A influência do
feminismo na teologia e na filosofia secular apresentou um desafio sério
à interpretação tradicional da paternidade de Deus. Segundo a corrente
feminista, a visão de Deus como Pai reflete uma ideologia patriarcal.
Essa corrente entende a ideologia patriarcal como a dominação das
mulheres pelos homens, através das estruturas familiar, econômica e em
outros aspectos da sociedade.[1]
Um tema recorrente no discurso da teologia feminista é o fato do
predomínio da violência praticada por homens contra as mulheres, em
todas as culturas. Supostamente, a noção de um Deus masculino,
todo-poderoso, apoia este tipo de dominação e violência, especialmente
na doutrina da expiação, que é vista como um exemplo de um pai irado
esmagando sua vítima com o peso de sua raiva.[2]
Além disso, a teoria feminista entende que a noção da divindade
equivalente do Pai, Filho e Espírito dá ainda mais força à ideia de
autoridade patriarcal. O ser masculino é vinculado ao divino, e a
opressão à mulher é justificada à luz da teologia ortodoxa.[3]
A resposta das feministas foi no sentido de modificar os elementos da
teologia considerados ofensivos. Várias estudiosas feministas optaram
por conceitos femininos do divino, como o conceito de deusa presente nas
religiões antigas.
A variedade de
interpretações e a escassez de estudos sobre a paternidade de Deus
exigem que atenção seja prestada a este assunto, para a construção de
uma teologia para o século XXI. Não queremos apenas depender de modelos
antigos, mas muito menos queremos apenas adotar as atuais ondas da
filosofia e da teologia pós-moderna. É necessário voltar ao texto
bíblico tendo em vista a realidade em todas as camadas da sociedade
contemporânea. Portanto, mais do que nunca, uma teologia da paternidade
de Deus é necessária para o bem-estar da igreja e da sociedade.
As feministas liberais
acreditam que as imagens masculinas de Deus são opressivas. Portanto,
teólogas como Rosemary Radford Ruether propõem a substituição do Deus
Pai da Bíblia por uma deusa, muitas vezes segundo o modelo das religiões
pagãs da Antiguidade:
“Deus/a é a Matriz
primitiva, o fundamento do ser do novo-ser, que nem é imanência
sufocante nem transcendência sem alicerce. Espírito e matéria não são
dicotomizados, mas são o lado interno e externo da mesma coisa.”[4]
Segundo Reuther,
Fiorenza e outras, imagens masculinas, como a de Deus Pai, devem ser
abandonadas, para que se ponha um fim aos valores patriarcais. De fato,
essa teologia exige uma nova imagem de Deus, que, no final, dificilmente
poderia ser reconhecida como o Deus confessado pela fé evangélica e
ortodoxa.
Ao responder às
feministas, notamos que tanto o Antigo Testamento quanto o Novo
Testamento usam o gênero masculino quando se referem a Deus. Uma das
analogias usadas é a analogia paterna. Isto seria um indício de que Deus
é do gênero masculino? Alister McGrath escreve:
“Falar em Deus como pai é
dizer que o papel do pai no antigo Israel permite que compreendemos
melhor a natureza de Deus. Isso não significa dizer que Deus seja do
gênero masculino. Nem a sexualidade masculina, nem a sexualidade
feminina devem ser atribuídas a Deus. Pois a sexualidade é um atributo
que pertence à ordem da criação, sendo inadmissível aceitar uma
correspondência direta entre esse tipo de polaridade (homem/mulher),
conforme se observa na criação, e o Deus criador.
Na verdade, o Antigo
Testamento evita atribuir funções sexuais a Deus, devido à ocorrência de
fortes traços pagãos nesses tipos de associações. Os cultos à
fertilidade dos cananeus davam ênfase às funções sexuais tanto dos
deuses quanto das deusas; portanto, o Antigo Testamento recusa-se a
endossar a ideia de que o gênero ou a sexualidade de Deus seja uma
questão importante.”
Assim, para McGrath,
qualquer tentativa de atribuir sexualidade a Deus representa uma volta
ao paganismo. Ele continua: “Não há a menor necessidade de trazer de
volta as ideias pagãs dos deuses e deusas para resgatar a noção de que
Deus não é nem masculino nem feminino; essas ideias já estão
potencialmente presentes, se não forem negligenciadas, na teologia
cristã.”[5]
Na verdade, existem
imagens maternais de Deus na Escritura. Deus é revelado como uma
mãe-pássaro (Rt 2.12; Sl 17.8; Mt 23.37), uma mãe-ursa que luta para
proteger seus ursinhos (Os 13.8) e como uma mãe que consola seus filhos
(Is 66.13). A presença de imagens paternais e maternais é evidência que
apoia a conclusão de McGrath. Deus transcende as categorias do gênero
humano. Não obstante, em lugar nenhum a Bíblia chama Deus de “mãe”.
Portanto o título “mãe” não deve ser próprio para se falar da pessoa de
Deus. Podemos reconhecer a plenitude da riqueza das imagens bíblicas de
Deus, sem ir além da linguagem que a própria Bíblia emprega ao
descrevê-lo.
Nosso resumo mostra como
a doutrina da paternidade é um elemento central da teologia cristã. Ela
determina a natureza de nossa experiência de Deus. Sem ela, as demais
doutrinas essenciais para nossa salvação não podem ser mantidas. A
defesa desta doutrina é a afirmação da realidade da nossa experiência de
intimidade com Deus. Assim, crescer cada vez mais no conhecimento
pessoal de nosso Deus é a melhor maneira de refutar as doutrinas falsas.
Como crentes em Jesus Cristo nos é revelado um Deus que é Pai, que nos
ama. Não devemos nos contentar com nada menos do que isto.
Por Franklin Ferreira e Alan Myatt
________________
[1] Elisabeth Schüssler Fiorenza, Wisdom ways; introducing feminist biblical interpretation, p. 116-117.
[2] Para uma discussão da questão, com um resumo da literatura feminista, cf. J. Denny Weaver, The nonviolent atonement.
[3]
Rita Nakashima Brock, “Pacific, Asian and North American Asian Women’s
Theologies”. In: Rosemary Radford Ruether (org.), Feminist theologies;
legacy and prospect, p. 50.
[4] Sexism and God Talk, p. 61.
[5]
Teologia sistemática, histórica e filosófica, p. 315-316. Vale a pena
ler toda a argumentação de McGrath nesta obra, com especial atenção para
a citação final da mística medieval Juliana de Norwich.
Trecho extraído e adaptado da obra “Teologia sistemática: Uma análise histórica, bíblica e apologética para o contexto atual”, de Franklin Ferreira e Alan Myatt, publicada por Vida Nova: São Paulo, 2007, pp. 237, 248-249. Publicado com permissão.
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Fonte: http://ministeriobbereia.blogspot.com
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