Descobrir
que Cristo vive é ter os olhos abertos para uma nova leitura da vida. A sua
ressurreição trouxe consigo um novo relacionamento do indivíduo com Deus e com
o próximo. Possibilitou que a alma humana, antes escravizada pelo medo da vida
(eterna)vivesse com as portas destrancadas para a nova realidade que se abre
para a vida. E é esta, e nesta, mesma vida que se descobre outro sentido para
ser e existir. A Ressurreição ensina à fragilidade do homem que, em Cristo, há
uma nova maneira de caminhar nesta vida. Deixa claro, portanto, que esta vida é
apenas a continuidade de sua eternidade.
A doutrina
de fé cristã reside num âmbito de extrema felicidade entre fato e experiência:
Cristo ressuscitou! Isto implica numa afirmativa que choca a razão natural dos
homens: Jesus Cristo ressuscitou ‘fisicamente’ dentre os mortos. Curiosamente,
a religião da Cruz não afirma que é, simplesmente, a Fé quem valida a
ressurreição. O Cristianismo afirma o contrário: é o fato histórico da
ressurreição quem chancela a Fé nos corações dos seus santos (ICor.15:14,17). É
a fé quem é vã caso a ressurreição seja uma fraude, e não o seu oposto. Deste
modo, a ressurreição precede a fé e dá a esta a sua razão de existir. Os
apóstolos são uníssonos em dizer que a ressurreição pode ser comprovada
factualmente. Ela é um acontecimento na história a qual os próprios discípulos
viveram
(Lc.1:1-4;At.1:1-4;13:31;17:30,31;Rm.1:3,4;ICor.15:4-8;Gl.1:18-20;2:10;IJo.1:2).
Contrariamente
do que dizem os neo-ortodoxos, liberais e muitas seitas, a fisicalidade de
Jesus na ressurreição une toda a noção soteriológica amparada na Natureza de
‘Deus-Pai’ e assegura a Natureza ‘Deus-homem’ do Filho (IITm.2:18). O Verbo que
ressurge dentre os mortos não rompe os limites da humanidade de modo
fantasmagórico, mas tangível- existencial. Tanto pode ser tocado e sentido como
toca e sente (Lc.24:39).
Ora, se
Cristo não houvesse ressuscitado em corporalidade física toda a Fé cristã seria
sem sentido e, conseqüentemente, mais vazia do que o próprio túmulo do
Ressuscitado (ICor.15:1ss;Hb.11:35). “[..] ele se levantou da morte e se
manifestou a seus seguidores em corpo físico, embora fosse então imortal. Esta
é a doutrina mais central e mais fundamental da teologia cristã, como também o
fato essencial em defesa de seus ensinamentos.”[1]
Se por um
lado a Ressurreição manifesta o rompimento da Vida sobre os poderes deste
mundo, doutra parte, João mensura o Senhor ressuscitado numa realidade de continuísmo:
“subo ao meu Pai, vosso Pai, para meu Deus e vosso Deus”, podendo inferir que
Jesus situa os seus discípulos na veracidade de uma ressurreição que transcende
à existência, mas que, tal qual o Deus- Criador, é imanente na Criação. Deus
ressuscitou o Filho e permanece Nele para a Glória do Pai (E por ele credes em
Deus, que o ressuscitou dentre os mortos, e lhe deu glória, para que a vossa fé
e esperança estivessem em Deus ( IPe.1:21).
O Cristo de
Deus ressuscita no poder da Ressurreição, todavia, numa mesma realidade de
antes de ser ressurreto; isto é, ter a Deus-Pai como ‘meu’ e ‘vosso’, é uma
realidade que se cumpre quando da ressurreição do Filho unigênito se entrega na
morte. Portanto, esta ressurreição é participativa no “primogênito dos que morrem”
(Lc.11:36;Rm.8:29;Cl.1:15,18;Ap.1:5;) e realizada somente pela fé na Pessoa do
Filho de seu amor , a quem Deus ressuscitou dentre os mortos
(Jo.11:25;ICor.15:13;Cl.1:13;Gl1:1).
