“Adorar
a Jesus é idolatria,” de acordo com a Sociedade Torre da Vigia
[STV]. De acordo com essa entidade religiosa, “a Bíblia deixa bem
claro […] que a adoração — no sentido de reverência e devoção
religiosas — deve ser dirigida unicamente a Deus. Moisés o descreveu como ‘um
Deus que exige devoção exclusiva’.” [É correto adorar a Jesus? –
Despertai, 2000, pp.27]. Oferecer adoração a Jesus Cristo seria uma
violação desse princípio, e portanto, um ato de idolatria. De acordo com a STV,
Jesus é digno da nossa homenagem, mas não da nossa adoração, afinal, apenas
Jeová é digno de adoração.
Introdução –
O Argumento da STV
De acordo
com a STV, o termo recorrentemente usado no NT para descrever aquilo que os
cristãos chamam de adoração é na verdade um ato de reverência apenas, uma
prestação de homenagem. Em Hb.1.6, por exemplo, a Tradução do Novo
Mundo, a bíblia produzida pela STV, evita o termo adoração e
adota o a expressão prestar homenagem: “Mas, ao trazer novamente o seu
Primogênito à terra habitada, ele diz: E todos os anjos de Deus lhe
prestem homenagem.” [TNM]. A justificativa para essa tradução se encontra
no fato de que, de acordo com a STV, o termo προσκυνέω (proskynéö) usado nesse
verso pode significar tanto adoração (no sentido religiosos) como uma
reverente homenagem (sem sentido religioso).
O primeiro
sentido, de acordo com a STV é claramente visto em Mat.4.10, no qual lemos:
“Jesus disse-lhe então: “Vai-te, Satanás! Pois está escrito: ‘É a
Jeová, teu Deus, que tens de adorar e é somente a ele que
tens de prestar serviço sagrado.’” [TNM]. Já o segundo sentido é encontrado em
1Reis, no qual a Septuaginta [LXX], a tradução grega do AT,
usa προσκυνέω para descrever a atitude de Natã diante de Davi:
“Informaram imediatamente o rei, dizendo: “Aí está Natã, o profeta!” Depois ele
entrou perante o rei e prostrou-se diante do rei com o rosto
por terra.” [TNM].
De acordo
com esses dois exemplos é possível perceber um pouco da abrangência semântica
do termo προσκυνέω, que é realmente usado sem qualquer conotação
religiosa. A questão é, portanto, relacionada ao critério que se define
quando o sentido religioso está presente e quando o sentido não-religioso
de προσκυνέω está sendo utilizado. Para a STV, o critério é
simples: Se o termo προσκυνέω é usado em referência a Deus o
sentido religioso deve estar presente. Se o mesmo termo é
usado em referência a qualquer outra pessoa o sentido não-religioso pode ser
utilizado de acordo com o contexto. Entretanto, a grande pergunta
que fazemos é: Como é que a STV sabe que o termo quando aplicado a
Cristo nunca tem sentido religioso? Se ambos sentidos
são possíveis, qual é o critério a ser usado para definir o sentido expresso
pelo autor quando Cristo é o objeto do verbo προσκυνέω?
Uma coisa é
afirmar que o termo προσκυνέω pode conotar uma ação não-religiosa, outra é
definir que tal conotação acontece em todas as ocasiões
na qual os autores se referem a Cristo. Infelizmente, a STV não nos oferece
qualquer explicação sobre o critério que usam para definir que o sentido
religioso nunca acontece em referência a Cristo, e comete
quatro equívocos metodológicos ao introduzir sua teoria semântica
de προσκυνέω:
(1) Análise
seletiva e pressuposta das evidências: Poucos
versos são examinados e apenas aqueles que favorecem a interpretação esperada
são tratados. A STV encobre as dificuldades para valorizar a própria
conclusão e com isso induz o indouto a pensar que tal análise é satisfatória e
que tal conclusão é válida. Na intenção de responder a pergunta, “Jesus
recebeu adoração?“, a STV parte do ponto de vista que Jesus não
pode receber adoração e analisa seletivamente a evidência léxica e
comete a falácia de círculo viciosos: Jesus não recebe adoração no
NT, por que Jesus não pode receber adoração.
(2) Citação
fragmentada: Quase nenhum respaldo léxico é apresentado
satisfatoriamente nos artigos da STV. Por exemplo, no artigo Jesus
Cristo do livro Raciocínios, em Hebreus 1.6, o autor apresenta apenas
parte da definição de προσκυνέω de acordo com o BAGD, e apenas a parte que
contribui com o sentido favorecido pela instituição: “A palavra grega traduzida
‘adorar’ é pro·sky·né·o, que A Greek-English Lexicon of the New Testament and Other Early Christian Literature diz
que também era “usada para indicar o costume de prostrar-se diante duma
pessoa e beijar-lhe os pés, a orla da sua veste, o chão”. (Chicago, EUA,
1979, Bauer, Arndt, Gingrich, Danker; 2.a ed. em inglês; p. 716).” A
definição apresentada pelo BADG, que tem cinco diferentes nuances, é largamente
mais extensa e completa do que a citação fragmentada do artigo dá a entender.
Quando a STV cita pela metade para valorizar sua preferência, ela esconder
do leitor evidências importantes. Por exemplo, a frase citada do BAGD foi intencionalmente reduzida
para validar as conclusões teológicas da STV. É fato que a
palavra προσκυνέω “usada para indicar o costume de prostrar-se diante
duma pessoa e beijar-lhe os pés, a orla da sua veste, o chão“, mas a STV
omite o fim da mesma sentença que afirma que tal atitude era realizada “pelos
Persas na presença do seus deificados reis e os Gregos o faziam diante de uma divindade
ou alguém santo“. Em outras palavras, a STV picota do
léxico apenas a informação que lhe convém e esconde o fato de que o BAGD não
está falando de um sentido não-religioso do termo. Na verdade,
nessa frase o BAGD está enfatizando exatamente o contrário: o ato de
prostrar-se diante de uma pessoa e beijar-lhe os pés era uma atitude de
religiosa direcionada a divindades ou pessoas tidas como divinas.
(3) Falsa
dicotomia: Outro problema latente nas publicações da STV é a
falsa dicotomia: Ou A ou B; Ou o termo tem sentido religioso ou
não-religioso. Será que προσκυνέω tem campo semântico tão restritivo?
Será quando o autor intenciona destacar o sentido de adoração de προσκυνέω
ele rejeita completamente o sentido de homenagem ou respeito? Como
é possível saber se a ação de prostrar-se é exclusivamente religiosa?
Novamente, a STV não apresenta qualquer evidência de que tal conclusão é
plausível.
(4) Teologia
como base para definição léxica: Em
última análise, a STV usa a própria teologia como base para as conclusões
léxicas que defende, sem qualquer fundamentação léxica ou sintática. Nenhum
estudo do vocábulo é apresentado, ou qualquer discussão léxico-morfológica é
apresentada. Na verdade, a evidência apresentada é presumida como suficiente e
a conclusão teológica de que Cristonão pode receber adoração guia o
estudo do termo de tal forma que Cristo nunca é adorado no NT.
Tendo dito
isso, nós precisamos realizar um estudo de vocábulo
de προσκυνέω, apresentado seu uso dentro e fora do NT para então oferecer
alguns critérios contextuais e morfológicos (não teológicos) que podem
auxiliar a identificação do sentido de προσκυνέω no texto bíblico.
A. Análise
Diacrônica de προσκυνέω
Termos
específicos de um determinado idioma normalmente mudam de sentido e uso no
decorrer do tempo. A origem de um determinado termo explica nada mais do que a
origem do termo, afinal, com as mudanças culturais e temporais a linguagem, que
é volátil, pode atribuir novos sentidos a determinados termos.
Por exemplo,
o termo χειροποίητος usado por Paulo em Ef.2.11, era usado na literatura Grega
Clássica em como descrição de algo feito pelas mãos, como uma
vara (Hdt.1.195) ou um até mesmo um lago (Hdt.2.149). Entretanto, na produção
da LXX, o termo foi aplicado como descrição de ídolos feitos por mãos
humanas (Lv.26.1, 30; Dn.5.4; 5.23, 6.28; Bel.1.5; Jdt.8.11)
de tal modo que eventualmente o termo veio a significar um ídolo
propriamente dito (Isa.2.18; 10.11; 16.12; 19.1; 21.9; 31.7, 46.6; Wis.14.8)
sem que o uso de εἴδωλα (ídolo) fosse necessário para clarificar o
sentido do termo. Em outras palavras, aquele termo que era usado para descrever
qualquer coisa feita por mãos humanas no grego clássico, descreve
exclusivamente a ídolos na LXX, e passa a ter significa estritamente
religioso sem que qualquer intenção religiosa fosse necessária denotada
por χειροποίητος no literatura Grega Clássica.
