O
presente texto é fruto da exposição do texto de Eclesiastes 1:1-11, realizada
em um Estudo Bíblico na Cidade de Garuva, em Santa Catarina. Assim, no
decorrer da escrita, o conteúdo assumirá um tom mais pessoal e menos acadêmico.
O
livro de Eclesiastes é um texto fabuloso, muito rico para a época atual, ora
denominada pós-modernismo.
No primeiro versículo, o autor
se identifica como um pregador, filho de Davi e rei em Jerusalém.
Durante
séculos a tradição judaica e cristã tem atribuído a autoria de Eclesiastes a
Salomão, em tempos mais recentes, entretanto, a autoria salomônica tem sido
questionada por alguns estudiosos.
Para
efeito do presente texto, aceita-se Salomão como autor do texto de Eclesiastes.
Concorda-se,
entretanto, que uma vez que a Bíblia toda é inspirada por Deus, que é o seu
autor final, pouco importa se a pena era de Salomão ou não, apenas me parece
que o texto ganha um significado mais profundo quando é considerado o
fruto da reflexão de alguém tão sábio e que pôde viver de tudo e experimentar
de tudo como foi o caso de Salomão.
Vaidade de vaidades, tudo é vaidade.
Aqui,
a palavra que traduzimos por vaidade, em sua origem hebraica significa algo
vazio, um sopro, algo fútil, sem utilidade.
E
é assim que o autor define a vida humana longe de Deus, finita, breve, sem
sentido, condenada a inevitável extinção.
Vive-se,
trabalha-se, damos nosso sangue e suor pelo nosso trabalho, talvez nós
trabalhamos arduamente por uma causa justa, um propósito que consideramos belo
e significativo, pelo bem, pela justiça social, pela descoberta científica,
coisas maiores do que nós.
Ou
simplesmente queremos viver a nossa vida, aproveitar os prazeres que a vida nos
oferece como se não houvesse amanhã.
Mas
e do que vale o nosso empenho? Chegaremos à velhice, nossa força haverá se
esvaído, e será o fim de nossa existência, teremos de adentrar, ainda que
contra a vontade, o mundo do não-ser, da inexistência.
Ainda
que dediquemos nossa vida a algo que dure mais do que a nossa vida, nossa
memória seja preservada e sejamos recordados por séculos como alguém notável:
um Platão, Aristóteles, Galileu, ou então, as futuras gerações ergam em nossa
homenagem, uma grande estatua, com o nosso nome aos seus pés, ou uma placa de
bronze em um memorial público.
Ainda
assim, que proveito temos? Uma vez que já não estamos lá para apreciar tal
glória?
E
não apenas a nossa vida chegará ao fim, mas também toda a humanidade, nosso
sistema solar ruirá um dia, o universo inteiro se esfriará, a extinção completa
da vida, a extinção de toda possibilidade.
Gosto
de uma colocação de Bertrand Russell, um conhecido filósofo ateu, que expressa
de forma muito bela, e também triste, esta realidade da falta de sentido da
vida sem Deus.
Segue
a sua citação:
Nenhum
fogo, nenhum heroísmo, nenhuma intensidade de pensamento e sentimento pode
preservar a vida de um indivíduo no além-túmulo; que todas as labutas da vida,
toda a devoção, toda a inspiração, todo o fulgor do gênio humano estão destinados
à extinção na vasta morte do sistema solar e, inevitavelmente, todo o templo
das conquistas humanas deve ser enterrado sob os escombros de um universo em
ruínas. (RUSSELL. Apud BECKWITH; CRAIG; MORELAND, 2006, p. 252-53)
Uma
geração vai e outra vem… O ser humano é, para usar o termo de Martin Heidegger,
um ser-para-a-morte, porque, embora todos os seres vão morrer, incluindo você e
eu, todas as pessoas que amamos e todos os outros seres vivos, quer sejam
animais e vegetais, todos vão morrer! Mas apenas o ser humano tem consciência
de sua própria morte, e pode refletir acerca dela. Ou seja, temos a fraqueza
existencial de sermos seres mortais, e temos a consciência dessa fraqueza.
Vocês
percebem que o mundo é um “bonde andando”? Nós pegamos esse bonde em movimento,
há milênios de história humana antes de nós, e – assim espero – haverá muitos
anos de história humana depois de nós; nós partiremos, mas a vida seguirá sem
nós, não somos tão importantes assim para o mundo.
A
natureza continuará o seu ciclo, com ou sem nós.
O
verso sete reflete acerca do ciclo da água, o autor observa que todos os rios
vão para o mar e ainda assim o mar não se enche, pois ao lugar para onde os
rios vão, tornam eles a correr.
