Para se viver depois da Ressurreição - O Peregrino

O Peregrino

Fiz-me acaso vosso inimigo, dizendo a verdade? Gálatas 4:16

test banner

Breaking

Post Top Ad

Minha Rádio

quarta-feira, 3 de janeiro de 2018

Para se viver depois da Ressurreição

Por Eliandro da Costa Cordeiro

Descobrir que Cristo vive é ter os olhos abertos para uma nova leitura da vida. A sua ressurreição trouxe consigo um novo relacionamento do indivíduo com Deus e com o próximo. Possibilitou que a alma humana, antes escravizada pelo medo da vida (eterna)vivesse com as portas destrancadas para a nova realidade que se abre para a vida. E é esta, e nesta, mesma vida que se descobre outro sentido para ser e existir. A Ressurreição ensina à fragilidade do homem que, em Cristo, há uma nova maneira de caminhar nesta vida. Deixa claro, portanto, que esta vida é apenas a continuidade de sua eternidade.

A doutrina de fé cristã reside num âmbito de extrema felicidade entre fato e experiência: Cristo ressuscitou! Isto implica numa afirmativa que choca a razão natural dos homens: Jesus Cristo ressuscitou ‘fisicamente’ dentre os mortos. Curiosamente, a religião da Cruz não afirma que é, simplesmente, a Fé quem valida a ressurreição. O Cristianismo afirma o contrário: é o fato histórico da ressurreição quem chancela a Fé nos corações dos seus santos (ICor.15:14,17). É a fé quem é vã caso a ressurreição seja uma fraude, e não o seu oposto. Deste modo, a ressurreição precede a fé e dá a esta a sua razão de existir. Os apóstolos são uníssonos em dizer que a ressurreição pode ser comprovada factualmente. Ela é um acontecimento na história a qual os próprios discípulos viveram (Lc.1:1-4;At.1:1-4;13:31;17:30,31;Rm.1:3,4;ICor.15:4-8;Gl.1:18-20;2:10;IJo.1:2).

Contrariamente do que dizem os neo-ortodoxos, liberais e muitas seitas, a fisicalidade de Jesus na ressurreição une toda a noção soteriológica amparada na Natureza de ‘Deus-Pai’ e assegura a Natureza ‘Deus-homem’ do Filho (IITm.2:18). O Verbo que ressurge dentre os mortos não rompe os limites da humanidade de modo fantasmagórico, mas tangível- existencial. Tanto pode ser tocado e sentido como toca e sente (Lc.24:39).

Ora, se Cristo não houvesse ressuscitado em corporalidade física toda a Fé cristã seria sem sentido e, conseqüentemente, mais vazia do que o próprio túmulo do Ressuscitado (ICor.15:1ss;Hb.11:35). “[..] ele se levantou da morte e se manifestou a seus seguidores em corpo físico, embora fosse então imortal. Esta é a doutrina mais central e mais fundamental da teologia cristã, como também o fato essencial em defesa de seus ensinamentos.”[1]

Se por um lado a Ressurreição manifesta o rompimento da Vida sobre os poderes deste mundo, doutra parte, João mensura o Senhor ressuscitado numa realidade de continuísmo: “subo ao meu Pai, vosso Pai, para meu Deus e vosso Deus”, podendo inferir que Jesus situa os seus discípulos na veracidade de uma ressurreição que transcende à existência, mas que, tal qual o Deus- Criador, é imanente na Criação. Deus ressuscitou o Filho e permanece Nele para a Glória do Pai (E por ele credes em Deus, que o ressuscitou dentre os mortos, e lhe deu glória, para que a vossa fé e esperança estivessem em Deus ( IPe.1:21).
O Cristo de Deus ressuscita no poder da Ressurreição, todavia, numa mesma realidade de antes de ser ressurreto; isto é, ter a Deus-Pai como ‘meu’ e ‘vosso’, é uma realidade que se cumpre quando da ressurreição do Filho unigênito se entrega na morte. Portanto, esta ressurreição é participativa no “primogênito dos que morrem” (Lc.11:36;Rm.8:29;Cl.1:15,18;Ap.1:5;) e realizada somente pela fé na Pessoa do Filho de seu amor , a quem Deus ressuscitou dentre os mortos (Jo.11:25;ICor.15:13;Cl.1:13;Gl1:1).