Observemos a
declaração do salvador: “Eu subo ao ‘meu e vosso‘, ‘Pai e Deus‘-
eis aqui o poder da ressurreição: posse e integração mantida pelas
transcendência e imanência da Trindade Eterna em contraste com as suas
criaturas (Is.57:15).O que significa dizer “Subo ao Pai…” ? Ora, isso
não implica apenas na ressurreição per si, mas sim, que os discípulos devem
entender que “ressurgir” significa voltar ao Pai, não como uma volta à
experiência anterior. Cristo deve voltar ao Pai, entrar na Glória para, assim,
poder voltar para o meio de seus discípulos e dispensar os bens messiânicos.
“Jesus não sai do túmulo para retomar o fio interrompido da existência terrena.
Sobe para junto do Pai. Entra numa condição nova.” O texto joanino aponta que
Maria Madalena deve entender que Cristo, agora, já não tem mais aquela relação
familiar de antes da ressurreição.
João leva os
seus leitores a observar que o Cristo vivo, visto pelos discípulos, é
apresentado de tal maneira a provocar a teologia dos docetistas: Ele é real. É
minucioso e curioso o fato de que os lençóis, cuidadosamente, estão dobrados
num canto da tumba fria. Nada mais impede o mestre. Sem envoltos para
manter-lhe os corpo aquecido, o seu corpo ressurreto ignora qualquer mortalha
humana. A morte fora derrotada pelo poder de Deus (ICor.15:55;Apc.20:14).
Os lençóis
postos de lado, paradoxalmente, são provas da ressurreição do Salvador. Aponta
aos docetistas[2] e as autoridades da época com que Corpo o Filho de Deus
ressuscitou. A mentira de que roubaram o corpo de Jesus é desmascarada quando é
percebido o valor de um pano se comparado ao corpo de um Galileu morto há três
dias.
Enumeremos
quatro verdades acerca da Ressurreição de Jesus Cristo que não se calam dentro
do túmulo vazio:
1- A
ressurreição deu aos homens um novo relacionamento com Deus e com o próximo
(17):
Jesus é
preciso em suas palavras à Maria: ‘Meu’… Meu… Pai; Deus,
‘vosso’. Há aqui um relacionamento intimo (eu e Deus) e o respeito geral
(vosso Deus). Deus é meu, mas também Teu. Por isso: “… Vai
procurar os meus irmãos…
O apóstolo
Paulo deu a esta noção de pertença o nome de “adoção”.É em Cristo que somos
feitos filhos de Deus (Rm.8:15;23;Ef.1:5;Gl.4:5). O Segundo Adão, num processo
inverso ao do Édem, participou-nos de sua obediência (Rm.5:1ss;
ICor.15:45;Ef.2:8; Hb.2:1ss). Tal obediência apresentou-nos santos diante da Santidade
divina. E, como se, por si só, isto já não nos fora pura graça, deu-nos
juntamente com Ele todas as coisas (Rm.8:17;Ef.1:3;2:6;3:6).
Todavia, o
Deus Ressurreto pretende que Maria leve toda a mensagem aos discípulos. Ele
espera que a idéia da comunidade da Fé e da comunhão seja entendida como o
resultado de sua Paixão. Trata-se do resultado de sua obra. Ao indivíduo, o
discípulo solitário que gozava do toque de Cristo somente nele ou a quem
poderia se agarrar (Jo.20:17), deve aprender que o Cristo redivivo é o “Deus
Presente” na realidade de todos os homens (Rm.11:33;Ef.1:10). É para Ele que
correm todas almas que vivem mortas e, é para elas que corre a Fonte da vida
eterna (Sl.87:7; Mt.4:16).
A comunhão
com o Jesus ressuscitado não permite mais uma experiência egoísta. A comunhão
com o Salvador afirma, nas palavras do Ressurreto que o “meu e o vosso”, o “meu
e o teu” significa apenas um único Deus, Pai daqueles que pela fé única
agrega a todos os santos sob a cruz (Ef.4:5;ICor.12:4,12-14,20,25-27).
Noutro
sentido, Jesus parece permitir que o discípulo só pode chamar a Deus de “Meu”
ou “Teu” quando isto implica numa posse coletiva cuja Fé dissolve as
diferenças. E parece ser assim, pois, num mundo onde o Cristo é rejeitado, Ele
é “meu” (IJo.4:6;). Todavia, numa comunidade onde a mesma Fé o assume como
Deus, Ele é “nosso e vosso”. A ressurreição deve ser vista como aquela que põe
fim as diferenças superando as indiferenças.
