O significado deste texto, que talvez seja o
versículo mais conhecido da Bíblia, tem frequentemente sido obscurecido por
intérpretes que, infelizmente, falharam em situá-lo no contexto maior que as
Escrituras como um todo dizem a respeito do amor de Deus.
O que dizer, então, de João 3.16? Como é possível,
muitos perguntariam, que Deus ame o mundo inteiro, mas escolha somente alguns
para herdar a vida eterna? Será que o amor de Deus pelo “mundo” também deve ser
entendido à luz dessa distinção entre a vontade secreta de Deus e sua vontade
revelada? Isso é possível, mas não provável, em minha opinião.
Com frequência, a interpretação de João 3.16 começa
com o termo mundo, pois se acredita que aqui reside a chave para uma apreciação
adequada das dimensões do amor divino. “Apenas pense”, nos dizem, “nas
multidões de homens e mulheres que já passaram, passam agora e ainda passarão
por toda a face da terra. Deus ama a todos eles, a cada um deles. De fato, Deus
os ama tanto que deu o seu Filho unigênito para morrer por cada um deles. Ó,
como deve ser grande o amor de Deus para conter em seus braços essas multidões
incontáveis de pessoas”.
É isso o que João — ou Jesus, conforme registrado
por João — tinha em mente? É inegável que seu propósito é apresentar-nos o
incomensurável amor de Deus. Mas, somos capazes de perceber quão imensurável é
o amor de Deus medindo o tamanho do mundo? Penso que não. O que é a soma finita
da humanidade quando comparada à infinitude de Deus? Seria como medir a força
de um ferreiro levando em conta sua habilidade de suportar o peso de uma pena
na palma de sua mão! A força primária desse texto está, certamente, em exaltar
a qualidade e a majestade infinitas do amor de Deus. Mas tal fim jamais pode
ser alcançado pelo cálculo da extensão ou do número de seus objetos. Será que,
em qualquer grau, exaltamos o valor da morte de Cristo verificando a quantidade
daqueles por quem Ele morreu? É claro que não! Se Ele tivesse morrido por um
único pecador, o valor do seu sacrifício não seria menos glorioso do que se Ele
tivesse sofrido por dez milhões de mundos!
Em vez disso, façamos uma pausa para considerar o
contraste que o apóstolo pretende que vejamos. Certamente, João deseja que
reflitamos em nossos corações acerca do caráter incomensurável de tão grande
amor, e que o façamos contrastando, face a face, Deus e o mundo. O que isso
revela? O que pensamos a respeito de Deus quando pensamos em seu amor pelo
mundo? E em que pensamos a respeito do mundo quando ele é visto como o objeto
do amor de Deus? O contraste é que Deus é um só e no mundo há muitos? O seu
amor é exaltado porque Ele, como um, amou o mundo, composto por muitos? Mais
uma vez, certamente não.
Esse amor é infinitamente majestoso porque Deus,
sendo santo, amou o mundo pecador! O que nos impressiona é que Deus, que é
justo, ama o mundo que é injusto. Esse texto se enraíza em nossos corações
porque declara que aquele que habita em luz inacessível se dignou a entrar no
reino das trevas; que aquele que é justo se entregou pelos injustos (1 Pe
3.18); que aquele que é totalmente glorioso e desejável sofreu uma vergonha
infinita por criaturas detestáveis e repugnantes, que, sem a sua graça,
respondem apenas com hostilidade merecedora do inferno! Assim, como disse John
Murray:
Aquilo que Deus amou no tocante ao seu caráter é
que põe em perspectiva o incomparável e incompreensível amor de Deus. Encontrar
qualquer outra coisa como pensamento regente diminuiria a ênfase. Deus amou o
que é a antítese de si mesmo; essa é a sua maravilha e grandeza.
Quando lemos o evangelho de João (e suas
epístolas), descobrimos que o “mundo” não é visto, fundamentalmente, em termos
de eleitos nem em termos de não eleitos, mas como um organismo coletivo:
pecador, distante, alienado de Deus, permanecendo sob sua ira e maldição. O
mundo é detestável porque é a contradição de tudo que é santo, bom, justo e
verdadeiro. O mundo, então, é o contrário de Deus. Ele é sinônimo de tudo que é
mau e pernicioso. Ele é aquele sistema da humanidade caída visto não em termos
de seu tamanho, mas como um reino controlado satanicamente e hostil ao Reino de
Cristo. A qualidade daquilo que Deus amou, não a sua quantidade, é que lança
uma luz tão gloriosa sobre esse atributo divino. Em resumo, não posso fazer
melhor do que mencionar a explicação de B. B. Warfield:
A maravilha… que o texto nos apresenta é apenas
aquela maravilha acima de todas as outras maravilhas deste nosso mundo
maravilhoso — a maravilha do amor de Deus pelos pecadores. E essa é a medida
pela qual somos convidados a medir a grandeza do amor de Deus. Não é que ele
seja tão grande que é capaz de estender-se por todo um grande mundo: ele é tão
grande que é capaz de prevalecer sobre o ódio e a aversão ao pecado do Deus Santo.
Nisto está o amor, em Deus poder amar o mundo — o mundo que jaz no maligno.
Esse Deus que é totalmente santo, justo e bom amou tanto este mundo que deu a
ele o seu Filho unigênito, para que Ele pudesse não julgá-lo, mas salvá.
A definição de Warfield do termo mundo precisa ser
examinada cuidadosamente:
Ele é, aqui, um termo não tanto de extensão quanto
de intensidade. Sua conotação primária é ética, e o objetivo do seu emprego não
é sugerir que o mundo é tão grande que é necessária uma grande quantidade de
amor para abraçá-lo totalmente, mas que o mundo é tão mau que é necessário um
tipo de amor grandioso para sequer amá-lo, e muito mais para amá-lo como Deus o
amou quando lhe deu o seu filho. Todo o debate acerca de o amor aqui celebrado
ser dado a todo e qualquer homem que está no mundo ou estar restrito somente
aos eleitos que foram escolhidos no mundo, está, assim, fora do escopo imediato
da passagem e não fornece qualquer chave para a sua interpretação. A passagem
não foi concebida para ensinar — e, certamente, não ensina — que Deus ama todos
os homens igualmente e visita a todos de modo semelhante, manifestando
igualmente Seu amor; tampouco foi concebida para ensinar, ou ensina, que seu
amor está confinado a alguns poucos indivíduos especialmente eleitos,
selecionados no mundo. Ela foi concebida para despertar em nossos corações uma
percepção da maravilha e do mistério do amor de Deus por um mundo pecaminoso —
concebido, aqui, não quantitativa, mas qualitativamente, tendo em vista sua
característica distintiva: ser pecaminoso.
Fonte: www.bereianos.blogspot.com.br
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