Observemos a declaração do salvador: “Eu subo ao ‘meu e vosso‘, ‘Pai e Deus‘- eis aqui o poder da ressurreição: posse e integração mantida pelas transcendência e imanência da Trindade Eterna em contraste com as suas criaturas (Is.57:15).O que significa dizer “Subo ao Pai…” ? Ora, isso não implica apenas na ressurreição per si, mas sim, que os discípulos devem entender que “ressurgir” significa voltar ao Pai, não como uma volta à experiência anterior. Cristo deve voltar ao Pai, entrar na Glória para, assim, poder voltar para o meio de seus discípulos e dispensar os bens messiânicos. “Jesus não sai do túmulo para retomar o fio interrompido da existência terrena. Sobe para junto do Pai. Entra numa condição nova.” O texto joanino aponta que Maria Madalena deve entender que Cristo, agora, já não tem mais aquela relação familiar de antes da ressurreição.

João leva os seus leitores a observar que o Cristo vivo, visto pelos discípulos, é apresentado de tal maneira a provocar a teologia dos docetistas: Ele é real. É minucioso e curioso o fato de que os lençóis, cuidadosamente, estão dobrados num canto da tumba fria. Nada mais impede o mestre. Sem envoltos para manter-lhe os corpo aquecido, o seu corpo ressurreto ignora qualquer mortalha humana. A morte fora derrotada pelo poder de Deus (ICor.15:55;Apc.20:14).

Os lençóis postos de lado, paradoxalmente, são provas da ressurreição do Salvador. Aponta aos docetistas[2] e as autoridades da época com que Corpo o Filho de Deus ressuscitou. A mentira de que roubaram o corpo de Jesus é desmascarada quando é percebido o valor de um pano se comparado ao corpo de um Galileu morto há três dias.

Enumeremos quatro verdades acerca da Ressurreição de Jesus Cristo que não se calam dentro do túmulo vazio:

1- A ressurreição deu aos homens um novo relacionamento com Deus e com o próximo (17):

Jesus é preciso em suas palavras à Maria:  ‘Meu’… Meu… Pai; Deus, ‘vosso’. Há aqui um relacionamento intimo (eu e Deus) e o respeito geral (vosso Deus). Deus é meu, mas também Teu. Por isso: “… Vai procurar os meus irmãos…

O apóstolo Paulo deu a esta noção de pertença o nome de “adoção”.É em Cristo que somos feitos filhos de Deus (Rm.8:15;23;Ef.1:5;Gl.4:5). O Segundo Adão, num processo inverso ao do Édem, participou-nos de sua obediência (Rm.5:1ss; ICor.15:45;Ef.2:8; Hb.2:1ss). Tal obediência apresentou-nos santos diante da Santidade divina. E, como se, por si só, isto já não nos fora pura graça, deu-nos juntamente com Ele todas as coisas (Rm.8:17;Ef.1:3;2:6;3:6).

Todavia, o Deus Ressurreto pretende que Maria leve toda a mensagem aos discípulos. Ele espera que a idéia da comunidade da Fé e da comunhão seja entendida como o resultado de sua Paixão. Trata-se do resultado de sua obra. Ao indivíduo, o discípulo solitário que  gozava do toque de Cristo somente nele ou a quem poderia se agarrar (Jo.20:17), deve aprender que o Cristo redivivo é o “Deus Presente” na realidade de todos os homens (Rm.11:33;Ef.1:10). É para Ele que correm todas almas que vivem mortas e, é para elas que corre a Fonte da vida eterna (Sl.87:7; Mt.4:16).

A comunhão com o Jesus ressuscitado não permite mais uma experiência egoísta. A comunhão com o Salvador afirma, nas palavras do Ressurreto que o “meu e o vosso”, o “meu e o teu” significa apenas um único Deus, Pai daqueles que pela  fé única agrega a todos os santos sob a cruz (Ef.4:5;ICor.12:4,12-14,20,25-27).