Ora, não foi
tal discurso que Paulo apresentou à igreja de Corintos? Esta participava da
festa Ágape e da Ceia do Senhor sem que tais ritos expusessem a relevância de
seus significados próprios. A Ceia é a representação de tudo aquilo que Cristo
nos deu na cruz. O seu sangue nos tornou um para Deus. Toda a inimizade,
oriunda da natureza pecaminosa foi derrotada pelo Salvador em seu sangue e
corpo (ICor.11).
Portanto, a
ressurreição de Jesus Cristo implica na restauração da comunhão em duplo
aspecto: (1)- Cristo, em sua morte, me apresenta agradável perante Deus; (2)-
Cristo, em sua ressurreição, me põe em uma relação restaurada com Deus e,
qualquer relação verdadeira com Deus mostrará Deus na face do próximo
(Mt.25:40,45; Rm.5:1; Cl.1:21,22; IJo.3:1;4:8).
A Paixão de
Jesus mostra que o amor será sempre um outrocentrismo, onde o “meu Pai e meu
Deus” me levará às últimas conseqüências; até que o torne em Meu e Vosso Deus
(ICor.13; Gl.4:19). Sobre isto, já fora dito que a morte e ressurreição do
Deus-homem levou os crentes à participarem com Ele desta nova vida.
Lembremo-nos que esta verdade fora ensinada aos crentes de Tessalônica,
quando sufocados pela filosofia platônica não deram devido valor aos seus
próprios corpos, lamentando os seus mortos. Paulo assegura em ITss. que o mesmo
Deus que ressuscitou o Filho há de ressuscitar os que ‘dormiram’ Nele
(ITss.4:14). Não é esta mesma idéia nutrida pelo apóstolo dos gentios em I
Cor.6:14? E não é debalde que Paulo utiliza-se do termo ‘primícias’
para demonstrar a íntima ligação entre a ressurreição dos mortos com a do
Senhor Jesus (ICor.15:13,20,22). Conforme Ewert, “a palavra primícias
transmitia um vívido significado para os judeus crentes. A festa das primícias
assinalava o começo da colheita, no calendário judaico. Não somente exprimia
esperança de uma colheita, mas também era o começo da colheita. Por
conseguinte, a ressurreição de Cristo, apesar de não ter sido seguida de
imediato pela ressurreição dentre os mortos, marcou o início daquele grande
evento escatológico.”[3]
Ora, o que
Paulo afirma, senão que, Cristo é aquele que vai à frente da nova humanidade,
encabeçando e direcionando os outros com todo o mérito de fazê-los
experimentarem a infinita vida com o Deus de Amor (At.26:23;Cl.1:18)? Paulo é
de um pessimismo incomum frente a possibilidade de que Cristo não houvesse
ressuscitado. Seria lastimável crer no Cristo que nem ao menos se desprende dos
lençóis que lhe envolvem o corpo frio. Sem a ressurreição o crente é o homem
mais lastimável do mundo, capaz de olhar o futuro com perspectivas até mesmo
inferiores ao ateu: “comamos e bebamos que amanhã morreremos” (ICor.15:19,32)
seria a melhor filosofia de vida.
Aliás, os
lençóis postos de lado na tumba, naquela manhã, pressupõem a sua
inutilidade. Provavelmente João contrasta a ressurreição de Lázaro
(Jo.11:44) com a do Senhor da Vida. Lázaro não se livrou facilmente dos seus
lenços quando ouviu a voz do Senhor chamando-o. Todavia, ressuscitado pelo
poder de Deus (At.5:30;13:30,37;Cl.2:12), Jesus Cristo, aparentemente, passou
através de suas mortalhas, da mesma forma em que depois entrou em uma sala
fechada.
2- A
ressurreição deu à alma do crente o poder de se viver com as portas
destrancadas (19-21):
Com
diligência e prudência o homem pode garantir um mínimo de segurança a si, à sua
família e aos seus bens adquiridos sob duro trabalho. Todavia, a porta fechada
revela que o mal nunca dorme na rua. Ele está no coração do homem. É inverso a
esta frágil segurança que o túmulo vazio pressupõe, por si só, que a vida deve
assumir um novo paradigma, novo sentido. Sim. Pois, mediante a ressurreição,
paz e alegria tornam-se dons naturais da fé dados pelo Cristo Ressuscitado
(Gl.5:22). Os discípulos demoraram em acudir que a ausência do corpo de Jesus
no túmulo era precisamente o que encheria de significado as suas vidas.
