Por Mike Gilbart-Smith, Pastor da Twynholm Baptist
Church (Fulham, Londres).
Impostores que Falham em Ver o Texto
1) O “Sermão Infundado”: o texto é mal entendido
Aqui o pregador diz coisas que parecem ser verdadeiras,
mas em nenhum sentido vêm de uma correta interpretação da passagem. Ele é pouco
cuidadoso com o conteúdo do texto (por exemplo, o sermão sobre a “resultar,
motivar e prover” da tradução Nova Versão Internacional de 1 Tessalonicenses
1.3, sendo que nenhuma dessas palavras está presente no texto grego) ou com o
contexto (por exemplo, o sermão sobre Davi e Golias, que pergunta “quem é seu
Golias, e o que são as cinco pedras lisas que você precisa para estar preparado
para usar contra ele?”).
Se um pregador não está extraindo profundamente a
verdade da Palavra de Deus para determinar a mensagem de seus sermões, eles
estão provavelmente sendo dirigidos pelas próprias ideias do pregador, não
pelas ideias de Deus.
2) O “Sermão Trampolim”: o ponto do texto é ignorado
Intimamente relacionado ao sermão anterior é o
sermão no qual o pregador fica intrigado com algo que é uma implicação
secundária do texto, mas que não é o ponto principal. Imagine um sermão sobre
as bodas de Caná, em João 2, que focaliza primariamente a permissão de cristãos
beberem álcool e nada diz sobre a manifestação da glória de Cristo na Nova
Aliança através do sinal de Jesus transformar a água em vinho.
Uma das grandes vantagens de pregações expositivas
sequenciais é que o pregador é forçado a pregar em tópicos que ele preferiria
evitar e a dar peso apropriado a tópicos que ele tenderia a superenfatizar. Um
pregador de sermões “infundados” ou “trampolins” pode involuntariamente
descartar ambas as vantagens, e assim a agenda de Deus é silenciada ou colocada
de lado.
3) O “Sermão Doutrinário”: a riqueza do texto é
ignorada
Deus deliberadamente tem falado conosco “de muitas
maneiras” (Hebreus 1.1). Muitíssimos sermões ignoram o gênero literário de uma passagem,
e pregam narrativa, poesia, epístola e apocalíptica do mesmo modo, como uma
série de afirmações proposicionais. Embora todos os sermões devam comunicar
verdades proposicionais, eles não devem se reduzir a elas. O contexto literário
das passagens deveria significar que um sermão em Cântico dos Cânticos soa
diferente de um em Efésios 5. A passagem pode ter o mesmo ponto central, mas é
comunicada de uma maneira diferente. A diversidade da Escritura não deve ser
nivelada na pregação, mas valorizada e comunicada de uma maneira sensível ao
gênero literário. A narrativa deveria nos ajudar a ter empatia, a poesia
deveria aumentar nossa resposta emocional e a apocalíptica e a profecia
deveriam nos levar ao assombro.
4) O “Sermão Atalho”: o texto bíblico é apenas
mencionado
Sendo o oposto do sermão exegético, esse tipo de
pregação não mostra absolutamente nenhum “trabalho” exegético. Ainda que o
Senhor tenha fixado a agenda pela Sua Palavra, somente o pregador está
totalmente ciente desse fato. A congregação pode terminar dizendo: “que sermão
maravilhoso”, ao invés de “que passagem da Escritura maravilhosa”.
Encorajaremos nossa congregação a ouvir a voz de
Deus, e não somente a nossa, ao apontá-los frequentemente de volta ao texto
bíblico: “veja o que Deus diz no verso cinco” mais do que “ouça cuidadosamente
o que eu estou dizendo agora”.
5) O “Sermão Sem Cristo”: o sermão interrompido sem
o Salvador
Jesus repreendeu os fariseus: “Examinais as
Escrituras, porque julgais ter nelas a vida eterna, e são elas mesmas que
testificam de mim. Contudo, não quereis vir a mim para terdes vida” (João
5.39,40). Quão triste é que, mesmo nós, que fomos a Jesus para ter vida,
levemos toda uma congregação a estudar uma passagem da Escritura, e ainda assim
nos recusemos a levá-la a ver o que essa Escritura diz sobre Cristo, tornando
textos do Antigo Testamento em sermões moralistas, e até mesmo pregando sermões
sem Cristo e sem evangelho dos próprios Evangelhos. Imagine o horror de um
sermão na narrativa do Getsêmani que se concentre em como nós podemos lidar com
o estresse em nossas vidas.