Noutro sentido, Jesus parece permitir que o discípulo só pode chamar a Deus de “Meu” ou “Teu” quando isto implica numa posse coletiva cuja Fé dissolve as diferenças. E parece ser assim, pois, num mundo onde o Cristo é rejeitado, Ele é “meu” (IJo.4:6;). Todavia, numa comunidade onde a mesma Fé o assume como Deus, Ele é “nosso e vosso”. A ressurreição deve ser vista como aquela que põe fim as diferenças superando as indiferenças.

Ora, não foi tal discurso que Paulo apresentou à igreja de Corintos? Esta participava da festa Ágape e da Ceia do Senhor sem que tais ritos expusessem a relevância de seus significados próprios. A Ceia é a representação de tudo aquilo que Cristo nos deu na cruz. O seu sangue nos tornou um para Deus. Toda a inimizade, oriunda da natureza pecaminosa foi derrotada pelo Salvador em seu sangue e corpo (ICor.11).

Portanto, a ressurreição de Jesus Cristo implica na restauração da comunhão em duplo aspecto: (1)- Cristo, em sua morte, me apresenta agradável perante Deus; (2)- Cristo, em sua ressurreição, me põe em uma relação restaurada com Deus e, qualquer relação verdadeira com Deus mostrará Deus na face do próximo (Mt.25:40,45; Rm.5:1; Cl.1:21,22; IJo.3:1;4:8).

A Paixão de Jesus mostra que o amor será sempre um outrocentrismo, onde o “meu Pai e meu Deus” me levará às últimas conseqüências; até que o torne em Meu e Vosso Deus (ICor.13; Gl.4:19). Sobre isto, já fora dito que a morte e ressurreição do Deus-homem levou os crentes à participarem com Ele desta nova vida.  Lembremo-nos que esta verdade fora ensinada aos crentes de Tessalônica, quando sufocados pela filosofia platônica não deram devido valor aos seus próprios corpos, lamentando os seus mortos. Paulo assegura em ITss. que o mesmo Deus que ressuscitou o Filho há de ressuscitar os que ‘dormiram’ Nele (ITss.4:14). Não é esta mesma idéia nutrida pelo apóstolo dos gentios em I Cor.6:14? E não é debalde que Paulo utiliza-se do termo ‘primícias’  para demonstrar a íntima ligação entre a ressurreição dos mortos com a do Senhor Jesus (ICor.15:13,20,22). Conforme Ewert, “a palavra primícias transmitia um vívido significado para os judeus crentes. A festa das primícias assinalava o começo da colheita, no calendário judaico. Não somente exprimia esperança de uma colheita, mas também era o começo da colheita. Por conseguinte, a ressurreição de Cristo, apesar de não ter sido seguida de imediato pela ressurreição dentre os mortos, marcou o início daquele grande evento escatológico.”[3]

Ora, o que Paulo afirma, senão que, Cristo é aquele que vai à frente da nova humanidade, encabeçando e direcionando os outros com todo o mérito de fazê-los experimentarem a infinita vida com o Deus de Amor (At.26:23;Cl.1:18)? Paulo é de um pessimismo incomum frente a possibilidade de que Cristo não houvesse ressuscitado. Seria lastimável crer no Cristo que nem ao menos se desprende dos lençóis que lhe envolvem o corpo frio. Sem a ressurreição o crente é o homem mais lastimável do mundo, capaz de olhar o futuro com perspectivas até mesmo inferiores ao ateu: “comamos e bebamos que amanhã morreremos” (ICor.15:19,32) seria a melhor filosofia de vida.

Aliás, os lençóis postos de lado na tumba, naquela manhã, pressupõem a sua inutilidade.  Provavelmente João contrasta a ressurreição de Lázaro (Jo.11:44) com a do Senhor da Vida. Lázaro não se livrou facilmente dos seus lenços quando ouviu a voz do Senhor chamando-o. Todavia, ressuscitado pelo poder de Deus (At.5:30;13:30,37;Cl.2:12), Jesus Cristo, aparentemente, passou através de suas mortalhas, da mesma forma em que depois entrou em uma sala fechada.

