Nestes
onze anos de apologética, poucas perguntas que eu já recebi foram tão
recorrentes quanto a da blasfêmia contra o Espírito Santo, que Jesus chama de “pecado
sem perdão”. Inexplicavelmente, eu nunca escrevi nada a respeito (na verdade
até escrevi, mas é um artigo tão antigo, superficial e mal escrito que é melhor
dizer que não escrevi). Então chegou o momento de escrever algo um pouco mais elaborado
sobre esse tema tão controverso. Afinal, qual seria (ou melhor, o que seria)
esse pecado sem perdão?
Há quem
diga que se trata de um pecado específico cometido em algum momento da vida,
como o adultério, ou o assassinato, ou atribuir ao diabo um milagre divino, ou qualquer
coisa do tipo. Me assusta a simples hipótese de que uma palavra ou um ato
isolado na vida de alguém possa culminar na perda da salvação para a vida
inteira, sem possibilidade de resgate ou de arrependimento. Me apavora imaginar
que alguém de 18 anos que tenha eventualmente feito uma dessas coisas tenha
comprometido sua salvação para sempre, mesmo que viva 80 anos e não faça mais
nada de errado.
É uma
mensagem de desesperança e angústia, que não se parece em nada com as boas
novas de esperança e arrependimento para a salvação por meio do evangelho. Além
disso, se este fosse o critério para estabelecer que alguém não pode ser
perdoado nunca mais, então Davi não poderia ser perdoado após ter adulterado
com Bate-Seba, nem Moisés poderia ser perdoado após ter assassinado o egípcio, e
qualquer um de nós que ouse afirmar que um milagre de cura do Valdemiro Saint James
ou que um exorcismo da igreja do bispo da Record foi fraudulento ou demoníaco,
já estaria arriscando sua salvação eterna e jamais poderia ser perdoado por
tamanha insolência.
Mas se o
“pecado sem perdão” não é um pecado específico que cometemos em um único ato ou
em uma única palavra, então do que se trata? Vejamos o que diz o texto em
questão:
“’Eu lhes asseguro que todos os pecados e blasfêmias dos homens
lhes serão perdoados, mas quem blasfemar contra o Espírito Santo nunca terá
perdão: é culpado de pecado eterno’. Jesus falou isso porque eles estavam
dizendo: ‘Ele está com um espírito imundo’” (Marcos
3:28-30)
O verso
começa dizendo que todos os pecados e blasfêmias dos homens lhes serão
perdoados, o que significa que não há um tipo de pecado específico que
isoladamente possa condenar o homem para sempre, sem chances de ser perdoado.
Entretanto, a continuação do verso parece contradizer isso, pois diz que há sim
um tipo de pecado que não tem perdão: a blasfêmia contra o Espírito Santo. Como
conciliar isso?
Como você
verá neste artigo, o pecado contra o Espírito Santo não se trata de um pecado
específico “catalogado” (como adultério, homicídio, mentira, roubo ou etc), mas
se refere justamente à ausência do arrependimento produzido pelo Espírito
Santo. Em outras palavras, o que nunca é perdoado é aquele que nunca se
arrepende, e a ausência de arrependimento implica em um “pecado eterno” (i.e,
em um pecado que nunca é perdoado, já que não houve arrependimento para que
haja o perdão).
No
entanto, o texto diz mais do que isso. Se observarmos o contexto, veremos que
há um tipo de gente que chegou a um ponto em que não é mais suscetível ao
arrependimento, por isso podemos dizer que já “blasfemaram contra o
Espírito Santo”. Trata-se de uma rejeição total e contínua ao Espírito Santo,
que é quem poderia conduzi-los ao arrependimento. Pelo contexto, os que
blasfemavam contra o Espírito Santo eram aqueles que acusavam Jesus de estar
com um espírito imundo (ou seja, endemoniado).
Mas não
eram qualquer pessoa: eram mais especificamente os “mestres
da lei” (v. 22), fariseus em sua maioria, que frequentemente
acompanhavam Jesus com más intenções de pegá-lo em uma armadilha e colocá-lo à
prova (Mc 10:2; Jo 8:3-6). Ou seja, eram pessoas que sabiam perfeitamente
bem quem era Jesus, que viam os milagres que ele realizava e mesmo
assim o insultavam e perseguiam, para não perder seus privilégios perante o
povo.