Por isso,
nessa seção apresentamos uma análise diacrônica (i.e. através do
tempo) para demonstrar como o termo foi usado historicamente e como diferentes
sentidos emergem do mesmo. Em nossa apresentação, nós iniciamos com os mais
antigos e conhecidos usos do termo e prosseguimos para o período contemporâneo
e posterior do NT.
1. O Uso
de προσκυνέω na Literatura Grega Clássica
A origem do
termo grego προσκυνέω é incerta. Conjectura-se que o termo “originalmente
não era nada mais que o termo grego para descrever um fenômeno da vida
oriental” (Kittel, Gerhard, Geoffrey W. Bromiley, and Gerhard Friedrich,
eds. Theological Dictionary of the New Testament. Grand Rapids, MI:
Eerdmans, 1964), pp.759). O termo é formado por duas palavras gregas: (1) πρός,
que pode denotar o sentido de “ante de” e (2) κυνέω, que normalmente descreve o
ato de “beijar”; que pode sugerir como o termo era usado. A idéia de prostrar-se é
ausente se alguém assume que os termos que formam προσκυνέω são
compreensivos na determinação do significado do mesmo. É provável, entretanto,
que a idéia de prostrar-se seja implícita no mesmo, pois para
beijar os pés de alguém é necessário curvar-se ante ele para fazê-lo. Homero
(9-8 séc. a.C.), por exemplo, usa o termo para descrever a atitude de Ulisses e
Agamenon que beijam a terra após uma viagem bem sucedida (Hom. Od., 4, 522; 5,
463; 13, 354), o que também mantém implícito o sentido de prostrar-se.
É por isso
que na Literatura Grega Clássica [LGC] o termo προσκυνέω é normalmente
usado em referência ao costume oriental de prostrar-se ante a reis e
superiores, como um ato de respeito e reverência. Herodoto, por exemplo, conta
de um ocasião na qual um barco em que Xerxes estava, estava indo à pique. Tomando
conhecimento disso, Xerxes pergunta ao comandante se era possível se livrar de
alguma coisa para evitar o naufrágio. O comandante por sua vez diz que não há
nada no barco que pudesse resolver o problema, exceto eles mesmo. Ao ouvir isso
Xerxes teria dito:
“Agora, você precisam provar sua dedicação pelo seu
rei, pois me parece que minha salvação depende de vocês” – Ouvindo isso,
eles prostraram-se e pularam no mar. O navio, agora muito
mais leve, foi desse modo seguro para a Ásia. (Herodotus, Herodotus,
with an English Translation by A. D. Godley, ed. A. D. Godley (Medford, MA:
Harvard University Press, 1920, Hdt.8.118).
Nesse
trecho, não apenas reverência é percebida no ato de prostrar-se, mas também
submissão, obediência e reconhecimento de autoridade. A priori, nenhum sentido
religioso é evidente aqui. Entretanto, de acordo com BDAG, com esse ato,
aqueles que recebem a honra “estão sendo reconhecidos como pertencentes
a um reino sobre-humano” (William Arndt, Frederick W. Danker, and Walter
Bauer, A Greek-English Lexicon of the New Testament and Other Early Christian
Literature (Chicago: University of Chicago Press, 2000), p.882.), o que se sabe
ser verdadeiro no caso de Xerxes. Usos similares a esses são recorrentes na LGC
(Appian, Mithrid. 104 §489: Pompey; Galen, Protr. 5 p. 12, 2ff ed. WJohn:
Sócrates, Homero, Hipócrates, Platão).
Além desse
tipo de uso, os gregos também προσκυνέω para descrever um ato de reverente
de adoração a divindades. De acordo com o Liddell-Scott-Jones [LSD] o termo é
frequentemente usado para descrever o ato de “fazer reverência aos
deuses ou suas imagens, cair e adoração” (Liddell, Henry George, Robert
Scott, Henry Stuart Jones, and Roderick McKenzie. A Greek-English
Lexicon. Oxford: Clarendon Press, 1996, p.1518). Herodoto (c. 484–425
a.C.) usa o termo recorrentemente para descrever um ato de adoração, observe:
O memorial do seu nome deixado por ele foi o pátio
oeste do templo de Hefesto; lá ele colocou duas estátuas de 41 pés de altura; o
mais setentrional dos mesmos os egípcios chamam de Verão, e o meridional de
Inverno; o que eles chamam de Verão, eles adoram e tratam bem,
mas fazer o oposto à estátua chamada Inverno. (Hdt.2.121;
Herodotus.Herodotus, with an English Translation by A. D. Godley. Edited by A.
D. Godley. Medford, MA: Harvard University Press, 1920.)
Uso similar
é também utilizado por Ésquilo (m. 456 a.C.) que afirma:
Mas naquela noite deus despertou inverno antes do
seu tempo e congelou o fluxo de sagrado Strymon de costa a costa. Muitos homens
que antes tinham os deuses em nenhum estima, implorou-los, em seguida, em
súplica, adorando a terra e ao céu. Mas depois que nosso
anfitrião terminou sua fervorosa invocação dos deuses ele
aventurou-se a atravessar a corrente ligada à gelo (Aeschylus, Aeschylus, with
an English Translation by Herbert Weir Smyth, Ph. D. in Two Volumes. 1.
Persians, ed. Herbert Weir Smyth (Medford, MA: Harvard University Press, 1926).
Nessa
citação, a expressão “a terra e ao céu” não representa a terra e céu como
lugar, mas como metonímia o autor se refere a todo o panteão grego, como
clarifica a sentença seguinte. A fervorosa adoração dos deuses é a descrição
dessa reverência apresentada aos deuses gregos. Esse sentido é comum e
frequente na LGC e frequentemente o objeto de προσκυνέω é acusativo (cf. S.OC1654,
A.Pers.499, Ar.Eq.156; A.Pr.936; Pl.R.451a; S.Ph.776),
como era de se esperar desse tipo de construção. Com conceito similar, os
gregos também usavam προσκυνέω em reverência a lugares sagrados (Id.El.1374; Pl.R.469b;
D.19.314). Xenofonte (430-355 a.C), faz um interessante uso do termo,
observe:
Como sinais de essas vitórias podemos, de fato,
ainda contemplar os troféus, mas o mais forte testemunho para eles é a
liberdade dos estados em que nasceram e foram criados; por que não se
deve prostrar-se ante a nenhuma criatura como mestre, mas
aos deuses apenas. (Xenophon, Xenophon in Seven Volumes, 3, trans.
Carleton L. Brownson (Medford, MA: Harvard University Press, Cambridge, MA;
William Heinemann, Ltd., London., 1922) )
Como é
evidente, προσκυνέω é utilizado como terminus technicus para
descrever a adoração de divindades na LGC. Do ponto de vista histórico, o uso [de προσκυνέω] mudou [com o tempo]
de um gesto externo para a atitude interior. Os
primórdios devem ser procuradas nos trágicos. Assim, Neoptolemos em Soph. V 6,
p 760 Phil., 656 f. manifesta o seu respeito ao prostrar-se ante a
Héracles […]. A palavra torna-se mais geral mais tarde,embora o uso
original tenha persistido. A deificação dos governantes, que começou a
partir de Alexandre, o Grande e culminou com o culto do imperador de Roma, sem
dúvida, teve uma influência decisiva na história da palavra. (Kittel, Gerhard,
Geoffrey W. Bromiley, and Gerhard Friedrich, eds. Theological
Dictionary of the New Testament. Grand Rapids, MI: Eerdmans, 1964,
pp.759-760)
2. O Uso
de προσκυνέω na Septuaginta
A datação da
Septuaginta (LXX) é um assunto controverso, mas sabe-se que não tenha sido
produzida antes do 2 séc a.C. Nesse período, o termo προσκυνέω já
era frequentemente utilizado para descrever o ato de prostar-se como um
reverente ato de reconhecimento de autoridade e/ou divindade. O termo é
utilizado 171 vezes e traduz o termo hebraico hwh 164x, que
sugere que na LXX προσκυνέω majoritariamente inclui o sentido de prostrar-se.
