Por: Urbano Zilles
A filosofia nasceu, na antiga Grécia, como atitude crítica na vida concreta do homem. Nasceu como tentativa de formular a questão da verdade nesta vìda em sua globalidade. Como a religiãao era parte desta vida concreta, os filósofos não podiam deixar de formular a questão da verdade da religião, de sua significação para a vida humana e a questão filosófica sobre Deus. Essas questôes foram formuladas no horizonte de pressuposta totalidade. Ora, a pergunta pela realidade em sua totalidade inclui a pergunta pela possibilidade de tal totalidade. Neste contexto da tematizaçâo da unidade de todo o real surgiu a questão filosófica de Deus.
A filosofia grega pensou a totalidade do real como cosmos. Neste cosmos pensou a presença do divino como fundamento origìnário (Anaximandro), como ser imutável (Parmênides), como Logos enquanto ordem do mundo (Heráclito), ou ainda como noús enquanto princípio do movimento do mundo (Anaxágoras). A totalidade do real ou do cosmos era pensada a partir da objetividade mundana. A revolução copernicana no pensamento, no fim da Idade Média e no começo dos tempos modernos, consiste na volta para a subjetividade pensante. Tematiza-se o sujeito como condiçâo de possìbilidade não só do conhecimento, como também da ação objetiva do homem no mundo. O homem moderno questiona o acesso imediato do real e passa a falar da realidade através da mediação da subjetividade; desenvolve novo método de investìgação e conhecimento, apoiando-se unicamente na razão e na experimentação científica.
A grande virada antropocêntrica, na filosofia ocïdental moderna, também modificou radicalmente a problemática de Deus. As ciências, visando a dominar a natureza através da descoberta da regülaridade dos fenômenos naturais, dispensam a hipótese de causa primeira. Mas o pensamento moderno não consegue pensar a subjetividade humana em seu relacionamento teórico e prático com o mundo sem referência, positiva ou negativa, a Deus. A questão de Deus passa a ser tematizada não mais a partir do mundo, e sim através da mediação do homem e de suas relações com o mundo, ou seja, a partir da subjetividade.
Indaga-se: haverá no hamem capacìdade subjetiva específica ou dimensão própria que tenha como correlato a religião? Seria tal a priori algo como um sentimento universal e irracional? Ou será religião algo que precede a todos os conteúdos categoriais da consciência? Não será que toda a filosofia, enquanto autocompreensão do homem no horizonte de uma razão ontológica transcendental a priori, já implica uma filosofia da religiáo, ao menos de maneira atemática?
A filosofia da religião, como disciplina própria, é recente. Para sua constituiçâo foi decisiva a filosofia de I. Kant, o idealismo alemão, a obra do cardeal Newman, de M. Blondel, a filosofia dialógica de F. Ebner e M. Buber, a fenomenologia de E. Husserl, M. Scheler e a filosofia da existência através de G. Marcel, M. Heidegger e K. Jaspers. Entre os católicos, em nosso século, destacam-se ainda os estudos de Romano Guardini, J. Maritain, K. Rahner, B. Welte e outros. Constatamos, hoje, a existência de uma linha de investigação, mas não de uma unídade de enfoque.
Como já dissemos, a filosofia da religião não se confunde com a teologia, pois esta tematiza a relação homem-Deus a partir da livre revelação de Deus ao homem, ou seja, a partir de Deus. Com B. Welte, podemos dizer que a filosofia da religião é filosofia; e filosofia que não se esclarece a partir de outras ciências, mas a partir de si mesma. Quando o homem filosofa, ele mesmo pensa. O pensar filosófico é forma radical da liberdade humana.
A atividade do pensamento exerce-se numa abertura para além do próprio homem, para além de sua subjetividade. Pensar é a busca do encontro do homem com o mundo, entre o pensante e o pensado. Com isso, o pensamento vincula-se ao objeto de sua atividade, sem com ele confundir-se. Seu objeto é aquilo que se lhe oferece no mundo. Assim a liberdade do pensar está vinculada ao objeto. O pensar tem compromisso com a realidade. Podemos dizer que o pensamento filosófico deve ser fundado e, ao mesmo tempo, fundante. Deve visar com exatidão ti objeto e expressá-lo em conceitos e em linguagem tão precisa que perxnitam reconhecê-lo. Desta maneira, o pensamento filosófico está vinculado ao ser e à essência do objeto.
