Oliveira entende que
historicamente foi construída por parte das comunidades cristãs uma
imagem distorcida da figura do pastor, atribuindo aos pastores
praticamente o título de “semideuses”, cuja atribuição de poder imputada
à pessoa do pastor elimina a possibilidade de que o mesmo externe suas
crises e temores, isto é, qualquer sinal de limitação, desgaste,
fragilidade e cansaço seja ele de ordem física, mental ou espiritual na
realização de suas atividades pessoais e comunitárias. Isso fará com que
ele desenvolva um estilo de vida demasiadamente exaustivo que não se
pode viver por não ser autêntico, podendo o pastor “estar de tal forma
identificado com o seu papel, que se perde a humanidade em função da
profissão”.
Segundo a psicóloga
Dâmaris C. de Araújo Malta, esse estilo de vida, por não ser autêntico,
pode desencadear um quadro doentio de depressão uma vez que a Depressão é
uma síndrome biopsicossocial, um distúrbio de humor. Atualmente é a
doença que mais tem incidência nos consultórios médicos. Em termos
biológicos, há uma alteração fisiológica; em termos psicossociais, a
depressão pode estar relacionada a algum sofrimento individual ou
coletivo. O relacionamento do ser consigo mesmo, com os outros ou com um
Ser Superior influencia seu modo de atuação e percepção do mundo. A
depressão pode ser um resultado da interação do homem com o mundo, que
muitas vezes lhe é inóspito. Pode ser a manifestação da escolha
inautêntica do Ser.
Oliveira destaca três
patologias citadas pelo teólogo Leonardo Boff que podem ser
desencadeadas em função dessa auto desumanização. Trata-se da “negação, a
obsessão e o descuido”.
Na negação, o
“ritmo frenético” em que o pastor desenvolve suas funções faz com que o
mesmo, consciente ou inconscientemente seja indiferente quanto aos
cuidados para consigo mesmo, não respeitando os limites e necessidades
sinalizados pelo seu corpo. Sendo assim, aspectos simples e importantes
relacionados às suas necessidades básicas como “alimentação, sono, lazer
e descanso” são ignorados completamente. Essa negligência tem
contribuição relevante para que haja o desenvolvimento desse processo de
desumanização.
Na obsessão, o
pastor “se perde no enfoque entre cuidado de si mesmo e o do outro,
passando a se proteger de tal forma que prejudica o seu exercício
profissional e suas próprias relações. A relação de ajuda acontece de
forma impessoal, técnica e comercial”.
No descuido,
devido à falta de percepção quanto à importância do cuidado de si mesmo,
o desempenho do cuidador será totalmente comprometido e prejudicado,
tornando sua jornada insustentável mediante o excesso de compromissos e
responsabilidades. O produto desse descuido contribuirá para o aumento
do número de divórcios, doenças e suicídios que acometem os pastores.
A construção dessa
imagem pastoral distorcida desrespeita, deforma e agride a humanidade
desse pastor, contribuindo para que os pastores sabotem de forma oculta
as suas próprias emoções e “temam ao mostrar determinadas emoções e
sentimentos, a dúvida, a fragilidade, os desejos e interesses
estritamente pessoais ou tudo quanto puder ser visto por outros como uma
falha”. A internalização contínua dessas emoções resultará no
desenvolvimento de graves enfermidades de ordem física, mental e
emocional.
Diante dessa realidade, o pastor por sua vez, pressionado a não viver sua humanidade, nega seu cansaço, seus sentimentos de tristeza e fracasso, em seu sofrimento, descuida dos aspectos importantes da sua vida e submete-se em nome da “Obra do Senhor” (e de acordo com a sua visão de ministério) a um ativismo alienante que pode levá-lo a uma vida extremamente solitária. Embora cercado de tantos irmãos, sente-se impedido de expressar seus autênticos sentimentos e sua vida diante deles.
