Quero
iniciar este estudo dando os devidos créditos a quem me ajudou a enxergar
estas verdades. Ouvi esta abordagem pela primeira vez e aprendi este
princípio com o pastor Lawrence Khong, de Singapura, em uma ministração
ocorrida em novembro de 1997, na cidade de Londrina, Paraná. Usarei vários
textos bíblicos diferentes da mensagem que ouvi, farei outras aplicações e
ilustrações, mas a ideia central acerca do comportamento de Moisés que
apresentarei é a mesma da pregação que ouvi anos atrás. Portanto, agradeço e
glorifico a Deus por aquela mensagem e pela vida do irmão Lawrence que, não
apenas me abençoou na ocasião, mas ajudou-me a perceber uma verdade que se
transformaria num trilho importante em minha caminhada espiritual e ministerial.
Tudo começa com um
comportamento específico de Moisés, destacado (e condenado) pelo apóstolo
Paulo: “E não somos como Moisés, que punha véu sobre a
face, para que os filhos de Israel não atentassem na terminação do que se
desvanecia. E todos nós, com o rosto desvendado, contemplando, como por
espelho, a glória do Senhor, somos transformados, de glória em glória, na sua
própria imagem, como pelo Senhor, o Espírito.” (2 Coríntios 3.13,18) Ao
dizer “não somos como Moisés”, o apóstolo Paulo não está falando de uma
virtude do grande libertador de Israel. Essa seria a parte fácil de entender na
vida e no comportamento de Moisés. Ele foi o maior vulto do Antigo Testamento.
Alguém de quem Deus disse estar acima dos profetas. Alguém que profetizou a
vinda do Messias nos seguintes termos: “Deus há de levantar um profeta
semelhante a mim”.
O fato é que Paulo está
apontando para um erro desse grande líder. Ele fala claramente de uma atitude
de fingimento, de falta de transparência. Na verdade, esta é a razão que Paulo,
inspirado pelo Espírito Santo, atribui ao uso do véu por parte de Moisés.
E este erro não é exclusividade
de Moisés; na verdade, é algo que todo líder (para não dizer todo cristão), em
algum momento, também se encontrará lutando para não cometer.
POR QUE MOISÉS COBRIA O
ROSTO?
Quando criança, debaixo da
influência dos ensinos da escola bíblica dominical, eu achava que Moisés punha
o véu sobre seu rosto para que as pessoas não se assustassem com seu rosto
brilhando… ou seja, para que não vissem a glória! Mas Paulo desmente
este mito e afirma que a razão do uso desse véu por parte desse grande líder
era justamente o contrário: para que os israelitas não vissem que a glória
estava sumindo!
Ao olharmos atentamente para o
relato bíblico no livro de Êxodo, isto fica bem claro: “Quando desceu
Moisés do monte Sinai, tendo nas mãos as duas tábuas do Testemunho, sim, quando
desceu do monte, não sabia Moisés que a pele do seu rosto resplandecia, depois
de haver Deus falado com ele. Olhando Arão e todos os filhos de Israel para
Moisés, eis que resplandecia a pele do seu rosto; e temeram chegar-se a ele.
Então, Moisés os chamou; Arão e todos os príncipes da congregação tornaram a
ele, e Moisés lhes falou. Depois, vieram também todos os filhos de Israel, aos
quais ordenou ele tudo o que o Senhor lhe falara no monte Sinai. Tendo Moisés
acabado de falar com eles, pôs um véu sobre o rosto. Porém, vindo Moisés
perante o Senhor para falar-lhe, removia o véu até sair; e, saindo, dizia aos
filhos de Israel tudo o que lhe tinha sido ordenado. Assim, pois, viam os
filhos de Israel o rosto de Moisés, viam que a pele do seu rosto resplandecia;
porém Moisés cobria de novo o rosto com o véu até entrar a falar com ele.”
(Êxodo 34.29-35) Embora as pessoas tenham se assustado ao ver o rosto de
Moisés resplandecendo, o texto sagrado nos revela que ele lhes falou de cara
limpa, sem véu algum. O homem de Deus colocou o véu somente depois de falar aos
israelitas. E fez isto não só na primeira vez em que seu rosto brilhou; toda
vez que ele saía da presença do Senhor o comportamento se repetia: 1) falava ao
povo as palavras de Deus; 2) o povo via que seu rosto brilhava; 3) depois de
falar e do povo ver que seu rosto brilhava, Moisés cobria a face com um véu até
entrar na presença do Senhor e de novo sair com a cara resplandecente da glória
divina.