2- A ressurreição deu à alma do crente o poder de se viver com as portas destrancadas (19-21):

Com diligência e prudência o homem pode garantir um mínimo de segurança a si, à sua família e aos seus bens adquiridos sob duro trabalho. Todavia, a porta fechada revela que o mal nunca dorme na rua. Ele está no coração do homem. É inverso a esta frágil segurança que o túmulo vazio pressupõe, por si só, que a vida deve assumir um novo paradigma, novo sentido. Sim. Pois, mediante a ressurreição, paz e alegria tornam-se dons naturais da fé dados pelo Cristo Ressuscitado (Gl.5:22). Os discípulos demoraram em acudir que a ausência do corpo de Jesus no túmulo era precisamente o que encheria de significado as suas vidas. Relutaram com o vazio. Paradoxalmente, nunca um vazio foi tão repleto de significado como naquela manhã de ressurreição!

Que nova maneira de começar o dia: o túmulo vazio!!A fé no Cristo ressuscitado deve prevalecer sobretudo naquilo que O obstaculiza no coração humano: a incompreensão das Escrituras, a tristeza, o medo, a dúvida (Jo.20:[9],11,13,15,19). Jesus surge, entra de repente através da porta fechada.

Conforme já observado, a ressurreição deve romper o medo que impede que o coração se abra ao próximo, que compartilhe a verdade da Ressurreição. Tal medo fora causado pelo mundo numa tentativa de impedir que essa luz se abrisse aos homens (Jo.20:19).Estavam presos homens excessivamente preocupados consigo mesmos (24,25). Todavia, o Senhor Jesus aparece aos homens, naquele espaço fechado, desejando-lhes a Paz. Esta Paz é aquela que se goza pela Fé nas obras do Salvador (Rm.5:1;Ef.2:7).Paz e alegria são o dom do Cristo vivo, mas são também a condição para conhecê-lo (Gl.5:22).

Muito embora, a primeira saudação de Cristo aos discípulos naquele ambiente fechado fosse apenas cordialidade (Jo.20:19), na segunda ocasião a Paz precisa a necessidade da segurança de sua presença. E não é a toa que a segunda saudação precede a missão a qual Cristo incube aos discípulos (21-23)! “O ‘shalom!’ de Jesus na noite da Páscoa é o complemento de “está consumado” sobre a cruz, pois a paz da reconciliação e da vida que vem de Deus é agora compartilhada…”[4] Ela aponta à cruz; daí vir seguida pela Graça; isto é: Graça e Paz.

Paulo e Pedro acordam quanto aos resultados da ressurreição na vida da Igreja: “A ressurreição assegura a salvação do crente e o lar no céu, tornando-nos possíveis a alegria em tempos de perseguição (IPe.1:3). Pelo fato de Jesus haver ressurreto, pode libertar-nos do cativeiro do medo da morte (Hb.2:14,15).”[5]

Os discípulos estariam prestes a desfrutar do cumprimento da promessa que Jesus lhes fizera em João 14. Neste contexto, estes homens desconheciam qualquer paz e alegria destituídas de significado na vida da fé judaica (Jo.14:1,16-31). Mas quando da ressurreição do Senhor, este mesmo enviaria o seu Consolador o qual a alegria contínua no coração dos discípulos sobreviveria a todos os revés do mundo (Jo.15:11;16:5ss). E não foi o cumprimento desta promessa que levou Paulo a dizer à igreja de Roma “se habita em vós o Espírito daquele que ressuscitou Jesus dentre os mortos esse mesmo que ressuscitou Jesus dentre os mortos, vivificará também os vossos corpos mortais, por meio do seu Espírito que em vós habita (Rm8:1)? Não foi depois do derramar deste Espírito que a igreja, ainda incipiente, viveu como se estivesse perpetuamente sob os olhos de seu Senhor (Mt.28:20;Mc.16:7)?

Pois não é sem mais que João informa que o Senhor Jesus entrou naquele ambiente de tristeza e medo quando as portas estavam fechadas. Entrou com o seu corpo glorificado; mas ainda físico, como que a dizer: O “Deus Conosco” não apenas está conosco, como nos levou para sempre para junto de Si.” É correto esta idéia da manifestação de Jesus neste ambiente, pois João utiliza-se para a aparição do Senhor entre os discípulos o termo  ‘haraō’, que implica no relato da aparição física de Jesus depois da ressurreição (Jo.20:20,26,27;Icor.15:42,43;Fp.3:21). E nada melhor do que uma resposta à altura da razão para humilhar-lhe a soberba teimosa em negar o poder do Salvador! Ele pode ser tocado com a mesma realidade e facilidade em que pôde entrar onde os homens fecharam o coração para a Verdade da Vida (Jo.20:25-31).

