Não é
novidade que a liderança da igreja evangélica contemporânea tem falhado no
ensino e instrução de suas igrejas. Enquanto o apelo pelo funcional e prático
transformou os cultos um modo de moeda de troca pelo benefício da
popularidade, o moralismo e o legalismo se tornaram a referência da
espiritualidade da igreja. Pouco tempo se investe em questões de natureza
ontológica, e muito tempo em questões práticas. Não é à toa que tal inversão de
valores [em comparação com a igreja dos primeiros séculos] tem criado um
rebanho imaturo e despreparado para defender sua própria fé.
Isso fica
evidente na pesquisa publicada hoje (28/Out/14) pelo LifeWay Research intitulada
“Americans believe in
heaven, hell and a lit bit of heresy” (Americanos acreditam no
céu, inferno e em algumas heresias). De acordo com Stephen Nichols, o diretor acadêmico do
Ligonier Ministries, a pesquisa “revela um significante nível de confusão
teológica“. Ed Stetzer afirma que o cristão
norte-americano “gosta de acreditar em um tipo de Deus quasi-cristão com
doutrinas de padaria. No entanto, quando perguntado sobre doutrinas mais
complexas, coisas que a igreja considerou e continua a considerar como
ortodoxia, os números mudam.“
Sobre a Trindade
LifeWay Research 2014 (c)
É assustador
como o conceito da Trindade não é compreendido pelos cristãos de modo geral.
Aquela doutrina considerada parte integral das mais importantes doutrinas
do cristianismo parece não ter clara definição no credo do cristão comum
norte-americano. De acordo com a pesquisa cerca de 70% dos americanos
acreditam que existe apenas um Deus que subsiste em três pessoas, Pai, Filho e
Espírito Santo. Ao mesmo tempo, 58% dos evangélicos entendem o Espírito Santo
como uma força e não como uma pessoa, enquanto 17% acreditam que Jesus Cristo é
primeira criatura. Entre os Católicos o número é ainda mais assustador: 75%
acreditam que o ES é uma força, não uma pessoa e 28% entendem a Cristo como a
primeira criatura criada por Deus. Para piorar, 15% dos cristãos acredita
o ES é menos divino que o Pai, enquanto 33% acreditam que o Pai e mais divino
que o Filho. A confusão teológica aqui é clara, pois é evidente que a definição
adotada é negada pelas definições que assumem. Ao que parece, boa
parte dos cristãos tem dificuldade para entender o conceito.
Sobre a Bíblia
LifeWay Research 2014 (c)
De acordo
com a mesma pesquisa, apenas 48% dos americanos acreditam que a Bíblia
é de fato a Palavra de Deus. Entre os evangélicos, enquanto 18% entendem
que a Bíblia tem sua utilidade, mas que ela não é literalmente verdadeira,
apenas 76% afirmam que a Bíblia é 100% verdadeira em tudo o que ensina.
Entre os protestantes não evangélicos, 50% deles afirmam que a Bíblia, apesar
de sua utilidade, não é literalmente verdadeira e apenas 36% acreditam que a
Bíblia é de fato verdadeira. Mas, a pior parte não é a latente confusão
teológica em relação a Bíblia, mas a visão que os americanos tem em relação a
outros livros religiosos. Por exemplo, 10% dos americanos afirmam que o Livro
de Mórmon é inspirado por Deus enquanto 36% não tem certeza do mesmo.
Sobre a Salvação
Christianity Today 2014 (c)
No que se
refere à salvação, 68% dos evangélicos afirmam que a humanidade primeiro busca
a Deus, que então responde com Sua graça; 56% dos evangélicos afirmam que a
salvação é realizada em cooperação com Deus; 67% consideram que a humanidade
está habilitada a voltar-se a Deus por iniciativa própria. Por outro lado,
apenas 18% acreditam que a salvação é meritória, baseado em atos de bondade
realizados no passado ou presente. Um dado interessante é que a visão da
auto-suficiência para salvação também afeta a visão que o cristão tem da igreja
e da necessidade de outras pessoas para a saúde de sua vida espiritual. Cerca
de 52% afirmam que a adoração solitária tem o mesmo papel que a adoração
comunitária, e por isso não veem necessidade estarem conectados a uma igreja.
56% acreditam que o sermão pastoral não tem qualquer autoridade sobre suas
vidas e 45% acreditam que a Bíblia foi escrita para eles como indivíduos e que
como tal, eles tem o direito de interpretar as escrituras como quiserem.