A razão apresentada por Paulo
na Epístola aos Coríntios é que Moisés não queria que os israelitas vissem que
a glória estava sumindo. Aquela manifestação de glória experimentada pelo homem
de Deus não era permanente. Cada vez que esse grande líder de Israel entrava na
presença de Deus, recebia uma “recarga” de glória. Mas entre uma ida e outra, a
glória desvanecia. E Moisés, como líder que já havia aparecido em público com o
rosto brilhando, não queria que as pessoas vissem que a glória estava sumindo.
Para muitos líderes, depois de
terem brilhado diante do povo, a grande dificuldade é serem vistos sem glória,
sem unção. Há, dentro de muitos de nós, uma desesperada disposição de esconder
nossas fraquezas e limitações. Esta é uma das “doenças” que pode atingir os
líderes: o complexo de super-herói. Quando estamos cheios da glória
exibimos o rosto resplandecente para todo o mundo; quando não temos, encobrimos
o rosto (com um véu de engano) para que as pessoas pensem que ainda estamos
brilhando – mesmo que, de fato, já não estejamos.
Este erro tem
nome: dissimulação. E penso que pior do que errar é querer encobrir isso!
Essa atitude é antiga; começou com Adão e Eva. A dificuldade do primeiro casal
em admitir seu pecado fez com que eles se escondessem: “Abriram-se, então,
os olhos de ambos; e, percebendo que estavam nus, coseram folhas de figueira e
fizeram cintas para si. Quando ouviram a voz do Senhor Deus, que andava no
jardim pela viração do dia, esconderam-se da presença do Senhor Deus, o homem e
sua mulher, por entre as árvores do jardim”. (Gênesis 3.7,8) Este parece
ser um padrão de comportamento do ser humano desde o início da humanidade. E
repetidamente é visto na vida de líderes que, mais do que qualquer outra
pessoa, devido ao seu nível de exposição pública e da responsabilidade de serem
homens (ou mulheres) de Deus, não querem que ninguém, nunca, veja qualquer
traço de fraqueza ou pecado em suas vidas.
Foi exatamente isto o que
aconteceu com Davi. Ele cometeu pecado ao adulterar com Bate-Seba, mas isto não
ofuscaria sua imagem até que a mulher lhe deu a notícia da gravidez resultante
do erro deles. Então, a tentativa de encobrir o pecado cometido só deixou pior
a situação. O pecado progride de adultério a homicídio, com a consequente perda
do filho gerado (2 Sm 11.6-25). Se o rei Davi tivesse reconhecido seu pecado,
em vez de fazer de tudo para esconder seu erro, a história teria sido bem
diferente e as consequências não tão graves.
Mas, como o homem que foi visto
como herói nacional, aquele que as mulheres recebiam com cânticos em seu
retorno das guerras, o ungido de Deus, seria avaliado pelo povo que liderava
quando se mostrasse sem o brilho de Deus em sua vida?
É lógico que o líder deve ser
exemplo, modelo para o rebanho, e que deve cuidar para não perder nunca o
exemplo. Ele deve vencer suas fraquezas; o que ele não pode é tentar esconder
as fraquezas que já o venceram!
Quando um líder cristão esconde
uma fraqueza, uma limitação (e nem estou falando de pecado agora), sua atitude
pode parecer qualquer outra coisa, mas ainda é dissimulação!
O apóstolo Pedro, um homem de
grande estatura espiritual, uma das colunas da Igreja, quando esteve em
Antioquia, acabou demonstrando esta inclinação ao fingimento para que sua
imagem não ficasse “arranhada” diante dos demais líderes em Jerusalém: “Quando,
porém, Cefas veio a Antioquia, resisti-lhe face a face, porque se tornara
repreensível. Com efeito, antes de chegarem alguns da parte de Tiago, comia com
os gentios; quando, porém, chegaram, afastou-se e, por fim, veio a apartar-se,
temendo os da circuncisão. E também os demais judeus dissimularam com ele, a
ponto de o próprio Barnabé ter-se deixado levar pela dissimulação deles.
