DÉCIMA
PERGUNTA
Se é proibido,
pelo segundo mandamento, não só o culto, mas também a fabricação e o uso de
imagens religiosas em lugares sagrados. Afirmamos isso contra os luteranos.
I. Na
questão precedente tratamos do culto às imagens. Resta inquirir mais
concernente a seu uso — se
pelo preceito sobre imagens, além da
adoração, se proíbe também o
fabricá-las. Aqui entramos em
colisão não só com
os papistas, mas também com os luteranos que (embora se oponham ao culto às
imagens e o condenem como ilícito e supersticioso) empenham-se em defender a
fabricação de imagens (eikonopoiian) e seu uso em lugares sagrados como
legítimos (se não para culto, pelo menos para a história e como lembranças de
eventos).
ESTABELECIMENTO
DA QUESTÃO
II. A
questão não é se todas as imagens, não importa de que tipo sejam (mesmo para
uso civil e econômico) são proibidas por Deus (como se a arte plástica
[plastike] e todos os quadros, bem como estátuas, fossem condenados). Embora
esta fosse a opinião de alguns dentre os antigos, tanto judeus quanto cristãos
(como transparece de muitas passagens de Clemente de Alexandria, Tertuliano e
outros que criam que todo e qualquer uso de imagens deve ser absolutamente
interditado a fim de afastar os cristãos de mais facilmente ingressarem na
terrível idolomania dos gentios), contudo, que esta é uma falsa opinião até
mesmo a estrutura do tabernáculo e do templo pode ensinar sem outra fonte (no
qual várias figuras de querubins, bois e outras coisas foram engenhosamente
elaboradas por hábeis artistas sob a diretriz divina). E assim não condenamos
representações históricas de eventos ou de grandes homens, sejam simbólicas
(pelas quais suas virtudes e vícios são representados) ou políticas (impressas
em moedas). Aqui, porém, tratamos de imagens sagradas e religiosas, as quais
supõe-se que contribuem com algo para incentivo ao sentimento religioso.
III. A
questão não é se é lícito representar criaturas e exibir com o pincel eventos
históricos (seja por amor a ornamentos, seja por deleite, seja inclusive para
instrução e para o despertamento da memória [mnemosynon] quanto a eventos
pretéritos), porquanto nenhum de nós nega tal fato. Antes, a questão é se é
lícito representar Deus mesmo e as pessoas da Trindade por qualquer imagem; se
não por uma similitude imediata e própria para exibir uma imagem perfeita da
natureza de Deus (o que os papistas reconhecem que não se pode fazer), pelo
menos por analogia ou significações metafóricas e místicas. Isto os adversários
afirmam; nós negamos.
IV.
Finalmente, a questão não é se é lícito ter em nossas casas representações de
homens santos para a memória de sua piedade e um exemplo para imitação. Antes,
a questão é se é correto estabelecê-las em lugares sagrados; por exemplo, em
templos e oratórios, não para culto e veneração, mas para impressionar
fortemente os crentes e incitar seus afetos pela evocação de coisas passadas (o
que os luteranos defendem com o Concílio de Frankfurt; nós, porém, negamos).
PROVA
DE QUE O USO DE IMAGENS É ILÍCITO.
1. COM
BASE NO SEGUNDO MANDAMENTO (ÊX 20)
V. As
razões são: primeiro, Deus expressamente proíbe isto no segundo mandamento,
onde duas coisas são proibidas — tanto a fabricação de
imagens para culto quanto a adoração
delas. Tampouco se pode replicar (a) que tais imagens têm uma significação pela
qual os homens se empenham em expressar a essência
de Deus; não obstante, não aquelas pelas quais ou Deus ou os santos estão ou
são representados na aparência. A falsidade é evidente com base nisto — que não havia necessidade de se proibir isto, porque
ninguém é tão
simples e insano ao ponto de desejar representar a essência natural de Deus por meio de algum símbolo
externo e corporal. Se falarmos acurada e filosoficamente, nem mesmo a menor
essência da criatura pode ser representada, mas apenas os delineamentos
externos. (b) Tampouco se pode replicar dizendo que se refere somente a imagens
de deuses falsos. Moisés mesmo explicou claramente que não se deve representar
Deus (Dt 4.12); sim, mesmo o próprio Deus (o melhor intérprete de sua própria
lei) notifica isto (Is 40.18). Daí os israelitas, representando Deus pela
imagem de um bezerro, foram severamente repreendidos e duramente punidos (Êx
32). Reis piedosos dos judeus, não menos que os reis pagãos, removeram os
ídolos, sendo que Deus estabelecera ambos os mandamentos a seu povo: que
demolissem os altares dos cananeus e quebrassem as estátuas; e não fizessem
para si deuses fundidos (Êx 34.13,17).