Relutaram com o vazio. Paradoxalmente, nunca um vazio foi tão repleto de
significado como naquela manhã de ressurreição!
Que nova
maneira de começar o dia: o túmulo vazio!!A fé no Cristo ressuscitado deve
prevalecer sobretudo naquilo que O obstaculiza no coração humano: a
incompreensão das Escrituras, a tristeza, o medo, a dúvida
(Jo.20:[9],11,13,15,19). Jesus surge, entra de repente através da porta
fechada.
Conforme já
observado, a ressurreição deve romper o medo que impede que o coração se abra
ao próximo, que compartilhe a verdade da Ressurreição. Tal medo fora causado
pelo mundo numa tentativa de impedir que essa luz se abrisse aos homens
(Jo.20:19).Estavam presos homens excessivamente preocupados consigo mesmos
(24,25). Todavia, o Senhor Jesus aparece aos homens, naquele espaço fechado,
desejando-lhes a Paz. Esta Paz é aquela que se goza pela Fé nas obras do
Salvador (Rm.5:1;Ef.2:7).Paz e alegria são o dom do Cristo vivo, mas são também
a condição para conhecê-lo (Gl.5:22).
Muito
embora, a primeira saudação de Cristo aos discípulos naquele ambiente fechado
fosse apenas cordialidade (Jo.20:19), na segunda ocasião a Paz precisa a
necessidade da segurança de sua presença. E não é a toa que a segunda saudação
precede a missão a qual Cristo incube aos discípulos (21-23)! “O ‘shalom!’
de Jesus na noite da Páscoa é o complemento de “está consumado” sobre a cruz,
pois a paz da reconciliação e da vida que vem de Deus é agora
compartilhada…”[4] Ela aponta à cruz; daí vir seguida pela Graça; isto é: Graça
e Paz.
Paulo e
Pedro acordam quanto aos resultados da ressurreição na vida da Igreja: “A
ressurreição assegura a salvação do crente e o lar no céu, tornando-nos
possíveis a alegria em tempos de perseguição (IPe.1:3). Pelo fato de Jesus
haver ressurreto, pode libertar-nos do cativeiro do medo da morte
(Hb.2:14,15).”[5]
Os
discípulos estariam prestes a desfrutar do cumprimento da promessa que Jesus
lhes fizera em João 14. Neste contexto, estes homens desconheciam qualquer paz
e alegria destituídas de significado na vida da fé judaica (Jo.14:1,16-31). Mas
quando da ressurreição do Senhor, este mesmo enviaria o seu Consolador o qual a
alegria contínua no coração dos discípulos sobreviveria a todos os revés do
mundo (Jo.15:11;16:5ss). E não foi o cumprimento desta promessa que levou Paulo
a dizer à igreja de Roma “se habita em vós o Espírito daquele que ressuscitou
Jesus dentre os mortos esse mesmo que ressuscitou Jesus dentre os mortos,
vivificará também os vossos corpos mortais, por meio do seu Espírito que em vós
habita (Rm8:1)? Não foi depois do derramar deste Espírito que a igreja, ainda
incipiente, viveu como se estivesse perpetuamente sob os olhos de seu Senhor
(Mt.28:20;Mc.16:7)?
Pois não é
sem mais que João informa que o Senhor Jesus entrou naquele ambiente de
tristeza e medo quando as portas estavam fechadas. Entrou com o seu corpo
glorificado; mas ainda físico, como que a dizer: O “Deus Conosco” não apenas
está conosco, como nos levou para sempre para junto de Si.” É correto esta
idéia da manifestação de Jesus neste ambiente, pois João utiliza-se para a
aparição do Senhor entre os discípulos o termo ‘haraō’, que
implica no relato da aparição física de Jesus depois da ressurreição
(Jo.20:20,26,27;Icor.15:42,43;Fp.3:21). E nada melhor do que uma resposta à
altura da razão para humilhar-lhe a soberba teimosa em negar o poder do
Salvador! Ele pode ser tocado com a mesma realidade e facilidade em que pôde
entrar onde os homens fecharam o coração para a Verdade da Vida (Jo.20:25-31).
