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terça-feira, 17 de julho de 2018

Tudo é vaidade: reflexões acerca de Eclesiastes 1:1-11

O presente texto é fruto da exposição do texto de Eclesiastes 1:1-11, realizada em um Estudo Bíblico na Cidade de Garuva, em Santa Catarina. Assim, no decorrer da escrita, o conteúdo assumirá um tom mais pessoal e menos acadêmico.

O livro de Eclesiastes é um texto fabuloso, muito rico para a época atual, ora denominada pós-modernismo.

No primeiro versículo, o autor se identifica como um pregador, filho de Davi e rei em Jerusalém.

Durante séculos a tradição judaica e cristã tem atribuído a autoria de Eclesiastes a Salomão, em tempos mais recentes, entretanto, a autoria salomônica tem sido questionada por alguns estudiosos.

Para efeito do presente texto, aceita-se Salomão como autor do texto de Eclesiastes.

Concorda-se, entretanto, que uma vez que a Bíblia toda é inspirada por Deus, que é o seu autor final, pouco importa se a pena era de Salomão ou não, apenas me parece que o texto ganha um significado mais profundo quando é  considerado o fruto da reflexão de alguém tão sábio e que pôde viver de tudo e experimentar de tudo como foi o caso de Salomão.

Vaidade de vaidades, tudo é vaidade.

Aqui, a palavra que traduzimos por vaidade, em sua origem hebraica significa algo vazio, um sopro, algo fútil, sem utilidade.

E é assim que o autor define a vida humana longe de Deus, finita, breve, sem sentido, condenada a inevitável extinção.

Vive-se, trabalha-se, damos nosso sangue e suor pelo nosso trabalho, talvez nós trabalhamos arduamente por uma causa justa, um propósito que consideramos belo e significativo, pelo bem, pela justiça social, pela descoberta científica, coisas maiores do que nós.

Ou simplesmente queremos viver a nossa vida, aproveitar os prazeres que a vida nos oferece como se não houvesse amanhã.

Mas e do que vale o nosso empenho? Chegaremos à velhice, nossa força haverá se esvaído, e será o fim de nossa existência, teremos de adentrar, ainda que contra a vontade, o mundo do não-ser, da inexistência.

Ainda que dediquemos nossa vida a algo que dure mais do que a nossa vida, nossa memória seja preservada e sejamos recordados por séculos como alguém notável: um Platão, Aristóteles, Galileu, ou então, as futuras gerações ergam em nossa homenagem, uma grande estatua, com o nosso nome aos seus pés, ou uma placa de bronze em um memorial público.

Ainda assim, que proveito temos? Uma vez que já não estamos lá para apreciar tal glória?

E não apenas a nossa vida chegará ao fim, mas também toda a humanidade, nosso sistema solar ruirá um dia, o universo inteiro se esfriará, a extinção completa da vida, a extinção de toda possibilidade.
Gosto de uma colocação de Bertrand Russell, um conhecido filósofo ateu, que expressa de forma muito bela, e também triste, esta realidade da falta de sentido da vida sem Deus.

Segue a sua citação:

Nenhum fogo, nenhum heroísmo, nenhuma intensidade de pensamento e sentimento pode preservar a vida de um indivíduo no além-túmulo; que todas as labutas da vida, toda a devoção, toda a inspiração, todo o fulgor do gênio humano estão destinados à extinção na vasta morte do sistema solar e, inevitavelmente, todo o templo das conquistas humanas deve ser enterrado sob os escombros de um universo em ruínas. (RUSSELL. Apud BECKWITH; CRAIG; MORELAND, 2006, p. 252-53)

Uma geração vai e outra vem… O ser humano é, para usar o termo de Martin Heidegger, um ser-para-a-morte, porque, embora todos os seres vão morrer, incluindo você e eu, todas as pessoas que amamos e todos os outros seres vivos, quer sejam animais e vegetais, todos vão morrer! Mas apenas o ser humano tem consciência de sua própria morte, e pode refletir acerca dela. Ou seja, temos a fraqueza existencial de sermos seres mortais, e temos a consciência dessa fraqueza.

Vocês percebem que o mundo é um “bonde andando”? Nós pegamos esse bonde em movimento, há milênios de história humana antes de nós, e – assim espero – haverá muitos anos de história humana depois de nós; nós partiremos, mas a vida seguirá sem nós, não somos tão importantes assim para o mundo.

A natureza continuará o seu ciclo, com ou sem nós.

O verso sete reflete acerca do ciclo da água, o autor observa que todos os rios vão para o mar e ainda assim o mar não se enche, pois ao lugar para onde os rios vão, tornam eles a correr.