Se a Palavra de Deus é como uma enorme roda, o cubo
da roda1 é
Cristo e o eixo é o evangelho. Nós não teremos pregado fielmente nenhuma
passagem da Escritura até que tenhamos encaixado os raios ao cubo, e comunicado
o que a passagem diz sobre Cristo e como se relaciona com o evangelho. (1) Nota do tradutor: O
cubo é a parte central da roda que liga toda a roda ao eixo e ao sistema de
freios.
Impostores que Falham em Ver a Congregação
6) O “Sermão Exegético”: o texto fica não aplicado
Se o “sermão infundado” perde totalmente o texto, o
“sermão exegético” perde totalmente a congregação. Algumas pregações que alegam
ser expositivas são rejeitadas como chatas e irrelevantes... e corretamente!
Algumas poderiam muito bem ser lidas em um comentário exegético. Tudo o que é
dito é verdadeiro em relação à passagem, mas não é realmente pregação; é
meramente uma palestra. Muito pode ser aprendido sobre o uso que Paulo faz do
genitivo absoluto, mas pouco sobre o caráter de Deus ou a natureza do coração
humano.
Não há aplicação a nada, exceto à mente da congregação.
Certamente a verdadeira pregação expositiva, primeiro, informará a mente, mas
também aquecerá o coração e compelirá a vontade. Uma dieta regular de pregação
exegética fará as pessoas sentirem que somente pregações tópicas podem ser
relevantes, e modelará leituras da Bíblia que presumem que nós podemos ler a
Palavra de Deus fielmente e ainda permanecer não desafiados e inalterados.
7) O “Sermão Irrelevante”: o texto é aplicado a uma
congregação diferente
Muitas pregações promovem orgulho na congregação ao
jogar pedras por cima do muro no quintal do vizinho. Ou o ponto da passagem é
aplicado somente aos descrentes, sugerindo que a Palavra não tem nada a dizer à
igreja ou é aplicado a problemas que são raramente vistos na congregação para a
qual se está pregando.
Assim, a congregação se torna inchada e, como os
fariseus nas parábolas de Jesus, termina agradecida de que não é como os
outros. A resposta não é arrependimento e fé, mas “Se aquela senhora ouvisse
esse sermão!” ou “aquela outra igreja realmente deveria ter esse sermão pregado
a eles!”. Esse tipo de pregação fará a congregação crescer em justiça própria,
não em piedade.
8) O “Sermão Privado”: o texto é aplicado somente
ao pregador
É fácil para o pregador pensar meramente sobre como
a passagem se aplica a ele mesmo, e então pregar à congregação como se a
congregação estivesse exatamente na mesma situação que o pregador. Para mim, é
certamente mais fácil ver como uma passagem da Escritura se aplica a um homem
branco britânico com seus quarenta anos, com uma esposa e seis crianças, que
trabalha como pastor de uma pequena congregação na zona oeste de Londres. Isso
pode ser maravilhoso para meus momentos de devocionais, mas de não muito útil
para minha igreja, já que ninguém mais se encaixa nessa lista.
Quais são as implicações do texto para os
adolescentes e as mulheres solteiras? Para a mulher com seus quarenta anos que
deseja se casar e o imigrante? Para o desempregado e o visitante ateu ou
muçulmano? Para a congregação como um todo e o motorista de ônibus, ou o que
trabalha no escritório ou o estudante ou o que mora na casa da mãe?
O sermão privado pode levar a congregação a pensar
que a Bíblia só é relevante ao cristão “profissional”, e que o único uso válido
da sua vida seria, realmente, trabalhar em tempo integral para a igreja ou
outra organização cristã. Esse sermão pode fazer a congregação idolatrar seu
pastor e viver sua vida cristã vicariamente através dele. Esse sermão impede a
congregação de enxergar como deve aplicar a Palavra a cada aspecto de sua vida
e como comunicá-la àqueles cujas vidas são muito diferentes da sua própria.