É sob a manifestação de que Cristo vive e veio habitar com os crentes que o medo e a tristeza fogem. É neste quarto, outrora hostil, que a Vida ventilou a coragem de se abrir o coração e encarar a vida hostil do lado de fora (Jo.20:21-23; 16:33;Lc10:3).

3- Com a ressurreição, a vida descobre outro sentido para ser e existir (20-23):

Para indicar o pronto cumprimento da promessa de Jesus, João nos informa que, imediatamente a convencional saudação, Cristo logo lhes sopra o Espírito. E isto é significativo, uma vez que no N.T. o Espírito Santo é visto como o selo; isto é, Aquele que assegura ao crente, mediante a obra de Cristo, a salvação. Receber o  Espírito, então, significa fazer parte do povo de Deus, filiação (At.2:38;IICor.1:22;5:5;Ef.1:13,14;4:30).R.Shedd salienta o episódio da criação do homem no Jardim do Éden, quando Deus lhe soprou a narina e este recebeu vida. Quereria isto nos dizer aquilo que a ressurreição faz na alma do homem que crer no poder do Salvador se assemelha ao surgimento de uma nova vida no Segundo Adão (Gn. 2.7; Jo.7.39; 16.7)? Significaria tal atitude uma clara representação do que significa ressuscitar com Cristo? Seja como for, Jesus já havia dito aos discípulos que o dom do Espírito era certamente dependente de sua própria vida; isto é, de sua glorificação (Jo.16:7,14).

Seja como for, ao receberem o Espírito, os discípulos recebem também a tarefa de proclamar a ressurreição do Senhor. Deveriam anunciar que o perdão tornara-se real mediante a ressurreição de Cristo (Jo.20:21-23;Hb.9:15).Portanto, a missão recebida não significaria que os discípulos pudessem perdoar os pecados, mas para que anunciassem Aquele que os perdoa.Pois, era sob a autoridade de Cristo que poderiam pregar o perdão (Lc.3:3;24:47;At.2:38;26:18). Jesus quis significar que “faz de sua missão, recebida do Pai, o modelo para a nossa.” É deste modo que os discípulos deveriam definir a tarefa recebida do Senhor. Provavelmente, Jesus estivesse apontando para a sua vida de obediência (cf.5:19-30;8:29) quando diz estar enviando os seus discípulos ao mundo. O modelo ‘encarnacional’ pelo qual Cristo é enviado ao mundo é-nos exemplos de obediência e nunca de exatidão literal (Lc.10:3;Fl.2:8).

Esta vida de obediência deveria ser o paradigma da ação missionária dos discípulos. Lembremo-nos que foi Jesus mesmo quem disse que seus discípulos não pertenciam mais a este mundo (15:19). Ao assemelharem-se (justo-medida) com Cristo quando enviado ao mundo, os discípulos igualmente seriam enviados ao mundo para testemunharem do Senhor Ressurreto (20:21; 15:26,27). Recordemos também que, Jesus obediente ao Pai recebera do seu Espírito, foi por Ele selado e santificado (Jo.1:12,13;3:34,4:34;5:19).Sob tal exemplo, os discípulos como filhos de Deus deverão, em obediência a Ele, pregar o Reino (Jo:14-17:17).

Todavia, o recebimento do Espírito não parece ter feito diferença imediata, mas aos poucos fora dando aos crentes a compreensão do que lhes havia ocorrido, bem como reconstruído todo o quadro da salvação (cf.Jo.20:20,26;21:1-3 e At.2:1ss).

Os apóstolos encararam a proclamação da ressurreição do Salvador como a continuação de sua obra. Sabiam que a bem-sucedida obra do salvador não precisaria ser ‘recomeçada’, mas continuada através de seu corpo; ou seja, a Igreja (Ef.3:10;Cl.1:24; Gl.6:17). Paulo torna clara a continuidade da missão de Cristo pela igreja quando dá a esta a figura de “corpo de Cristo” (Rm.12:5; I Cor.12:27; Ef.5:23).Logo, a missão dos discípulos é a continuidade da missão que Cristo recebera de seu Pai.