O termo hebraico hwh é normalmente usado para descrever o ato
de prostrar-se ao chão (Gen.18.2), ante a algo (Dt.4.19) ou alguém (Gen.27.29).
É também utilizado para descrever o ato de implorar (1Sm.2.36), suplicar (Gn.33.7),
bem como o ato de adoração ao Deus de Israel, como um de reverência e honra,
como feito aos reis humanos (Sal.5.8) ou como um ato de adoração
exclusiva a YHWH (Sal.99.5). De modo interessante, na LXX προσκυνέω
engloba todos esses sentidos e traduz todos esses versos.
Eventualmente, προσκυνέω
também traduz o termo hebraico sagar, que normalmente
denota adoração (Is.44.15-17, 19). Também traduz nashaq usado
para descrever o ato de beijar (1Re.19.18), abad também usado
para descrever adoração (Sal.98.7) e karaque reflete o prostrar-se
diante de um rei (Est.3.2) ou do próprio Deus em reverente adoração (Sal.22.30;
72.9).
Cerca de um
terço dos usos de προσκυνέω na LXX é usado para descrever o sentido de
adoração (Lust, Johan, Erik Eynikel, and Katrin Hauspie. A
Greek-English Lexicon of the Septuagint : Revised Edition. Deutsche
Bibelgesellschaft: Stuttgart, 2003.), seja a YHWH (Gen. 22:5; 24:26, 48, 52;
Ex. 4:31; 24:1; Dt. 26:10; Sal. 5:7; 29:2) ou a falsos deuses (Ex. 20:5; 23:24;
34:14; Dt. 4:19; 1Re. 22:53; 2Re. 5:18; Is. 2:8; 44:17). Isso acontece por que
o termo hebraico hwh também é usado no AT como terminus
technicus para veneração de divindades. Quando προσκυνέω é usado
dessa forma, ele é usado como sinônimo de λατρεύεω (latreúö – adorar),
com sentido estritamente religioso.
Na
LXX προσκυνέω é recorrentemente usado para descrever o ato de prostar-se
ante a alguém importante ou superior, como Davi o fez ante a Saul
(1Sa 24:9), Bateseba e Natã ante a Davi (1Re. 1:16, 23,
31); Jacó ante a Esau (Gn. 33:3–7); os filhos de Jacó ante a
José (Gn. 37:9, 10; 42:6; 43:26, 28) e Rute ante a Boaz (Rt. 2:10). O
que é interessante nesses usos é que “mesmo onde προσκυνεῖν parece ser não mais do que um gesto de gratidão ou um ato de respeito afetuoso, está sempre
expresso no ato o reconhecimento
de aquele que recebe tal honra é instrumento de Deus” (Gerhard
Kittel, Geoffrey W. Bromiley, and Gerhard Friedrich, eds., Theological
Dictionary of the New Testament (Grand Rapids, MI: Eerdmans, 1964), p.761).
Um fenômeno
interessante a ser observado na LXX é que eventualmente o objeto
de προσκυνέω ao invés de ser acusativo, como vimos na LGC, é utilizado o
dativo. Normalmente, o dativo não é utilizado como objeto direto, exceto na LXX
quando utilizado com verbos de adoração como προσκυνέω. A razão para essa
distinção pode ser explicada pela influência semítica na produção do texto da
LXX e serve para demonstrar a liquidez do idioma. Esse uso inovador aqui,
torna-se mais comum com o tempo e, como veremos a frente, desempenha um
interessante papel no NT.
3. O Uso
de προσκυνέω no Grego Koine (fora do NT)
O grego
Koine, também conhecido como grego comum, era o idioma falado no nível de
conversação informal. Esse tipo de grego é normalmente
datado entre o 3 séc. a.C. e o 3 séc. d.C. Nesse período encontram-se muitos
manuscritos em grego sobrevivente nos quais podemos verificar
como προσκυνέω era utilizado. Destaca-se entre esses manuscritos, os Papiros
de Oxirrinco, uma coleção de documentos datados do primeiro ao quarto
século que contém cartas, lista de compras, porções de livros clássicos entre
outras coisas.
Nesse
período o sentido de respeito, reverência e submissão também é visto
em προσκυνέω. Uma serva pode prostrar-se ante a seu
senhor em reverente submissão (P Giss I. 1114,118 d.C.; BGU II. 42315, 2
séc. d.C). O termo é também usado sem objeto, i.e, como verbo intransitivo em
descrição de atividades religiosas (P Par 4932, 161 d.C; Syll 807, P
Tebt II. 4167,2 séc. d.C).
De
modo geral προσκυνέω é empregado no primeiro século para descrever a
veneração de divindades (cf. P Flor III. 33211) e nas inscrições
Ptolomaicas, o termo jamais vem acompanhado de dativo como objeto direto (cf. OGIS 1845).
Eventualmente o sentido de προσκυνέω é análogo a λατρεύεω (adoração)
e a φοβέω (temor, medo, respeito) e é também usado como em referência a
veneração de seres humanos, como no caso Trajano, o deificado imperador
romano (cf. P Tebt II. 28622, 121–138 d.C). Como já
mencionado, a adoração do imperador Romano atribuiu grande influência ao uso do
termo, especialmente no primeiro século de tal modo que o προσκυνέω passou
a ser usado como terminus technicus para adoração de divindades,
sejam elas humanas, ídolos ou até mesmo para Deus. (Milligan,
G., and James Hope Moulton. Vocabulary of the Greek Testament (Greek
Edition). Peabody, MA: Hendrickson Pub, 1997, p.549).
4. O Uso de
προσκυνέω na Literatura Judaica
Na
literatura judaica ‘contemporânea’ do NT, nós encontramos três diferentes
fontes de informação: Filo de Alexandria (20 a.C. – 30 d.C) e Flávio Josefo
(37-100 d.C) e a Literatura Rabínica (org. 2 séc?). Filo de Alexandria,
usa προσκυνέω majoritariamente em descrição de um ato reverente ante a
alguém superior. Quando Filo descreve a criação do homem, ele afirma que era
necessário que o homem fosse o último a ser criado, pois assim poderia com isso
impor terror/respeito entre a criação com sua presença, e completa: “Por que
convinha que, assim que eles o vissem pela primeira vez eles o admirassem e
prestassem homenagem a ele como seu regente natural
e mestre” (Charles Duke Yonge with Philo of Alexandria, The Works of Philo:
Complete and Unabridged (Peabody, MA: Hendrickson, 1995), p. 13.). Nesse
texto, προσκυνέω é usado de modo paralelo a φοβέω, como respeito, ou
até mesmo a τιμάω (honra), mas não a λατρεύεω (adoração) com sentido
religioso.
Entretanto,
eventualmente Filo utiliza προσκυνέω em referência a adoração, veneração.
Quando fala sobre o problema da pobreza, ele afirma:
E todos os pobres possuem uma terrível doença, o
amor ao dinheiro, mas, não tendo eles mesmos riqueza alguma que pudesse ser
digna da atenção deles, eles fixam sua admiração na riqueza alheia, e, com o
propósito de oferecer adoração a ela, vão pela manhã para a
casa daqueles que tem em abundância, como se fossem templos nobres onde estão
indo para fazer orações, e suplicar bençãos dos seus donos como se fossem
deuses. (Charles Duke Yonge with Philo of Alexandria, The Works of Philo:
Complete and Unabridged (Peabody, MA: Hendrickson, 1995), p.536).
De modo
interessante, em Filo προσκυνέω é usado com sentido de adoração, mas
normalmente não é utilizada em referência à adoração verdadeira. Mesmo quando
Filo utiliza em referência ao templo, dia da redenção ou a própria escritura
(Leg. Gaj., 310; Vit. Mos., II, 23, 40) segue-se a isso uma advertência contra
a idolatria (Decal., 4.).