É sob a
manifestação de que Cristo vive e veio habitar com os crentes que o medo e a
tristeza fogem. É neste quarto, outrora hostil, que a Vida ventilou a coragem
de se abrir o coração e encarar a vida hostil do lado de fora (Jo.20:21-23;
16:33;Lc10:3).
3- Com a
ressurreição, a vida descobre outro sentido para ser e existir (20-23):
Para indicar
o pronto cumprimento da promessa de Jesus, João nos informa que, imediatamente
a convencional saudação, Cristo logo lhes sopra o Espírito. E isto é
significativo, uma vez que no N.T. o Espírito Santo é visto como o selo; isto
é, Aquele que assegura ao crente, mediante a obra de Cristo, a salvação.
Receber o Espírito, então, significa fazer parte do povo de Deus,
filiação (At.2:38;IICor.1:22;5:5;Ef.1:13,14;4:30).R.Shedd salienta o episódio
da criação do homem no Jardim do Éden, quando Deus lhe soprou a narina e este
recebeu vida. Quereria isto nos dizer aquilo que a ressurreição faz na alma do
homem que crer no poder do Salvador se assemelha ao surgimento de uma nova vida
no Segundo Adão (Gn. 2.7; Jo.7.39; 16.7)? Significaria tal atitude uma clara
representação do que significa ressuscitar com Cristo? Seja como for, Jesus já
havia dito aos discípulos que o dom do Espírito era certamente dependente de
sua própria vida; isto é, de sua glorificação (Jo.16:7,14).
Seja como
for, ao receberem o Espírito, os discípulos recebem também a tarefa de
proclamar a ressurreição do Senhor. Deveriam anunciar que o perdão tornara-se
real mediante a ressurreição de Cristo (Jo.20:21-23;Hb.9:15).Portanto, a missão
recebida não significaria que os discípulos pudessem perdoar os pecados, mas
para que anunciassem Aquele que os perdoa.Pois, era sob a autoridade de Cristo
que poderiam pregar o perdão (Lc.3:3;24:47;At.2:38;26:18). Jesus quis
significar que “faz de sua missão, recebida do Pai, o modelo para a nossa.” É
deste modo que os discípulos deveriam definir a tarefa recebida do Senhor.
Provavelmente, Jesus estivesse apontando para a sua vida de obediência
(cf.5:19-30;8:29) quando diz estar enviando os seus discípulos ao mundo. O modelo
‘encarnacional’ pelo qual Cristo é enviado ao mundo é-nos exemplos de
obediência e nunca de exatidão literal (Lc.10:3;Fl.2:8).
Esta vida de
obediência deveria ser o paradigma da ação missionária dos discípulos.
Lembremo-nos que foi Jesus mesmo quem disse que seus discípulos não pertenciam
mais a este mundo (15:19). Ao assemelharem-se (justo-medida) com Cristo quando
enviado ao mundo, os discípulos igualmente seriam enviados ao mundo para
testemunharem do Senhor Ressurreto (20:21; 15:26,27). Recordemos também que,
Jesus obediente ao Pai recebera do seu Espírito, foi por Ele selado e
santificado (Jo.1:12,13;3:34,4:34;5:19).Sob tal exemplo, os discípulos como
filhos de Deus deverão, em obediência a Ele, pregar o Reino (Jo:14-17:17).
Todavia, o
recebimento do Espírito não parece ter feito diferença imediata, mas aos poucos
fora dando aos crentes a compreensão do que lhes havia ocorrido, bem como
reconstruído todo o quadro da salvação (cf.Jo.20:20,26;21:1-3 e At.2:1ss).
Os apóstolos
encararam a proclamação da ressurreição do Salvador como a continuação de sua
obra. Sabiam que a bem-sucedida obra do salvador não precisaria ser
‘recomeçada’, mas continuada através de seu corpo; ou seja, a Igreja
(Ef.3:10;Cl.1:24; Gl.6:17). Paulo torna clara a continuidade da missão de
Cristo pela igreja quando dá a esta a figura de “corpo de Cristo” (Rm.12:5; I
Cor.12:27; Ef.5:23).Logo, a missão dos discípulos é a continuidade da missão
que Cristo recebera de seu Pai.