Quando, porém, vi que não procediam corretamente segundo a verdade do
evangelho, disse a Cefas, na presença de todos: se, sendo tu judeu, vives como
gentio e não como judeu, por que obrigas os gentios a viverem como judeus?”
(Gálatas 2.11-14) O assunto em questão não era esconder um pecado;
somente um ponto de vista, uma opinião, um nível de liberdade que Pedro
desfrutava no relacionamento com os gentios e que, obviamente, os irmãos que
vieram de Jerusalém a Antioquia não concordavam. O que Pedro fez foi denominado
por Paulo como um ato de dissimulação, de fingimento. Ele ainda destaca o fato
de que “não procediam corretamente segundo a verdade do evangelho”.
Assim como outros homens de
Deus, como Moisés e Davi, o apóstolo Pedro estava preocupado com sua imagem. O
que diriam a seu respeito se soubessem do convívio com os gentios? Líderes
tendem a não querer mostrar fraqueza, mesmo se nem for fraqueza de fato, se só
puder ser interpretada como tal.
Mas ao dizer “não somos
como Moisés, que punha véu sobre a face”, Paulo mostra que, por haver entendido
as consequências deste ato, ele preferiu agir com absoluta honestidade em todo
o seu comportamento cristão: “Mesmo que eu preferisse gloriar-me não seria
insensato, porque estaria falando a verdade. Evito fazer isso para que ninguém
pense a meu respeito mais do que em mim vê ou de mim ouve”. (2 Coríntios
12.6 – NVI). Ao examinar o contexto desta afirmação, vemos que Paulo
estava falando sobre suas experiências com as visões celestiais. Em outras
palavras, o apóstolo estava declarando: “Eu poderia impressionar as pessoas
contando minhas experiências com Deus, mas não quero que o conceito delas a meu
respeito se baseie nisso. Quero que só pensem acerca de mim o que pode ser
visto, de forma simples, no convívio diário”. Ele diz claramente: “Eu evito que
pensem que sou mais do que aquilo que realmente sou”.
Penso que entendo um pouco
dessa atitude de Paulo, observando o exemplo de um pastor muito amigo meu: o
Francisco. Quando eu tinha apenas três anos de idade, ele teve uma experiência
extraordinária. Foi arrebatado em espírito por sete dias! Deitou-se para dormir
num domingo à noite e, de repente, um anjo entrou em seu quarto declarando ter
sido enviado da parte do Deus Altíssimo com o propósito de mostrar-lhe algumas
coisas; tomou-o pela mão e partiu para o que gosto de chamar de um “tour
celestial”. O Francisco “voltou” desse arrebatamento uma semana depois, na
tarde do próximo domingo. A família, durante esse período, e devido ao fato do
Francisco não acordar, chegou a chamar um médico que, ao examiná-lo, disse que
todos os sinais vitais estavam bem e os aconselhou a esperar.
As coisas que o pastor
Francisco viu e ouviu durante esse tempo são surpreendentes. Quando conheci
esse querido irmão e soube dessa experiência, questionei porque ele quase não
falava sobre isso. Ele me respondeu que fomos chamados para pregar a Palavra de
Deus, não nossas experiências. Insisti que as experiências poderiam ser
contadas como uma forma de ilustrar e aplicar as verdades bíblicas, não de
substituí-las, e, na impetuosidade comum à mocidade, disparei: “Se fosse eu que
tivesse passado sete dias no céu, já teria escrito um livro”. Diante disto, o
Francisco apenas rebateu: “É por isso que você nunca foi. Esse tipo de
experiência não é para fofoqueiro como você”. Minha vontade era dizer:
“Desculpe a vergonha que passei”, mas entendi que o silêncio era a melhor forma
de encerrar aquela conversa…
Compartilhei isso porque, à
semelhança de Paulo, o pastor Francisco me ensinou muito sobre não fazer os
outros pensar que somos mais espirituais do que o que realmente somos. Ele
sempre me dizia que o “o homem de Deus” que ele era tinha que ser visto na
simplicidade do relacionamento diário, não numa encenação exagerada de
espiritualidade.