Flávio
Josefo usa προσκυνέω 98x e, diferente de Filo, segue mais de perto o
padrão da LXX e o atribui à adoração de YHWH (Ant.6.55, 154; 7.95; Bell., 1.71,
2.341, 5.99), falsos ídolos (Ant. 6.2; Ag.Apion 1.239, 261) e da prática
oriental de prostrar-se ante a alguém superior. É verdade que ele prefere
utilizar σεβέω, τιμάω e θρησκεύεω para descrever a adoração do Deus
de Israel (Ant., 3, 91; 8, 248; 9, 133; Horst, 113), mas eventualmente προσκυνέω
é usado com o mesmo sentido desses termos. Em um desses casos, Josefo conta a
história de Doras, que junto com os amigos e com a intenção de assaltar
Jonatas,
foram até a cidade [de Jerusalém], como se
estivessem indo para adorar a Deus, enquanto tinham adagas debaixo
de suas roupas, com isso conseguiam se misturar com a multidão (Ant. 20:164)
Josefo
frequentemente utiliza προσκυνέω em relação para descrever o ato de
prostar-se ante a um rei (Ant., 6, 285; 7, 187, 349, 354) ou um profeta
(Ant., 8, 331) quando menciona um fato passado, seguindo provavelmente o texto
da LXX, mas o evita quando descreve uma situação do seu próprio período (Bell.,
2, 336, 350, 360). Ele também emprega προσκυνέω em referência tanto ao Templo
(Ant., 13, 54; 20, 49; Bell., 2, 341; 5, 381) como à Torá (Ant., 12, 114; Ep.
Ar., 177 and 179), e em ambos um sentido de respeito e apreço é apresentado,
não o de veneração ou adoração. Josefo também o usa para descrever a veneração
de Alexandre o Grande a ὀ ὀνομα (o nome), uma provável referência ao Deus
de Israel (Ant., 11, 331).
Na
literatura Rabínica προσκυνέω, além de manter a idéia de respeito e
reverência a pessoas importantes como aos próprios Rabis (b. Ket., 63a ;
Str.-B., I, 519 on Mt. 9:18); j Pea, 1, 1 (15d, 28f); b. Sanh., 27b; Str.-B.,
I, 996 on Mt. 26:49), agora assume um sentido estritamente religioso não
comumente encontrado em outros lugares. O termo é usado para descrever o ato da
prostrar-se para orar (Str.-B., II, 259; cf. Lc.22.41). o
Rabi Akiba (morr. c.134 d.C.) é descrito em várias ocasiões como se prostrando
para orar (T. Ber., 3, 5 (6); Str.-B., II, 260), bem como o Rabi Gamaliel
(morr. c.70 d.C.) (b. Sukka, 53a Bar; Str.-B., II, 261). Essa nuance,
apresentada apenas eventualmente em outros lugares é aqui a descrição do uso
religioso da mesma.
5. O Uso
de προσκυνέω nos Pais Apostólicos
No período
posterior ao NT, homens convertidos ao Cristianismo passaram a escrever a
respeito da doutrina cristã para cristãos. Normalmente são chamados de Pais
Apostólicos os líderes da igreja primitiva entre uma e duas gerações dos
apóstolos, como por exemplo Clemente de Roma, Inácio de Antioquia e Policarpo
de Esmirna. Também se inclui alguns textos cristãos primitivos entre eles, como
o Pastor de Hermas, Didaquê e a Carta a Diogeneto, pelo fato de
terem sido escritas durante esse período.
Nesses
documentos προσκυνέω tem sentido exclusivo de adoração, ou seja,
denota o mesmo sentido de λατρεύεω, e normalmente descreve a adoração
de deuses falsos, seguindo o costume de Filo e Josefo. Clemente de Roma
(morr. c. 99 d.C.), por exemplo, conta que no passado “éramos deficientes
de conhecimento, adorando pedras, madeira, ouro, prata e
bronze produto de mãos humanas; e nossa vida era nada mais do que morte”
(2Cl.1.6). Em outro lugar na mesma carta, Clemente também afirma que os
cristãos “não devem adorar deuses mortos” (2Cl.3.1). Do
mesmo modo, na carta a Diogeneto lemos seu autor alerta seus leitores sobre os
ídolos, feitos por mãos humanas, que eles adoram (Diog.2.4-5). O mesmo pode ser
dito do que encontramos no livro Martírio de Policarpo, que o descreve
como o mestre de Esmina: “Este é o mestre da Ásia, o pai dos Cristãos, e
aquele que destruiu os seus deuses, e que vem ensinando a não
sacrificar ou adorar os deuses” (MPo 12.2).
Apenas uma
única vez προσκυνέω não é usado sem referência a falsos ídolos. No livro
que descreve o Martírio de Policarpo, o autor descreve um discurso
de Policarpo nos seguintes termos:
“Por que a Ele [Cristo], nós adoramos como
Filho de Deus, mas aos mártires, como discípulos e seguidores de Cristo, nós
dignamente os amamos por sua extraordinária afeição ao nosso Rei e Mestre, de
quem nós também seremos feitos parceiros e co-díscípulos com eles” (MPo 17.3).
Nesse uso,
fica evidente a distinção entre respeito, homenagem e reverência adoração.
Jesus Cristo era adorado, os apóstolos, discípulos e mártires apenas
respeitosamente amados.
6. Sumário e
Conclusão
Como fica
evidente em nossa demonstração acima, o termo προσκυνέω foi usado com
significativa e ampla gama de significados. Ao que parece, o termo foi usado
primariamente para descrever o ato de beijar, como sinônimo de κυνέω. Em
Homero, o ato de beijar o chão também incluia o conceito de prostrar-se que
com o tempo parece ter se tornado a ênfase do termo.
O ato de
prostar-se também passou a incluir o sentido de respeito, submissão e
reconhecimento de superioridade ante autoridades. Apenas eventualmente
e especialmente na LXX, o termo é usado para descrever o ato de prostrar-se
para suplicar favor ou implorar ante a uma
autoridade ou alguém reconhecido como superior, ou até mesmo entre iguais com a
implícita atitude de humildade.
Entretanto, προσκυνέω
é recorrentemente usado para descrever um ato de adoração, seja entre os pagão,
seja entre os judeus. Na LXX e na literatura judaica o termo descreve tanto a
verdadeira adoração de YHWH como a adoração de falsos deuses. Em Josefo e Filo
o termo majoritariamente é usado para descrever a falsa adoração. Entre os
gregos, o termo descreve a adoração de entidades divinas, seres humanos,
ídolos, templos e objetos sagrados e serve como terminus technicus para
adoração. Posteriormente, o termo passa a descrever também o ato de prostrar-se
para orar, como descrição estritamente religiosa mas desprovida de implícito
conceito de adoração ou veneração. Afirmar que no período do NT o termo era
desprovido de sentido religioso, ou que continha sentido religioso apenas
quando aplicado a Deus, é evidentemente contrária a evidência apresentada.
O que é
interessante em nossa análise é notar que o sentido do termo προσκυνέω no
período próximo à produção do NT é usado largamente como descrição de
atividades religiosas. É digno de nota que os cristãos posteriores ao NT usaram
o termoexclusivamente com sentido religioso de adoração. Também
fica evidente que em alguns casos o sentido de adoração, submissão e respeito
aparecem na mesma ocasião, demonstrando que a dicotomia apresentada pela STV é
falsa e deve ser rejeitada. Também vimos que o campo semântico do termo é muito
mais abrangente que o assumido pela STV, o que demonstra que a análise das
evidências feita por essa instituição trata-se apenas de uma
super-simplificação desnecessária.
B. O Uso de
προσκυνέω no NT
Προσκυνέω é
60x no NT em 54 versos, sendo 22 versos em Apocalipse, 13 em Mateus, 7 em João,
4 em Atos, 3 em Lucas, 2 em Marcos, 2 em Hebreus e 1 em 1Coríntios. Diferentes
sentido são expressos pelo termo e, portanto, a análise atenta dos mesmos é
necessária. Quando προσκυνέω é usado sem objeto o termo é usado como terminus
technicus para descrever o ato de adoração ao Deus
Verdadeiro (Jo.4:20; 12:20; At.8:27; 24:11; Ap.11:1).
Normalmente προσκυνέω tem como objeto um termo no acusativo, como esperado
nesse tipo de construção. Entretanto, seguindo o uso apresentado na LXX, também
encontra-se no NT o uso de dativo como objeto direto de προσκυνέω. Esse
fenômeno não é incomum no NT, aliás, verbos como πιστέω (crer, confiar),
ύπακούω (obedecer), διακονέω (servir), λατρέυω (adora), εὐχαριστέω (agradecer) e ἀκολουθέω (seguir) frequentemente
são acompanhados por dativos como objetos direto. De modo interessante, são
todos verbos relacionados a algum comportamento associado a Deus. O dativo
talvez tenha sido preferido com esses verbos por que é o caso grego que sugere
relacionamento pessoal, e portanto, apropriado para descrever atividades
religiosas dirigidas a Deus.