É, portanto,
significativo o fato de que agora os discípulos teriam de testemunhar, pois tal
testemunho situa o homem frente duas realidades: (1)- Eu sou para Deus e existo
para O servir. Sou para a sua glória e existo para fazê-la brilhar
(Rm.7:4b;14:7,8). A ressurreição do Salvador deu aos discípulos um valor transcendental.
Não valiam só pelo que faziam, mas pelo que eram em Cristo
(ICor.1:26;IICor.5:16). (2)- Eu, em Cristo, posso distinguir vida de
existência. A ressurreição de Cristo aponta desde a Criação até o fim dos
tempos. Ela dá sentido à história da humanidade e situa o indivíduo como
responsável tanto quanto perdido em meio ao caos provocado pelo pecado do
primeiro homem (Gn.3). Ao olhar o túmulo vazio, o crente compreende todo o
enredo de sua existência, descobre a presença de Deus desde o seu nascimento até
a sua morte (Jó: 19:25;Sl,89:47;Sl139:16). Esta foi a promessa de Jesus àqueles
que nele crêem (Jo.11:25). É por isto que os discípulos de Cristo expuseram-se
ao perigo e à espada. Aprenderam a distinção entre vida e existência
(Rm.8:16-35;fl.4:4-20) e, uma vez experimentada a vida, passaram a gozar a sua
curta existência como ninguém mais (I Cor.15:55;Fl.1:21,23); com toda a sua
vida (Jo.7:38).
Ora, a
ressurreição marca a continuidade da história da Criação, repleta do amor de
Deus pelos homens. Ela marca a ascensão dessas criaturas finitas diante de
Deus, na eficiente obra de seu Filho (Rm.8:17;Ef.2:6;IITm.2:11). Esta fé é o
que dá sentido à existência dos homens e os faz desejarem vivê-la com Cristo.
Eliminemos a ressurreição e, então, seremos os mais desgraçados de todos os
homens (ICor.15:19). O crente sabe que no fim de toda a história humana, todas
as coisas convergirão ao Filho Ressurreto (Rm.8:22,23;Ef.1:10).
4- A
ressurreição ensina aos homens que há uma nova maneira de caminhar nesta vida
(24 [29]):
Com quais
perspectivas os discípulos de Cristo foram ao sepulcro antes de vê-lo vivo?
Viram lençóis e túmulo vazios e pensam ter o corpo de Cristo sido
transferido ou roubado! Veem anjos e Jesus e não reconhecem! O que disse Jesus
a Tomé? É desta maneira que o homem deve andar- pela fé (23). É esta quem
entende o túmulo vazio, o lençol desenvolto… Não precisa de toques, não precisa
de cravos, sinais… Precisa somente crer para ver e não o contrário!
João relata
que tanto ele quanto Pedro viram e creram (“viu e creu” (8)). Esta fé será
posteriormente desqualificada, pelo menos implicitamente, por Jesus. O texto
parece sugerir que se o discípulo tivesse entendido as Escrituras poderia ter
crido sem ver (9). A cena de Tomé conclui-se com uma constatação: “viu e creu”
(29). E também esta fé é censurada: deveria ter crido sem querer ter visto
(Jo.20:29). Assim, a primeira e a última cena desenvolvem o tema “ver e crer” .
Tanto o episódio de Pedro e João diante do túmulo vazio como o da incredulidade
de Tomé merecem atenção. João destaca a censura que Jesus faz à incredulidade
de Tomé e não aos dois discípulos incrédulos diante do túmulo vazio. Por que só
Tomé é exortado quanto a sua maneira de olhar para a ressurreição se Pedro e
João também acudiram primeiro à visão antes da fé? A razão,
explica Rinaldo Fabris, é que “a fé no Cristo ressuscitado baseia-se
exclusivamente no duplo testemunho das Escrituras e dos discípulos.” “Jesus
assumiu uma condição nova e, nova, também, são as condições para encontrá-lo”. João
aponta que na corrida com Pedro ao túmulo, somente o discípulo amado vê e crê.