Diferente de Moisés, e de
muitos de nós, Paulo preferia tirar a máscara e se apresentar da forma mais
sincera e autêntica possível. E há uma razão para esta postura firme do
apóstolo, que abordaremos melhor mais à frente: sem transparência e
honestidade não há transformação!
O apóstolo Paulo valorizava
muito este princípio, não só em sua própria vida como também na vida daqueles
em que investia no discipulado. Muitas eu me perguntava: o que Paulo viu em
Timóteo que o atraiu tanto? Esse discípulo precisou ser encorajado várias vezes
a não negligenciar os dons que recebeu, a não deixar ninguém desprezá-lo pelo
fato de ser jovem, e, além disso, não temos registros históricos de grandes
conquistas ministeriais da parte dele. Então, o que será que Paulo enxergou
nele que produziu uma identificação tão grande? Hoje a resposta me parece
clara: uma fé sem hipocrisia: “Ora, o intuito da presente admoestação visa ao
amor que procede de coração puro, e de consciência boa, e de fé sem
hipocrisia.” (1 Timóteo 1.5) Outras versões usam as expressões “fé
sem fingimento” ou “fé sincera”. Em sua segunda epístola a Timóteo, Paulo
destaca novamente a fé sem hipocrisia (2 Tm 1.5), desta vez atribuindo-a
diretamente à pessoa de Timóteo. Isto tudo mostra o quanto o apóstolo levava a
sério a questão da transparência, da honestidade e da autenticidade.
AS CONSEQUÊNCIAS DE SE
COBRIR O ROSTO
Algo assustador que percebo no
ensino de Paulo, e que deve servir de forte advertência contra o uso do véu
sobre o rosto, é que o “véu do engano” que um líder usa pode ser
transmitido para os seus liderados e discípulos: “Mas os sentidos deles se
embotaram. Pois até ao dia de hoje, quando fazem a leitura da antiga aliança, o
mesmo véu permanece, não lhes sendo revelado que, em Cristo, é removido. Mas
até hoje, quando é lido Moisés, o véu está posto sobre o coração deles. Quando,
porém, algum deles se converte ao Senhor, o véu lhe é retirado.” (2
Coríntios 3.14-16) Observe a expressão “o mesmo véu permanece”. O apóstolo
Paulo escreveu essa epístola cerca de mais de um milênio e meio depois de
Moisés. No entanto, ele diz que “até os dias de hoje” o “mesmo véu
permanece”. É lógico que ele não está falando do mesmo pedaço de pano físico
usado pelo grande legislador de Israel. Até porque o texto diz que “o véu
está posto sobre o coração deles”, afirmação que concede uma conotação
espiritual a esse véu.
A Palavra de Deus nos revela
que a atitude de fingimento de Moisés passou a operar (na forma de engano
espiritual) no coração dos israelitas – que se orgulhavam de ser discípulos de
Moisés (Jo 9.28). Líderes que decidem andar em dissimulação podem estar
transferindo um péssimo legado aos seus liderados e discípulos.
Por outro lado, também
encontramos na Bíblia o fato de que uma “fé sem fingimento” também pode ser
transmitida de geração em geração: “Pela recordação que guardo de tua fé
sem fingimento, a mesma que, primeiramente, habitou em tua avó Lóide e em tua
mãe Eunice, e estou certo de que também, em ti.” (2 Timóteo 1.5) A
fé sem fingimento que Paulo elogia na vida de Timóteo, seu filho espiritual,
vinha sendo transferida por diferentes gerações: da avó Lóide para a mãe Eunice
e, finalmente, da mãe Eunice para o filho Timóteo. Esse é o legado que os pais
deveriam transmitir aos seus filhos e que cada líder deveria transferir aos
seus liderados.
Essas consequências, ao meu
entender, já deveriam trazer suficiente temor aos nossos corações de modo a que
não venhamos incorrer no mesmo erro de Moisés. Entretanto, há um motivo que
deveria gerar ainda mais temor aos que recorrem ao uso do véu em seu rosto. É
que, sem desvendar o rosto, não há transformação a ser experimentada pelo poder
de Deus.