Veja por
exemplo o caso de Lázaro, a quem Jesus ressuscitou dos mortos. Os fariseus
sabiam bem disso e não tinham como negar a ressurreição, mas em vez de
reconhecer que Jesus era o Cristo, procuravam matar Lázaro novamente:
“Enquanto isso, uma grande multidão de judeus, ao descobrir que
Jesus estava ali, veio, não apenas por causa de Jesus, mas também para ver
Lázaro, a quem ele ressuscitara dos mortos. Assim, os chefes dos sacerdotes
fizeram planos para matar também Lázaro, pois por causa dele muitos estavam se
afastando dos judeus e crendo em Jesus” (João
12:9-11)
Em outra
ocasião, Jesus curou um cego de nascença bem conhecido naquela região, fato que
logo se tornou notório. A despeito disso, eles “haviam
decidido que, se alguém confessasse que Jesus era o Cristo, seria expulso da
sinagoga” (Jo 9:22), e expulsaram o próprio cego curado (v. 34). Até
mesmo a ressurreição de Jesus eles sabiam que tinha mesmo acontecido, mas mesmo
assim elaboraram um plano para não deixar que isso se tornasse público:
“Quando os chefes dos sacerdotes se reuniram com os líderes
religiosos, elaboraram um plano. Deram aos soldados grande soma de dinheiro,
dizendo-lhes: ‘Vocês devem declarar o seguinte: Os discípulos dele vieram
durante a noite e furtaram o corpo, enquanto estávamos dormindo. Se isso chegar
aos ouvidos do governador, nós lhe daremos explicações e livraremos vocês de
qualquer problema’. Assim, os soldados receberam o dinheiro e fizeram como
tinham sido instruídos. E esta versão se divulgou entre os judeus até o dia de
hoje” (Mateus 28:12-15)
João diz
que “muitos líderes dos judeus creram nele. Mas,
por causa dos fariseus, não confessavam a sua fé, com medo de serem expulsos da
sinagoga; pois preferiam a aprovação dos homens do que a aprovação de Deus” (Jo
12:42-43). Em outras palavras, estamos falando aqui de pessoas que conheciam e
muito bem a Palavra de Deus (não eram mestres da lei à toa), viram e
testemunharam os milagres mais extraordinários de Jesus e sabiam que ele era o
filho de Deus, mas mesmo assim o rejeitavam, perseguiam e insultavam, com medo
de perder o status e os muitos privilégios que desfrutavam entre os judeus
(inclusive financeiros). É este o tipo de gente que não tinha perdão.
Caso bem
diferente é o do apóstolo Paulo, que perseguia os cristãos tanto quanto os
outros fariseus ou até mais, mas nunca tinha testemunhado milagre algum de
Jesus, nem qualquer experimentado qualquer coisa em sua vida. Contudo, quando
Jesus lhe apareceu na estrada de Damasco, em vez de agir como os demais
fariseus e continuar negando o que os seus olhos viam, ele se rendeu à Cristo e
se tornou o crente mais fervoroso de todos. Essa é a grande diferença entre os
que blasfemam contra o Espírito Santo e os que podem estar fazendo as mesmas
coisas, mas não blasfemam desse modo: enquanto uns testemunharam da
veracidade da fé mas mesmo assim a rejeitam, os outros a rejeitam porque não
tiveram o mesmo testemunho.
Curiosamente,
há um texto bíblico que também fala de um estado em que alguém não tem mais
perdão, e que é extremamente esclarecedor, corroborando toda essa nossa
análise. Ele está em Hebreus 6:4-6, que diz:
“Ora para aqueles que uma vez foram iluminados, provaram o dom
celestial, tornaram-se participantes do Espírito Santo, experimentaram a
bondade da palavra de Deus e os poderes da era que há de vir, e caíram, é
impossível que sejam reconduzidos ao arrependimento; pois para si mesmos estão
crucificando de novo o Filho de Deus, sujeitando-o à desonra pública” (Hebreus
6:4-6)
Note que
estes que não podem mais ser reconduzidos ao arrependimento são pessoas que já
foram iluminadas, já provaram o dom celestial, já se tornaram participantes do
Espírito Santo e até mesmo experimentaram as bênçãos de Deus e o poder da “era
que há de vir” (i.e, a vida eterna), mas mesmo assim preferiram negar a fé,
crucificando de novo o filho de Deus, envergonhando o evangelho perante os de
fora. Não se trata, portanto, de qualquer crente, nem de qualquer queda.
Estamos falando de crentes que receberam dons espirituais, que tinham
proximidade com Deus, que possuíam o Espírito Santo e realizavam sinais
miraculosos, mas que por qualquer razão deram as costas a tudo aquilo que conheciam
e sabiam ser a verdade.
Isso me
lembra muito os israelitas do deserto, que viram diante de seus olhos as dez
pragas do Egito, o mar Vermelho se abrir, a rocha dar água, o maná cair do céu,
a coluna de nuvem os acompanhando de dia e a coluna de fogo à noite, e mesmo
diante de tantos sinais estupendos e incontestáveis do agir e do mover de Deus
preferiam murmurar contra Moisés, adorar um bezerro de ouro e reagir com
incredulidade e espírito de rebeldia diante do depoimento dos espias, como se o
mesmo Deus que os tirou do Egito não fosse capaz de lhes dar a terra prometida
por herança.