É
interessante notar que no NT a adoração apresentada com προσκυνέω quando
seguida de acusativo, normalmente descreve o tipo de adoração falsa (Ap.9.20;
13.8, 12; 14.9, 11; 20.4), ao passo que a adoração a Deus é normalmente
descrita com dativo (Jo.4.21; 1Cor.14.25; Ap.4.10; 7.11; 11.16; 19.10; 22.9).
Entretanto, esses usos não são exclusivos, afinal a adoração a Deus também é
apresentada com acusativo (Mat.4.10), do mesmo modo que a adoração de falsos
deuses também é apresentado com dativo (At. 7.43; Ap.13.4; cf. v.15;
16.2; 19.20). Entretanto, é possível que o dativo seja usado quando uma
relação pessoal está em vista, ao passo que o acusativo apresenta uma adoração
mais distante. (Wallace, Daniel B. Greek Grammar Beyond the Basics.
Enlarged ed. (Grand Rapids, MI: Zondervan, 1997), pp.172-173). Em outras
palavras, quando o dativo é usado o sentido de adoração pessoal é enfatizada ao
passo que com o acusativo a adoração pessoal não é a ênfase da descrição.
1. Προσκυνέω
Aplicado a Deus
Cerca de 23
vezes προσκυνέω é usado em relação a Deus no NT (Mat 4.10; Lc.4.8; Jo.4.21,
23*2; 4.20*2, 24*2; 12.20; At.8.27; 24.11; 1Cor.14.25; Hb.11.21; Ap.4.10; 7.11;
11.16; 11.1; 14.7; 15.4; 19.4, 10; 22.9). Em todos esses texto, sem
excessão, o sentido de προσκυνέω é de adoração.
2. Προσκυνέω
Aplicado a Ídolos
Apenas uma
vez no NT προσκυνέω é usado em referência a idolatria: Em Atos 7.43,
lemos: “τοὺς τύπους οὓς ἐποιήσατε προσκυνεῖν αὐτοῖς” (imagens
que vocês fizeram com o objetivo de adorar-las).
Dificilmente προσκυνέω teria outro sentido aqui. Vale a pena notar que o
dativo é utilizado como objeto nessa construção, ainda que a adoração seja
completamente desprovida de pessoalidade. Talvez a intenção fosse um vínculo
pessoal com a divindade.
3. Προσκυνέω
Aplicado a Seres Humanos
No NT, ao
contrário do que se pensa é apenas raramente aplicado a seres humanos, ao
contrário da LXX, Josefo e Filo que o usam dessa forma com frequência.
Três casos são interessantes a serem observados aqui: (1) Em Mat.18.26
lemos ὁ δοῦλος προσεκύνει αὐτῷ λέγων (o servo prostrou-se ante ele dizendo). Nesse caso vemos um uso
paralelo àquele encontrado na LXX (2Sam.18.28) no qual o ato de prostrar-se é
seguido de uma súplica. Nesse texto, alguns conceitos estão implícitos: (a)
Existe da parte daquele que se prostra o reconhecimento da superioridade do
outro, haja visto que ele é apresentado como servo ao passo que aquele diante
quem ele se prostra é o senhor; (b) Existe por parte do servo um interesse
genuíno e pessoal, como o dativo como objeto direto parece sugerir; (c) Não
está presente qualquer conotação de devoção ou adoração, mas está implícito que
o servo está sujeito à autoridade do seu senhor.
(2) Em
Ap.3.9 lemos: “ἰδοὺ ποιήσω αὐτοὺς ἵνα ἥξουσιν καὶ προσκυνήσουσιν ἐνώπιον τῶν ποδῶν σου” (Eu farei com que eles venham prostrem-te
ante a seus pés). Embora em Apocalipse a maioria dos usos de προσκυνέω
são relacionados à adoração, é altamente improvável que esse seja o sentido
aqui. Também é importante notar que o texto não fala de prestação de homenagem.
A ênfase do texto recai sobre o devido reconhecimento de que a igreja de
Filadéfia era de fato o povo de Deus. A sinagoga de Satanás, os seguidores dos
Nicolaítas, um dia prostar-se-ão aos pés da Igreja da Filadéfia, não como
adoração, nem prestação de homenagem, como derrotados. Eles serão
humilhados por Deus e como derrotados colocados aos pés dos cristãos que mantém
a sagrada doutrina dos apóstolos. Aqui προσκυνέω se refere ao ato
de prostrar-se, mas esse ato é produzido por Deus contra a vontade dos
mesmos, sugerindo sujeição não prestação de homenagem.
(3) Em Atos
10.25 lemos ὁ Κορνήλιος πεσὼν ἐπὶ τοὺς πόδας προσεκύνησεν (Cornélio prostrou-se aos seus [de Pedro] pés e
adorou/prestou homenagem). Embora προσκυνέω tenha aqui sido em
referência a um ser humano, dificilmente o sentido mais natural do termo está
em uso. De fato, a expressão πεσὼν ἐπὶ τοὺς πόδας já explicita o
fato de que Cornélio estava
aos pés de Pedro.
Portanto, προσκυνέω não inclui aqui, em nenhum sentido, o conceito de
prostrar-se. Em que sentido então o termo é usado aqui? É difícil precisar se
esse é um ato apenas de reverência ou adoração, entretanto, era algo que Pedro
sentiu-se compelido a rejeitar (v.26). Caso fosse apenas uma homenagem, era
algo que colocaria Pedro em um patamar que não lhe pertencia. Aliás, pela
resposta de Pedro, fica evidente que esse é o caso: Ἀνάστηθι· καὶ ἐγὼ αὐτὸς ἄνθρωπός εἰμι (Levanta-te, pois eu sou homem como você). O ato de Cornélio foi
entendido por Pedro como se Cornélio reconhecesse Pedro ao menos como
alguém sobre-humano, uma atitude plenamente possível para um
gentio, mesmo um piedoso como Cornélio. Se Pedro tivesse entendido a ação de
Cornélio de modo equivocado, nós esperaríamos a explicação de Cornélio
dizendo que era apenas um ato de reverência e nada além disso. Mas, não
encontramos no texto nada parecido com isso. Tudo o que se pode dizer com
segurança é que a atitude de Cornélio era algo que Pedro deveria rejeitar.
Vale a pena
notar que resposta similar a essa foi dada por Paulo e Barnabé em rejeição ao
reconhecimento de que eles eram deuses encarnadados em Listra
(At.14.8-15): Ἄνδρες, τί ταῦτα ποιεῖτε; καὶ ἡμεῖς ὁμοιοπαθεῖς ἐσμεν ὑμῖν ἄνθρωποι (Homens, que fazem? Nós somos de natureza
humana como vocês). Ou seja, a atitude de Cornélio de alguma forma promoveu
em Pedro a mesma reação que a multidão de Listra provocou em Paulo e Barnabé.
Portanto, é possível que Cornélio aqui tenha oferecido a Pedro mais do que
apenas respeito, ainda que não o considerasse como um deus. Certamente era algo
ofensivo para Pedro receber, e não seria equivocado traduzir προσκυνέω
como adoração, ainda que uma adoração desconexa de interesse pessoal. Favorece
essa conclusão o fato de que o προσκυνέω não tem objeto direto explícito
no texto, o que sugere que uma construção comum é esperada aqui com acusativo.
Caso o interesse pessoal estivesse presente, o dativo deveria ser explícito.
4. Προσκυνέω
Aplicado a Seres Angelicais
Apenas em
duas ocasiões προσκυνέω é usado no NT em referencia a seres angélicos: (1)
Em Ap.19.10 nós lemos: “καὶ ἔπεσα ἔμπροσθεν τῶν ποδῶν αὐτοῦ προσκυνῆσαι αὐτῷ” (Então
caí prostrado ante aos seus pés para adorá-lo). Como no caso de Atos.10.25
a cena inicia com com o verbo πίπτω (cair, prostrar-se) o que sugere
que προσκυνέω não denota o ato físico de prostrar-se, mas a ação realizada
quando se está prostrado. Também é evidente pela expressão ἔμπροσθεν τῶν ποδῶν (ante aos seus pés) que João, o apóstolo, jogou-se aos pés do anjo com o objetivo
de adorá-lo. Nesse verso é impossível que o sentido seja diferente desse,
afinal em sua repreensão a João o anjo diz: “τῷ θεῷ προσκύνησον” (Adore a
Deus). Note que o objeto de ambos os verbos é dativo (αὐτῷ; τῷ θεῷ) que sugere que tanto a atitude de Pedro, quanto a
atitude sugerida pelo anjo foram carregadas de interesse pessoal.