Segundo Camon,
psicoterapeuta e Assessor do Serviço de Atendimento aos Casos de
Urgência e Suicídio da Secretaria de Saúde de São Paulo, essa condição
existencial solitária ao ser vivenciada, consequentemente estabelece uma
filosofia de vida insuportável de se viver por causa do isolamento.
Esse sofrimento extremo ocasionado pela ausência do outro iniciará um
“processo contínuo e doloroso” que desembocará, portanto, no desespero
pela opção do suicídio. “A morte se apresenta, então, como única
alternativa para a sensação de não suportar o peso da própria vida, da
própria condição humana”.
A psicóloga Oliveira não
somente concorda com Camon, como deixa sua contribuição esclarecendo
que “a solidão é um perigo que ameaça constantemente os cuidadores e tem
sido uma das principais queixas de pastores que precisam remover a
couraça da solidão. Não se trata de uma solidão física, mas
existencial”.
Sejam as demandas
desmedidas estabelecidas por parte da comunidade ou por parte do próprio
pastor, a realidade é que No meio eclesial, nós, ministros religiosos,
temos sofrido sob fortes pressões na área do trabalho. Algumas são
impostas pela comunidade, outras são assumidas por nós mesmos. Nossa
tarefa tem sido descobrir e trabalhar necessidades emocionais negadas ou
atrofiadas por fatores, tais como: compreensão errônea do papel
desempenhado na comunidade (super pastor); sobrecarga de atividades e
agenda sempre cheia; expectativas em relação à família pastoral de ser
uma família perfeita, etc.
Pastores se suicidam quando não são cuidados em suas crises.
Dentro desse complexo
contexto, é de grande relevância o relato do pastor norte-americano Bill
Hybels quando diz que uma das maiores preocupações e foco de grande
tensão e conflito pessoal interno demonstrado por pastores, estão
diretamente relacionados ao elevado nível de estresse e ao peso das
pressões que são exercidas sobre eles. Portanto, nenhum pastor está
imune de vivenciar a experiência de sentir que a emoção de servir a
Cristo foi “substituída por uma sensação d morte iminente”.
O mesmo autor menciona a
insegurança dos mesmos em relação à capacidade de resistência em
relação a elas, alguns de maneira desesperadora procuram forças para
seguir em frente, outros questionam a si mesmos quanto à possibilidade de continuar no ministério, enquanto outros demonstram estarem a ponto de ter um colapso nervoso. Também outros se indagam se conseguiriam sobreviver ao seu chamado.
Tais aspectos de
comportamentos mencionados por Hybels são alarmantes e dão claras
evidências de sinais de depressão, uma vez que Os sinais de depressão
incluem tristeza, apatia e inércia, tornando difícil continuar vivendo ou tomar decisões; perda de energia e fadiga, normalmente acompanhadas de insônia; pessimismo e desesperança; medo, autoconceito negativo, quase sempre acompanhado de autocrítica e sentimento de culpa, vergonha, senso de indignidade e desamparo; perda de interesse no trabalho, sexo e atividades usuais, perda de espontaneidade dificuldade de concentração; incapacidade de apreciar acontecimentos ou atividades agradáveis; e, frequentemente perda de apetite.
Segundo Oliveira, como
são muitas as limitações e as fraquezas do pastor, assim também são
muitas as crises vivenciadas por ele. A incapacidade dos pastores de
reagir diante das exigências utópicas e desmedidas que lhes são impostas
tem colaborado para o desenvolvimento de graves crises que não são
tratadas adequadamente, como crises relacionadas ao seu pastorado, “de
identidade, vocacionais, crises de relevância e metodologia, crises
diante da queda de um colega, crise diante do desalento e temor, crises
familiares, sociais, econômicas e crises espirituais”. Os desdobramentos
mediante o não acolhimento de alguém que está passando por essas crises
podem originar um quadro de angustia e depressão irreversível,
resultando na descontinuidade permanente das atividades pastorais.
