Alguns aspectos da pós-modernidade - nome que se dá
à época em que estamos vivendo - se constituem em sérios desafios à leitura
bíblica feita pelos reformados, mesmo aqueles que nunca ouviram o nome
"pós-modernidade".
Os reformados têm tradicionalmente interpretado as
Escrituras partindo de alguns pressupostos oriundos da Reforma protestante. O
mais importante deles é que as Escrituras são divinas, em sua origem,
infalíveis e inerrantes no que ensinam, seguras e certas no seu ensino. Para
eles, a Bíblia é a revelação da verdade. Em decorrência, só existe uma religião
certa, a que se encontra revelada na Bíblia. Logo, no raciocínio reformado,
tudo o que é necessário à vida eterna e à vida cristã aqui nesse mundo estão
claramente reveladas na Escritura. E tais coisas são claramente expostas nela.
Existem alguns aspectos da pós-modernidade que
desafiam esse pressuposto central da interpretação reformada das Escrituras.
1) O conceito de tolerância. Eu me refiro à idéia contemporânea de total complacência para com o
pensamento de outros quanto à política, sexo, religião, raça, gênero, valores
morais e atitudes pessoais. Neste conceito de tolerância, as pessoas nunca
externam seu próprio ponto de vista de forma a contradizer o ponto de vista dos
outros. Esse tipo de tolerância não deve ser confundida com a tolerância
cristã, pois ela resulta da falta de convicções em questões filosóficas, morais
e religiosas: "A tolerância é a virtude do homem sem convicções" (G.
K. Chesterton). A tolerância da pós-modernidade é fortalecida pela queda na
confiança na verdade, atitude típica de nossa época.
É preciso observar que existe uma tolerância
exigida do cristão. Devemos tolerar as pessoas. Todavia, não temos de tolerar
suas crenças, quando estas contrariam a verdade de Deus revelada nas
Escrituras. Temos o dever de ouvir o que elas tem a dizer, e aprender delas
naquilo em que se conformam com a verdade bíblica. Porém, tolerância ao erro,
quando a verdade bíblica está em jogo, é omissão.
A tolerância tão característica da pós-modernidade
pode afetar a interpretação da Bíblia levando as pessoas a interpretá-la a
partir do conceito de "politicamente correto." Evita-se qualquer
leitura, interpretação ou posicionamento que venha a ser ofensivo à sociedade
ou comunidade a que se ministra. Textos bíblicos que denunciam claramente
determinados comportamentos morais são domesticados com uma leitura crítica que
os reduz a expressões retrógradas típicas dos moralistas machistas do século I.
Textos que anunciam a Cristo como o único caminho para Deus são interpretados
de tal forma a não excluir a salvação em outras religiões.
2) O inclusivismo. Num certo sentido, é o resultado do multiculturalismo do mundo
pós-moderno. Não há mais no mundo ocidental um país com uma cultura única e uma
raça homogênea. Países ocidentais são multiculturais e têm uma mescla de
diversas raças. Para que não se seja ofensivo, e para que se possa conviver
harmoniosamente, é necessário ser inclusivista. Isso significa dar vez e voz a
todas as culturas e raças representadas.
Na sociedade pós-moderna, o conceito ser estende
para incluir os grupos moralmente orientados. Significa especialmente repartir
o poder com as minorias anteriormente oprimidas pelas estruturas de poder, como
por exemplo, os homossexuais, pobres e minorias étnicas.
Existem coisas boas do inclusivismo
multiculturalista, como por exemplo, estudos nos meios acadêmicos sobre a
cultura de raças minoritárias e oprimidas no ocidente, como africanos,
hispânicos e orientais. Também a criação de bolsas de estudos e empregos para
membros destas minorias raciais, bem como de grupos oprimidos, como as
mulheres. Ainda digno de nota é a luta contra discriminação baseada tão somente
em raça, religião, postura política e gênero.
Mas existem coisas que nos preocupam no
inclusivismo. A maior de todas é que o inclusivismo exclui qualquer juízo de
valor em termos morais, religiosos, e de justiça. Tem que ser assim para que o
relacionamento multicultural e multi-moral funcione.
O inclusivismo acaba também influenciando na
interpretação bíblica. Sua mensagem é abordada do ponto de vista do programa
das minorias. Por exemplo, a chamada teologia da libertação (meio defunta hoje)
e as teologias feministas.
3) O relativismo. No que
tange ao campo dos valores e dos conceitos morais e religiosos, é a idéia de
que todos os valores morais e as crenças religiosas são igualmente válidos e
que não se pode julgar entre eles. A verdade depende das lentes que alguém usa
para ler a vida. O importante é que as pessoas tenham crenças, e não provar que
uma delas é certa e a outra errada. Não há meio de se arbitrar sobre a verdade
porque não há parâmetros absolutos. Desta forma, alguém pode crer em coisas
mutuamente excludentes sem qualquer inconsistência.
Existem alguns perigos no relativismo quanto à
leitura da Bíblia. Primeiro, o relativismo acaba por minar a credibilidade em
qualquer forma de interpretação que se proponha como a correta. Segundo, acaba
por individualizar a verdade. Cada pessoa tem sua verdade e ninguém pode alegar
que a sua é superior à dos outros. Portanto, ninguém pode ter a pretensão de
converter outros à sua fé.
Muitos cristãos são tentados a suavizar a sua
interpretação da mensagem do Evangelho, excluindo os elementos que não são
"politicamente corretos" como: pecado, culpa, condenação, ira de
Deus, arrependimento, mudança de vida. Acaba sendo uma tentação de escapar pela
forma mais fácil do dilema entre falar todo o conselho de Deus ou ofender as
pessoas.
Esses são alguns dos perigos que a pós-modernidade
traz à leitura e interpretação das Escrituras. Reconhecemos a contribuição da
pós-modernidade em destacar a participação do contexto e do leitor na produção
de significado, quando se lê um texto. Porém, discordamos que isso invalide a
possibilidade de uma leitura das Escrituras que nos permita alcançar a mensagem
de Deus para nós e de ouvir a voz de Cristo, como Ele gostaria que ouvíssemos.
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