Sabemos
que a “terra prometida” é uma figura da nova terra, que herdaremos no estado
eterno, e que a saga do povo hebreu serve de ilustração e exemplo para nós hoje,
como expressou Paulo:
“Porque não quero, irmãos, que vocês ignorem o fato de que todos
os nossos antepassados estiveram sob a nuvem e todos passaram pelo mar. Em
Moisés, todos eles foram batizados na nuvem e no mar. Todos comeram do mesmo
alimento espiritual e beberam da mesma bebida espiritual; pois bebiam da rocha
espiritual que os acompanhava, e essa rocha era Cristo. Contudo, Deus não se
agradou da maioria deles; por isso os seus corpos ficaram espalhados no
deserto. Essas coisas ocorreram como exemplos para nós, para que não cobicemos
coisas más, como eles fizeram. Não sejam idólatras, como alguns deles foram,
conforme está escrito: ‘O povo se assentou para comer e beber, e levantou-se
para se entregar à farra’. Não pratiquemos imoralidade, como alguns deles
fizeram – e num só dia morreram vinte e três mil. Não devemos pôr o Senhor à
prova, como alguns deles fizeram – e foram mortos por serpentes. E não se
queixem, como alguns deles se queixaram – e foram mortos pelo anjo destruidor.
Essas coisas aconteceram a eles como exemplos e foram escritas como advertência
para nós, sobre quem tem chegado o fim dos tempos. Assim, aquele que julga
estar firme, cuide-se para que não caia!” (1ª Coríntios
10:1-12)
Em outras
palavras, tudo o que os israelitas viveram prefigura a realidade da nova
aliança em que vivemos. Se a terra prometida prefigurava a nova terra e o que
aconteceu com os hebreus é um exemplo do que pode acontecer conosco, então tudo
faz um perfeito sentido. O que aconteceu com toda aquela geração murmuradora e
blasfema, que viu todos os sinais e mesmo assim permaneceu incrédula e
idólatra? Todos eles – à exceção de Josué e Calebe, os únicos que demonstraram
fé na promessa – pereceram no deserto, e não herdaram a terra prometida. Em um
determinado momento, Deus se cansou de tanta rebeldia, e determinou que nenhum
deles herdaria a promessa.
Isso é o
mesmo que acontece hoje com quem testemunha o agir de Deus em nosso meio (ainda
que de um modo diferente dos hebreus que saíram do Egito, mas não menos real),
e mesmo assim apostatam da fé, como disse o autor de Hebreus. É com tristeza e
pesar que tenho testemunhado casos de cristãos que considerava exemplares, que
tinham dons espirituais, que exerciam ministérios na igreja, que tinham um
vasto conhecimento teológico, que tinham um relacionamento com Deus e eram
guiados pelo Espírito, e mesmo assim apostataram para o ateísmo ou para
qualquer coisa longe do Cristianismo.
É
importante ressaltar mais uma vez que não estamos falando de qualquer cristão,
nem de qualquer nível de queda. Há crentes que ainda não experimentaram algo
assim de Deus, e outros que estão afastados dEle (o que costumamos chamar de
“desviados”), mas que não cuspiram na cruz de Cristo e nem chegaram ao ponto de
“crucificar novamente o filho de Deus”, como fazem aqueles que apostataram ao
ponto de fazer proselitismo ateu e tentar levar outros consigo à apostasia. Se
você está desviado(a), saiba que Jesus sempre está disposto a perdoar todos
aqueles que se voltam a Ele com arrependimento sincero, como o bom pastor que
cuida das ovelhas e como o pai do filho pródigo.
Desde os
tempos do Antigo Testamento Deus diz que “se o meu
povo, que se chama pelo meu nome, se humilhar e orar, buscar a minha face e se
afastar dos seus maus caminhos, dos céus o ouvirei, perdoarei o seu pecado e
curarei a sua terra” (2Cr 7:14). Jesus disse que quem viesse a ele, ele
jamais rejeitaria (Jo 6:37), e João declara que “se
confessarmos os nossos pecados, ele é fiel e justo para perdoar os nossos
pecados e nos purificar de toda injustiça” (1Jo 1:9). Não há pecado que
Deus não possa perdoar, pois “o sangue de Jesus nos
purifica de todo pecado” (1Jo 1:7). O testemunho bíblico unânime
é de que, se você se arrepender dos seus pecados, você será perdoado e aceito
de volta aos braços do Pai.