É, portanto, significativo o fato de que agora os discípulos teriam de testemunhar, pois tal testemunho situa o homem frente duas realidades: (1)- Eu sou para Deus e existo para O servir. Sou para a sua glória e existo para fazê-la brilhar (Rm.7:4b;14:7,8). A ressurreição do Salvador deu aos discípulos um valor transcendental. Não valiam só pelo que faziam, mas pelo que eram em Cristo (ICor.1:26;IICor.5:16). (2)- Eu, em Cristo, posso distinguir vida de existência. A ressurreição de Cristo aponta desde a Criação até o fim dos tempos. Ela dá sentido à história da humanidade e situa o indivíduo como responsável tanto quanto perdido em meio ao caos provocado pelo pecado do primeiro homem (Gn.3). Ao olhar o túmulo vazio, o crente compreende todo o enredo de sua existência, descobre a presença de Deus desde o seu nascimento até a sua morte (Jó: 19:25;Sl,89:47;Sl139:16). Esta foi a promessa de Jesus àqueles que nele crêem (Jo.11:25). É por isto que os discípulos de Cristo expuseram-se ao perigo e à espada. Aprenderam a distinção entre vida e existência (Rm.8:16-35;fl.4:4-20) e, uma vez experimentada a vida, passaram a gozar a sua curta existência como ninguém mais (I Cor.15:55;Fl.1:21,23); com toda a sua vida (Jo.7:38).

Ora, a ressurreição marca a continuidade da história da Criação, repleta do amor de Deus pelos homens. Ela marca a ascensão dessas criaturas finitas diante de Deus, na eficiente obra de seu Filho (Rm.8:17;Ef.2:6;IITm.2:11). Esta fé é o que dá sentido à existência dos homens e os faz desejarem vivê-la com Cristo. Eliminemos a ressurreição e, então, seremos os mais desgraçados de todos os homens (ICor.15:19). O crente sabe que no fim de toda a história humana, todas as coisas convergirão ao Filho Ressurreto (Rm.8:22,23;Ef.1:10).

4- A ressurreição ensina aos homens que há uma nova maneira de caminhar nesta vida (24 [29]):

Com quais perspectivas os discípulos de Cristo foram ao sepulcro antes de vê-lo vivo? Viram lençóis  e túmulo vazios e pensam ter o corpo de Cristo sido transferido ou roubado! Veem anjos e Jesus e não reconhecem! O que disse Jesus a Tomé? É desta maneira que o homem deve andar- pela fé (23). É esta quem entende o túmulo vazio, o lençol desenvolto… Não precisa de toques, não precisa de cravos, sinais… Precisa somente crer para ver e não o contrário!

João relata que tanto ele quanto Pedro viram e creram (“viu e creu” (8)). Esta fé será posteriormente desqualificada, pelo menos implicitamente, por Jesus. O texto parece sugerir que se o discípulo tivesse entendido as Escrituras poderia ter crido sem ver (9). A cena de Tomé conclui-se com uma constatação: “viu e creu” (29). E também esta fé é censurada: deveria ter crido sem querer ter visto (Jo.20:29). Assim, a primeira e a última cena desenvolvem o tema “ver e crer” . Tanto o episódio de Pedro e João diante do túmulo vazio como o da incredulidade de Tomé merecem atenção. João destaca a censura que Jesus faz à incredulidade de Tomé e não aos dois discípulos incrédulos diante do túmulo vazio. Por que só Tomé é exortado quanto a sua maneira de olhar para a ressurreição se Pedro e João também acudiram primeiro à visão antes da fé?    A razão, explica Rinaldo Fabris, é que “a fé no Cristo ressuscitado baseia-se exclusivamente no duplo testemunho das Escrituras e dos discípulos.” “Jesus assumiu uma condição nova e, nova, também, são as condições para encontrá-lo”. João aponta que na corrida com Pedro ao túmulo, somente o discípulo amado vê e crê. Só ele compreendeu todo o sentido incluído no sepulcro vazio e nos panos dobrados. Por que ele? Eis, aqui, a clarividência do amor. Se anteriormente os discípulos tiveram que ver para crer é devido ainda não entenderem as Escrituras. Se as tivessem entendido, não necessitariam ver, pois as Escrituras atestam de modo suficiente a ressurreição. Os discípulos chegaram à fé, mas não ainda à fé completa, cujas bases são o testemunho e as Escrituras.

