É muito
importante que primeiro tenhamos uma compreensão adequada quanto ao significado
do termo “pecado”, visto que muitos erros modernos a respeito dessa palavra têm
causado sérios danos ás demais disciplinas da teologia. O falso entendimento
acerca do pecado e de seus efeitos na vida do homem, podem com toda certeza
afetar todo um contexto de vivência cristã e relacionamento espiritual com
Deus, e isso podemos ver em algumas denominações evangélicas, onde a Igreja é
vista como uma instituição mais para escravidão do que para libertação.
1.
O que é
pecado?
1.1. No
dicionário da língua portuguesa. De acordo
com a definição do dicionarista Aurélio Buarque de Holanda (1910-1989), a
palavra pecado vem do latim peccatu e significa “transgressão de
preceito religioso, falta, erro, culpa, vício”. A famosa Grande Enciclopédia
Larousse descreve pecado como “Transgressão consciente e voluntária da lei
divina. Falta contra quaisquer regras ou normas. Estado que resulta para o
pecador em consequência de falta cometida” (Grande Enciclopédia Delta Larousse,
p. 5.189 – Ed. Delta, 1976).
1.2. Em
algumas Confissões. Segundo o Breve Catecismo de Westminster
(entre 1643 e 1649), “Pecado é qualquer falta de conformidade com a lei de
Deus, ou qualquer transgressão desta lei”. A Confissão Belga de 1561
declara que “pecado é uma depravação de toda a natureza humana e um mal
hereditário, com que até as crianças no ventre de suas mães estão
contaminadas”. (Nas próximas páginas exporemos outras Confissões de Fé
importantes).
1.3. Na
língua hebraica – Encontramos as seguintes palavras para pecado no
hebraico: חטא(chata), que quer dizer “errar o alvo” (Êx. 20.20); עון ̀(avon) ou עוון ̀(avown)
“depravação, iniquidade, culpa ou punição por iniquidade, agir com
perversidade” (Is. 53.6); פשע (pesha), “revoltado” (Is. 1.2); פשע (pasha)“rebelar, transgredir, revoltar” (Js 7.1);
1.4. Na
língua grega – Os termos bíblicos usados para pecado são: αμαρτια (hamartia),
que significa “ato pecaminoso, pecaminosidade” (At. 3.19); παραβασις (parabasis)
“transgressão, quebra de uma lei definida, passo em falso” (Ef.2.1); ανομια (anomia),
“ilegalidade, transgressão, pecado como estado mental, ato ilegal” (Mt. 13.41);
παραβαινω (parabaino), “ultrapassar, negligenciar,
violar, transgredir, passar tanto a ponto de desviar-se de”; eανομος (anomos)
“destituído da lei (mosaica), em referência aos gentios, que se desvia
da lei, que desrespeita lei, ilegal, malvado, sem a lei, sem o conhecimento da
lei, pecar em ignorância da lei Mosaica”.
Dentro das
exposições a partir das línguas originais podemos então definir que “Pecado é
transgredir, ou ir contrário à Lei de Deus. Não é somente alguma coisa
contrária ao que Deus disse que o homem não deveria fazer, mas é também
algo contrário ao que Deus não quer que o homem faça, com base nos
princípios revelados. O pecado é tudo que é contrário ao caráter de Deus”.
2.
Verdades e
Equívocos
O assunto
acerca do pecado, seus efeitos e sua natureza criou muitos erros
interpretativos e equívocos teológicos. As diversas teorias filosóficas a
respeito do pecado e do mal nem sempre trazem argumentos dentro da visão
bíblica. Entre essas filosofias exporemos a ideia do “dualismo”, do pecado como
“ilusão” ou “egoísmo”, do pecado como falta de consciência de Deus e outros.
Trabalharemos também o tema acerca da existência do mal, com os mais conhecidos
argumentos. Mas antes, um dos assuntos que mais trouxe debates entre os
crentes, será nossa primeira abordagem: A Blasfêmia contra o Espírito Santo.
Entre os principais questionamentos buscaremos responder as seguintes
perguntas: O que é realmente o pecado da blasfêmia contra o Espírito Santo? Em
que ocasião o assunto foi exposto por Cristo? O servo de Deus pode cometer a
blasfêmia contra o Espírito Santo? Por que esse pecado não oferece o perdão?
2.1. Pecados
contra o Espírito Santo
O Espírito
Santo tem um ministério especial de operar nos corações dos homens fazendo com
que eles recebam os benefícios salvadores do trabalho de Cristo. Ele habita nos
crentes e está presente na Igreja de Cristo, levando-a a marchar rumo as
mansões celestiais. A Bíblia menciona certos pecados que são cometidos contra
Ele, e entre esses graves erros está a blasfêmia. Os pecados mencionados na
Bíblia são:
a) Mentir ao
Espírito Santo. Em Atos 4, temos a história de Ananias e Safira que
mentem para o Espírito Santo. O pecado que eles cometeram não foi devido a
retenção de parte do dinheiro, mas a pretensão de dizerem que haviam dado tudo,
de forma que recebessem honra por um sacrifício que não fizeram. Levando a cabo
o seu pecado Ananias e Safira estavam tentando a Deus (Atos 5.9), e o seu
destino é uma advertência para os que seguiriam os seus passos.
b)
Entristecer o Espírito Santo. Em Efésios
4.30 Paulo nos instrui para que não entristeçamos o Espírito Santo de Deus. O
fato de o Espírito poder ser entristecido implica em Ele amar o povo de Deus.
Nós podemos entristecer somente aquele cujo amor e generosidade nós
desprezamos.
Esta visão
do amor do Espírito é usada por Paulo como um motivo para não O entristecermos.
O fato dEle nos selar revela o Seu amor e faz com que Ele habite em nós,
ajudando-nos e abençoando-nos. O Espírito Santo é entristecido através do
pecado na vida dos crentes. Nossos corpos são o Seu templo e nós deveríamos
estar alertas para não nos sujarmos. Ele é perfeitamente santo e o pecado
ofende a Sua pessoa. São mencionados modos particulares pelos quais o Espírito
pode ser entristecido no contexto de Efésios 4.30.
c) Extinguir
o Espírito Santo. Na 1ª carta de Paulo aos Tessalonicenses 5.19, nós
somos advertidos contra extinguirmos o Espírito. Isso um crente pode fazer
durante um certo tempo endurecendo o seu coração contra a liderança do
Espírito. Devemos estar prevenidos para não abafarmos a voz do Espírito de
Deus. Alguns modos pelos quais o Espírito é extinguido são os seguintes: A)
Rebelar-se contra a Palavra inspirada de Deus como é registrada na Bíblia ou a
palavra cedida de forma oral pelos profetas (I Tessalonicenses 5.20); B)
Abafando as repreensões do Espírito quando nós O entristecemos; C) Resistindo à
liderança interna do Espírito em nossas vidas.
