncidar, Cristo de nada vos aproveitará. De novo, testifico a todo homem que se deixa circuncidar que está obrigado a guardar toda a lei. De Cristo vos desligastes, vós que procurais justificar- vos na lei; da graça decaístes" (Gálatas 5.1-4)

Este é o pecado para o qual não há renovação para arrependimento: a insuficiência de Cristo para a salvação. Eles estavam buscando justificação pela lei: "...procurais justificar-vos na lei...". Era o mesmo problema dos iluminados que caíram em Hebreus 6. Estavam negando toda a obra da redenção para sua salvação e agora queriam enfrentar a lei "de peito aberto", para serem justificados através dela. Seria impossível renová-los para arrependimento pelos caminhos da lei!

Conheço pessoas que largaram tudo porque entenderam que não havia mais chances de perdão para elas. Foram enganadas pela interpretação convencional de Hebreus 6:4-6. O texto não está falando sobre os pecados do dia a dia que surpreendem os crentes no mundo todo. O texto não trata de pecados de adultério, fornicação, imoralidades, vícios como fumar ou beber e muito menos mentiras ou glutonarias, mas sim sobre os hebreus que viraram as costas para Cristo e estavam voltando ao Judaísmo. Impossível renovar alguém para o arrependimento pela lei!

Foi por esse motivo que o escritor aos Hebreus disse coisas desse tipo. Muitos hebreus caíram e estavam buscando perfeição pela lei:

“Ora, se o aperfeiçoamento fosse pelo sacerdócio levítico (pois sob este o povo recebeu a lei), que necessidade havia ainda de que um outro sacerdote se levantasse segundo a ordem de Melquisedeque e de que não fosse contado segundo a ordem de Arão? Pois, mudando-se o sacerdócio, é necessário que se faça também mudança da lei” (Hebreus 7:11-12)

Eles estavam voltando aos sacrifícios, tanto que o escritor disse que eles continuavam sendo oferecidos a cada ano, porém, inutilmente!

“Dizendo acima que sacrifícios, e ofertas, e holocaustos, e sacrifícios pelo pecado não quiseste, nem te deleitaste neles (os quais são oferecidos segundo a lei)” (Hebreus 10:8)

“Visto que a Lei tem a sombra dos bens vindouros, não a mesma imagem das coisas, nunca pode, pelos mesmos sacrifícios que eles oferecem continuamente de ano em ano, fazer perfeitos aos que se chegam a Deus” (Hebreus 10:1)

“...pois a lei nenhuma coisa aperfeiçoou, e é introduzida uma melhor esperança, pela qual nos chegamos a Deus” (Hebreus 7:19)

Pela lei seria impossível “renovar os caídos” para arrependimento.

***

Em suma, quando o autor de Hebreus fala a respeito dos “iluminados” que “caíram da graça”, ele não está falando de cristãos comuns, mas especificamente daqueles hebreus que naqueles dias estavam voltando a seguir a lei, após terem passado por uma conversão genuína. E a parte que fala sobre ser “impossível renovar para o arrependimento” não se refere a pecados comuns que as pessoas podem cometer no cotidiano (por mais graves que sejam), mas especificamente ao fato de tentar assegurar a salvação voltando-se à lei, daí o autor de Hebreus ressaltar que por este meio é impossível obter arrependimento para o perdão dos pecados e a vida eterna.

Isso não significa que todos os judeus convertidos que voltaram ao Judaísmo não possam retornar a Cristo, mas sim que todos os judeus que voltaram ao Judaísmo estão perdidos enquanto buscarem a salvação através da lei. Este é o caminho impossível de se alcançar a salvação, uma vez tendo sido regenerado e conhecendo a verdade que é Cristo. Isso porque a lei é apenas “uma sombra dos bens vindouros, e não a realidade dos mesmos” (Hb 10:1). Ela serviu de “aio” para nos levar a Cristo, que é a finalidade e o cumprimento da lei:

“Antes que viesse esta fé, estávamos sob a custódia da lei, nela encerrados, até que a fé que haveria de vir fosse revelada. Assim, a lei foi o nosso tutor até Cristo, para que fôssemos justificados pela fé. Agora, porém, tendo chegado a fé, já não estamos mais sob o controle do tutor” (Gálatas 3:23-25)

Este entendimento é extremamente importante, não apenas por razões teológicas, mas essencialmente por questões práticas. Como o Alon bem ressaltou e eu também tenho testemunhado de montão, é impressionante a quantidade de crente que vive sob um peso de condenação e culpa pensando que por ter cometido esse ou aquele pecado agora não pode mais ser perdoado mesmo que se arrependa e busque a Deus. A trágica consequência que isso leva é que no fim das contas a pessoa desiste de buscar a Deus, justamente por pensar que não tem mais jeito. É um verdadeiro câncer teológico com um potencial vertiginoso de arruinar a vida espiritual de muita gente.

Mesmo quando a Bíblia fala da “blasfêmia contra o Espírito Santo”, para a qual não há perdão (Mc 3:28-29), a razão pela qual isso acontece não é porque Deus rejeita alguém que demonstra interesse por ele e vontade de mudar de vida. É biblicamente um consenso que Deus perdoa a todos aqueles que vêm a ele com arrependimento de coração, independentemente do pecado cometido. A razão pela qual certas pessoas “não tem perdão” não é porque Deus se recusa a perdoá-las, mas porque a própria pessoa já se afastou tão completamente de Deus que já não sente mais qualquer remorso pelos seus pecados. Ela passa a “pecar à vontade”, sem arrependimento ou constrangimento algum – é o "pecado deliberado" do qual o autor de Hebreus fala em 10:26-27. E sabemos que Deus só perdoa quem se arrepende.

Por isso, o que eu sempre digo a quem acha que cometeu o “pecado imperdoável” e tem medo de não poder ser aceito de novo, é: se você ainda se preocupa com isso, é porque não está nada perdido. Quem já renegou a Deus ao ponto em que o Espírito Santo não toca mais na porta do seu coração, não tem a capacidade de sentir contrição pelos próprios pecados ou um desejo ardente de voltar ao Senhor. Na prática, vive como se Deus não existisse, como se a fé não tivesse a menor importância. É muito pior que um "desviado". Se você ainda sente esse “incômodo” aí dentro, esse desejo interno de mudar, é porque ainda dá pra mudar. É porque Deus não desistiu de você. É Jesus dizendo que te aceita de volta, independente de tudo o que aconteceu, como aceitou o filho pródigo e o recebeu de braços abertos, desde que você também corra de volta aos braços dele.

 

Fonte: lucasbanzoli.com

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