Conforme Fabri, os discípulos estão numa fé incipiente, prisioneiros de um não-saber (não entender) acerca da Escrituras, que os mantém lerdos e despreparados para o acontecimento (Ex. Jo. 14).  Todavia, agora, o sinal que conduz à fé se transformou: já não é objeto de visão direta e sim de testemunho.Tomé recebe o testemunho duplo: as Escrituras e os discípulos/testemunhas confirmam a ressurreição de Jesus Cristo.

Talvez isto responda porque Maria Madalena não reconhece a Jesus. O ressuscitado aparece novo aos olhos de quem o vê e é preciso ter olhos novos para reconhecê-lo. O encontro com o Cristo ressurreto não é um retorno à experiência anterior. Depois do reconhecimento há ainda dificuldades para entender a nova relação e comunhão que passam a existir entre a mulher O ressurgido da morte.

Duns Scotus em sua homilia explica: “Mas João corre mais depressa do que Pedro, porque o poder da contemplação totalmente purificada penetra os segredos das obras divinas com um olhar mais agudo e mais vivo do que o poder da ação, que tem ainda necessidade de ser purificada. Pedro, no entanto, entra primeiro no sepulcro; João segue-o. Ambos correm e ambos entram. Aqui, Pedro é a imagem da fé e João representa a inteligência… A fé deve, portanto, ser a primeira a entrar no sepulcro, imagem da sagrada Escritura, e logo a seguir a inteligência…”

Não é o túmulo vazio o escândalo para ateus e sábios? Não é o motivo da alegria, sabedoria e explicações à própria existência dos servos de Cristo (I Cor. 1-3)?

Conclusão:

Tal qual o sangue que tinge na Cruz os nossos pecados e nos torna aceitáveis a Deus (reconciliados), a Ressurreição é a verificação factual de que a amizade começada na Cruz mesma será eterna como o Deus-Homem que ressuscitou no poder do Pai (Hb.5:6;6:20;9:28).

É a ressurreição uma com a Cruz (pois sem cruz não há ressurreição, conforme Lc.9:22;24:7). Nela está a manifestação do amor eterno de Deus Pai para com os mortais. Estes, em si mesmos, não conseguem nem ao menos viverem a vida desta existência, ou seja, a biológica (Jó:14:13-15;Sl.104:29,30). Muito mais seria ainda nutrir esperanças de atravessar-lhe os dias (Sl.90:10).

Nunca o vazio se encheu tanto de significado como naquele domingo quando os anjos ‘descansavam’ na pedra sepulcral. Não a removeram para que o Redentor saísse, mas para que a nossa incredulidade entrasse e constatasse, perplexa perante a ausência, de qualquer motivo para duvidar (Jo.20:1-10)!

Resumo da mensagem pregada na Manhã da Ressurreição na IPI de Cianorte-PR

NOTAS

[1] COUCH M. Fundamentos para o século XXI: examinando os principais temas da fé cristã, São Paulo: Hagnos, 2009, p.325.
[2] O docetismo foi uma heresia do final do século I que afirmava que Jesus apenas aparentava ser humano. afirmava que a manifestação de Jesus aos discípulos, na ressurreição, era apenas fantasmagórico, uma vez que Deus não poderia sofrer. era uma forma de negar a humanidade de Jesus e afirmar a sua divindade. Suas raízes já haviam sido manifestas no N.T.,João as podou  quando afirmou “que Jesus veio em carne” (IJo.4:2).
[3] EWERT, David, Então virá o fim, Campinas-SP :Ed. União Cristã, 1994, p.100.
[4] CARSON,D.A,O Comentário de João, São Paulo: Shedd Publicações, 2007, p.648.
[5] COUCH M. Fundamentos para o século XXI: examinando os principais temas da fé cristã, São Paulo: Hagnos, 2009, p.338.


Fonte: www.napec.org

Nenhum comentário:


Campanha:

Leia um livro!

Ad Bottom