d) Resistir
ao Espírito Santo. Em Atos 7.51, Estevão acusou os judeus por
resistirem o Espírito Santo como fizeram os seus pais (Hebreus 3.7-10, e Isaías
63.10). Em Gênesis 6.3, Deus fala do Espírito contendendo com as pessoas antes
do dilúvio. A rebelião contra a palavra de Deus causa resistência ao Espírito
Santo
2.2. A
Blasfêmia contra o Espírito Santo
“Portanto,
eu vos digo: Toda forma de pecado e blasfêmia se perdoará aos homens; mas a
blasfêmia contra o Espírito não será perdoada aos homens. E, se qualquer disser
alguma palavra contra o Filho do homem, ser-lhe-á perdoado; mas, se alguém
falar contra o Espírito Santo, não lhe será perdoado, nem neste século nem no
futuro.” (Mateus 12.31-32)
A existência
de um pecado imperdoável tem mexido com a mente dos cristãos em todo mundo em
todos os séculos do cristianismo. Podemos observar no contexto apresentado pelo
evangelista, que a advertência de Jesus dirige-se contra os que rejeitam sua
mensagem ao chamá-la de satânica. No entanto, vemos que, se há preocupação,
pelo fato de que algo possa eliminar o ato do perdão de Cristo é, ironicamente,
evidência de que o homem crê em Cristo e que o mesmo foi enviado por Deus, e
constitui, assim, prova de que tal pessoa não cometeu o pecado contra o qual o
Senhor adverte.
I. O Termo
grego. Uma das palavras gregas para blasfêmia é Λοιδορια
“loidoria” que significa insulto, injúria, ultraje. Já o termo
“blasfemía” é o mais usado no grego bíblico, mas também com o mesmo significado
e sentido. No contexto do Antigo Testamento uma blasfêmia era algo muito grave
entre os judeus. Para os sábios da época a blasfêmia mui grave estava
relacionada a uma afronta á natureza, ao nome de Deus e á sua obra.
Especialmente no grego da Septuaginta, palavras como blasphemia e blasfemeos
trazem, com poucas exceções, o sentido de atos contrários à majestade de
Deus. Quando ligadas ao mundo religioso, considera-se “blasfêmia” várias
atitudes contra Deus e o que é santo. No contexto geral bíblico vemos algumas
descrições acerca de blasfêmia nos seguintes textos:
a) Fazer uso
do nome santo de Deus em vão em algo contrário a sua vontade. Por
exemplo, o terceiro mandamento traz em si este princípio, embora não seja
estabelecida a pena, como em outros casos registrados na Bíblia. Entretanto,
existe a proibição: “Não tomarás o nome do Senhor, teu Deus, em vão: porque o
Senhor não terá por inocente o que tomar o seu nome em vão” (Êx20.7).
b) Falar
contra o nome santo de Deus,
amaldiçoando-o (Lv. 24.10-11). E julgar-se igual a Deus. Por causa desta concepção
os judeus acusaram Jesus: “Não te apedrejamos por alguma obra boa, mas pela
blasfêmia, porque sendo tu homem, te fazes Deus a ti mesmo” (Jo. 10.33).
c) Falar
contra o Templo e contra a Lei também era
considerado blasfêmia pelos judeus (At. 8.13). Falar contra o Céu e contra
aqueles que nele habitam (Ap. 13.6).
d) Outros
atos abusivos eram considerados blasfemos, tais como: falar contra Moisés (At. 8.11); contradizer a verdade de Deus (At.
13.45); falar contra a palavra de Deus (Tt. 2.5); proferir mentiras blasfemas
(Ap. 2.9).
2.3.
Equívoco interpretativo. O
entendimento radicalizado dos judeus quanto á blasfêmia levou-os á um grande
equívoco quanto ao nome do Senhor. Ao que tudo indica, durante o primeiro e o
segundo séculos d.C, desenvolveu-se entre os judeus uma superstição contra o
uso do nome de Deus por medo da blasfêmia contra o Eterno. Para alguns
historiadores essa superstição passou a existir desde o cativeiro babilônico. A
Jewish Encyclopaedia diz: “As pessoas passaram a evitar pronunciar o nome
YHWH… devido a um mal-entendido em relação ao Terceiro Mandamento”. O terceiro
dos Dez Mandamentos dado aos israelitas por Deus declara: “Não deves tomar o
nome de Yahweh, teu Deus, dum modo fútil, pois Yahweh não deixará
impune aquele que tomar seu nome dum modo fútil.” (Êxodo 20.7).
Assim, o
decreto de Deus contra o uso impróprio do Seu Nome foi distorcido e
transformado numa superstição. A Mishinah declara que “quem pronunciar o
nome divino conforme é escrito” não terá parte no futuro Paraíso terrestre
prometido por Deus. Segundo algumas fontes, esse medo da blasfêmia surgiu
devido até mesmo na escrita, onde levou os judeus, com a preocupação de que o
documento no qual o Nome estivesse escrito pudesse acabar no lixo, a
“dessacralizar” o nome divino. Seja como for, a blasfêmia era temida.
Flávio
Josefo (37-103), escritor e historiador judeu descendente
de família sacerdotal, ao narrar a revelação que Deus forneceu a Moisés no
local da sarça ardente, diz: “Então, Deus lhe revelou Seu nome, que antes disso
não tinha chegado aos ouvidos dos homens, e sobre o qual estou proibido de
falar.” (Jewish Antiquities [Antiguidades Judaicas], II, 276 [xii, 4]
Publicado no Brasil como História dos Hebreus)
3.
A abordagem
de Jesus
A declaração
apresentada por Jesus neste episódio distingue a blasfêmia contra o Espírito
Santo de todos os outros tipos de pecados que um ser humano pode cometer. É
preciso, no entanto, apresentar ao leitor um dado a muito conhecido pelos
teóricos do Novo Testamento com relação as expressões usadas neste período. A
tradução Versão Autorizada Inglesa (King James) traduz a expressão passa
hamartia por “toda forma de pecado”. O sentido da expressão equivale
a “toda outra espécie de pecado”, sendo assim já se torna claro que a
blasfêmia contra o Espírito Santo não está inclusa nesta expressão. As
traduções de João Ferreira de Almeida, Edição Revista e Atualizada no Brasil
(sociedade Bíblica do Brasil) e revista e corrigida, traduzindo literalmente do
grego, todo pecado, obscurecem o sentido mais amplo. O estudioso Wilson R.
