“E esta é a confiança que temos para com ele: que,
se pedirmos alguma coisa segundo a sua vontade, ele nos ouve” 1Jo 5:14
A
pergunta acima foi feita por uma irmã amada, cristã fiel e sincera para com
Deus. É legítima e merece a melhor resposta que puder ser dada, de acordo com o
ensino claro das Escrituras Sagradas. Tentarei fazer isso, embora talvez não
seja a pessoa mais indicada para a tarefa.
Examinemos em primeiro lugar a
premissa. Será que todas as coisas estão previamente determinadas por Deus ou o
futuro é uma realidade aberta? Se nem todas as coisas ou coisa nenhuma
estiverem eternamente fixadas, então não há problema a ser resolvido quanto ao
sentido da oração. Há, porém, duas possibilidades: contingência e certeza. Num
universo contingente, os acontecimentos não estão previamente determinados e
tudo pode acontecer ou não. No extremo dessa posição estão os modernos
neoteístas, que afirmam que o futuro não existe, mas é uma realidade a ser
construída e nós somos os arquitetos e construtores. Como o futuro não existe e
todas as ações livres podem vir ou não a acontecer, nem Deus pode conhecer o
futuro. Porém, a maioria dos arminianos coloca-se numa posição intermediária,
advogando uma providência geral, onde nem tudo está determinado, apenas o que
Deus decidiu determinar. Os calvinistas, por sua vez, são deterministas.
Confessam que “Desde toda eternidade, Deus, pelo muito e sábio conselho da
sua própria vontade ordenou livre e inalteravelmente tudo o que acontece…”
(CFW, III, 1).
A
certeza de todos os eventos é uma implicação lógica da onisciência. Se o
conhecimento de Deus é infinito e infalível, então desde toda eternidade Ele
sabe tudo o que vai acontecer. Não é mera previsão baseada na suposição do tipo
“se tais e tais condições ocorrerem, então tal evento também ocorrerá”. O
conhecimento de Deus é perfeito e exaustivo. Ora, tal conhecimento
obrigatoriamente causa a futurição de todos os eventos. Então, se Deus desde a
eternidade sabia qual seria a resposta que daria à oração, essa e somente essa
poderá ser a resposta. Porém, embora reconheçam a implicação lógica da
onisciência divina, que por si só elimina a possibilidade de um universo
contingente, os calvinistas não atribuem a determinação de todas às coisas à
presciência divina. Ressaltam que “Ainda que Deus saiba tudo o que pode e há
de acontecer em todas as circunstâncias imagináveis, Ele não decreta coisa
alguma por have-la previsto como futura…” (CFW, III, 2).
Quando
a CFW diz que Deus decreta tudo o que acontece, diz que Ele fez isso
livremente, de acordo com o conselho de Sua vontade. Portanto, a determinação
divina precede o seu conhecimento perfeito, o que é uma questão de lógica. Para
que algo seja conhecido, precisa antes existir, se não de fato, pelo menos na
mente de quem o antevê. Portanto, a ordem lógica (não cronológica) é a
determinação seguida da presciência. Deus vê o que determinou que faria.
Mas
essa não é uma doutrina baseada na lógica, pois a Bíblia ensina a determinação
divina, afirmando ela é eterna. Deus diz “desde o princípio anuncio o que há
de acontecer e desde a antiguidade, as coisas que ainda não sucederam; que
digo: o meu conselho permanecerá de pé, farei toda a minha vontade; que chamo a
ave de rapina desde o Oriente e de uma terra longínqua, o homem do meu
conselho. Eu o disse, eu também o cumprirei; tomei este propósito, também o
executarei” (Is 46:10-11). A determinação divina é desde “antes dos
tempos eternos” (2Tm 1:9), pois “desde os dias antigos o tinha
determinado” (Is 37:26); e permanece inalterada através do séculos,
conforme declara o salmista: “o conselho do Senhor dura para sempre; os
desígnios do seu coração, por todas as gerações” (Sl 33:11). A determinação
divina inclui todas os eventos, mesmo os chamados eventos fortuitos. Assim, a
Bíblia diz que “a sorte se lança no regaço, mas do Senhor procede toda
decisão” (Pv 16:33). Essa verdade ficou bem clara no caso de Jonas (Jn 1:7)
e Matias (At 1:24-26). Quando “um homem entesou o arco e, atirando ao acaso,
feriu o rei de Israel por entre as juntas da sua armadura” (1Rs 22:34) foi
porque Deus havia determinado que a flecha, “casualmente”, acertaria o alvo.
Estão incluídos na determinação divina cada dia de todas pessoa: “Os teus
olhos me viram a substância ainda informe, e no teu livro foram escritos todos
os meus dias, cada um deles escrito e determinado, quando nem um deles havia
ainda” (Sl 139:16).
