Os evangélicos cristãos baseiam suas
vidas na Bíblia. Acreditamos que a Bíblia é a Palavra de Deus e que esta,
portanto, é uma autoridade para nós em questões de fé e prática. A Bíblia
indica as grandes verdades de quem Deus é, como nos relacionamos com ele, como
entendemos a nós mesmos e o mundo. Resumidamente, a Bíblia contém as palavras da
vida. Crentes a usam para guiá-los no discernimento da vontade de Deus, do
fundamental ao corriqueiro. Nós a lemos a fim de tanto obtermos esperança,
quanto colhermos verdades. A Bíblia afeta nossas crenças, atitudes e
comportamentos. Resumidamente, a Bíblia é a nossa conexão com os céus; sem
esta, estamos à deriva, desprotegidos em uma terra hostil.
Primeira Razão: Falta de Respeito
Um dos curiosos fenômenos da
atualidade é como os cristãos têm usado a Bíblia. Ao invés de
reconhecer que ela é um livro feito de sessenta e seis livros, cada um escrito
para um povo específico, por uma razão específica, tendemos a arrancar
versículos fora dos seus contextos, porque as palavras concordam
com o que já acreditamos. Às vezes crentes dizem coisas ingênuas como: “Deus me
deu um versículo hoje”. O que há de errado como isto? Duas coisas: primeiro,
esta abordagem das Escrituras não honra a autoria divina das
Escrituras. Deus deu o versículo há pelo menos 1.900 anos atrás. Talvez você só
tenha descoberto o versículo hoje, mas ele estava lá o tempo todo. Dizer que
Deus deu um versículo hoje é realmente uma afirmação
existencial, como se a Bíblia não se tornasse viva até nós a lermos de um
determinado jeito. Mas a revelação cessou. Está tudo lá no Livro. Esta forma de
falar soa quase como se a revelação continuasse. Mas, o trabalho do Espírito
hoje, decididamente não é a nível cognitivo; ele não nos está trazendo uma nova
revelação. Seu trabalho em relação à Bíblia é primariamente no âmbito da
convicção; ele ajuda a convencer da mensagem da Bíblia, uma vez que ela seja
devidamente compreendida. Segundo, esta abordagem (i.e., o dito método “Deus me
deu um versículo hoje”) das Escrituras não honra a autoria humana da
Bíblia. Quando Paulo escreveu aos Gálatas, ele escreveu uma mensagem coerente,
holística. Ele nunca teve a intenção de que alguém, dois milênios mais tarde,
roubasse versículos do seu contexto e os utilizasse como melhor achasse! É
certo que temos o direito de citar versículos, mas não temos o direito de
ignorar o contexto, ou fazer com que os versículos digam o que a língua não
pode dizer. Do contrário, alguém pode vir e dizer: “Judas enforcou-se”; “Vá e
faça o mesmo!” Consequentemente, uma razão do abuso das Escrituras é a devida
falta de respeito pela Bíblia como uma obra divina e humana. A abordagem acima
a torna um livro de mágico de encantamento – quase que um livro de provérbios
de biscoitos da sorte sem nexo!
Segunda Razão: Preguiça
Algo típico deste abuso das Escrituras
é a preguiça. Isto é, a maioria das pessoas simplesmente não dão o
devido trabalho de ler o contexto ou examinarem os significados bíblicos. E
mesmo quando estas pessoas são confrontadas com evidências convincentes
contrárias a suas posições, elas frequentemente respondem descaradamente: “Esta
é apenas a sua interpretação”. Este tipo de resposta soa como se todas as
interpretações fossem arbitrárias, como se todas as interpretações fossem
igualmente plausíveis. Esta visão é claramente falsa. Veja a seguinte sentença
como exemplo: “Minha mãe gosta de manga”. Uma interpretação destas palavras não
é tão válida quanto uma outra qualquer. Esta sentença não pode significar “Meu
pai é um mecânico de automóveis”. “Mãe” não significa “Pai”; “gostar” não
significa “ser”; “manga” não é um sinônimo de “mecânico de automóveis”. A
língua não pode ser distorcida desta forma. Agora, sem um contexto, há contudo,
duas opções distintas para a sentença em vista. Ou “Minha mãe gosta do fruto da
mangeira” ou “Minha mãe gosta de vestimenta que não deixa os ombros (ou, os
braços) expostos”. Qual é a opção certa? A única forma de saber é observar o
contexto da afirmação, ou perguntar ao autor da sentença! Ambas opções são
feitas na interpretação bíblica. Algumas vezes o contexto resolve o problema,
outras vezes, quanto mais conhecermos a respeito do autor, mais capazes seremos
para determinarmos o seu significado. Mas uma receita certa para perder o
sentido do texto é ser muito descuidado com ele. Afinal de contas, Paulo não
disse a Timóteo: “Procura apresentar-te a Deus aprovado”?