Resumo da Ópera
Caso ainda
não tenha ficado evidente, no evangelicalismo norte-americano sobrevivem três
diferentes heresias históricas:
1.
Arianismo: A visão trinitaria apresentada pelos evangélicos americanos em muito
se assemelha com a doutrina heterodoxa de Ário, o presbítero do quarto século
que ganhou notoriedade ao ensinar que Cristo era a primeira criatura criada por
Deus. Dificilmente os cristãos dos nossos dias conhecem esse homem com detalhes
suficientes para defender suas idéias baseadas no seu ensino. Talvez parte da
confusão tenha sido semeada pelo investimento ‘missionário’ das igrejas
unitaristas e movimentos neo-arianos dos nossos dias. Entretanto, o que é
evidente é que a cultura de consumismo religioso tem extirpado da igreja a
necessidade do ensino aprofundado das escrituras e criado um cristianismo aquém
das Escrituras.
2.
Humanismo: A visão elevado do homem e de sua auto-suficincia tem influenciado o
pensamento cristão de tal modo que a salvação tem sido vista como meritória. Em
uma cultura na qual o indivíduo é senhor do seu destino (acadêmico,
profissional), o cristão assume que seu relacionamento com Deus é realizado do
mesmo modo. Entre os americanos a idéia de ‘eu faço’ ou ‘eu posso’ faz parte de
sua cultura, e infelizmente tal ideologia parece ter também invadido a
mentalidade dos cristãos. R.C. Sproul afirma que essa pesquisa aponta
“o que fica claro nessa pesquisa é a penetrante influência do humanismo.”
Tal humanismo não afeta apenas a percepção da salvação do indivíduo, mas também
da necessidade da comunidade para uma vida cristã saudável. O humanismo tem
gerado nas igrejas homens solitários que pensam viver o evangelho isolados do
corpo de Cristo.
3.
Pelagianismo: A visão da auto-suficiência humana tem levado cristãos a
afirmarem que a humanidade é habilitada para voltar-se a Deus sem que qualquer
agência divina seja necessária. Aos poucos, o evangelicalismo norte-americano
volta-se para a doutrina de Pelágio, o monge Britânico que defendeu que o
pecado de Adão afetou apenas a Adão e não sua posteridade, e que, portanto, a
humanidade não é inábil para adquirir sua própria salvação. Essa mesma heresia
que foi tão combatida por Agostinho, encontrou nos ensinos de Pedro Abelardo e
Pedro Lombardo seu caminho de volta para a igreja Católica Romana. Hoje tal
doutrina volta a ameaçar a sã doutrina através dos pregadores da prosperidade e
pelo humanismo latente da cultura norte-americana.
Um apelo aos
Pastores
Ninguém pode
garantir que os números da igreja norte-americana representam a
realidade da igreja brasileira, mas meu palpite é que os números não serão
muito diferentes dos que vimos acima. Apesar do humanismo impactar a igreja
brasileira de outros modos, as mesmas três doutrinas estão vivas e muito bem na
igreja brasileira.
Por isso,
gostaria de conclamar nossos pastores para que observem a realidade da igreja
dos nossos dias e ouçam o conselho de Paulo para cuidar da doutrina que lhes
foi confiada. Não acreditem em fórmulas de sucesso manufaturadas pelo
humanismo, nem se rendam a popularidade. Evitem tanto quanto puderem a
superficialidade bíblica e teológica. Não acreditem na mentira do pragmatismo
de que as escrituras não funcionam. Não abandonem o ensino das escrituras, o
discipulado dos cristãos e a mentoria dos líderes da igreja, custe o que
custar.
Afinal, nós
precisamos voltar ao evangelho. Nós precisamos ensinar em
nossas igrejas a mensagem dos apóstolos, aquela mensagem que levou os à
morte e não ao ‘sucesso’. Aquela mensagem que era considerada loucura tanto por
gregos como pelos judeus, mas que ainda assim os apóstolos deram suas vidas
para levar às igrejas. Nós precisamos aprender a perseverar na doutrina dos
apóstolos, como a comunidade primitiva fazia.
Enquanto o
show for mais importante que a adoração, a individualidade mais importante que
a comunidade, a superficialidade mais importante que o ensino das escrituras, a
multiplicação de participantes mais importante que o discipulado de cristãos, a
heresia será apenas mais uma convidada no show de horrores do cristianismo
contemporâneo.
Fonte: Teologando
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