2. COM
BASE NA NATUREZA DE DEUS
VI.
Segundo, Deus, sendo ilimitado (apeiros) e invisível (aoratos), não pode ser
representado por nenhuma imagem: “Com quem comparareis a Deus? Ou, que coisa
semelhante” (ou “imagem”, como diz a Vulgata) “confrontareis com ele?” (Is
40.18). Paulo se refere a isto em Atos 17.29: “Sendo, pois, geração de Deus,
não devemos pensar que a divindade é semelhante ao ouro, à prata ou à pedra,
trabalhados pela arte e imaginação do homem”. Daí Deus, ao promulgar a lei,
quis exibir não sua própria semelhança, para que o povo entendesse que devem
abster-se de toda imagem dele como algo ilícito; sim, até mesmo impossível:
“Guardai, pois, cuidadosamente, vossa alma, pois aparência nenhuma vistes no
dia em que o SENHOR, vosso Deus, vos falou em Horebe, no meio do fogo; para que
não vos corrompais e vos façais alguma imagem esculpida na forma de ídolo,
semelhança de homem ou de mulher” (Dt 4.15,16). Isto o apóstolo condena nos
gentios “que mudaram a glória do Deus incorruptível em semelhança de homem
corruptível, bem como de aves, quadrúpedes e répteis” (Rm 1.23). Aliás, isto
não era algo desconhecido de vários gentios, os quais julgavam ilícito desejar
representar a deidade por meio de uma imagem. Plutarco: “Entretanto, ele
(Numa)[i] proíbe qualquer imagem de Deus, semelhante ao homem ou a algum
animal; nem houve antes entre eles alguma representação esculpida ou entalhada
de Deus. De fato, durante todos aqueles 160 anos precedentes, eles continuamente
edificavam templos e erigiam edifícios sagrados ou santuários; contudo não
faziam nenhuma representação corpórea, julgando que não era santo assemelhar
coisas melhores às piores, e que Deus não podia ser compreendido por nós de
nenhuma outra maneira senão unicamente pela mente” (Plutarch’s Lives: Numa
8.7–8 [Loeb, 1:334,335]). Assim Antiphanes: “Deus não é discernido por uma
imagem, nem é visto pelos olhos, a ninguém se assemelha, por isso ninguém pode
conhecê-lo por meio de uma imagem” (De Deo+). E Heródoto: “Os persas não tinham
imagens nem altares, e criam que aqueles que os fazem são insanos, porque não
creem (como os gregos) que Deus é produto dos homens” (Herodotus, 1.131 [Loeb,
1:170,171]).
3.
PORQUE ELE ESTÁ RELACIONADO COM O PERIGO DA IDOLATRIA
VII.
