Há alguns dias, o meu velho amigo
Alon Franco (do sempre excelente site A
Grande Cidade) publicou um comentário aqui no blog sobre a passagem de
Hebreus 6:4-6 – aquele famoso e muito polêmico texto que até hoje suscita
debates fervorosos e dúvidas cruéis, que diz:
“Ora
para aqueles que uma vez foram iluminados, provaram o dom celestial,
tornaram-se participantes do Espírito Santo, experimentaram a bondade da
palavra de Deus e os poderes da era que há de vir, e caíram, é impossível que
sejam reconduzidos ao arrependimento; pois para si mesmos estão crucificando de
novo o Filho de Deus, sujeitando-o à desonra pública” (Hebreus 6:4-6)
Como o comentário dele foi bom e
lúcido demais para ficar “esquecido” na caixa de comentários de um outro artigo
sobre um outro tema, eu decidi republicá-lo aqui como um artigo à parte,
especialmente porque ele lida de uma forma que até então eu não havia
enxergado, mas que faz todo o sentido. Segue abaixo a explicação dele, e após
os três pontinhos finais as minhas considerações adicionais.
***
O primeiro problema de Hebreus
6:4-6 é a queda dos iluminados. O segundo problema é a total impossibilidade de
uma restauração ou renovação para os que caíram. O texto diz que é “impossível renová-los
para o arrependimento". É impossível mesmo renovar alguém que
caiu em pecado? Não há perdão para os que caíram? Quem disse? E mais: o texto
não diz que eles cometeram a blasfêmia contra o Espírito Santo.
Outra coisa: quem são os
iluminados de Hebreus 6? Olha para quem a carta foi escrita. Foi para os judeus!
O que significa a expressão cair? Que tipo de queda é essa da qual não há
possibilidade de restauração? É voltar para o Judaísmo, para as leis e
cerimônias. Impossível levá-los ao arrependimento por esse caminho! Jesus já
havia morrido e ressuscitado. Não teria possibilidade alguma dele morrer outra
vez. O sacrifício da lei não levaria mais ninguém ao arrependimento. Esses
judeus que caíram não caíram no pecado de adultério, roubo ou prostituição, mas
viraram as costas para Cristo à semelhança dos judeus de Gálatas 5:1-4:
"Para
a liberdade foi que Cristo nos libertou. Permanecei, pois, firmes e não vos
submetais, de novo, a jugo de escravidão. Eu, Paulo, vos digo que, se vos
deixardes circuncidar, Cristo de nada vos aproveitará. De novo, testifico a
todo homem que se deixa circuncidar que está obrigado a guardar toda a lei. De
Cristo vos desligastes, vós que procurais justificar- vos na lei; da graça decaístes" (Gálatas 5.1-4)
Este é o pecado para o qual não
há renovação para arrependimento: a insuficiência de Cristo para a salvação.
Eles estavam buscando justificação pela lei: "...procurais justificar-vos na
lei...". Era o mesmo problema dos iluminados que caíram em
Hebreus 6. Estavam negando toda a obra da redenção para sua salvação e agora
queriam enfrentar a lei "de peito aberto", para serem justificados
através dela. Seria impossível renová-los para arrependimento pelos caminhos da
lei!
Conheço pessoas que largaram
tudo porque entenderam que não havia mais chances de perdão para elas. Foram
enganadas pela interpretação convencional de Hebreus 6:4-6. O texto não está
falando sobre os pecados do dia a dia que surpreendem os crentes no mundo todo.
O texto não trata de pecados de adultério, fornicação, imoralidades, vícios
como fumar ou beber e muito menos mentiras ou glutonarias, mas sim sobre os hebreus
que viraram as costas para Cristo e estavam voltando ao Judaísmo. Impossível renovar alguém para o
arrependimento pela lei!
Foi por esse motivo que o
escritor aos Hebreus disse coisas
desse tipo. Muitos hebreus caíram e estavam buscando perfeição pela lei:
“Ora,
se o aperfeiçoamento fosse pelo sacerdócio levítico (pois sob este o povo
recebeu a lei), que necessidade havia ainda de que um outro sacerdote se
levantasse segundo a ordem de Melquisedeque e de que não fosse contado segundo
a ordem de Arão? Pois, mudando-se o sacerdócio, é necessário que se faça também
mudança da lei” (Hebreus 7:11-12)
Eles estavam voltando aos
sacrifícios, tanto que o escritor disse que eles continuavam sendo oferecidos a
cada ano, porém, inutilmente!