A GLÓRIA VEM QUANDO SE
REMOVE O VÉU
A transformação só acontece com
o rosto desvendado. Se não “tirarmos a máscara”, seguramente o poder
transformador operado pelo Espírito Santo não irá se manifestar: “E todos
nós, com o rosto desvendado, contemplando, como por espelho, a glória do Senhor,
somos transformados, de glória em glória, na sua própria imagem, como pelo
Senhor, o Espírito.” (2 Coríntios 3.18) Você já percebeu a intensidade e
a velocidade de transformação que se dá na vida de um novo convertido? Porém,
em algum momento na caminhada, o processo de transformação e mudança de vida
começa a estagnar. E não é porque o processo – de se conformar com a imagem de
Jesus – já tenha se completado!
Depois de mais de vinte anos de
ministério, observando o comportamento dos cristãos, posso dizer que isso é um
fato. A transformação na vida dos crentes em geral parece perder sua força com
o passar do tempo. E penso que uma das grandes razões para isso é que, no
início da vida cristã, após a conversão, todos reconhecem as áreas que precisam
tanto de mudança e se alegram por toda transformação alcançada (e até
testemunham). Porém, depois de um tempo e de muitas vitórias alcançadas, quando
o crente começa a ser reconhecido pelos seus irmãos como alguém mais maduro e
espiritual, a tendência é não ser mais tão transparente ou sincero a respeito
das falhas. E isso vem desde os tempos bíblicos!
Observe, por exemplo, o que
aconteceu quando a Palavra de Deus foi pregada em Éfeso: “E muitos dos que
haviam crido vinham, confessando e revelando os seus feitos. Muitos também dos
que tinham praticado artes mágicas ajuntaram os seus livros e os queimaram na
presença de todos; e, calculando o valor deles, acharam que montava a cinquenta
mil moedas de prata. Assim a palavra do Senhor crescia poderosamente e prevalecia.”
(Atos 19.18-20) Por que a Palavra de Deus crescia e prevalecia em
Éfeso?
Não foi apenas porque foi
pregada, e sim, porque as pessoas, depois de receberem a pregação, reconheciam
e até mesmo confessavam publicamente os seus pecados! Estude cada avivamento na
história e você descobrirá que houve confissão de pecados. Este é o ponto.
Quando as pessoas reconhecem suas fraquezas, o poder do Espírito Santo pode se
manifestar nelas. Isso é doutrina bíblica!
Deus só opera o seu poder
transformador quando reconhecemos as áreas problemáticas,
e apenas naquela área que admitimos nossos pecados. Veja o que
aconteceu com o profeta Isaías quando teve uma visão do Senhor no
templo: “Então, disse eu: ai de mim! Estou perdido! Porque sou homem de
lábios impuros, habito no meio de um povo de impuros lábios, e os meus olhos
viram o Rei, o Senhor dos Exércitos! Então, um dos serafins voou para mim,
trazendo na mão uma brasa viva, que tirara do altar com uma tenaz; com a brasa
tocou a minha boca e disse: Eis que ela tocou os teus lábios; a tua iniquidade
foi tirada, e perdoado, o teu pecado”. (Isaías 6.5-7) Já ouvi muitas
vezes a pergunta: “qual o mistério do toque na boca?” E sempre respondo que não
há nenhum mistério; foi a oração que o profeta fez reconhecendo impureza em
seus lábios. Se a oração de Isaías fosse “sou um homem de olhos impuros”, então
o toque santificador viria sobre os olhos. Meus filhos, em um de nossos cultos
domésticos, afirmaram que, seguindo essa lógica, alguns crentes precisam de um
“banho de brasas”!
Essa é uma verdade bíblica
incontestável. Deus só age nas áreas em que reconhecemos nossos pecados. O
Senhor Jesus ensinou sobre este princípio: “Achando-se Jesus à mesa na
casa de Levi, estavam juntamente com ele e com seus discípulos muitos publicanos
e pecadores; porque estes eram em grande número e também o seguiam. Os escribas
dos fariseus, vendo-o comer em companhia dos pecadores e publicanos,
perguntavam aos discípulos dele: Por que come [e bebe] ele com os publicanos e
pecadores? Tendo Jesus ouvido isto, respondeu-lhes: Os sãos não precisam de
médico, e sim os doentes; não vim chamar justos, e sim pecadores.”