Terceiro, que se deve manter distante dos lugares sagrados o que não pertence
ao culto de Deus e está relacionado ao perigo da idolatria. Ora, imagens em
lugares sagrados não pertencem ao culto de Deus, visto que este expressamente
as eliminou de seu culto pela lei, e estão relacionadas com o mais iminente
risco de idolatria. Pois, como a experiência nos mostra, os homens
(especialmente os homens incultos, propensos por natureza à superstição) são
levados ao culto deles pela própria reverência pelo lugar. Como Brochmann
propriamente reconhece: “É melhor que todas as imagens de quaisquer tipos sejam
removidas do que permitirmos que elas figurem num lugar público no interesse do
culto religioso, contra a ordem expressa de Deus” (“De Lege”, 7, Q. 1 em
Universae theologicae systema [1638], 2:46). Aqui se apresenta a fútil réplica
de que de fato se proíbe a ocasião de pecar per se, não igualmente aquilo que é
por acidente; do contrário o sol deveria ser removido do céu, visto que ele
propicia a ocasião de idolatria para inumeráveis pessoas. Portanto, é preciso
remover o abuso, porém não o uso lícito delas. Pois realmente o abuso não deve
destruir o uso legítimo, caso se admita algo desse gênero com base na
designação divina (o que os adversários presumem; nós, porém, negamos). Segunda
objeção: que somente o culto torna as imagens ilícitas, do qual os luteranos
professam que se esquivam. Respondemos que, embora não sejam expressamente
adoradas por eles (como fazem os papistas), curvando os joelhos e queimando-lhes
incenso, ou oferecendo-lhes orações, contudo não se pode dizer que se
desvencilham totalmente do culto; se não direto, pelo menos indireto e
participativo, porque afirmam que por meio das imagens e à vista delas concebem
pensamentos santos acerca de Deus e de Cristo (o que outra coisa não é senão
praticar o culto que pertence a Deus, de modo que assim eles realmente adoram a
Deus por meio das imagens). Finalmente, se não são adoradas por eles, podem
entretanto ser adoradas por outros (i.e., pelos papistas, caso entrem em suas
igrejas), e assim tornam o uso delas nas igrejas ilícito (exposto ao risco de
idolatria), pelo qual os idólatras se confirmam em seu erro e inumeráveis
pessoas se escandalizam — não só
judeus e maometanos incrédulos, mas também
cristãos crentes.
VIII.
Nossos ancestrais não podem, pois, ser censurados por seu zelo, no tempo da
Reforma, ao obrigarem que todas as imagens fossem removidas dos lugares
sagrados. Nada fizeram aqui que não fosse ordenado por Deus (Nm 33.52; Dt 7.5;
Ez 20.7) e confirmado por vários exemplos de reis e imperadores. Ao destruírem
os ídolos e expurgarem todos os lugares sagrados de todo gênero de idolatria,
os últimos laboraram diligentemente, como fez Ezequias, que “Removeu os altos,
quebrou as colunas e deitou abaixo o poste-ídolo; e fez em pedaços a serpente
de bronze que Moisés fizera, porque até aquele dia os filhos de Israel lhe
queimavam incenso e lhe chamaram Neustã” (2Rs 18.4). Por esta razão vários
imperadores granjearam a alcunha de “quebradores de imagens” (iconoclastarum).
FONTES
DE EXPLANAÇÃO
IX.
Embora Deus às vezes se manifestasse numa forma visível, e em tais aparições
nos seja descrito na Escritura (quando se lhe atribuem membros e ações
corporais), não se segue que seja lícito representá-lo por meio de imagem. (1)
O mesmo Deus que assim apareceu, não obstante proibiu com veemência que os
israelitas fabricassem alguma representação dele (ou seja, Deus podia empregar
linguagem, corpos e símbolos, a fim de testificar sua presença física; no
entanto, nem por isso o homem pode fazer para Deus uma imagem e estátua nas
quais possa ele exibir-se ao homem). (2) Aquelas aparições corporais foram
exibidas apenas em visão, prefigurando não a essência de Deus, mas, em alguma
medida, suas obras e glória externas; de fato extraordinárias, não ordinárias;
temporais, não perpétuas; de modo algum apresentadas publicamente, mas
reveladas a indivíduos, especialmente no espírito. Portanto, nada têm em comum
com imagens. (3) Uma coisa é falar metaforicamente acerca de Deus em acomodação
às nossas concepções; outra é formar uma representação visível dele como que
verdadeira e própria e exibi-la publicamente aos olhos de todos.
X. A
fabricação de imagens não é interditada absolutamente, porém com uma dupla
limitação — que as
imagens não sejam feitas para
representar a Deus (Dt 4.16), nem sejam empregadas em seu culto. Portanto,
fabricar imagens e cultuá-las não devem ser considerados no segundo mandamento
apenas como meio e fim, mas como duas partes da proibição divina. As imagens
são proibidas não só porque são o objeto ou meio de culto, mas porque são
feitas simplesmente em função da religião ou são estabelecidas em lugares
sagrados.