É interessante ressaltar que o ciclo da água só foi descrito com precisão no século XVII, por dois cientistas franceses e um inglês, mas ainda assim, o autor de Eclesiastes, a partir da observação da natureza, já notou esse ciclo, podemos chamar isso de Teologia Natural, quando contemplamos e refletimos acerca de Deus a partir da observação da sua criação.

O Verso oito descreve o que por vezes chama-se de predicamento humano. [Já escrevi sobre o tema para o NAPEC: http://www.napec.org/apologetica/predicamento-humano/]
O ser humano é um ser insaciável, seus olhos não se fartam de ver, nem os ouvidos se encham de ouvir.

Buscamos de modo desesperado a felicidade, e sempre queremos mais, pois nunca estamos fartos: mais diversão, mais dinheiro, mais sexo, mais livros, sempre mais e mais.

Talvez estejamos em busca do poder, da fama, do prestígio, e quando a alcançamos, confessamos desanimados: “bem, não era o que eu esperava”. E nos decepcionamos, percebemos que por mais que alcancemos e conquistemos, nosso vazio permanece. A satisfação é um item que não está disponível para nós.

Segundo a conhecida citação que é costumeiramente atribuída ao ilustre escritor russo Fiódor Dostoiévski: há no homem um vazio do tamanho de Deus.

E Agostinho, escreve em uma oração: “Porque nos criastes para Vós e o nosso coração vive inquieto, enquanto não repousar em Vós”. (AGOSTINHO, 2012, p. 27)

Os versos 9 a 11 refletem acerca daquilo que parece a nós uma novidade.

Muitas vezes os cristãos se assustam com tamanha depravação que é explicitamente exibida na televisão.

Violência, corrupção, perversão sexual, defesa da prática do aborto e por aí vai.

Entretanto, o autor de Eclesiastes tem razão: não há nada novo debaixo do sol.

O mundo já viu muito disso tudo, e ainda mais. A história humana está recheada de perversões e crueldades.

Os abortos, o infanticídio, assim como a corrupção, a violência e práticas sexuais não condizentes com o cristianismo eram comuns na Grécia e Roma antigas, foi o cristianismo quem deu fim, ou aos menos condenou e diminuiu muito essas práticas a partir da conversão pessoal e influência nas culturas locais.

O cristianismo foi responsável por uma evolução moral sem precedentes no mundo ocidental.

Assim, embora cristãos conservadores sejam frequentemente intitulados pejorativamente de retrógrados, os seus opositores é que são retrógrados, e em uma escala ainda maior, pois desejam reanimar costumes de tempos pré-cristãos.

É pertinente uma colocação de John Stott, onde ele diz que:

Se a casa estiver escura ao anoitecer, não faz sentido culpar a casa, pois isso é o que acontece quando o sol se põe. A pergunta a ser feita é: “Onde está a luz?”. Da mesma forma, se a carne estragar e for impossível comê-la, não faz sentido culpar a carne, pois isso é o que acontece quando as bactérias são deixadas ao léu para reproduzirem-se. A pergunta é “Onde está o sal?” Assim também, se a sociedade se deteriora e seus padrões declinam ao ponto de ela se tornar como uma noite escura ou como um peixe fedorento, não faz sentido acusar a sociedade, pois isso é o que acontece quando homens e mulheres decaídos são deixados à sua própria sorte e o egoísmo humano não é contido. As perguntas a serem feitas são: “Onde está a Igreja? Por que a luz e o sal de Jesus Cristo não estão permeando e mudando a nossa sociedade?”. (STOTT, 2014, p. 89)

Se o mundo torna-se caótico novamente, é porque a Igreja não está cumprindo como deveria o seu papel; graças a Deus que de tempos em tempos Ele levanta homens e mulheres que, para usar as palavras de Chesterton, tem a coragem de não serem atuais e assim colocam o mundo de ponta cabeça.

Foi assim na Igreja primitiva, foi assim na Reforma protestante, foi assim nos grandes avivamentos do século XVIII, e pode ser assim novamente hoje, se assim Deus o desejar.

REFERÊNCIAS

AGOSTINHO, Santo. Confissões. 26 ed. Petrópolis e Bragança Paulista: Vozes e Editora Universitária São Francisco, Coleção Pensamento humano, 2012.
BECKWITH, Francis J. CRAIG, William Lane. MORELAND, J.P. (Ed.) Ensaios apologéticos: um estudo para uma cosmovisão cristã. São Paulo: Hagnos, 2006.
STOTT, John. Os cristãos e os desafios contemporâneos. Viçosa: Editora Ultimato, 2014.

Fonte: Napec.org

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