Qualquer cristão que já teve contato com a versão
do Novo Testamento produzido pela Sociedade Torre da Vigia sabe que
um dos princípios de tradução usados pelos anônimos tradutores da
Tradução do Novo Mundo (TNM) foi incluir o termo Jeová nas ocasiões em que
acreditam refletir um suposto original desconhecido que teria usado
o Tetragrama naquele mesmo lugar. E acredite se quiser; eles acreditam que isso
aconteceu 237 vezes em todo o NT. O pressuposto para tal inserção é simples: O
Tetragrama foi usado no Antigo Testamento recorrentemente, portanto, é evidente
que os escritores judeus dos livros do Novo Testamento também o usaram.
A bem da verdade, a lógica faz sentido, mas sem
evidência textual tal possibilidade torna-se apenas uma possibilidade
remota. O que é certo é que a intenção dos defensores da TNM é fortalecer a
ideia de que os cristãos primitivos eram tão Testemunhas de Jeová
quanto eles o são. Mas, antes que você descarte completamente a ideia, gostaria
de apresentar cinco evidências que farão você pensar melhor sobre o
assunto.
O conteúdo desse post provém do artigo “THE
TETRAGRAM AND THE NEW TESTAMENT” escrito por George Howard no Journal of
Biblical Literature e publicado em 1977. Apesar ser um artigo antigo o conteúdo
desse artigo merece nossa atenção, e abaixo apresento os principais argumentos
do autor. Após apresentar a síntese de sua tese, apresentarei minha antítese.
1. EXISTEM MANUSCRITOS
GREGOS PRÉ-CRISTÃOS DO ANTIGO TESTAMENTO QUE INCLUEM O TETRAGRAMA.
Isso indica que o Tetragrama estava em uso num
período muito próximo da formação do NT. As evidências para isso seguem abaixo:
1. P. Ryl. Gk. 458: Em Dt.23-28, C.H. Roberts
verificou que o manuscrito não continha o nomina sacra (abreviação
do nome divino), mas em um lugar específico (Dt.26.18) ele encontrou uma
lacuna, em que os códices cristãos usavam o nomina sacra para
Senhor (gr. kurios), e a julgar pela quantidade de letras presentes, ele
conjecturou que o nomina sacra era usado ali. Paul Kahle, lendo a mesma
evidência não admitiu que naquele lugar houvesse o termo kúrios, pois nele se
traduzia o tetragrama, e usado como evidência outros manuscritos que continham
o tetragrama, convenceu Roberts de que o tetragrama deveria ter sido usado ali;
2. P. Fuad 266: Manuscrito que depois de muitas
dificuldades de publicação teve uma discussão iniciada por Françoise Dunand (Papyrus
grecs bibliques, 1966), pois na seção de Dt.31.28-32.7 nas ocasiões onde os
manuscritos cristãos continham kúrios, esse fragmento usava o tetragrama em
letras aramaicas.
3. Em 1952 foi descoberto um rolo em Nahal Hever
contendo os doze profetas em grego. Chegou a ser datado entre 50 a.C e 50 d.C.
por C.H. Roberts, e nele também foi encontrado o tetragrama nas ocasiões em que
a a LXX cristã vertia por kúrios. Entretanto, diferente do P.Fuad 266, o
tetragrama em Paleo-Hebraico.
4. Em 1962 um outro grupo de fragmentos dos doze
profetas fora encontrado e comentado por B. Lifshitz, e neles foram encontradas
algumas ocasiões em que o tetragrama fora traduzido pelo termo grego theós
(Deus), embora também preservasse o Tetragrama em Paleo-Hebraico. Entretanto
não se tem certeza quanto a data do documento
5. Manuscritos de Quran: Em Quran foram encontrados
pelo menos 5 fragmentos da LXX (4QLXXNum, 4QLXXLeva, 4QLXXLevb ). Esses
manuscritos foram datados entre o primeiro século a.C e d.C, mas apenas no
4QLXXlevb o nome divino aparece em caracteres gregos. P.W. Shehan defende que
essa evidência sugere que o tetragrama era usado no período em que a LXX
iniciava a ser produzida. Entretanto, todos os outros manuscritos (incluindo os
manuscritos da Caverna 7), também datados 100 a.C, não incluem o tetragrama.
2. EXISTEM DOCUMENTOS
HEBRAICOS E ARAMAICOS DO DESERTO DA JUDEIA QUE USAVAM O TETRAGRAMA.