(Marcos 2.15-17) Quando, nesta alegoria, Jesus se compara a
um “médico”, está falando de si como Salvador; quando fala
do “doente” (que precisa da cura do médico) está falando do pecador (que
precisa do perdão do Salvador). Porém, quando fala do “são”, não está se
referindo a alguém que, por ser justo não precise do Salvador, pois
as Escrituras abordam este assunto com clareza: “como está escrito: não há
justo, nem sequer um” (Rm 3.10). Se não há ninguém que possa ser justo sem
Cristo, quem é esse “são” que não precisa de médico na parábola contada por
Jesus? O texto não fala de alguém que seja realmente “são” (justo), mas de
alguém que, porque acha que é justo, não reconhece a necessidade do
Salvador. Ou seja, não há salvação sem arrependimento e reconhecimento de
pecados.
E assim como na conversão, este
princípio permanece em toda a vida cristã. Quando desvendamos o rosto, somos
transformados. Quando dissimulamos, aparentando não ter pecado algum, a
transformação simplesmente não pode acontecer. O Espírito Santo só manifestará
seu poder transformador naquelas áreas que expusermos a Ele de forma sincera e
honesta. Porém, além de reconhecer fraquezas diante de Deus (que já sabe delas,
quer a gente admita ou não), também vejo a necessidade de fazermos
isso diante dos homens.
Há uma diferença entre
confessar seus erros a Deus e fazê-lo aos homens. Podemos afirmar que
o perdão vem com a confissão do pecado a Deus; mas
a cura vem com a confissão do pecado aos homens: “Confessai,
pois, os vossos pecados uns aos outros e orai uns pelos outros, para serdes
curados. Muito pode, por sua eficácia, a súplica do justo. (Tiago
5.16) Os protestantes, em nome da Reforma, e no zelo de restaurar as
verdades bíblicas abandonadas pela Igreja, saíram de alguns extremos para
outros. Alguns grupos evangélicos decidiram “jogar fora o nenê junto com a água
suja da banheira”. E uma das áreas onde criamos confusão foi na questão da
“confissão de pecados”.
Sabemos, pelo ensino bíblico,
que se alguém confessa seu pecado diretamente a Deus, receberá o perdão de seu
pecado. Condicionar o perdão divino só ao perdão de um sacerdote – ou quem quer
que seja – não está em linha com as Escrituras Sagradas. Entretanto, em nome de
se consertar desvios doutrinários, criamos outros desvios!
Por exemplo, o apóstolo Tiago
está falando sobre confessarmos os nossos pecados uns aos outros; o texto não
fala de confissão na vertical – a Deus – e sim de confissão na
horizontal – aos nossos irmãos. Quando confessamos nossos pecados ao
Senhor, recebemos perdão: “Se confessarmos os nossos pecados, ELE é fiel e
justo para nos perdoar os pecados e nos purificar de toda injustiça.” (1
João 1.9) Mas o texto de Tiago fala de uma confissão de pecados que
fazemos “uns aos outros” e com um propósito diferente de ser perdoado
(o que acontece quando confessamos a Deus): “para serdes curados”. Quando
expomos a outros irmãos áreas de erro e pecado em nossas vidas estamos nos
abrindo para receber CURA. Não é a vontade de Deus apenas continuar sempre
perdoando alguém do mesmo pecado; mais do que isso, o Senhor quer dar a essa
pessoa vitória sobre esse pecado!
Já vi, por exemplo, inúmeras
situações de irmãos que estavam tendo problemas com pornografia e que contam,
todos eles, a mesma história. Permaneceram, por muito tempo, chorando e
confessando diante de Deus suas quedas nessa área; mas somente quando abriram
com outros o seu problema é que finalmente alcançaram vitória sobre esse tipo
de pecado.
É por isso que a religiosidade
é tão danosa. Além de perpetuar a mentira – que tem como pai o próprio diabo –
a pessoa que finge uma espiritualidade que não tem entra em uma condição de
estagnação na vida espiritual em que não poderá haver transformação.