Cardoso em sua abordagem expondo as várias interpretações sobre o que realmente
é blasfemar contra o Espírito Santo declara que, mesmo que as opiniões sejam
expressivamente divergentes, é possível encontrar o verdadeiro significado da
abordagem de Cristo, usando todos os relatos nos evangelhos, dentro do
contexto:
Todos
parecem saber que esse delito é imperdoável, porém as opiniões se divergem
amplamente quanto ao que ele realmente pode ser. Alguns afirmam ser o suicídio,
outros o adultério. Também há quem diga ser a rejeição do evangelho depois da
vinda do Espírito Santo no dia de Pentecostes. Poucos se detêm a examinar o
contexto das referências à blasfêmia contra o Espírito Santo, como acontece na
maioria dos casos dos assuntos aparentemente divergentes na Bíblia. A análise
cuidadosa do texto elucida alguns pontos aos quais devemos atentar. Os textos
relevantes são encontrados nos três primeiros evangelhos chamados evangelhos
sinóticos (que devem ser vistos em conjunto). (CARDOSO, Wilson R., artigo
livre)
Na história
da Igreja, muitos estudiosos emitiram sua opinião sobre o assunto: Para
Irineu, Blasfêmia contra o Espírito Santo seria a rejeição do evangelho; Atanásio
acreditava ser a negação da divindade de Cristo, a qual teve sua evidencia
ao homem pela concepção do Espírito Santo; Para Orígenes, toda a quebra
da lei após o batismo e, Agostinho – a dureza do coração humano
rejeitando a obra de Cristo
I. Quando e
por que Jesus abordou o assunto? Em Mateus
12, as afirmações de Jesus sobre blasfemar contra o Espírito Santo ocorreram
quando ele curou um homem cuja possessão demoníaca o havia feito cego e mudo.
Em Marcos 3, a cura não é mencionada, Lucas registra a cura no capítulo 11 e
menciona a blasfêmia contra o Espírito Santo em 12.10. Afirmar que o mal é o
bem e que luz é trevas, era pratica comum entre os fariseus. Esta prática traz
em si mesma um alerta anunciado pelo profeta Isaias (Is. 5.20) e agora
reinterpretado por Jesus como Blasfêmia contra o Espírito Santo.
Vemos então
que a acusação feita contra Jesus em Mateus 12.24 “Este não expulsa os
demônios senão por Belzebu, príncipe dos demônios” era de que ele não
passava de um curandeiro, cujos exorcismos eram feitos pelo poder maligno, acusação
que se repete nos evangelhos. Contesta-se, o verdadeiro significado do poder e
das obras do Messias. Não vemos no texto a negação da realidade do milagre, mas
a acusação de que são diabólicos, nega-os como sinais do poder soberano de
Deus. A reação de Jesus acontece em meio a uma série de parábolas rápidas que
demonstram ser ilógico pensar que Satanás daria poderes a Jesus a fim de
destruir a si próprio. A última parábola (Mat.12.29), acerca de apoderar-se dos
bens do valente, pode ser uma alusão a Isaías 49.24-25, em que Deus descreve a
salvação futura com o mesmo tipo de figura de linguagem.
II. O que é
então essa blasfêmia contra o Espírito Santo? Louis Berkhof em sua “Teologia
Sistemática” é categórico em afirmar que a raiz desse pecado é
o consciente e deliberado ódio a Deus e a tudo quanto se reconhece como divino.
Declara ele que o pecado é imperdoável, não porque a sua culpa transcende os
méritos de Cristo, ou porque o pecador esteja fora do alcance do poder
renovador do Espírito Santo, mas, sim porque há também no mundo de pecado
certas leis e ordenanças estabelecidas por Deus e por Ele mantidas. “E, no caso
desse pecado particular, a lei é que ele exclui toda a possibilidade de
arrependimento, cauteriza a consciência, endurece o pecador e, assim, torna
imperdoável o pecado”. (p. 249). Conclui Berkhof: “Em vista do fato de que esse
pecado não é seguido pelo arrependimento, podemos estar razoavelmente seguros
de que os que receiam havê-lo cometido e se preocupam com isso, e desejam as
orações doutras pessoas por eles, não o cometeram.”
Para F.
Davidson a blasfêmia é uma rejeição da salvação oferecida pelo Espírito Santo.
Ele diz: “Este pecado, a rejeição propositada de Cristo e sua salvação é o
único que, pela natureza, priva o homem da possibilidade de perdão… A
explicação é que o Espírito Santo é quem oferece a salvação ao coração do
homem.” (O Novo Comentário da Bíblia, Ed. Vida Nova, 3ª edição – 1995, p.
965).
Dr. Billy
Graham em seu livro “O Espírito Santo”, declara:
Este pecado,
chamado de “o pecado imperdoável”, é cometido por descrentes Os inimigos de
Jesus, quando O acusaram de expulsar demônios pelo poder de Satanás apesar de
Ele ter dito antes que os expulsava pela poder do ‘Espírito de Deus’, cometeram
este pecado. (…) O pecado imperdoável é rejeitar as verdades sobre Cristo. É
rejeitar de maneira completa e definitiva o que o Espírito Santo diz sobre
Jesus Cristo: que Ele é o Filho de Deus, o único que pode nos salvar dos nossos
pecados. (p. 134, 135)
A blasfêmia
contra o Espírito Santo é rejeitar a graça preciosa para a salvação em Jesus
Cristo. Desta forma podemos concluir que apenas aqueles que se declaram
apáticos as boas novas do Cristo, poderiam blasfemar contra o Espírito Santo, e
não os cristãos, conforme recomendação do apóstolo Paulo em Efésios 4.17-22ss e
como conclui Charles Ryrie: “(…) para cometer esse pecado imperdoável, é
necessário uma condição especial. Não se trata simplesmente de blasfemar em
nome do Espírito Santo, mas afirmar ou acusar que as obras de Cristo
originam-se em Satanás, e assim esta seria uma acusação de que Cristo seria um
agente de Satanás. (…) A rejeição a Cristo é, naturalmente, um pecado
imperdoável em qualquer tempo (Jo. 3.18)”. (RYRIE, Charles C., Dicionário
Bíblico Wycliffe, Ed. Cpad – 2ª Edição, 2007).
O
erudito em Teologia judaico-messiânica David H. Stern também é de acordo quando diz “Blasfâmias (ou seja, insulto) contra o
Ruach HaKodesh consiste em (1) continuar de vontade própria a negar o evangelho
quando o Espírito Santo deixou claro para você que ele é verdadeiro, ou (2)
atribuir as obras do Espírito Santo ao Adversário (Satanás); no contexto
presente elas apontam para a mesma coisa (outras interpretações foram
oferecidas)” (Comentário Judaico do Novo Testamento, ed. Atos – 2008, p.72).
4.
O Cristão e
a Blasfêmia contra o Espírito Santo
De acordo
com o ensinamento geral da Bíblia, e na interpretação dos heruditos, entendemos
que jamais uma pessoa cristã cometeu tal pecado, especialmente aqueles que
pensam que o fizeram. O Dr. Geo Goodman oferece uma explicação para
aqueles cristãos que imaginam ter cometido tal pecado. Como muitos cristãos têm
sido perturbados e mesmo alarmados com esta possibilidade, pensemos a respeito:
I. Não é ela
para perturbar a consciência impressionável, pois ter uma consciência sensível
é estar na condição espiritual diametralmente oposta. O blasfemo aqui referido
é uma pessoa cuja consciência está cauterizada como que por um ferro em brasa.