Nesses documentos o Tetragrama é escrito tanto em
Aramaico como em Paleo-Hebraico. Entretanto, em todas as ocasiões em que um
escriba comentava um texto (p.e. 1QpHab.10.6-7) ele substituía o
tetragrama pelo termo hebraico para Deus (`El). Em todo o material não
vétero-testamentário não foi encontrado o Tetragrama. Em outras palavras,
quando o escriba transcrevia o texto, o tetragrama era usado, mas quando citava
o texto ou o comentava não utilizava, exceto raras exceções (4Q185 2:3; 2Q22 1;
8Q5 2:3). Devemos apenas apresentar duas outras características dessa
evidência:
1. Primeiro; alguns manuscritos
tinham outras formas para o tetragrama.
2. Segundo, alguns manuscritos não
continham o Tetragrama em nenhum lugar.
3. EXISTEM EVIDÊNCIAS EM
ESCRITORES JUDAICOS PRÉ-CRISTÃOS QUE USAVAM O TETRAGRAMA, COMO FILO DE
ALEXANDRIA.
Em Filo a substituição do tetragrama por kúrios é
comum e frequente. Em alguns comentários, entretanto, ele também usa o termo
theós. Entretanto, Howard tem dúvidas sobre o texto de Filo, uma vez que ele é
apenas preservado por cristãos. Com isso, ele levanta a hipótese de que o texto
de Filo tenha sido adaptado à LXX cristã. Para defender essa tese, Howard
apresenta afirma que em 1950, W.P. Walters publicou um livro defendendo que o
tetragrama de Filo foi omitido no curso da transmissão e que no período de
Filo.
4. EXISTEM TEXTOS JUDAICOS
PÓS-CRISTÃOS QUE USAVAM O TETRAGRAMA.
Perto do início do segundo século foi produzido
entre os judeus uma espécie de Textus receptus (termo do
autor) da bíblia hebraica, especialmente para diferenciar o texto hebraico do
texto samaritano. Nessa produção, o tetragrama fora mantido em grego nas
versões gregas de Aquila, Theodotion e Symmachus.
Em 1897 F.C. Burkitt publicou fragmentos do texto
de Áquila nos quais ele claramente preserva o tetragrama. Próximo a esse
ano, Giobanni Cardinal Mercati descobre um exemplar da Hexapla de Orígenes do
saltério, no qual a coluna do texto hebraico está faltando, mas tem em todas as
outras colunas o tetragrama em letras hebraicas. Segundo Paul Kahle, Orígenes
usou o texto hebraico para sua produção, mas Eusébio de Cesaréia afirma que seu
trabalho veio de uma cópia antiga de uma versão grega, que Howard especula que
seriam do primeiro século cristão.
5. EXISTEM TEXTOS CRISTÃOS
QUE INCLUEM O TETRAGRAMA APÓS O PERÍODO DA PRODUÇÃO DO NT.
Segundo Howard, quando chegamos às cópias cristãs
da LXX, imediatamente nos deparamos com a ausência do tetragrama de modo
universal, sendo ele substituído pelo termo grego kúrios. Ou seja,
parece evidente que algo mudou entre a produção cristã da LXX e das antigas
versões dela. Nessas versões cristãs é começamos a encontrar o nomina
sacra com frequência. Como o objetivo do autor era demonstrar que o NT
deve ter sido escrito com a presença do tetragrama e que tais inserções do
nomina sacra são de período similar ao das cópias mais antigas do NT, nos quais
o uso do nomina sacra é dominante, Howard entende que isso serve come evidência
para demonstrar que no original do NT, o tetragrama fora usado. Para defender
esse ponto de vista ele cita as seguintes informações
Em 1959 A.G.R.E. Paap, após larga investigação
chegou à conclusão de que o uso do nomina sacra nasceu em um ambiente judaico
cristão nas proximidades de Alexandria perto de 100 d.C, por considerarem que o
termo grego theos era mais significativo que transliterar o tetragrama.
Entretanto, mesmo Howard julga que as evidências
que Paap usa não levam inevitavelmente à conclusão de um ambiente judaico
cristão como origem do nomina sacra na LXX, afinal para os judeus o mais
sagrado dos nomes era o tetragrama e para os judeus cristãos o Antigo
Testamento Grego (LXX) era tão válido quanto o texto hebraico do mesmo. Howard
também afirma que em geral nos textos judaicos pré-cristão theós não era um
equivalente ao tetragrama e que os judeus continuaram a usar o tetragrama
hebraico mesmo em seus escritos gregos. Em outras palavras, seria muito inusual
que judeus cristãos falantes do grego fossem responsáveis pela substituição do
tetragrama por theós ou kuriós. Para Howard é mais provável que gentios
cristãos tenham iniciado essa prática.