(2)
Semelhantemente, em Ap.22.8 nós lemos: “ἔπεσα προσκυνῆσαι ἔμπροσθεν τῶν ποδῶν τοῦ ἀγγέλου” (caí aos pés do anjo para adorá-lo).
Novamente a ação é introduzida por πίπτω, o que sugere que προσκυνέω
não é usado com o sentido de prostrar-se apenas. Novamente, João prostra-se
ante ao anjo com o objetivo de adorá-lo e novamente é por ele repreendido com a
expressão “τῷ θεῷ προσκύνησον” (Adore a Deus). Novamente, o sentido aqui claramente
sugere adoração, claramente rejeitada pelo anjo que sabe que somente Deus
pode receber adoração.
É
importante notar que a dupla reação angélica em Apocalipse é deveras
similar àquela encontrada em Pedro em Atos, do mesmo modo que a ação de João
para com o anjo em Apocalipse é deveras similar àquela encontrada em Cornélio
em relação a Pedro. Isso favorece nossa sugestão de que não seria correto
traduzir προσκυνέω em Atos como um ato de adoração.
5. Προσκυνέω
Aplicado a Jesus Cristo
Προσκυνέω é
usado em referência a Jesus Cristo 16x no NT (Mat.2.2, 8, 11; 8.2; 9.18; 14.33;
15.25; 20.20; 28.9, 17; Mc.5.6; 15.19; Lc.24.52; Jo.9.38; Hb.1.6; Ap.5.14).
Como já vimos esse termo grego carrega ampla gama de significado e no período
do primeiro século προσκυνέω era usado comumente para adoração inclusive
dos Imperadores Romanos. Embora, a STV esteja convicta que em todas as ocasiões
que προσκυνέω é aplicado a Cristo o sentido do termo significa
apenas prestar homenagem, nós acreditamos que tal conclusão não
corresponde a evidência.
a. Προσκυνέω
Possivelmente Como ‘Prestar Homenagem’
Em Mc.15.19
nós lemos que os soldados que afligiam a Cristo “καὶ τιθέντες τὰ γόνατα προσεκύνουν αὐτῷ” (ajoelhavam-se
e adoravam/prestam homenagem a Ele). Nesse texto, qualquer que seja o
sentido que se atribua a προσκυνέω sabe-se que trata-se de um ato de
ironia. Cristo poderia estar sendo reverenciado como o rei (cf. v.15),
ou adorado como o tal, ou até mesmo homenagens poderiam ser prestadas a Ele.
Entretanto, sabe-se pelo contexto que a ação dos soldados romanos era
desprovida de real intenção. Em outras palavras, a partir desse verso, pouco se
pode dizer sobre a possibilidade de Jesus receber ou não adoração.
b. Προσκυνέω
Como um Ato de Reverência/Submissão
Em pelo
menos 5 ocasiões (Mat.8.2; 9.18; 15.25; 20.20; Mc.5.6) os evangelistas
apresentam histórias que de súplica ou até mesmo desespero. Caso similares a
esses são encontrados tanto na LGC, LXX e outras narrativas apresentadas por
Josefo. Em Mat.8.2 vemos que o o leproso “ἐλθὼν προσεκύνει αὐτῷ λέγων” (veio e prostrando-se diante dele disse). A narrativa aqui nos
apresenta o caso de alguém crente e esperançoso para receber a cura para seu
problema. A descrição desse leproso como vindo (ἔρχομαι) até Cristo, é apresentado em várias ocasiões onde seu
poder é esperado
(Mat.9:18; 15:25; 20:20). Pessoas vinha até Cristo desesperadas (Mat.9.18; 15.25; cf. Mc.5.6) com a expectativa que Ele pudesse resolver
seu problemas. Nesses casos, parece que a narrativa não apresenta a ação
descrita por προσκυνέω como um ato de adoração, muito menos de homenagem, mas
de submissão diante de uma necessidade expressa por meio de súplica. Descreve
um ato de humildade, inferioridade e impotência. Existe a crença de que aquele
diante de quem se solicita o favor é capaz de realizar o pedido, na mesma
intensidade que vemos o servo solicitar perdão do seu Senhor (Mat.18.26). A
esperança por um milagre não necessariamente aponta para o reconhecimento de
divindade em Cristo, pois em ocasiões de desesperoqualquer remédio é bom
remédio. Em Mat.20.20, vemos a solicitação da mãe dos filhos de Zebedeu,
que reverentemente ajoelha-se diante de Cristo. Dificilmente nesse caso
encontramos um ato de adoração ou prestação de homenagem. É um ato de
reverência ante a autoridade.
c. Προσκυνέω
Como um Possível Ato de Adoração ao Cristo Encarnado
Na narrativa
que Mateus apresenta para o nascimento de Cristo, προσκυνέω é usado 3x
(Mat.2.2, 8, 11) e de fato é muito difícil classificar como esses versos devem
ser entendidos. Em primeiro lugar, sabemos que προσκυνέω foi usado como
forma de reverência a reis em textos na LGC e LXX e que era um uso comum no
primeiro século, como visto nos papiros de Oxirrinco e nos escritos de Josefo e
Filo, e portanto tal uso aqui não seria incorreto. Entretanto, nenhum exemplo
se encontra desse tipo de ato reverente perante uma criança. Em segundo lugar,
é difícil precisar de onde são os magos que vieram do oriente, para entender
que tipo de costumes poderiam ter que pudesse explicar o que está acontecendo.
Infelizmente, a narrativa bíblica não nos oferece informação suficiente
para definirmos com clareza a origem e visão dos magos a respeito desse
ato apresentado como o termo προσκυνέω.
Entretanto,
alguns detalhes textuais merecem nossa atenção:
(1) Em Mat. 2.2 lemos: “καὶ ἤλθομεν προσκυνῆσαι αὐτῷ” (e nós
viemos para adorar/prestar homenagem a ele). O verbo ἔρχομαι é usado aqui
antes de προσκυνέω, e essa
linguagem possivelmente aponta para um evento religioso onde o poder de Cristo
é esperado (cf. Mc.5.33), ou até mesmo reconhecido. O objeto
de προσκυνέω aqui é dativo, o que sugere, como já vimos, um sentido de
pessoalidade envolvida.
(2) Em Mat. 2.8 lemos que Herodes diz: “ὅπως κἀγὼ ἐλθὼν προσκυνήσω αὐτῷ” (para que eu mesmo vá e adore/preste homenagem
a ele). Sabe-se ao certo que as intenções de Herodes são diametralmente
opostas a dos magos, mas usando de ironia Herodes usa a mesma construção que os
Magos usaram para descrever o ato intencionado ante ao rei dos Judeus. O mesmo
verbo (ἔρχομαι) introduz προσκυνέω e ele também opta pelo
dativo como objeto do ato de homenagem/adoração. O que quer que os Magos queriam dizer com tal construção, Herodes sagazmente dá a entender que ele tem o mesmo plano.
(3) Em Mat.2.11, entretanto, vemos que o ato realizado pelos Magos é
paralelo a vários outros relatos que descrevem um ato de adoração: “καὶ ἐλθόντες εἰς τὴν οἰκίαν (…) καὶ πεσόντες προσεκύνησαν αὐτῷ” (E indo até a casa (…) prostraram-se e adoraram/prestaram homenagem
a ele). (a) Novamente ἔρχομαι é utilizado como introdução da cena e o objeto da ação descrita por προσκυνέω é dativo. (b)
Entretanto, de acordo com a narrativa, os Magos se prostraram ante à criança antes de realizar a ação descrita com προσκυνέω. Como já vimos, esse mesmo tipo de
construção foi vista na ação de Cornélio para com Pedro (At.10.25), de João
para com o anjo (Ap.19.10; 22.8) e sabemos que existem fortes evidências que
apontam para essa descrição como um ato de adoração. Nesses três casos
πίπτω introduz a ação descrita por προσκυνέω cujo objeto é dativo. Vale
acrescentar que a adoração a Deus é apresentada nesses termos em vários lugares
no NT (Mat.4.9; 1Cor.14.25; Ap.4.10; 5.14; 7.11; 11.16; 19.4).