II. Não se
refere a alguém cair em tentação, a um pecado ou pecados; é mais uma atitude de
espírito do que mesmo um ato.
III. Não
significa uma simples palavra irrefletida ou descuidada, embora blasfema,
porque blasfêmias e pecados semelhantes podem ser perdoados.
IV. Não
significa meramente atribuir a obra de Cristo ao poder das trevas, como no caso
citado – embora isso já seja um sintoma muito perigoso. Contudo, ainda não é o
próprio crime. Foi por terem os fariseus e escribas feito isso que Cristo
apontou o perigo em que estavam caindo.
Conclusão. O Senhor Jesus advertiu os escribas e fariseus sobre o tenebroso perigo
da rejeição de suas almas com vistas ao mundo vindouro. Eles, em suas
interpretações, atribuíram ao reino das trevas a redenção que Jesus trouxe. A
expulsão dos demônios pelo poder divino era sinal de que o Reino de Deus havia
chegado no mundo com todo o seu peso de poder e glória.
Do outro
lado, as acusações que os mestres judaicos dirigiram contra Jesus importam em
negação do poder e da grandeza do Espírito Santo de Deus como Ser Supremo. O
teológo Pedro Severino diz:
E, ao
atribuírem origem demoníaca à atuação do Senhor, revelaram perversidade de
espírito que, desafiando a verdade, prefere chamar de trevas a própria Luz.
Nesse contexto, a blasfêmia contra o Espírito Santo denota rejeição consciente
e deliberada do poder e da graça salvadora de Deus, demonstrados e
concretizados mediante as palavras e atos de Jesus. No pensamento de W. L.
Lanne, a blasfêmia é, portanto, algo muito mais sério do que tomar em vão o
nome divino. (A Existência e a Pessoa do Espírito Santo. Ed. Cpad, 1ª edição –
1996, p. 111).
Concluímos
nosso assunto com uma abordagem feita pelo Dr. Henry H. Halley, que, mostrando
as interpretações de pôr o tema num entendimento mais contextualizada comentou:
Um modo
frequente de entender o pecado imperdoável é o seguinte: podia ser perdoada a
rejeição a Cristo enquanto ele estava na terra, com sua obra ainda inacabada,
quando seus discípulos não o compreendiam. Mas, depois de completada a obra de
Cristo e após a vinda do Espírito Santo, a rejeição deliberada e definitiva da
oferta de Cristo como Salvador, feita pelo Espírito Santo, consiste no pecado
eterno para o qual nunca haverá perdão. (…) (Manual Bíblico de Halley, Ed.
Vida –2011, p. 475)
5.
Teorias
Filosóficas a Respeito da Natureza do Mal
As várias
teorias filosóficas acerca do mal, sua natureza e efeitos mostram que o
pensamento acadêmico é bem amplo em sua argumentação. As principais teorias
são: a Dualista; a teoria da Mera Privação; da Ilusão; a teoria de que o pecado
é falta de “consciência” de Deus, pelo fato de estar a natureza humana presa
aos sentidos; a teoria do pecado como falta de confiança em Deus e como
oposição ao seu reino devido à ignorância; teoria do Egoísmo e; a teoria de que
o pecado consiste na oposição das propensões inferiores da natureza humana a
uma consciência moral desenvolvida gradativamente.
Berkhof
apresenta todas essas teorias fazendo questão de mostrar os pontos considerados
frágeis e também seus principais defensores, como segue:
5.1. Teoria
Dualista. Esta é uma das teorias que foram comuns na
filosofia grega. Na forma do gnosticismo, conseguiu penetrar na Igreja
Primitiva. Admite a existência de um princípio eterno do mal, e sustenta que no
homem o espírito representa o princípio do bem, e corpo, o do mal. A teoria
dualista é objetável por várias razões: (a) É posição filosoficamente
insustentável que haja fora de Deus algo que seja eterno e independente da Sua
vontade. (b) Essa teoria retira do pecado o seu caráter ético, fazendo dele uma
coisa puramente física e independente da vontade humana, e, deste modo, destrói
na verdade a ideia de pecado, (c) Também elimina a responsabilidade do homem,
apresentando o pecado como uma necessidade ou inevitabilidade física. Segundo
essa teoria, o único meio de escarparmos do pecado consiste em livrar-nos do
corpo. (Comentário de Berkhof).
5.2. Teoria
de que o pecado é mera privação. De acordo
com Leibniz, o presente mundo é o melhor mundo possível. A existência do pecado
deve ser considerada inevitável. O pecado não pode ser atribuído ao acaso
pessoal de Deus e, portanto, deve ser considerado como simples negação ou
privação, sem necessidade de nenhuma causa eficiente. As limitações da criatura
o tornam inevitável. Essa teoria torna o pecado um mal necessário, desde que as
criaturas são necessariamente limitadas, e o pecado é uma consequência
inevitável dessa limitação. Sua tentativa de evitar fazer de Deus o autor do
pecado não tem bom êxito pois, mesmo que o pecado fosse apenas uma negação sem
nenhuma causa eficiente, Deus seria, não obstante, o autor da limitação da qual
ele resultaria. Além disso, a teoria tende a obliterar a distinção entre o mal
moral e o mal físico, visto que descreve o pecado como pouco mais que um
infortúnio sobrevindo ao homem. Consequentemente, propende a embotar no homem a
noção do mal ou da corrupção do pecado, destruir o sentimento de culpa e
ab-rogar a responsabilidade moral do ser humano.
5.3. Teoria
de que o pecado é uma ilusão. Para
Spinoza, como para Leibniz, o pecado é simplesmente um defeito, uma limitação
da qual o homem está cônscio; mas enquanto Leibniz considera a noção do mal,
que surge dessa limitação, como necessária, Spinoza sustenta que a resultante
consciência do pecado deve-se simplesmente à inadequação do conhecimento do
homem, que não consegue ver tudo sub specie aeternitatis, isto é, em unidade
com a eterna e infinita essência de Deus. Se o conhecimento do homem fosse
adequado, de sorte que visse tudo em Deus, ele não teria nenhuma ideia do
pecado; este seria simplesmente inexistente para ele. Mas essa teoria, que
apresenta o pecado como uma coisa puramente negativa, não explica os seus
terríveis resultados que a experiência universal da humanidade atesta da
maneira mais convincente. Levada adiante coerentemente, ela ab-roga todas as
distinções éticas e reduz conceitos como “caráter moral” e “conduta moral” a
frases sem sentido. De fato, reduz toda a vida do homem a uma ilusão: seu
conhecimento, sua experiência, o testemunho da consciência, e assim por diante,
pois todo o seu conhecimento é inadequado. Além disso, vai contra a experiência
da humanidade, que atesta que os mais inteligentes são, muitas vezes, os
maiores pecadores, sendo Satanás o maior de todos.