CONCLUSÃO DO AUTOR
Diante dessas evidências, Howard conclui que é
possível afirmar que o Tetragrama teria sido usado no NT e removido dele com o
passar do tempo. Os argumentos para isso, podem ser resumidos do seguinte modo:
(1) Nas cópias pré-cristãs o uso do Tetragrama,
seja em Paleo-Hebraico ou Aramaico foi preservado em textos judaicos;
(2) Os judeus não abandonaram o uso de escrever o
Tetragrama em suas versões da LXX;
(3) Do lado dos cristãos, judeus cristãos, provavelmente (palavra
do autor), não abandonaram essa prática;
(4) Assim, no primeiro século do cristianismo
gentílico, os cristão que não tinham motivo para manter o termo hebraico para o
nome de Deus o substituíram por kúrios e theós. Seriam eles, na opinião Howard,
que iniciaram a inserção do nomina sacra. Com isso em mente, Howard defende que
o mesmo padrão de substituição aconteceu com o NT, embora sem qualquer condição
de demonstrar esse fato ocorrendo. Os argumentos para isso seguem abaixo:
o Como o tetragrama era usado nas cópias gregas do
AT, que era as escrituras da igreja primitiva, é razoável (outra
palavra do autor) crer que os escritores do NT quando citavam o AT usavam o
nome divino. Observe que essa declaração é uma suposição pessoal, não
fato passível de ser verificado.
o Em analogia a prática judaica pré-cristã, podemos
imaginar (palavra do autor), que o NT incorporava o tetragrama quando
citava o AT e que usava kurios e theós quando comentavam as citações. Mais
uma vez, temos aqui uma afirmação de preferência pessoal, suposição, não de uma
comprovação factual. É uma opção possível, não verdadeira.
o O tetragrama poderia (palavra do
autor) ter sobrevivido tanto tempo quanto as cópias da LXX que continham o
tetragrama quando usado por cristãos. Ou seja, assim que a LXX deixou de
preservar o tetragrama, as versões cristãs do NT também devem (palavra
do autor) ter sido retiradas. Outra suposição baseada no que se conhece fora
do NT, mas sem qualquer demonstração dentro do NT.
o A substituição foi rápida e universal,
embora é possível (palavra do autor) que alguns grupos mais
conservadores, como os Ebionitas, tivessem mantido o uso do tetragrama, pois
sua herança judaica demandaria isso deles. Outra possibilidade
improvável. O desaparecimento universal e rápido exigiria provas sobreviventes.
Como sabemos, cada palavra do NT tem aproximadamente 3 palavras variantes
encontradas em diferentes manuscritos. São pouco mais de 400.000 variantes, mas
nenhuma indicação de que o Tetragrama tenha passado pelos escritos do NT.
o Assim ele conclui que a igreja gentílica foi
responsável pela remoção do tetragrama do NT, alterando sua forma de modo a
influenciar o desenvolvimento da teologia. Conclusão claramente
possível, mas não necessariamente verdadeira, afinal depende de outras seis
suposições pessoais. Parece que tal conclusão é bem improvável.
AVALIAÇÃO PESSOAL
Após ler o texto de George Howard chegamos a
inevitável conclusão de que há um alto grau de probabilidade em sua proposta
especialmente por falta de amostragem. Uma vez que nenhum manuscrito
sequer do Novo Testamento foi encontrado em toda a história com o Tetragrama,
as analogias e comparações que encontramos nesse artigo, como o próprio Howard
entende, sugerem que o Tetragrama pudesse estar presente, ao contrário
daqueles que afirmam que o Tetragrama deveria estar presente.
Essa distinção aqui é fundamentalmente importante,
pois a possibilidade de que o original grego do NT contenha o Tetragrama é tão
plausível quanto as evidências apresentadas, que nesse caso são insuficientes
para autenticar sua validade. Por isso, um alto grau de certeza em um assunto
de ínfima possibilidade é reflexo de indouta devoção, excessiva crendice e
insuficiente investigação.
Entretanto, entendemos que a análise de Howard é
séria é muito bem fundamentada, mas insuficiente para ser decisiva: as
evidências contrárias são muito claras. Alguém poderia argumentar que
Howard estabelece os princípios para a investigação do Novo Testamento.
Contudo, como há um silêncio ensurdecedor nesse assunto, entre todos os
manuscritos historicamente conhecidos, de tal modo que não é possível sustentar
tal afirmação por falta de evidência. Ou seja, entendemos que essa é uma
questão possível, mas bem pouco provável.
Para concluir esse artigo, apresento cinco
evidências que demonstram que a possibilidade do Tetragrama ter sido usado no
NT nada mais é de que uma remota possibilidade.