É
interessante ressaltar que o ciclo da água só foi descrito com precisão no
século XVII, por dois cientistas franceses e um inglês, mas ainda assim, o
autor de Eclesiastes, a partir da observação da natureza, já notou esse ciclo,
podemos chamar isso de Teologia Natural, quando contemplamos e refletimos acerca
de Deus a partir da observação da sua criação.
O
Verso oito descreve o que por vezes chama-se de predicamento humano. [Já
escrevi sobre o tema para o NAPEC: http://www.napec.org/apologetica/predicamento-humano/]
O
ser humano é um ser insaciável, seus olhos não se fartam de ver, nem os ouvidos
se encham de ouvir.
Buscamos
de modo desesperado a felicidade, e sempre queremos mais, pois nunca estamos
fartos: mais diversão, mais dinheiro, mais sexo, mais livros, sempre mais e
mais.
Talvez
estejamos em busca do poder, da fama, do prestígio, e quando a alcançamos,
confessamos desanimados: “bem, não era o que eu esperava”. E nos decepcionamos,
percebemos que por mais que alcancemos e conquistemos, nosso vazio permanece. A
satisfação é um item que não está disponível para nós.
Segundo
a conhecida citação que é costumeiramente atribuída ao ilustre escritor russo
Fiódor Dostoiévski: há no homem um vazio do tamanho de Deus.
E
Agostinho, escreve em uma oração: “Porque nos criastes para Vós e o nosso
coração vive inquieto, enquanto não repousar em Vós”. (AGOSTINHO, 2012, p. 27)
Os
versos 9 a 11 refletem acerca daquilo que parece a nós uma novidade.
Muitas
vezes os cristãos se assustam com tamanha depravação que é explicitamente
exibida na televisão.
Violência,
corrupção, perversão sexual, defesa da prática do aborto e por aí vai.
Entretanto,
o autor de Eclesiastes tem razão: não há nada novo debaixo do sol.
O
mundo já viu muito disso tudo, e ainda mais. A história humana está recheada de
perversões e crueldades.
Os
abortos, o infanticídio, assim como a corrupção, a violência e práticas sexuais
não condizentes com o cristianismo eram comuns na Grécia e Roma antigas, foi o
cristianismo quem deu fim, ou aos menos condenou e diminuiu muito essas
práticas a partir da conversão pessoal e influência nas culturas locais.
O
cristianismo foi responsável por uma evolução moral sem precedentes no mundo
ocidental.
Assim,
embora cristãos conservadores sejam frequentemente intitulados pejorativamente
de retrógrados, os seus opositores é que são retrógrados, e em uma escala ainda
maior, pois desejam reanimar costumes de tempos pré-cristãos.
É
pertinente uma colocação de John Stott, onde ele diz que:
Se
a casa estiver escura ao anoitecer, não faz sentido culpar a casa, pois isso é
o que acontece quando o sol se põe. A pergunta a ser feita é: “Onde está a
luz?”. Da mesma forma, se a carne estragar e for impossível comê-la, não faz
sentido culpar a carne, pois isso é o que acontece quando as bactérias são
deixadas ao léu para reproduzirem-se. A pergunta é “Onde está o sal?” Assim
também, se a sociedade se deteriora e seus padrões declinam ao ponto de ela se
tornar como uma noite escura ou como um peixe fedorento, não faz sentido acusar
a sociedade, pois isso é o que acontece quando homens e mulheres decaídos são
deixados à sua própria sorte e o egoísmo humano não é contido. As perguntas a
serem feitas são: “Onde está a Igreja? Por que a luz e o sal de Jesus Cristo
não estão permeando e mudando a nossa sociedade?”. (STOTT, 2014, p. 89)
Se
o mundo torna-se caótico novamente, é porque a Igreja não está cumprindo como
deveria o seu papel; graças a Deus que de tempos em tempos Ele levanta homens e
mulheres que, para usar as palavras de Chesterton, tem a coragem de não serem
atuais e assim colocam o mundo de ponta cabeça.
Foi
assim na Igreja primitiva, foi assim na Reforma protestante, foi assim nos
grandes avivamentos do século XVIII, e pode ser assim novamente hoje, se assim
Deus o desejar.
REFERÊNCIAS
AGOSTINHO, Santo. Confissões. 26
ed. Petrópolis e Bragança Paulista: Vozes e Editora Universitária São
Francisco, Coleção Pensamento humano, 2012.
BECKWITH, Francis J. CRAIG, William Lane.
MORELAND, J.P. (Ed.) Ensaios apologéticos: um estudo para uma
cosmovisão cristã. São Paulo: Hagnos, 2006.
STOTT, John. Os cristãos e os desafios
contemporâneos. Viçosa: Editora Ultimato, 2014.
Fonte: Napec.org
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