O sujeito do filosofar é o homem. Diz Feuerbach que "a religião assenta na diferença essencial que existe entre o homem e o anímal, pois os animais não têm nenhuma religião" (A essência do cristianismo, p. 4). O homem existe como compreensão de si mesmo e do ser. Pensando, desenvolve-se a si mesmo. Pensa e indaga a si mesmo indagando o mundo. Indaga à luz do ser, como algo que é. Busca o verdadeiro ser das coisas como globalidade. A indagação filosófica tematiza, pois, o ser do ente. Nesta perspectiva, a filosofia da religião é diferente das ciências da religião.
Como o pensamento não está ilmitado à pura facticidade, inclui a questão crítica do verdadeiro ser e do ser inautêntico ou falso do objeto. A reflexão filosófica indaga o fáctico pelo seu ser verdadeiro, ou seja, pela sua verdade. Em outras palavras, o pensamento filosófico não se contenta com as coisas como se apresentam. Sempre está a caminho. Nunca é definitivo, porque o ser do ente manifesta-se ìnesgotável. Ora, a filosofia da religião tem a religião corno objeto de seu pensar. Tenta esclarecer o ser e a essência da religião. Indaga, pois, o que é, propriamente, religião?
A religião é um dado que está aí e não se funda na filosofia. Não é filosofia. Desde Blaise Pascal, costuma-se opor o Deus dos filósofos ao Deus de Abraão, Isaac, Jaçó, ou seja, ao Deus de Jesus Cristo. Certamente há influência mútua entre a filosofia e a religião. O filósofo encontra a religião como o diferente, o outro. Mas a religião realiza-se como acontecímento humano, como uma forma da vida humana. São homens que crêem em Deus, rezam, se reúnem em assembléia para o culto. Na fé ern Deus, as homens indagam sempre, de alguma forma, a si mesmos. Embora não produzam a religião, cabe-lhes uma lìberdade responsável perante si mesmos, ou seja, perante a razão crítica.
Radicada na compreensão, que o homem tem do ser e de si mesmo, a religião pode ser considerada como capítulo fundamental da antropología filosófica. Expressa-se em linguagem humana, em categorias humanas e possibilidades do pensamento hurnano. Apresenta um aspecto histórico, mas não se reduz a ele. Expressa-se em linguagem fáctica, mas não se reduz ao puro fáctico. No Ocìdente, de maneira generalizada, na consciência popular, erroneamente se reduz a realidade ao fato. A religião cristã perdeu sua evidência, assim, na sociedade moderna e na consciência cultural. Tudo isso, entretanto, não justifica o silêncio da filosofia na indagação pelo ser e pela essência da religião. Ao contrário, se se conseguir uma visão da essência da religião consegue-se uma posição crítíca ern relação ao próprio fato e torna-se possível esclarecer o direito e o sentido da religião na vida humana.
A existência religiosa do homem desenvolve-se em muitas dimensões, como, por exemplo, a interior e a exterior. Na primeira situa-se a fé e a meditação; na segunda, o culto e a pregação. É verdade que, em gerál, por religião só se entende o exterior, o "manto cultual" (P. Tillich). Pode-se dìzer. preliminarmente, que é a crença na garantia divina oferecida ao homem para sua salvação e, ao mesmo tempo, seu comportamento (culto, ética) para obter e conservar tal garantia.
Como a religião é anterior à filosofia, a reflexão filosófica buscará refletir sobre sua maneira de ser e sobre sua essência. Tal reflexão, porém, também terá conseqüências, ou seja, a religião criticamente refletida. Segundo Hegel, a religião e a filosofia têm em comum a busca da verdade: "A filosofia tem seus objetivos em comum com a religião porque o objetivo de ambas é a verdade, no sentido mais aito da palavra, isto é, enquanto Deus, e somente Deus, é a verdade" (Enciclopédia, § 1). Mas, segundo Hegel, a religião se distingue da filosofia enquanto exprime a verdade não sob a forma de conceito, e sim sob a forma da representação e do sentimento. "A religião é a relação com o Absoluto na forma do sentimento, da representaçâo, da fé; e no seu centro que tudo compreende, tudo está somente como algo acidental e evanescente" (Princípios da Filosofia do Direito, § 270). Em outras palavras, o que na religião é instítuído de modo acidental, e confuso, é demonstrado pela filosofia com caráter de necessidade (Enciclopédia, § 573).
(do livro "Filosofia da Religião" - Edições Paulinas)
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domingo, 2 de agosto de 2009
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Poder-se-á justificar a religião perante a razão?
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Leitor da Bíblia e apaixonado por suas incontáveis lições de vida, também um conselheiro e amigo.
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