Embora Tertuliano tivesse outorgado à igreja a ideia
de que Deus é uma única substância e três pessoas, de maneira alguma isso
serviu para que o mundo tivesse compreensão adequada da Trindade. O fato é que
essa doutrina confundia até os maiores teólogos. Logo no início do século IV,
Ario, pastor de Alexandria, no Egito, afirmava ser cristão, porém, também
aceitava a teologia grega, que ensinava que Deus é um só e não pode ser
conhecido. De acordo com esse pensamento, Deus é tão radicalmente singular que
não pode partilhar sua substância com qualquer outra coisa: somente Deus pode
ser Deus. Na obra intitulada Thalia, Ario proclamou que Jesus era divino, mas
não era Deus. De acordo com Ario, somente Deus, o Pai, poderia ser imortal, de
modo que o Filho era, necessariamente, um ser criado. Ele era como o Pai, mas
não era verdadeiramente Deus.
Muitos ex-pagãos se sentiam confortáveis com a opinião de Ario, pois, assim, podiam preservar a ideia familiar do Deus que não podia ser conhecido e podiam ver Jesus como um tipo de super-herói divino, não muito diferente dos heróis humanos-divinos da mitologia grega. Por ser um eloquente pregador, Ario sabia extrair o máximo de sua capacidade de persuasão e até mesmo chegou a colocar algumas de suas ideias em canções populares, que o povo costumava cantar. "Por que alguém faria tanto estardalhaço com relação às ideias de Ario?", muitas pessoas ponderavam. Porém, Alexandre, bispo de Ario, entendia que para que Jesus pudesse salvar a humanidade pecaminosa, ele precisava ser verdadeiramente Deus. Alexandre conseguiu que Ario fosse condenado por um sínodo, mas esse pastor, muito popular, tinha muitos adeptos. Logo surgiram vários distúrbios em Alexandria devido a essa melindrosa disputa teológica, e outros clérigos começaram a se posicionar em favor de Ario. Em função desses distúrbios, o imperador Constantino não podia se dar ao luxo de ver o episódio simplesmente como uma "questão religiosa". Essa "questão religiosa" ameaçava a segurança de seu império. Assim, para lidar com o problema, Constantino convocou um concilio que abrangia todo o império, a ser realizado na cidade de Nicéia, na Ásia Menor.
Vestido com roupas cheias de pedras incrustadas e
multicoloridas, Constantino abriu o concilio. Ele disse aos mais de trezentos
bispos que compareceram àquela reunião que deveriam resolver o impasse. A
divisão da igreja, disse, era pior do que uma guerra, porque esse assunto envolvia
a alma eterna. O imperador deixou que os bispos debatessem.
Convocado diante dos bispos, Ario proclamou
abertamente que o Filho de Deus era um ser criado e, por ser diferente do Pai,
passível de mudança. A assembleia denunciou e condenou a afirmação de Ario, mas
eles precisavam ir além disso. Era necessário elaborar um credo que proclamasse
sua própria visão. Assim, formularam algumas afirmações sobre Deus Pai e Deus
Filho. Nessas declarações, o Concilio de Nicéia descreviam o Filho como
"Deus verdadeiro de Deus verdadeiro, gerado, não criado, consubstanciai
com o Pai". A palavra "consubstancial" era muito importante. A
palavra grega usada pelos conciliares foi homoousios. Homo quer dizer
"igual"; ousios significa "substância". O partido de Ario
queria acrescentar uma letra a mais àquela palavra: homoiousios, cujo
significado passaria a ser "de substância similar". Com exceção de
dois bispos, todos os outros assinaram a declaração de fé. Esses dois, com
Ario, foram expulsos. Constantino parecia satisfeito com o resultado de sua
obra, mas isso não durou muito tempo. Embora Ario tivesse ficado
temporariamente fora do cenário, sua teologia permaneceria por décadas. Um
diácono de Alexandria chamado Atanásio tornou-se um dos maiores opositores do
arianismo. Em 328, Atanásio tornou-se bispo de Alexandria e continuou a lutar
contra aquela facção. No entanto, a guerra continuou na igreja do Oriente até
que outro concilio, realizado em Constantinopla, no ano 381, reafirmou o
Concilio de Nicéia. Ainda assim, traços dos pensamentos de Ario permaneceram na
igreja. O Concilio de Nicéia foi convocado tanto para estabelecer uma questão
teológica quanto para servir de precedente para questões da igreja e do Estado.
A sabedoria coletiva dos bispos foi consultada nos anos que se seguiram, quando
questões espinhosas surgiram na igreja.
Constantino deu início à prática de
unir o império e a igreja no processo decisório. Muitas consequências
perniciosas seriam colhidas nos séculos futuros dessa união.
Marques Santos.
Fonte: www. http://vantuirsantos.blogspot.com
Imagem: Google
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