Diante
disso, é possível entender que a ação realizada pelos Magos aqui aponta para um
ato de adoração. Entretanto, não deve-se concluir disso que os Magos entendem a
Cristo (criança) como Deus digno de adoração. Afinal, nada sabemos sobre o
contexto de onde esses Magos e sua cosmovisão sobre a divindade. Por outro
lado, podemos dizer que tanto quanto Mateus nos deixa conhecer desse Magos
através de sua narrativa, o ato realizado pelos Magos é um ato de adoração. Tal
ato estaria completamente dentro do padrão estabelecido pelo texto, afinal
Cristo já havia sido chamado de Emanuel, Deus conosco (Mat.1.23).
Durante o
ministério de Cristo, apenas dois versos parecem sugerir que Cristo foi
adorado. Em Jo.9.38 lemos a resposta do homem cego, que depois de curado é
convidado por Jesus para crer no Filho do Homem que disse: “Πιστεύω, κύριε· καὶ προσεκύνησεν αὐτῷ” (Eu creio, senhor e O adorou/prestou homenagem a ele). É
realmente difícil definir o sentido de προσκυνέω nesse texto, e ambas traduções
poderiam ser aceitas como válidas. Em defesa de uma tradução como “prestou
homenagem a Ele“, ou “O reverenciou” apontamos o uso do
vocativo κύριε (senhor), uma forma respeitosa de se dirigir a alguém
investido de autoridade. Nesse caso, é possível que a resposta do cego a Cristo
seja revestida de honra ou reverência. Contra essa conclusão, dois detalhes devem
ser notados: (1) João usa προσκυνέω somente com sentido de adoração
(Jo.4.20*2; 21, 22*2, 23*2, 24*2; 12.20); (2) O ato de prostrar-se é antecedido
por uma confissão de fé em Cristo como o Filho do Homem, que no evangelho de
João representa a revelação encarnada de Deus que deu sua vida pelo mundo (cf. Jo.3:13–14;
5:53; 6:27; 12:23; 13:31). Em outras palavras, ainda que a tradução “prestou
homenagem” ou “O reverenciou”sejam possíveis, é bem provável que o texto aqui
aponte para um ato de adoração.
Em Mat.14.33
nós lemos: “οἱ δὲ ἐν τῷ πλοίῳ προσεκύνησαν αὐτῷ λέγοντες, Ἀληθῶς θεοῦ υἱὸς εἶ” (Então, aqueles que estavam no barco, o
adoraram dizendo: És verdadeiramente o Filho de Deus). Nesse verso a
expressão Ἀληθῶς θεοῦ υἱὸς εἶ (És
verdadeiramente o Filho de Deus) descreve o conteúdo expresso
por προσκυνέω nesse texto. Dificilmente poder-se-ia dizer que essa
afirmação trata-se de uma prestação de homenagem. Aliás, nesse texto, traduzir
προσκυνέω como prestação de homenagem não parece adequado. Eles estão declarando
que Cristo, aquele que andou sobre as águas, é verdadeiramente o Filho de Deus.
É bem provável que esse é um caso de adoração ao Cristo encarnado.
d. Προσκυνέω como
um Ato de Adoração do Cristo Ressurreto
Depois de
usa morte e ressurreição, em três ocasiões προσκυνέω é usado em referência
a Cristo, e pelo contexto, dois indicam um ato de adoração reverente
a Jesus Cristo. Em Mat.28.9 nós lemos: “αἱ δὲ προσελθοῦσαι ἐκράτησαν αὐτοῦ τοὺς πόδας καὶ προσεκύνησαν αὐτῷ” (Então, elas aproximaram-se dele e
abraçando-lhe os pés o adoraram). Nesse texto, o ato de prostrar-se é
descrito pela expressão ἐκράτησαν αὐτοῦ τοὺς πόδας (lit. pegaram os pés dele) e, portanto προσκυνέω não
descreve tal ato. Dificilmente nesse contexto o sentido de prestar homenagem é
apropriado. Cristo não está sendo apresentado como um rei, não está sendo
descrito como exigindo algo, nem encontramos na cena o desejo desesperado de
ajuda, como vimos em outros texto. Nesse texto, vemos a reação das mulheres
diante da notícia da ressurreição de Cristo dada pelo próprio Cristo
ressurrecto. Da mesma forma que diante de um evento além da compreensão humana
levou João a prostrar-se ante ao anjo em adoração, essas mulheres prostraram-se
ante ao Cristo ressurreto em adoração. Entretanto, diferente do caso do anjo
que repreendeu a João pelo ato indevido, Jesus consente com o fato. De duas
uma, ou ele está recebendo algo indevido, e portanto, deve ser descrito como um
impostor, ou ele aceita dos homens o que somente Deus pode aceitar. Note também
o dativo como objeto direto (αὐτῷ) novamente usado aqui. Ao ler esse texto
honestamente, dificilmente se escapa da conclusão de que a adoração de Cristo
está em vista
aqui.
Pouco à
frente, quando os discípulos reencontram a Cristo, a reação é similar, mas não
generalizada. Em lemos: “ἰδόντες αὐτὸν προσεκύνησαν, οἱ δὲ ἐδίστασαν” (quando o viram o adoraram, mas alguns hesitaram). O verbo usado
aqui para descrever o que algumas traduções definem como dúvida é διακρίνομαι
que não descreve um ato de descrença, mas de hesitação (cf. At.10.20)
A hesitação apresentada aqui é interessantíssima, afinal são os discípulos
que O conheciam intimamente parecem reagir de modo distante de Cristo. Nem
todos duvidam nessa cena, mas o ato de adoração apresentado tem acusativo como
objeto direto, o que sugere uma certa distância no ato da adoração. A cena é
similar a encontrada no v.9, mas a distinção é também gritante: Os apóstolos,
que deveriam recebê-lo devidamente, aqui são apresentados como em
hesitação. Tal hesitação pode ter sido fruto de um possível medo de como Cristo
reagiria diante da adoração deles, ou até mesmo de um problema religioso,
no qual o pano de fundo judaico estritamente monoteísta estivesse em jogo. Mas,
é mais provável que eles estavam confusos sobre como se portar diante do que
estava acontecendo diante dos olhos deles. Entretanto, é importante notar a
distinção que o texto oferece: Aqueles que adoraram não são os mesmos que
hesitaram. Apenas alguns dentre eles hesitaram. Em outras palavras, ainda que a
reação não tenha sido generalizada, dificilmente se encontra aqui um ato de
prestar de homenagem. Do mesmo modo, não é possível ser categórico e afirmar
que a atitude dos apóstolos aqui é uma atitude religiosa de adoração a Jesus
Cristo.
Por fim, em
Lc.24.52 nós lemos: “αὐτοὶ προσκυνήσαντες αὐτὸν” (Eles O adoraram). Nesse texto é
indubitável que o sentido é de adoração por uma série de fatores contextuais:
(1) O ato descrito como προσκυνέω é antecedido pelo assunção de Cristo aos
céus (v.51). A expressão que Lucas usa aqui para descrever o fato é “διέστη ἀπʼ αὐτῶν” (Ele os deixou) é usada no evangelho é
usado para descrever a partida de visitantes sobre-humanos (1:38;
2:15; 9:33; At.10:7; 12:10; cf. Gen 17:22; 35:13; Jz.6:21; 13:20);
(2) O ato de deixar os discípulos é descrito como sendo a esfera celestial (ἀνεφέρετο εἰς τὸν οὐρανόν). Jesus não apenas os
deixou de modo paralelo ao caso de anjos, mas seu destino foi aqui definido. Em
outras palavras, enquanto esses discípulos recebiam de Cristo sua bênção, ele
os deixou e foi assunto aos céus. Diante desse ato extra-ordinário os
discípulos o adoraram. Seria estranho encontrar uma prestação de homenagem se
aquele a quem se presta esse sinal de referência não estivesse presente.