“Dizendo
acima que sacrifícios, e ofertas, e holocaustos, e sacrifícios pelo pecado não
quiseste, nem te deleitaste neles (os quais são oferecidos segundo a lei)”
(Hebreus 10:8)
“Visto
que a Lei tem a sombra dos bens vindouros, não a mesma imagem das coisas, nunca pode, pelos mesmos sacrifícios
que eles oferecem continuamente de ano em ano, fazer perfeitos aos que se
chegam a Deus” (Hebreus 10:1)
“...pois
a lei nenhuma coisa aperfeiçoou, e é
introduzida uma melhor esperança, pela qual nos chegamos a Deus” (Hebreus 7:19)
Pela lei seria impossível
“renovar os caídos” para arrependimento.
***
Em suma, quando o autor de
Hebreus fala a respeito dos “iluminados” que “caíram da graça”, ele não está
falando de cristãos comuns, mas especificamente daqueles hebreus que naqueles
dias estavam voltando a seguir a lei, após terem passado por uma conversão
genuína. E a parte que fala sobre ser “impossível renovar para o arrependimento”
não se refere a pecados comuns que as pessoas podem cometer no cotidiano (por
mais graves que sejam), mas especificamente ao fato de tentar assegurar a
salvação voltando-se à lei, daí o autor de Hebreus ressaltar que por
este meio é impossível obter arrependimento para o perdão dos pecados e
a vida eterna.
Isso não significa que todos os
judeus convertidos que voltaram ao Judaísmo não possam retornar a Cristo, mas
sim que todos os judeus que voltaram ao Judaísmo estão perdidos enquanto
buscarem a salvação através da lei. Este é o caminho impossível de se alcançar
a salvação, uma vez tendo sido regenerado e conhecendo a verdade que é Cristo.
Isso porque a lei é apenas “uma sombra dos bens
vindouros, e não a realidade dos mesmos” (Hb 10:1). Ela serviu de “aio”
para nos levar a Cristo, que é a finalidade e o cumprimento da lei:
“Antes
que viesse esta fé, estávamos sob a custódia da lei, nela encerrados, até que a
fé que haveria de vir fosse revelada. Assim, a lei foi o nosso tutor até
Cristo, para que fôssemos justificados pela fé. Agora, porém, tendo chegado a
fé, já não estamos mais sob o controle do tutor” (Gálatas 3:23-25)
Este
entendimento é extremamente
importante, não apenas por razões teológicas, mas essencialmente por
questões
práticas. Como o Alon bem ressaltou e eu também tenho testemunhado de
montão, é
impressionante a quantidade de crente que vive sob um peso de condenação
e culpa pensando que por ter cometido esse ou aquele pecado agora não
pode
mais ser perdoado mesmo que se arrependa e busque a Deus. A trágica
consequência que isso leva é que no fim das contas a pessoa desiste de
buscar a
Deus, justamente por pensar que não tem mais jeito. É um verdadeiro
câncer
teológico com um potencial vertiginoso de arruinar a vida espiritual de
muita
gente.
Mesmo quando a Bíblia fala da “blasfêmia
contra o Espírito Santo”, para a qual não há perdão (Mc 3:28-29), a razão pela
qual isso acontece não é porque Deus rejeita alguém que demonstra interesse por
ele e vontade de mudar de vida. É biblicamente um consenso que Deus perdoa a todos
aqueles que vêm a ele com arrependimento de coração, independentemente do
pecado cometido. A razão pela qual certas pessoas “não tem perdão” não é porque
Deus se recusa a perdoá-las, mas porque a própria pessoa já se afastou tão
completamente de Deus que já não sente mais qualquer remorso pelos seus
pecados. Ela passa a “pecar à vontade”, sem arrependimento ou constrangimento algum
– é o "pecado deliberado" do qual o autor de Hebreus fala em 10:26-27. E sabemos que Deus só perdoa quem se arrepende.
Por isso, o que eu sempre digo a
quem acha que cometeu o “pecado imperdoável” e tem medo de não poder ser
aceito de novo, é: se você ainda se preocupa com isso, é porque não está nada
perdido. Quem já renegou a Deus ao ponto em que o Espírito Santo não toca mais
na porta do seu coração, não tem a capacidade de sentir contrição pelos próprios
pecados ou um desejo ardente de voltar ao Senhor. Na prática, vive como se Deus
não existisse, como se a fé não tivesse a menor importância. É muito pior que um "desviado". Se você ainda
sente esse “incômodo” aí dentro, esse desejo interno de mudar, é porque ainda dá pra mudar. É porque Deus não desistiu de você. É Jesus
dizendo que te aceita de volta, independente de tudo o que aconteceu, como
aceitou o filho pródigo e o recebeu de braços abertos, desde que você também
corra de volta aos braços dele.
Fonte: lucasbanzoli.com
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