5.4. Teoria
de que o pecado é falta de consciência de Deus, pelo fato de estar a natureza
humana presa aos sentidos. É o conceito
de Schleiermacher. Segundo ele, a consciência do pecado, da parte do homem,
depende da sua consciência de Deus. Quando o senso da realidade de Deus se
desperta no homem, imediatamente toma consciência da oposição da sua natureza
inferior àquela noção. Esta oposição segue-se da própria constituição de seu
ser, de sua natureza sensorial, presa aos sentidos, da ligação da alma com um
organismo físico. É, pois, uma imperfeição inerente, mas uma imperfeição que o
homem sente como pecado e culpa. Contudo, isso não faz de Deus o autor do
pecado, uma vez que o homem concebe erroneamente essa imperfeição como pecado.
O pecado não tem existência objetiva, mas existe somente na consciência do
homem. Mas essa teoria declara o homem constitutivamente mau. O mal estava
presente no homem mesmo em seu estado original, quando sua consciência de Deus
não era suficiente forte para dominar a natureza sensorial do homem, presa aos
sentidos. Isso está em flagrante oposição à Escritura, quando esta sustenta que
o homem erroneamente julga que esse mal é o pecado e, assim, entende o pecado e
a culpa como puramente subjetivos. E embora Schleiermacher queira evitar esta
conclusão, faz de Deus o autor do pecado, responsável por este, pois Ele é o
Criador da natureza sensorial do homem. A teoria repousa também numa incompleta
indução dos fatos, visto que não leva em conta o fato de que muitos dos mais odiosos
pecados do homem não pertencem à sua natureza física, e, sim, à sua natureza
espiritual, como por exemplo a avareza, a inveja, o orgulho, a malícia, e
outros. Além disso, leva às conclusões mais absurdas como, por exemplo, a de
que o ascetismo, enfraquecendo a natureza sensorial, o domínio dos sentidos,
necessariamente enfraquece a força do pecado; a de que o homem vai ficando
menos pecador conforme se vão enfraquecendo os seus sentidos; a de que o único
redentor é a morte; e a de que os espíritos desencarnados ou incorpóreos, o
diabo inclusive, não tem nenhum pecado. (Berkhof).
5.5. Teoria
do pecado como falta de confiança em Deus e como oposição ao seu reino, devido
à ignorância. Como Schleiermacher, Ritschl também dá ênfase ao
fato de que o pecado é entendido somente do ponto de vista da consciência
cristã. Os que se acham fora dos limites da religião cristã, e os que estão
ainda alheios à experiência da redenção, não têm nenhum conhecimento do pecado.
Sob a influencia da obra redentora de Deus, o homem toma consciência da sua
falta de confiança em Deus e da sua oposição ao reino de Deus, que constitui o
bem supremo. O pecado não é determinado pela atitude do homem para com a lei de
Deus, mas por sua relação com o propósito de Deus, que visa ao estabelecimento
do Reino. O homem imputa a si próprio, como culpa, o seu fracasso em não
conseguir tornar seu propósito de Deus, mas Deus o considera apenas como
ignorância e, porque ignorância, é imperdoável. A ideia de que o pecado é
ignorância vai contra a voz da experiência cristã. O homem que leva sobre si o
fardo o senso de pecado, certamente não pensa nisso daquele modo. Também é
grato porque não somente os pecados cometidos na ignorância são doáveis, mas
igualmente todos os demais, com a única exceção da blasfêmia contra o Espírito
Santo.
5.6. Teoria
de que o pecado é egoísmo. Assumem
essa posição Mueller e A H. Strong, entre outros. Alguns que assumem essa
posição concebem o egoísmo apenas como o oposto do altruísmo ou da
generosidade; outros o entendem como a escolha do ego, em vez de Deus, como o
supremo objeto do amor. Para Berkhof essa teoria, especialmente quando concebe
o egoísmo como a colocação do ego no lugar de Deus, é, de longe, a melhor das
teorias mencionadas. Todavia, dificilmente se pode dizer que é satisfatória.
Embora todo egoísmo seja pecado, e haja um elemento de egoísmo em todo pecado,
não se pode dizer que o egoísmo é a essência do pecado. Só se pode definir
propriamente o pecado com referencia à lei de Deus, referencia completamente ausente
da definição em foco. Além disso, há muitos pecados nos quais o egoísmo está
longe de ser o principio dominante. Quando um pai é abatido pela pobreza e vê a
esposa e os filhos esmorecidos por falta de alimento, e, em, seu desesperado
desejo de socorrê-los acaba recorrendo ao roubo, dificilmente se pode dizer que
isso é puro egoísmo. Até pode ser que a ideia de ego estivesse inteiramente
ausente. A inimizade para com Deus, a dureza de coração, a impenitência e a
incredulidade são pecados hediondos, mas não podem ser simplesmente
classificados como egoísmo. E certamente a ideia de que toda virtude é
desinteresse próprio ou generosidade, o que parece constituir um necessário
corolário da teoria que estamos considerando, não é válida, pelo menos numa das
suas formas. Um, ato deixa de ser virtuoso quando a sua realização cumpre e
satisfaz alguma exigência da nossa natureza. Ademais, a justiça, a fidelidade,
a humanidade, a clemência, a paciência e outras virtudes podem ser cultivadas
ou praticadas, não como formas de generosidade, mas como virtudes inerentemente
excelentes, não meramente pela promoção da felicidade de outros, mas pelo que
elas são em si mesmas.
5.7. Teoria
de que o pecado consiste na oposição das propensões inferiores da natureza
humana a uma consciência moral desenvolvida gradativamente. Essa opinião foi desenvolvida por Tennant, em suas Conferências
Hulseanas. É a doutrina do pecado elaborado de acordo com a teoria
evolucionista. Os impulsos naturais e as qualidades herdadas, derivadas dos
animais inferiores, compõem o material do pecado, mas não se tornam pecado
concretamente enquanto não forem tolerados contrariamente ao senso moral da
humanidade em seu desenvolvimento gradual. As teorias de McDowall e Fiske
seguem linhas semelhantes. A teoria apresentada por Tennant hesita um tanto
entre a ideia bíblica sobre o homem e a ideia apresentada pela teoria
evolucionista, inclinado-se ora para um lado, ora para outro. Pressupõe que o
homem tinha livre arbítrio – vontade livre – mesmo antes do despertar da sua
consciência moral, de modo que podia fazer uma escolha quando era posto diante
de um ideal moral; mas não explica como se pode conceber uma vontade livre e
indeterminada num processo de evolução. A teoria limita o pecado às
transgressões da lei moral cometidas com clara consciência de um ideal moral e,
portanto, condenadas como más pela consciência. É, na verdade, apenas a velha
ideia pelagiana do pecado enxertada na teoria evolucionista e, portanto, está
aberta a todas as objeções que pesam sobre o pelagianismo. O defeito radical
dessas teorias todas é que procuram definir o pecado sem levar em consideração
que o pecado é essencialmente o abandono de Deus, a oposição a Deus e a
transgressão da lei de Deus. Sempre se deve definir o pecado em termos da
relação do homem com Deus e Sua vontade como vem expressa na lei moral.