e. Προσκυνέω
como um Ato de Adoração do Cristo Exaltado
Dois textos
descrevem o ato de adoração atribuída ao Cristo Exaltado. Em Ap.5.14, nós
lemos: “οἱ πρεσβύτεροι ἔπεσαν καὶ προσεκύνησαν” (Os anciãos prostrando-se adoraram). Vários fatores favorecem a
identificação de Cristo como Aquele que é adorado aqui: (1) O Cordeiro é o tema
de todo o capítulo, mas especialmente nos versos 12-14. Observe que no verso 12
nós lemos: “Ἄξιόν ἐστιν τὸ ἀρνίον τὸ ἐσφαγμένον λαβεῖν τὴν δύναμιν καὶ πλοῦτον καὶ σοφίαν καὶ ἰσχὺν καὶ τιμὴν καὶ δόξαν καὶ εὐλογίαν” (Digno é
o Cordeiro que foi morto de receber poder, riqueza, sabedoria, força, honra e
louvor). O Cordeiro é digno de recebe o louvor, da mesma forma que o
próprio Deus o é (Ap.7.12): “ἡ εὐλογία καὶ ἡ δόξα καὶ ἡ σοφία καὶ ἡ εὐχαριστία καὶ ἡ τιμὴ καὶ ἡ δύναμις καὶ ἡ ἰσχὺς τῷ θεῷ ἡμῶν” (louvor, glória, sabedoria, ação de graças,
honra, poder e força sejam ao nosso Deus); (2) O Cordeiro é identificado
com Deus no ato de adoração de todas as criaturas, no céu,na terra, debaixo da
terra, no mar e em tudo o que neles existe no v.13: “Τῷ καθημένῳ ἐπὶ τῷ θρόνῳ καὶ τῷ ἀρνίῳ ἡ εὐλογία καὶ ἡ τιμὴ καὶ ἡ δόξα καὶ τὸ κράτος εἰς τοὺς αἰῶνας τῶν αἰώνων” (Àquele que se assenta no trono e ao Cordeiro sejam
o louvor, honra, glória, e poder para o todo sempre). Tudo aquilo que fora
criado oferece seu louvor a Deus, que se assenta no trono, e a Cristo. (3) Por
fim, os próprios anciãos prostram-se ante ao Cordeiro e o adoram. A força do
texto é tão intensa que até mesmo a Tradução do Novo Mundo entende
que προσκυνέω aqui deve ser entendido como um ato de adoração. Em uma
nota, entretanto, associam esse texto com Mt.4.10!
Por fim, em
Hb.1.6 lemos: “προσκυνησάτωσαν αὐτῷ πάντες ἄγγελοι θεοῦ” (Todos os anjos de Deus o adorem). Esse é
um daqueles textos controvertidos, afinal o texto poderia ser traduzido como “prestem
homenagem” e a tradução até poderia ser entendia como correta. Entretanto,
se προσκυνέω aqui refere-se apenas a uma homenagem, como de alguém diante de um
superior, deve-se lembrar que Aquele que recebe tal homenagem deve ser
entendido como superior aos anjos. Contudo, como podemos saber
como προσκυνέω é usado aqui? Sabe-se que nesse caso o autor de Hebreus
está citando um outro texto, assim como o faz diversas vezes em outras ocasiões
nesse mesmo capítulo. A pergunta então é: A que texto o autor de Hebreus está
citando ou aludindo aqui? A verdade é que o autor de Hebreus está citando
o Cântico de Moisés.
Três textos
da LXX apresentam o Cântico de Moisés: (1) Dt.32.43, que diz:
“προσκυνησάτωσαν αὐτῷ πάντες υἱοὶ θεοῦ” (todos
os filhos de Deus O adorem). Nesse verso encontramos um texto deveras
similar àquele encontrado em Hb.1.6, com duas diferenças: (a) Em primeiro lugar
o texto fala sobre υἱοὶ θεοῦ (filhos de Deus) e não a respeito dos ἄγγελοι θεοῦ (anjos de Deus), mas deve-se lembrar que as duas
expressões são intercambiáveis na LXX. (b) Em segundo lugar, Aquele que recebe a adoração aqui é o próprio Deus.
(2) Odes 2.43: “προσκυνησάτωσαν αὐτῷ πάντες οἱ ἄγγελοι θεοῦ” (todos os anjos de Deus O adorem). O texto aqui é idêntico ao
encontrado em Hebreus, à excessão do artigo οἱ antes de ἄγγελοι, e é uma re-edição do texto de Dt.32.43. Novamente aqui a distinção é que Aquele que recebe a adoração é o próprio Deus. (3) Sal.96.7 (97.7): “προσκυνήσατε αὐτῷ πάντες οἱ ἄγγελοι αὐτοῦ” (Todo os
Seus anjos O adorem). Nesse verso encontra-se a referência aos anjos, mas
προσκυνέω aqui está na segunda pessoa do plural ao passo em todos os
outros casos o verbo imperativo está na terceira pessoa do plural. Entretanto,
novamente aqui o objeto da adoração é o próprio Deus.
Todos os
textos mencionados acima são alguma forma uma variação do Cântico de
Moisés, um importante documento judaico frequentemente aludido no
NT (Rom.10.19; 11.11; 12.9; 15.10; 1Cor.10.20, 22; Fp.2.15; Lc.21.22; Ap.6.10;
10.5; 15.3; 18.20; 19.2;cf. 4Mac.18.18-19) O que é
interessante é que os texto citados acima tem duas características em comum:
(1) Nos três versos προσκυνέω é indubitavelmente usado com o sentido de
adoração e (2) O objeto de προσκυνέω nos três versos é o próprio Deus. Em
outras palavras, o autor de Hebreus alude a um texto extremamente bem
conhecido pela igreja primitivo no qual o sentido do texto era relacionado à
adoração do próprio Deus e o aplica a Jesus Cristo. Dificilmente uma declaração
mais clara da divindade de Cristo e do fato de que ele é digno de ser adorado
pode ser oferecida. De fato, o contexto de Heb.1 suporta largamente essa
conclusão, afinal, Ele já tinha sido apresentado como Criador (1.2), a
expressão exata da essência (ὑπόστασις) de Deus
(1.3), o sustentador de todas as coisas (1.3), tendo um nome superior ao dos
anjos (1.4), de tal modo que os próprios anjos, sob ordenação divina o adoram.
C. Conclusão
Como
demonstramos em nossa análise diacrônica, no período imediatamente anterior à
produção do NT προσκυνέω é largamente usado para descrever um ato de
adoração. Também vimos que no período imediatamente posterior ao NT,
especialmente na literatura cristã, προσκυνέω é usado exclusivamente com
sentido de adoração. Portanto, não nos surpreende encontrar no NT tantos usos
de προσκυνέω como um ato de adoração.
Deus é adorado 23x
no NT com προσκυνέω (Mat 4.10; Lc.4.8; Jo.4.21, 23*2; 4.20*2, 24*2; 12.20;
At.8.27; 24.11; 1Cor.14.25; Hb.11.21; Ap.4.10; 7.11; 11.16; 11.1; 14.7; 15.4;
19.4, 10; 22.9). Todas as vezes que a adoração a anjos é apresentada no
NT προσκυνέω é usado (Ap.19.10; 22.8). Até mesmo o ato religioso de
idolatria é apresentado, mesmo que uma única vez, como o termo προσκυνέω
(At.7.43). É por isso que seria altamente improvável que todas as
vezes προσκυνέω fosse aplicado a Cristo ele fosse completamente desprovido
de atitude religiosa. Entretanto, das 16x que προσκυνέω é usado em
referência a Cristo, certamente 6 não descrevem um ato de adoração (Mat.8.2;
9.18; 15.25; 20.20; Mc.5.6; 15.19) e pelo menos outras seis ocasiões o sentido
de adoração é apenas possível (Mat.2.2, 8, 11; Mat.14.33; Mat.28.17;
Jo.9.38), muito embora em alguns desses texto tal sentido seja altamente
provável. Por outro lado, em 4 ocasiões o sentido de adoração é indubitável (Mat.28.9; Lc.24.52; Hb.1.6; Ap.5.14).
Nesses textos a força de προσκυνέω claramente aponta para um ato de
adoração, que não foi rejeitado por Cristo em Mat.28.9; recebido por Ele nas
regiões celestiais em Lc.24.52; realizado por toda criação em Ap.5.14 e ordenada
por Deus aos anjos em Hb.1.6.
Portanto,
podemos concluir seguramente que o NT claramente atribui a Cristo o ato de
adoração, do mesmo modo a atribui a Deus. Pai e Filho são equiparados não
apenas nas características que partilham, mas também na devoção e adoração que
recebem. É evidente que Cristo é digno da nossa homenagem, entretanto, de
acordo com as escrituras, Ele é digno de muito mais: Poder, honra, riqueza,
sabedoria, louvor e a nossa adoração! Ele é nosso Senhor, e como Policarpo, nós
o adoramos como Filho de Deus. A Ele devemos tudo, e tudo a Ele daremos,
incluindo nossa adoração.
Fonte: napec.org
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