Terceira Razão: Desonestidade
Outra razão para distorcer as
Escrituras é simplesmente a desonestidade. Pedro relembra a sua
audiência de que Paulo escreveu coisas que são difíceis de compreender, as
quais os instáveis e perversos distorcem para sua própria destruição (2 Pedro
3:15-16). Eu temo que esta abordagem das Escrituras represente a atitude de um
número demasiadamente alto de indivíduos, e não apenas de hereges. Com frequência,
pregadores tornam-se presas da tentação: “Isto dá uma boa pregação?” ao invés
de seguirem a convicção: “É verdade?” Anos atrás, eu estava trabalhando numa
igreja, preparando uma mensagem para os solteiros. O pastor estava preparando
um sermão para toda a congregação. Era um sábado à noite. Ele veio ao meu escritório
e me perguntou como eu entendia uma certa palavra. Eu lhe disse quais as opções
que eu pensava que o texto grego permitia, dando-lhe razões em favor da minha
preferência particular. A resposta dele foi: “Então, você não acha que isto
significa ‘X’?” Eu lhe respondia que ‘X’ não era uma das opções; o grego não
poderia ser distorcido para dar tal sentido. Aí ele disse: “Que pena. Eu já
preparei meu sermão, e em um dos pontos principais, eu me baseio tomando o
sentido ‘X’. É tarde demais para mudar agora”. Eu fiquei chocado. Eis aí um
homem que iria subir ao púlpito no dia seguinte sabendo que iria pregar algo
que não era verdade! Sem dúvida, professores da Palavra não têm todas as
respostas. Há muitas coisas para as quais temos perguntas no meio do nosso ensinamento.
(Tenho há muito tempo defendido que, quando não sabem, uma das coisas que
professores da Bíblia devem ser é exemplos de humildade. É geralmente aí,
contudo, que mais se bate no púlpito!) Mas isto é bastante diferente de saber que
estamos no erro e pregar o erro de qualquer jeito. Cruzar esta linha ética traz
certas consequências. Não foi Tiago que escreveu: “não vos torneis, muitos de
vós, mestres, sabendo que havemos de receber maior juízo”?
Nem sempre podemos adivinhar as razões
pelas quais algumas pessoas usam a Bíblia de tal forma que ela nunca teve a
intenção de ser usada. Mas, temos a responsabilidade de ser bons
administradores da Palavra. Não deve ser a nossa atitude a mesma dos Bereanos?
Quando os Bereanos ouviram o evangelho que Paulo pregou, Lucas nos conta
que eles eram mais nobres de mente do que os de Tessalônica, porque receberam
as coisas que Paulo disse com alegria, mas também buscaram nas Escrituras para
confirmar as coisas pregadas (Atos 17:11)! Devemos ouvir a Palavra sendo pregada
com um ouvido crítico e um sorriso no rosto.
Nos meses que se seguem, estarei
explorando alguns versículos que com frequência têm sido distorcidos. Esses
ensaios terão a intenção de ser bem abreviados. Embora seja verdade que parte
de nosso propósito é corrigir alguns maus ensinamentos, esses textos seletos
geralmente têm um ponto profundo, o qual precisa ser ouvido. No entanto, com
frequência não escutamos suas mensagens, porque fomos instruídos na
interpretação popular por tanto tempo, que somos incapazes de reconhecer o
verdadeiro significado do texto. Vamos encerrar com um exemplo. Frequentemente
em casamentos, um versículo do livro de Rute é citado: “Aonde quer que fores,
irei eu e, onde quer que pousares, ali pousarei eu; o teu povo é o meu povo, o
teu Deus é o meu Deus” (Rute 1:16 ARA). As palavras são faladas pela esposa ao
seu marido. É um belo sentimento, que todo marido se alegraria em ouvir sua
esposa pronunciar. Mas Rute não falou estas palavras para Boaz. Ela as falou
para Noemi, sua sogra! Ler estas palavras em um casamento é distorcê-las de seu
contexto. Fazer tal coisa pode até ser por uma boa causa, uma expressão de um
sentimento romântico, mas ainda assim é uma distorção das Escrituras.
Fonte: https://marceloberti.wordpress.com/2015/01/05/abusar-das-escrituras-abusar-de-deus/
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