6.
O Problema
do Mal
São diversos
os questionamentos quanto ao assunto da existência tanto de Deus quanto do mal:
Se Deus criou todas as coisas, e se o mal existe, então Ele também criou o mal?
Se Deus é amor e infinito em misericórdia, como poderia tê-lo criado? Se isso é
assim, não seria o próprio Deus a fonte dos nossos males? O culpado de toda
miséria que aflige o homem?
De fato, a
existência do mal suscita um dos maiores questionamentos contra a fé cristã,
seja por parte dos opositores intelectuais, dos adeptos de religiões
não-cristãs ou dos escarnecedores. O nosso objetivo, neste ponto, que visa
abordar de forma concisa o debate sobre o tema, é apresentar argumentos teológicos
e apologéticos suficientemente fortes e razoáveis, baseados na Palavra de Deus.
Sua Palavra, como sempre, é a luz para o nosso caminho e, como afirmou o sábio
Salomão, grande pensador, sobre a vida humana: “… A vereda dos justos é como a
luz da aurora, que vai brilhando mais e mais até ser dia perfeito” (Pv. 4.18).
Mas não poderíamos abordar tão importante assunto sem trabalhar a argumentação
de eruditos como Geisler, Greg Bahnsen, Agostinho e Tomás de Aquino.
6.1. A
existência do mal e o seu problema. É importante
que exerçamos nossa cosmovisão¹, reconhecendo a realidade do mundo e
também que a questão do mal não é simplesmente um jogo de discussões; ou seja,
uma forma de ver a vida de maneira não ou menos justa. O mal é real. O mal é
horrível. Somente quando ficamos intelectual e emocionalmente sensíveis a
respeito da existência do mal podemos avaliar a profundidade do problema que os
descrentes enfrentam em relação à visão cristã de mundo, mas, do mesmo modo,
percebemos por que o problema do mal acaba confirmando este ponto de vista
cristão, ao invés de enfraquecê-lo. O mal deve ser levado a sério como “mal”.
Greg Bahnsen
diz que “o problema do mal nunca foi propriamente compreendido por muitos
apologistas cristãos que, algumas vezes, menosprezam a dificuldade dos céticos
ao cristianismo quando compreendem o problema do mal como sendo apenas uma
demonstração colérica contrária à suposta bondade de Deus”. De qualquer
maneira, é assim que os crentes professam a bondade de Deus. Mas os descrentes
vêm com os seus exemplos contrários a isso. (O problema do mal, por Greg
Bahsen – Revista Defesa da Fé nº 72 , ICP – Instituto Cristão de
Pesquisas).
I. O
descrente e sua argumentação. O filósofo
escocês do século 18, David Hume, expressou o problema do mal mediante uma
maneira forte e desafiadora. Declara: “Se Deus quer evitar o mal, mas não é
capaz disso, então Ele é impotente. Se Ele é capaz, mas não quer evitá-lo,
então Ele é malévolo. Se ele é capaz de evitá-lo e quer evitá-lo, como se
explica o mal?”. (HUME,David. Diálogos sobre a religião natural. [Tradução
José Oscar de Almeida Marques]. São Paulo: Marins Fontes, 1992, p. 136).
O que Hume
estava argumentando é que o cristão não pode, de forma lógica, aceitar estas
três premissas: Deus é onipotente, Deus é benevolente, e, no entanto, o mal
existe no mundo. Se Deus é Todo-Poderoso, então deve ser capaz de evitar ou
remover o mal, se desejar. Se Deus é benevolente, então certamente deseja
evitar ou remover o mal. Todavia, é inegável que o mal existe.
Já George
Smith em seu livro, Atheism: the case against God [Ateísmo: o caso
contra Deus]: declara o problema do mal da seguinte maneira: “Resumidamente, o
problema do mal é este: Se Deus sabe que o mal existe, mas não pode evitá-lo,
Ele não possui todo o poder. Se Deus sabe que o mal existe e pode evitá-lo, mas
não deseja fazê-lo, Ele não é benevolente”. (Buffalo, New York: Prometheus
Books,1979).
Smith acha
que os cristãos não podem, de forma lógica, crer nas premissas: “Deus é
completamente bom, bem como completamente poderoso.” Então, a acusação que os
descrentes fazem é que a doutrina cristã é incoerente porque adota declarações
inconsistentes umas com as outras, devido à maldade que paira neste mundo. O
descrente argumenta que mesmo que tivesse de aceitar as afirmações da teologia
cristã, sem levar em consideração a prova individualmente favorável ou
contrária à sua opinião, “essas premissas não se admitem entre si”. O desafio
do cristianismo é interno e até mesmo o crente deve reconhecer, contanto que
ele, de forma realista, admita a presença do mal no mundo. Este mal,
acredita-se, é incompatível com a bondade de Deus ou com o seu poder.
6.2. A
gênese do mal. Norman L. Geisler diz que os elementos básicos na
resposta teísta a esse “problema” são encontrados em Agostinho e Tomás de
Aquino. Os Teístas desde então seguiram as linhas de seu pensamento. Ambos
concordam na resposta, que pode ser declarada na premissa da seguinte forma:
1.
Deus é absolutamente perfeito.
2. Deus criou apenas criaturas perfeitas.
3. Uma das perfeições que Deus concedeu a algumas dessas criaturas foi o
poder do livre arbítrio.
4. Algumas dessas criaturas escolheram livremente fazer o mal.
5. Portanto, uma criatura perfeita causou o mal.
Geisler
completa:
Deus é bom,
e criou criaturas boas com uma qualidade denominada livre-arbítrio.
Infelizmente, elas usaram este poder bom para trazer o mal ao Universo ao se
rebelar contra o Criador. Então o mal surgiu do bem, não direta, mas
indiretamente, pelo mau uso do poder bom chamado liberdade. (GEISLER, Norman
– Enciclopédia de Apologética, p. 534, Ed. Vida – 2002).
Desta forma,
Deus é responsável por tornar o mal possível, mas as criaturas livres são
responsáveis por torná-lo real. Diante disso, conclui-se que, de alguma forma,
o mal se relaciona a Deus, porém, se o crente prega que o mal não é algo
separado de Deus e, ao mesmo tempo, não pode proceder de seu interior, então o
que é o mal? O problema da criação não pode ser simplificado nas
seguintes premissas: 1. Deus é o Autor de tudo o que existe; 2. O mal é algo
que existe; 3. Logo, Deus é o Autor do mal.