1. Completa ausência do
termo em Manuscritos do NT conhecidos
Não se conhecem manuscritos gregos das Escrituras
Cristãs que usam o Tetragrama. No entanto, existem perto de 5.900
manuscritos que utilizam Kyrios, confiavelmente datado a partir de do segundo
século. Este fato representa um obstáculo intransponível para a inclusão do Tetragrama em
traduções atuais das Escrituras Gregas Cristãs.
2. Ausência de vestígios
do uso do termo nos Antigos Manuscritos do NT
Nenhuma alteração textual das Escrituras Gregas
Cristãs poderia acontecer universal e instantaneamente. Qualquer alteração em
que Kurios substituísse YHWH teria deixado uma mistura de manuscritos antigos
mostrando ambas as formas. Além disso, essa mudança teria deixado variantes no
texto grego representando substituições paralelas, não apenas as substituições
exatas.
3. Ausência da
controvérsia sobre o assunto entre os Pais da Igreja
Uma alteração nas Escrituras Gregas Cristãs de YHWH
para Kurios teria tido uma profunda influência sobre a teologia nas
congregações cristãs do primeiro séuclo. Se essas 237 referências foram
alteradas a partir doTetragrammaton para Kyrios, o entendimento das
pessoas de Jeová e do Jesus teriam sido radicalmente alterados. É inconcebível
que uma mudança tão extrema que pudesse ter ocorrido sem qualquer objeção por
parte dos primeiros escritores das congregações cristã e não atacar os pontos
de vista divergentes dos seus proponentes.
As frequentes heresias e controvérsias que surgiram
nos primeiros anos da história da congregação cristã são conhecidos hoje por
causa das trocas literárias feitas nos escritos dos Pais da Igreja. (Em
muitos casos, os escritos de ambas as facções heréticas e os defensores da fé
estão representados.) Assim, os debates dos gnósticos , nominalistas,
donatistas, Marcionistas, maniqueus, a controvérsia ariana, e muitos outros são
bem conhecidos e documentados para nós hoje. No entanto, em tudo isso, um
debate sobre a remoção do Tetragrammaton nunca foi uma vez abordada.
Certamente, considerando a magnitude da alteração supostamente, teria sido
mencionado tivesse ocorrido.
4. Existem outros textos a
serem incluídos no debate
Existem inúmeros escritos antigos além da
Escritura. Estes escritos gregos não-canônico frequentemente citam passagens da
Bíblia em hebraico. Não há evidência de que os escritos da época mais antiga
congregação cristã tenham utilizado o Tetragrama nestas citações. Em vez disso,
estes escritos usam livremente o termo grego Kurios quando citam ou aludem a
passagens das Escrituras Hebraicas. O mais antigo desses escritos não teria
sido escrito mais do que 10 a 30 anos após o último Evangelho ser escrito. É
inconcebível que, dentro de 10 a 30 anos da redação final das Escrituras esses
escritos corrompido pudessem ter circulado livremente na congregação cristã
primitiva se continha uma heresia tão grave como a deturpação da natureza de
Jesus.
5. A rápida expansão do
Cristianismo
6. A precoce expansão geográfica das congregações
argumenta contra uma heresia uniforme que poderia expurgar todas as provas
escritas de um anterior de ensino, sem qualquer vestígio. Isso indica que se
uma alteração fosse feita em uma parte do império, ela seria percebida em outra
parte.
Conclusão
A única possibilidade para explicar esse fato seria
uma decisão unânime da igreja em remover o termo dos manuscritos existentes em
uma decisão de completa falta de respeito pelos documentos cristãos. Essa
decisão teria sido aceita sem deixar documentos, cartas, opositores e teria
acontecido em algum momento anterior às mais antigas evidências textuais que
dispomos.
Isso, sem contar que seria necessário assumir que
todas as igrejas tivessem cópias completas de todos os livros do NT (e
apócrifos, por que não dizer) para que pudessem remover universalmente
todas as ocorrências em todos os livros, de todos os autores dos livros que
apenas três séculos mais tarde seriam considerados canônicos. Tenho feito tal
alteração seria ainda necessário que os originais fossem universalmente
destruídos para garantir que nunca mais se colocassem o termo em nenhum
manuscrito grego futuro.
Em outras palavras, estamos falando que não apenas
as evidências não suportam a conclusão como o pressuposto usado pelos TJ é tão
fantasioso que beira a livros do Dan Brown: Assumir uma atitude antagônica às
escrituras no cristianismo primitivo e uma conspiração universal para
deturpa-la é mesmo assunto de ficção religiosa.
Fonte: Blog Teologando
Nenhum comentário:
Postar um comentário