9) O “Sermão Hipócrita”: o texto é aplicado a
todos, menos ao pregador
O erro oposto do “sermão privado” é o sermão no
qual o pregador é visto como aquele que ensina a Palavra, mas não é um modelo
do que significa estar sob a Palavra. Há momentos quando um pregador precisa
dizer “você” e não “nós”. Mas um pregador que sempre diz
“você” e nunca “nós” não é um modelo de como ser apenas um subpastor que é,
primeiro e antes de tudo, uma das ovelhas que deve, ela mesma, ouvir a voz do
seu grande Pastor, conhecê-lo e segui-lo, confiando nele para sua vida eterna e
segurança.
Um pregador que prega dessa forma pode cometer o
erro oposto ao da congregação que vive vicariamente através do seu pastor: ele
viverá vicariamente através da sua congregação. Ele assumirá que seu
discipulado é inteiramente sobre seu ministério e, no fim das contas, terminará
não andando como um discípulo sob a Palavra de Deus, mas somente como alguém
que coloca outros sob a Palavra, acima da qual ele se assenta distante.
10) O “Sermão Desajustado”: o ponto da passagem é
mal aplicado à congregação
Algumas vezes a distância hermenêutica entre a
passagem original e a presente congregação pode ser mal entendida, de tal modo
que a aplicação ao contexto original é, de modo errôneo, transferida
diretamente ao contexto presente. Assim, se o pregador não tem uma correta
teologia bíblica de culto, passagens sobre o templo do Antigo Testamento podem
ser erroneamente aplicadas ao edifício da igreja do Novo Testamento, ao invés
de serem cumpridas em Cristo e em seu povo. Os pregadores do evangelho da
prosperidade podem reivindicar as promessas das bênçãos físicas dadas ao Israel
fiel da Antiga Aliança e aplicá-las irrefletidamente ao povo de Deus da Nova
Aliança.
Impostores que Falham em Ver o Senhor
Aulas de pregação frequentemente referem-se aos
dois horizontes da pregação: o texto e a congregação. Mas o pregador cristão deve
reconhecer que por trás de ambos encontra-se o Senhor que inspirou o texto e
que está operando na congregação.
11) O “Sermão Sem Paixão”: o ponto da passagem é
falado, não pregado
Seria possível haver um pregador que entendesse
absolutamente a passagem e falasse sobre suas implicações à congregação
presente de maneira capaz e até mesmo profunda. Porém, o pregador entrega o
sermão como se ele estivesse lendo uma lista telefônica. Não há nenhum senso de
que, quando o pregador entrega a Palavra de Deus, Deus mesmo está se
comunicando com seu povo. Quando o pregador falha em reconhecer que é Deus
mesmo, através de sua Palavra, que está pleiteando, encorajando, repreendendo,
treinando, exortando, moldando e aprimorando seu povo, através da aplicação que
o Espírito faz daquela Palavra, frequentemente não haverá paixão, reverência,
solenidade, alegria visível, lágrimas de dor perceptíveis – apenas palavras.
12) O “Sermão Sem Poder”: o ponto da passagem é
pregado sem oração
Tanto tempo é dedicado ao estudo da passagem e à
elaboração do sermão que pouco tempo é dedicado à oração pela compreensão
correta ou aplicação apropriada.
O pregador que trabalha duro, mas ora pouco, confia
mais em si mesmo e menos no Senhor. Essa é, talvez, uma das maiores tentações
nas quais se pode cair, como um expositor, pois talvez só aqueles com maior
discernimento na congregação estejam aptos a perceber uma exegese falsa ou uma
aplicação inadequada, mas a diferença que a oração do pregador fez para o
impacto do sermão será clara somente ao Senhor e no dia quando todas as coisas
forem reveladas. Os horizontes do Senhor e da eternidade devem, em última
análise, ser os mais importantes para o pregador; de fato, ele só deveria
realmente se preocupar com os horizontes do texto e da congregação porque os
horizontes do Senhor e da eternidade são invisíveis, ainda que de importância
infinita.
Conclusão
A pregação expositiva é tão importante para a saúde
da igreja porque ela permite que todo o conselho de Deus seja aplicado a toda a
igreja de Deus. Que o Senhor prepare pregadores de sua Palavra de tal modo que
sua voz seja ouvida e obedecida.
Notas:
Nota
do editor: Este artigo é uma versão revisada expandida de um artigo que Mike
escreveu vários anos atrás.
Tradução:
André Aloísio Oliveira da Silva.
Revisão:
Vinícius Musselman Pimentel.
Título
original do artigo: Expositores impostores.
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