Concordar
que Deus não criou todas as coisas é negar sua soberania. Todavia, admitir que
Ele causou todas as coisas e que o mal faz parte dessas coisas é reconhecer que
Deus causou o mal. Entretanto, os crentes respondem que o mal não é uma coisa
ou substância, antes, é a falta ou a privação de algo bom que Deus fez. Assim,
o mal é a corrupção das substâncias boas que Deus criou. É como a ferrugem em
um carro ou a podridão em uma árvore. O mal não é algo em si só. Existe somente
em companhia de outra coisa, mas nunca sozinho.
6.3. A
ocorrência do mal: Por que Deus, na sua onipotência, não destrói o mal?
Mesmo um ser
onipotente como Deus não é capaz de fazer qualquer coisa para mudar esta
tendência humana. Explicando: Deus jamais forçaria as pessoas a escolher
livremente o bem, porque a liberdade forçada seria uma contradição à sua
Palavra. Logo, Deus não pode destruir literalmente todo o mal sem aniquilar o
livre-arbítrio. A única maneira de destruir o mal seria destruindo o bem do
livre-arbítrio. Logo, se Deus destruísse todo o mal, teria de destruir também
todo o bem do livre-arbítrio Mas, apesar de Deus não aniquilar o mal, Ele pode
(e irá!) derrotá-lo e, ao mesmo tempo, preservar o livre-arbítrio. Assim, ainda
que o mal não possa ser destruído sem destruir o livre arbítrio, ele pode ser
derrotado.
I. A
finalidade do mal. Deus tem uma determinação para tudo e, por conta
disso, nos permite conhecer um bom propósito para a maior parte do mal. Por
exemplo, a habilidade que temos de sentir dor possui um bom propósito. C. S.
Lewis² declarou que “a dor é o megafone de Deus para advertir o mundo
moralmente surdo”. Além disso, temos de ponderar que parte do mal é produto do
bem e que Deus é capaz de extrair coisas boas do mal. Também, temos de entender
que nem todo evento específico no mundo precisa ter um bom propósito. Apenas o
propósito geral precisa ser bom. Certamente, Deus tinha um bom propósito para
criar a água (sustentar a vida), mas afogamentos são um dos subprodutos
malignos. Assim, nem todo afogamento específico precisa ter um bom propósito,
apesar de a criação da água ter tido. A bem da verdade, muitas coisas boas
seriam perdidas se Deus não tivesse permitido que o mal existisse. Isso não
significa que este mundo seja o melhor mundo possível, mas que Deus o criou
como a melhor maneira de atingir seu objetivo supremo do bem maior. (Os
artigos de Geisler e Greg Bahnsen acerca do assunto foram da tradução do
apologista Elvis Brassaroto Aleixo).
7.
Os Efeitos
Noéticos do pecado e as Divergências Teológicas
Outro tema
divergente na hamartiologia é o conceito do chamado “efeitos noéticos do
pecado”. A palavra “noético” deriva-se da palavra grega nous, que é
normalmente traduzida como “mente”. No conceito da teologia os efeitos noéticos
do pecado são consequências da queda do homem no intelecto humano. Ou seja, a
pessoa humana inteira, incluindo todas as nossas faculdades, foi devastada pela
corrupção da natureza humana. Esse pensamento interpretativo conclui que nossos
corpos morrem devido ao pecado e, a vontade humana se encontra em um estado de
prisão moral, cativa aos desejos e impulsos maus do coração. Assim, nossas
mentes, da mesma forma, são caídas, e nossa própria capacidade de pensar foi
severamente enfraquecida pela queda.
Essa posição
teológica que se opõe a qualquer forma racional de interpretação bíblica, alega
que o pecado corrompeu tanto a mente humana que não é possível que a humanidade
caída entenda a revelação de Deus adequadamente nem raciocine corretamente. A
visão está baseada numa compreensão específica da teologia reformada e é
expressa por teólogos como Soren Kierkegaard (1813-1855), Herman Dooyeweerd
(1894-1977) e Cornelius Van Til (1895-1987). Outros cristãos reformados e
apologistas clássicos rejeitam essa dicotomia, afirmando que, apesar de o
pecado destruir a imagem de Deus na humanidade e a revelação geral, ele não as
apaga. Como veremos nessa breve abordagem.
7.1. O
pecado e a mente na interpretação teológica. É clara a
posição de alguns teólogos Reformadores na ênfase aos efeitos noéticos do
pecado. João Calvino (1509-1564) supostamente, foi rápido em demonstrar
que a depravação da vontade humana obscurece a capacidade de entender e
responder à revelação natural de Deus. Calvino Escreveu: “A ideia da natureza
dele [de Deus] não é clara a não ser que o reconheça como origem e fundação de
toda bondade. Logo, surgiria a confiança nele e o desejo de apegar-se a ele, se
a depravação da mente humana não a afastasse do curso adequado de investigação”.
(Institutas, 1.11.2). Calvino acreditava que a Certeza completa só vem
pelo Espírito Santo agindo por meio dessa evidência objetiva para confirmar no
coração da pessoa que a Bíblia é a Palavra de Deus. Ele ainda disse:
Nossa fé na
doutrina só é estabelecida quando temos a convicção perfeita de que Deus é seu
Autor. Logo, a maior prova da Escritura é uniformemente tirada do caráter
daquele a quem a palavra pertence. Nossa convicção da verdade das Escrituras
deve ser derivada de uma fonte maior que conjecturas, julgamentos ou razões
humanas; a saber, o testemunho secreto do Espírito. (ibid., 1.7.1, v.
1.8.1).
Ainda na
interpretação teológica acerca da depravação mental humana pelo pecado, o
argumento moderno do teólogo holandês Cornelius Van Til, torna-se
expressivo nessa argumentação. Em sua obra “Em defesa da fé”, ele diz que o
incrédulo tem dentro de si o conhecimento de Deus por causa da criação à imagem
de Deus. E declara: “Mas essa ideia de Deus é suprimida pelo seu falso
princípio, o princípio da autonomia” (In defense of the faith [Em defesa da
fé], p. 170). É esse princípio que constitui a analogia da “visão
distorcida” de Van Til, pelo qual todo conhecimento do incrédulo é distorcido e
falso. A doutrina da depravação radical implica na crença de que toda atividade
interpretativa incrédula resulta em conclusões falsas, conforme base bíblica de
Ef. 2.1 – “mortos no pecado”, 1ª Co. 2.14 – “Ausência do discernimento
espiritual”, e – 1ª Co. 1.21 – “Ausência da sabedoria”.
7.2.
Posições com argumentos contrários. Outros
teólogos reformados não-pressuposicionais, tais como Jonathan Edwards, Β. Β.