Aqui
estamos falando de pessoas que mergulharam tão fundo na apostasia deliberada
que nem mesmo são levadas ao arrependimento, por isso o texto de Hebreus
diz que “é impossível que sejam reconduzidos ao
arrependimento” (Hb 6:6). Note que o texto diz que é impossível que
eles se arrependam, e não que é impossível que Deus ouça o arrependimento
deles. Em outras palavras, Deus perdoa todo aquele que se arrepende, mas neste
caso estamos falando de gente que nem mesmo se arrepende, e por isso não é
perdoada.
Jesus foi
claro ao dizer que é o Espírito Santo quem “convence
o mundo do pecado, da justiça e do juízo” (Jo 16:8). Ou seja, uma pessoa
só se arrepende porque o Espírito Santo tocou em seu coração primeiro, não
porque ela própria é boa de coração e produz o arrependimento sozinha. Mas
essas pessoas que desfrutaram do amor de Deus e mesmo assim o abandonaram e tentam
levar outras ao mesmo caminho chegaram a um ponto em que o Espírito Santo não
age mais no interior delas, de modo a propiciar um arrependimento que os
reconduza a Deus. E como não há perdão de pecados sem arrependimento, elas
acabam nunca alcançando o perdão.
Portanto,
se você quer voltar a Deus, saiba que ele está sempre disposto a perdoá-lo,
bastando apenas que se arrependa dos seus maus caminhos. Há milhares de
versículos bíblicos falando disso, que eu sequer preciso passar aqui porque
você deve conhecer tão bem quanto eu. O próprio fato de você sentir tristeza em
seu coração por estar afastado do Pai e uma vontade ardente de voltar aos
braços dEle já significa que o Espírito Santo continua tocando em seu coração,
tentando te convencer do pecado, da justiça e do juízo. Em outras palavras,
significa que ainda há esperança.
Se você
estivesse entre os que cometeram o “pecado sem perdão”, nem mesmo sentiria
isso. Provavelmente estaria zombando e debochando de um artigo como esse, e seu
coração permaneceria tão endurecido quanto antes, sem qualquer peso de
consciência ou culpa pelos pecados que comete. Trata-se de alguém totalmente
depravado e apartado da graça de Deus, após recebê-la uma vez. E na maioria
das vezes, só Deus sabe quem chegou a este ponto ou não, a não ser nos casos
mais manifestos, os quais o próprio João diz que não devemos orar pela pessoa,
já que não há mais chances de Deus tratar o coração de alguém assim (1Jo
5:16-17).
Tenha em
conta que Pedro chegou até mesmo a negar Jesus publicamente, algo muito sério
para alguém que conviveu três anos com o Mestre e tinha intimidade com ele, mas
mesmo assim se arrependeu profundamente e não apenas foi perdoado e aceito de
volta, mas se tornou um dos maiores exemplos de fé, sendo fiel a Cristo até o
martírio. Nós estamos sujeitos a passar por momentos difíceis, de dúvidas e
incertezas, de fraquezas e desvios, mas isso não significa necessariamente que
chegamos ao ponto em que não há mais volta. Muitos chegam até mesmo a desanimar
na fé pensando que Deus não pode mais perdoá-los, e por isso se desviam ainda
mais. Só quem tem a ganhar com isso é o inimigo de nossas almas.
Deus não
decretou que os israelitas pereceriam no deserto sem que eles murmurassem
muitas vezes antes disso. Da mesma forma, Deus não vai fechar as portas da
terra prometida pra você logo na primeira queda ou desvio, independentemente da
gravidade do pecado cometido. A apostasia da qual não há mais volta trata-se de
uma atitude deliberada, racionalizada e levada à cabo com persistência, não um
ato de pecado isolado. Ninguém chega a este ponto da noite pro dia, por um ato
inconsequente ou uma palavra imprudente. Trata-se antes de alguém que peca
deliberadamente depois de já saber a verdade, desprezando aquilo que recebeu de
Deus, como diz Hebreus:
“Se continuarmos a pecar deliberadamente depois que recebemos o
conhecimento da verdade, já não resta sacrifício pelos pecados, mas tão-somente
uma terrível expectativa de juízo e de fogo intenso que consumirá os inimigos
de Deus. Quem rejeitava a lei de Moisés morria sem misericórdia pelo depoimento
de duas ou três testemunhas. Quão mais severo castigo, julgam vocês, merece
aquele que pisou aos pés o Filho de Deus, que profanou o sangue da aliança pelo
qual ele foi santificado, e insultou o Espírito da graça? Pois conhecemos
aquele que disse: ‘A mim pertence a vingança; eu retribuirei’; e outra vez: ‘O
Senhor julgará o seu povo’. Terrível coisa é cair nas mãos do Deus vivo!” (Hebreus
10:26-31)
Fonte: http://www.lucasbanzoli.com
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