XI. De
uma imagem mental para uma esculpida ou pintada, a consequência não é válida. A
primeira provém da necessidade, visto que não posso perceber algo sem alguma
espécie ou ideia dela formada na mente. Ora, a imagem é sempre conjugada com o
espírito de discernimento pelo qual de tal modo separa o verdadeiro do falso
que não há o risco de idolatria. Mas a segunda é uma obra de mero julgamento e
vontade, expressamente proibida por Deus e sempre acompanhada de grande risco
de idolatria. Daí asseverar-se falsamente que não é menos pecado apresentar
imagens de certas coisas à mente ou submetê-las à escrita e exibi-las para que
sejam lidas, do que apresentá-las à vista quando pintadas. Pois há uma ampla
diferença entre estas coisas.
XII. A
consequência com base nas figuras do templo de Jerusalém não vale para as imagens
cristãs. As primeiras foram ordenadas; e as segundas, não; aquelas, tipicamente
cumpridas no Novo Testamento, estas não; as primeiras postas quase fora da
vista do povo e do risco de idolatria, o que não se pode dizer das segundas.
Tampouco se deve apresentar aqui o argumento da liberdade cristã (que não é
licença para fazer o que quer que seja em relação ao culto divino, mas é
imunidade da maldição da lei e da escravização às cerimônias).Visto que as
primeiras figuras pertenciam a estas, também devem ser consideradas como
igualmente canceladas no Novo Testamento.
XIII. No
que concerne a serem as imagens corretamente chamadas “livros do povo comum” e
auxílio à piedade e à devoção religiosa, o Espírito Santo testifica que são
“mestras de futilidade e mentira” (Jr 10.8; Hc 2.18). Há outro livro a ser
consultado por todos (por pessoas cultas e incultas) que nos faz sábios e
eruditos (a saber, a Escritura, a qual deve ser continuamente lida e meditada
pelos crentes, para que sejam sábios para a salvação). O papa, porém, subtrai a
Escritura do povo para que o mesmo se deixe envolver pelos erros inextricáveis
e para que não seja convencido por ela. Ele a substitui por outros livros mudos
pelos quais não se remove a ignorância, mas esta é nutrida, porque ele não teme
que eles murmurem algo contra ela. Portanto, enquanto por mestres ele lhes der
pedras, as pessoas se converterão em pedras e não serão mais sábias que seus
mestres. Daí Agostinho tratar das imagens de Pedro e Paulo (motivadas pelas
quais certas pessoas caíram em erro): “E assim, renegados, mereceram enganar-se
aqueles que buscaram Cristo e seus apóstolos, não nos escritos sacros, mas nas
paredes pintadas” (The Harmony of the Gospels 1.10 [NPNF1, 6:83; PL 34.1049]).
(2) Teria sido ruim para os judeus a quem Deus negou aqueles livros (a quem,
não obstante, como mais simples eram mais necessários).
XIV. Seja
o que for que se diga da utilidade das imagens nos lugares sagrados, não pode e
não deve opor-se ao mandamento de Deus que as proíbe. Isso é tomado por
admitido, não provado. Os sinais sacros são os sacramentos, não imagens. Os
ornamentos das igrejas são a pura proclamação da Palavra, a administração
lícita dos sacramentos e a santidade da disciplina. Os meios de guardar a mente
atenta são a presença e a majestade de Deus, e a dificuldade e excelência dos
mistérios sacros.
XV. Não é
suficiente arrebatar as imagens do coração pela proclamação da Palavra, a menos
que sejam removidas também dos lugares sagrados (onde não podem permanecer sem
o risco de idolatria).
FONTE:
Francis Turretin. Compêndio de Teologia Apologética. Vol. 2. São Paulo: Cultura
Cristã, 2011. pp. 90–94.
[i] Numa
Pompilius, segundo rei de Roma; provavelmente reinou de 715 a 673 a.C. [N. do
E.].
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