Warfield, John Gerstner e R. C. Sproul também acreditam firmemente na
depravação total sem aceitar essa posição dos efeitos noéticos do pecado. A
depravação total pode ser compreendida como a incapacidade de iniciar ou obter
a salvação sem a graça de Deus, ou seja, os versículos de base apresentados não
podem significar que não haja evidência da existência de Deus, já que Paulo
declarou também em Romanos 1.19,20 que a evidência da existência de Deus é tão
clara que os pagãos são “indesculpáveis”. O contexto de 1ª Coríntios não é a
existência de Deus, mas seu plano de salvação na cruz. Ainda em 1ª Coríntios,
Paulo lembra o testemunho ocular da ressurreição de Cristo, que seu companheiro
Lucas denominou “muitas provas indiscutíveis” (At. 1.3). Portanto, sua
referência ao mundo que pela sabedoria não se conhece a Deus não é uma
referência à incapacidade dos seres humanos para conhecer a Deus por meio da
evidência que ele revelou na criação (Rm. 1.19,20) e na consciência (Rm.
2.12-15). Antes trata-se de uma referência à rejeição humana, insensata e
depravada da mensagem da cruz. Apesar de cada pessoa saber claramente por meio
da razão humana que Deus existe, a depravação “detém”, ou “suprime”, essa
verdade pela injustiça (Rm 1.18).
7.2.a. Reinterpretando Calvino. Geisler em sua “Enciclopédia de
Apologética” diz que Calvino jamais acreditou nos efeitos noéticos do pecado, a
ponto de afirmar que nenhuma pessoa incrédula poderia entender a revelação de
Deus. Na realidade, Calvino insistiu em que “existe na mente humana, e na
verdade por instinto natural, um senso de divindade” (Institutas. 1.3.1).
Ele argumentou que “não há nação tão bárbara, nem raça tão bruta, que não
esteja impregnada com a convicção de que há um Deus” (ibid.). Esse “senso de
divindade está tão naturalmente gravado no coração humano que até os depravados
são forçados a reconhecê-lo” (Institutas, 2.4.4). Calvino foi além,
afirmando que a essência invisível e incompreensível de Deus foi manifesta nas
obras de Deus, junto com provas da imortalidade da alma (Institutas,
1.5.1-2). Pois em cada uma das suas obras sua glória está gravada em letras
tão brilhantes, tão distintas e tão ilustres, que ninguém, por mais ignorante,
pode alegar sua ignorância como desculpa (ibid.).
Geisler
ainda lembra que ao comentar Romanos 1.20,21, Calvino conclui que Paulo ensina
que Deus apresentou à mente de todos a maneira de conhecê-lo, tendo se
manifestado por meio de suas obras, de forma que elas devem necessariamente ver
aquilo que elas mesmas não procuram saber — que há um Deus (New Testament
commentaries: Epistles of Paul to the Romans and Thessalonians). Para
Calvino, esse conhecimento inato de Deus inclui o conhecimento de sua lei
justa. Ele acreditava que, já que “os gentios têm a justiça da lei naturalmente
gravada em sua mente, não podemos dizer que são totalmente cegos à regra da
vida” (Institutas, 1.2.2 2). Ele chama essa consciência moral “lei
natural”, que é suficiente para a condenação, mas não para a salvação (ibid.).
Por meio dessa lei natural, “o julgamento da consciência” é capaz de distinguir
entre o que é justo e injusto (New Testament commentaries: Epistles of Paul
to the Romans and Thessalonians, p. 48). Por causa das letras brilhantes da
glória de Deus, a maioria das pessoas tem as mesmas ideias básicas sobre o que
é certo e o que é proibido. É evidente que Deus deixou “provas” de si mesmo
para todos, tanto na criação quanto na consciência (ibid, p. 48). (Enciclopédia
de Apologética, Ed. Vida – 2002, p. 633-34).
NOTA:
1.
Cosmovisão. O conceito de “cosmovisão” ainda é amplamente
obscuro por parte da Cristandade. Não é de se admirar sendo o termo pouco
esboçado pela liderança representativa da igreja local. O termo cosmovisão a
princípio, trata-se de uma tradução da palavra alemã weltanschauung, que
significa “modo de olhar o mundo” (welt – mundo, schauen –
olhar), ponto de vista ou concepção de mundo. De acordo com Albert Wolters,
este termo tem a vantagem de ser claramente distinto de “filosofia” (ao menos
no uso alemão) e de ser menos enfadonho do que a frase “visão do mundo e da
vida”. Em poucas palavras, é um conjunto de suposições e crenças que utilizamos
para interpretar e formar opiniões acerca da nossa humanidade, propósito de
vida, deveres no mundo, responsabilidades para com a família, interpretação da
verdade e questões sociais. “É como um mapa mental que nos diz como navegar de
modo eficaz no mundo”. (PEARCEY, Nancy. Verdade Absoluta: libertando
o Cristianismo do seu cativeiro cultural. – Rio de Janeiro: CPAD, 2006, p. 25).
Cosmovisão na erudição teológica. James Sire faz uma pesquisa profunda
sobre o significado do termo. Inicialmente, ele apresente os conceitos usados
por vários pensadores cristãos, do passado e do presente. Alguns desses são: 1.
James Orr. “É a visão mais ampla que a mente pode ter das coisas num
esforço de compreendê-las como um todo, do ponto de vista de alguma filosofia ou
teologia em particular”.2. Abraham Kuyper. “Sistema de vida abrangente”.
Toda cosmovisão, sustenta Kuyper, deve tratar de “três relações fundamentais de
toda a existência humana: a saber, nossa relação com Deus, com o homem e com o
mundo”. 3. James Olthuis. “É uma estrutura ou conjunto de crenças
fundamentais pelas quais vemos o mundo e nosso chamado e futuro nele (…). 4.d.
Albert M. Wolters. “Cosmovisão é a estrutura abrangente das crenças básicas
de uma pessoa sobre as coisas”.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
– A Confissão Belga (1561)
– A Confissão de Fé de Westminster (1643–46)
– Breve Catecismo de Westminster (1643-1649)
– BERKHOF, Louis – Teologia Sistemática, Ed.
Cultura Cristã, 6ª tiragem 2000.
– GEISLER e HOWER, Norman Geisler, Thomas Howe –
Manual popular de dúvidas, enigmas e “contradições” da Bíblia — Ed. Mundo
Cristão, 1999.
– MARINO, Bruce. Origem, natureza e consequências
do pecado. In: HORTON, Stanley (Org.). Teologia Sistemática: Uma perspectiva
pentecostal. CPAD, 1996.
– LUTERO, Martinho.,Os Artigos de Esmalcalde. In: Livro
de Concórdia. São Leopoldo – Porto Alegre: Sinodal/Concórdia, 1997.
– LUTERO, Catecismo Maior. In: Livro de
Concórdia. São Leopoldo – Porto Alegre: Sinodal/Concórdia, 1997.
– CALVINO, John.,Institutas –Livro II – 1.8.
– SILVA, Severino Pedro da. A Existência e a Pessoa
do Espírito Santo”, Ed. Cpad, 1ª edição.
Fonte: www.napec.org
Nenhum comentário:
Postar um comentário