Por outro lado, é quando
admitimos e reconhecemos as fraquezas que o poder de Deus pode, então, se
manifestar e operar em nossas vidas: “Então, ele me disse: A
minha graça te basta, porque o poder se aperfeiçoa na fraqueza. De boa vontade,
pois, mais me gloriarei nas fraquezas, para que sobre mim repouse o poder de
Cristo. Pelo que sinto prazer nas fraquezas, nas injúrias, nas necessidades,
nas perseguições, nas angústias, por amor de Cristo. Porque, quando sou fraco,
então, é que sou forte.” (2 Coríntios 12.9,10) Que tremenda
definição de graça: o poder (de Deus) que se aperfeiçoa na fraqueza (as
nossas)! O apóstolo está dizendo que aprendeu a ter prazer em reconhecer suas
fraquezas e limitações, pois esse é o caminho para que o poder de Deus opere em
nossas vidas.
Caminhar com o rosto desvendado
não nos liberta apenas do alto custo (espiritual e emocional) de se viver de
“teatro”, mas ainda permite que sejamos trabalhados e transformados pelo Senhor.
RASGANDO O CORAÇÃO E NÃO
AS VESTES
É tempo de tirar as máscaras,
remover o véu do rosto e andar em honestidade e transparência. Essa é a
essência do verdadeiro arrependimento e o anseio que deve reinar em todo
coração que deseja render-se totalmente a Deus. Penso que era disso que o profeta
Joel, pelo Espírito Santo, falava aos israelitas de seus dias: “Ainda
assim, agora mesmo, diz o Senhor: Convertei-vos a mim de todo o vosso coração;
e isso com jejuns, com choro e com pranto. Rasgai o vosso coração, e não
as vossas vestes, e convertei-vos ao Senhor, vosso Deus, porque ele é
misericordioso, e compassivo, e tardio em irar-se, e grande em benignidade, e
se arrepende do mal.” (Joel 2.12,13) Uau! Rasgar o coração e não as
vestes! O que a Bíblia está dizendo?
O hábito dos hebreus de rasgar
as vestes para mostrar, em público, as vestes de luto que, até então, estavam
escondidas, é mostrado repetidas vezes nas Escrituras. Vejamos um
exemplo: “Quando o rei ouviu as palavras da mulher, rasgou as próprias
vestes. Como estava sobre os muros, o povo viu que ele estava usando pano de
saco por baixo, junto ao corpo.” (2 Reis 6.30 – NVI) O rei de
Israel saiu em público vestido normalmente e, de repente, rasgou as vestes
comuns para mostrar que, de fato, estava de luto. Os seus verdadeiros sentimentos
por toda a crise que atravessavam foi manifestado quando ele rasgou suas
vestes. Era uma forma de dizer: “Vocês estão me vendo com roupas normais, mas
meu interior está de luto!”
Através do profeta Joel, Deus
pediu que os israelitas rasgassem o coração (para mostrar o seu real estado)
como prova de arrependimento. A sinceridade e a transparência têm grande poder
na luta com o pecado! O Senhor queria que o seu povo mostrasse como realmente
estava o interior, pois Ele não se importa com a aparência; o que conta para
Deus é o coração.
“O Senhor, contudo, disse a
Samuel: Não considere a sua aparência nem sua altura, pois eu o rejeitei. O
Senhor não vê como o homem: o homem vê a aparência, mas o Senhor vê o coração.”
(1 Samuel 16.7) O homem tenta manter a aparência porque é assim que
os outros homens o veem e medem. Deus quer do homem a transparência não somente
pelo fato d’Ele já conhecer o nosso coração, mas, também, porque quer que nós
aprendamos a mostrar o nosso interior aos homens (que não podem vê-lo).
Que o entendimento dessas
verdades nos ajude a abandonar qualquer expressão de hipocrisia de modo a, pela
graça de Deus, andarmos como Paulo: com o rosto desvendado. Concluo com as
palavras de Thomas Watson: “É melhor desmascarar nossos pecados antes que
eles nos desmascarem”.
Autor: Luciano P. Subirá. É o responsável pelo Orvalho.Com –
um ministério de ensino bíblico ao Corpo de Cristo. Também é pastor da
Comunidade Alcance em Curitiba/PR. Casado com Kelly, é pai de dois filhos:
Israel e Lissa.
Fonte: regenerados.com.br
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