Pastores se suicidam quando entram em Burnout.
Oliveira também alerta
para uma doença chamada Síndrome de Burnout, sendo considerada como
“síndrome da desistência, de exaustão ou de consumição”. Ainda que pouco
conhecida, tem sido muito comum diagnosticá-la em pastores devido às
demandas desmedidas e metas utópicas as quais se submetem e se frustram
por não atingirem. Embora muitas vezes confundida com o “Stress”, a
Síndrome de Burnout é provocada pelo excesso ou sobrecarga de trabalho,
provocando no pastor não somente esgotamento físico, mas também mental,
emocional e espiritual.
Segundo a definição de Maslach e Jackson, essa síndrome “é
uma reação à tensão emocional crônica gerada a partir do contato direto
e excessivo com outros seres humanos, particularmente quando estes
estão preocupados ou com problemas”, seus sintomas produzem “exaustão
emocional, despersonalização e redução da realização pessoal”.
Oliveira entende que a
exaustão emocional pastoral é “caracterizada por um sentimento muito
forte de tensão emocional que produz uma sensação de esgotamento, de
falta de energia e de recursos emocionais próprios para lidar com as
rotinas de prática profissional”. Essa incapacidade emocional gera a
“despersonalização” que fará com que as pessoas compreendidas até então
em um vínculo de afetividade sejam negativamente coisificadas e tratadas
a partir de então como objeto e não mais como pessoas. Essa desumanização que não entende mais o ser humano como pessoa e sim como coisa ou objeto produzirá inevitavelmente a “falta de realização pessoal”, que comprometerá negativamente o desempenho de suas habilidades.
O doutor Dráuzio Varela,
citado pela psicóloga Oliveira, entende que: O sintoma típico de
Burnout é a sensação de esgotamento físico e emocional, que se reflete
em atitudes negativas, como ausência no trabalho, agressividade,
isolamento, mudanças bruscas de humor, irritabilidade, dificuldade de
concentração, lapsos de memória, ansiedade, depressão, pessimismo, baixa
autoestima. Dor de cabeça, enxaqueca, cansaço, sudorese, palpitação,
pressão alta, dores musculares, insônia, crises de asma, distúrbios
gastrintestinais são manifestações físicas que podem estar associada à
síndrome.
Segundo o pastor
Ednilson Correia de Abreu, os pastores não somente têm todo o “perfil”
como também estão inclinados a desenvolverem essa doença. Sendo assim, o
Burnout é “um mal que parece ter sido feito sob medida para os líderes
pastorais”, uma vez que pregar, ensinar, liderar, aconselhar, visitar, consolar, encorajar, corrigir, planejar, mediar e administrar a instituição eclesiástica são tarefas que têm tudo a ver com a possibilidade de sofrer com esta síndrome. A ausência de cuidados específicos desse problema pode trazer grandes riscos à saúde física, mental, emocional e também espiritual, sendo necessária uma intervenção médica psiquiátrica devido o perigo de um possível suicídio no avanço da doença.
Olhando para esse
cenário, e a fim de manter robusta a vocação pastoral, destaca o pastor
Nelson que, o contexto social em que vivemos tem afetado diretamente o
pastor e sua família. Essa temática exige de todos nós um esforço
concentrado, visando analisar, sob todos os aspectos, a realidade em que
nos encontramos. Se conseguirmos nos despertar para a urgência e a
necessidade de levar a sério a questão e tomarmos algumas providencias
pessoais, familiares e institucionais, isso nos levará a alcançar
condições mais favoráveis e saudáveis para os relacionamentos que
envolvem a figura pastoral.
Por Everton A. P. Lacerda
Fonte: Extraído parte do
livro "SUICÍDIO DE PASTORES: Uma análise dos fatores de risco que
contribuem para a consumação do suicídio. Do pastor Everton A. P.
Lacerda
Fonte: http://ministeriobbereia.blogspot.com
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