Só ele compreendeu todo o sentido incluído no sepulcro vazio e nos panos
dobrados. Por que ele? Eis, aqui, a clarividência do amor. Se anteriormente os
discípulos tiveram que ver para crer é devido ainda não entenderem as
Escrituras. Se as tivessem entendido, não necessitariam ver, pois as Escrituras
atestam de modo suficiente a ressurreição. Os discípulos chegaram à fé, mas não
ainda à fé completa, cujas bases são o testemunho e as Escrituras.
Conforme
Fabri, os discípulos estão numa fé incipiente, prisioneiros de um não-saber
(não entender) acerca da Escrituras, que os mantém lerdos e despreparados para
o acontecimento (Ex. Jo. 14). Todavia, agora, o sinal que conduz à fé se
transformou: já não é objeto de visão direta e sim de testemunho.Tomé recebe o
testemunho duplo: as Escrituras e os discípulos/testemunhas confirmam a
ressurreição de Jesus Cristo.
Talvez isto
responda porque Maria Madalena não reconhece a Jesus. O ressuscitado aparece
novo aos olhos de quem o vê e é preciso ter olhos novos para reconhecê-lo. O
encontro com o Cristo ressurreto não é um retorno à experiência anterior.
Depois do reconhecimento há ainda dificuldades para entender a nova relação e
comunhão que passam a existir entre a mulher O ressurgido da morte.
Duns Scotus
em sua homilia explica: “Mas João corre mais depressa do que Pedro, porque o
poder da contemplação totalmente purificada penetra os segredos das obras
divinas com um olhar mais agudo e mais vivo do que o poder da ação, que tem
ainda necessidade de ser purificada. Pedro, no entanto, entra primeiro no
sepulcro; João segue-o. Ambos correm e ambos entram. Aqui, Pedro é a imagem da
fé e João representa a inteligência… A fé deve, portanto, ser a primeira a
entrar no sepulcro, imagem da sagrada Escritura, e logo a seguir a
inteligência…”
Não é o
túmulo vazio o escândalo para ateus e sábios? Não é o motivo da alegria,
sabedoria e explicações à própria existência dos servos de Cristo (I Cor. 1-3)?
Conclusão:
Tal qual o
sangue que tinge na Cruz os nossos pecados e nos torna aceitáveis a Deus
(reconciliados), a Ressurreição é a verificação factual de que a amizade
começada na Cruz mesma será eterna como o Deus-Homem que ressuscitou no poder
do Pai (Hb.5:6;6:20;9:28).
É a
ressurreição uma com a Cruz (pois sem cruz não há ressurreição, conforme
Lc.9:22;24:7). Nela está a manifestação do amor eterno de Deus Pai para com os
mortais. Estes, em si mesmos, não conseguem nem ao menos viverem a vida desta
existência, ou seja, a biológica (Jó:14:13-15;Sl.104:29,30). Muito mais seria
ainda nutrir esperanças de atravessar-lhe os dias (Sl.90:10).
Nunca o
vazio se encheu tanto de significado como naquele domingo quando os anjos
‘descansavam’ na pedra sepulcral. Não a removeram para que o Redentor saísse,
mas para que a nossa incredulidade entrasse e constatasse, perplexa perante a
ausência, de qualquer motivo para duvidar (Jo.20:1-10)!
Resumo da
mensagem pregada na Manhã da Ressurreição na IPI de Cianorte-PR
NOTAS
[1] COUCH M. Fundamentos para o século XXI:
examinando os principais temas da fé cristã, São Paulo: Hagnos, 2009, p.325.
[2] O docetismo foi uma heresia do final do século
I que afirmava que Jesus apenas aparentava ser humano. afirmava que a
manifestação de Jesus aos discípulos, na ressurreição, era apenas
fantasmagórico, uma vez que Deus não poderia sofrer. era uma forma de negar a
humanidade de Jesus e afirmar a sua divindade. Suas raízes já haviam sido
manifestas no N.T.,João as podou quando afirmou “que Jesus veio em carne”
(IJo.4:2).
[3] EWERT, David, Então virá o fim,
Campinas-SP :Ed. União Cristã, 1994, p.100.
[4] CARSON,D.A,O Comentário de João, São
Paulo: Shedd Publicações, 2007, p.648.
[5] COUCH M. Fundamentos para o século XXI:
examinando os principais temas da fé cristã, São Paulo: Hagnos, 2009, p.338.
Fonte: napec.org
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