Nós
tendemos a atribuir a Deus as coisas boas que acontecem, livrando-o do
constrangimento pelas coisas más. Porém, o mesmo Senhor diz “Eu formo a luz
e crio as trevas; faço a paz e crio o mal; eu, o Senhor, faço todas estas
coisas” (Is 45:7). Paulo em Romanos escreve “porque dele, e por meio
dele, e para ele são todas as coisas. A ele, pois, a glória eternamente. Amém!”
(Rm 11:36). Jesus foi “entregue pelo determinado desígnio e presciência de
Deus” (At 2:23) para os homens “fazerem tudo o que a tua mão e o teu
propósito predeterminaram” (At 4:28). Portanto, quando perguntamos o que
está incluído na determinação divina, a resposta bíblica é “todas as coisas”
(Rm 8:28; 11:36).
Pelo
exposto até agora, sabemos que não podemos negar a certeza de todos os eventos
pela determinação divina. Resta então responder a pergunta propriamente dita:
por que orar?
Em
primeiro lugar, note-se que não há contradição entre determinação e oração. A
oração somente estaria em oposição à determinação divina se o objetivo dela fosse
alterar os propósitos de Deus. Porém, o conselho do Senhor referente a todas as
coisas é infinitamente sábio e bom, portanto jamais necessita ser mudado. Seria
atrevimento blasfemo pensar que Deus intenta fazer algo mas nós, por sabermos o
que é melhor, o persuadimos através da oração a mudar a execução de sua vontade
perfeita. Além disso, o desígnio do Senhor é eterno e imutável e mesmo que o
homem quisesse não poderia impedir ou alterar o que Deus determinou. Sendo
assim, não há nenhuma contradição entre a oração confiante e a certeza de que
todas as coisas estão preordenadas por Deus. Mesmo assim, por que orar?
Não
oramos para informar a Deus de nossas necessidades, Ele já as sabe todas.
Tampouco queremos convencê-lo a nos dar a sua bênção, pois isso Ele quer, e
quando não recebemos é porque Ele nos abençoou negando o que resultaria em mal
para nós. Também não oramos para manipular leis espirituais estabelecidas em
nosso favor. Qualquer uma dessas motivações é falsa e antibíblica.
Seria
uma resposta suficiente para os crentes obedientes dizer que oramos porque Deus
nos ordenou a orar. Por que Deus disse “Orai sem cessar” (1Ts 5:17)
temos “o dever de orar sempre e nunca esmorecer” (Lc 18:1). Mas podemos
acrescentar algo mais a essa resposta. Primeiro que a certeza do decreto divino
não tira o significado da oração. Deus disse que faria chover, mesmo assim
Elias orou por chuva. Daniel sabia que Deus tinha determinado 70 anos de
cativeiro, ao fim dos quais o povo poderia voltar à terra de Israel, mesmo assim
orou a respeito. Através de Jeremias Deus disse a Israel que lhes daria o fim
que desejavam, e em seguida ordenou que o invocassem. Jesus sabia que Lázaro
iria ressuscitar, ainda assim pediu ao Pai. Ele também sabia que nenhum de seus
escolhidos se perderia, mas orou para que Deus os guardasse. A certeza é um
estímulo e não desencorajamento à oração. Em segundo lugar, é da vontade de
Deus que seus propósitos se realizem pelos meios por Ele determinados, e a
oração é um deles. Assim, havendo promessa divina, podemos pedi-la com fé,
crendo que somos partícipes da realização do plano de Deus na terra.
Finalmente, devemos reconhecer que não sabemos orar como convém e que
dependemos do Espírito Santo para orar de forma eficaz. Isso porque ao orar não
devemos ter a presunção de conformar a ação de Deus à nossa vontade, e sim nos
entregarmos ao Espírito Santo para que nossa oração reflita a vontade divina em
nossa vida. “Faça-se a Tua vontade” (Mt 6:10; 26:42) foi a oração
ensinada e feita por Jesus.
Em
conclusão, gostaria ainda de afirmar que a oração tem objetivos que vão além de
atender as nossas necessidades neste mundo. Através dela honramos a Deus,
adoramos a Ele e reconhecemos a nossa dependência em tudo. Além disso,
desfrutamos de uma comunhão e intimidade com Deus que nenhuma bênção recebida
neste mundo é comparável. Portanto, afirmemos a soberania de Deus sobre todas
as coisas e oremos confiantes de que “todas as coisas cooperam para o bem
daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados segundo o seu propósito”
(Rm 8:28).
Soli
Deo Gloria
Fonte: napec.org
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