Por Judiclay Santos
No dia
18 de janeiro de 1548, na Cathedral of Saint Paul, no coração de Londres, um
dos mais notáveis reformadores ingleses pregou uma poderosa mensagem que ecoa
através dos séculos. O Sermão do Arado, pregado por Hugh Latimer, é uma
trombeta do céu que ressoa sobre a igreja e exorta os pregadores.
“Quem dera nossos
prelados fossem tão diligentes para semear os grãos de trigo da sã doutrina
quanto satanás o é para semear as ervas daninhas e o joio! Onde o
diabo está em residência e está com o seu arado em andamento, ali: fora os
livros e vivam as velas!; fora as Bíblias e vivam os rosários!; fora a luz do
evangelho e viva a luz das velas – até mesmo ao meio dia!; [...] vivam as
tradições e as leis dos homens!; abaixo as tradições de Deus e sua santíssima
Palavra[...]"1
A dura
crítica de Latimer é verdadeira, consistente e terrivelmente atual. É
impressionante considerar que a realidade da igreja na Inglaterra em meados do
século 16 é muito similar à realidade da igreja no Brasil, no século 21. A
situação nas igrejas cristãs, salvo as honrosas e raras exceções, é de extrema
pobreza e mediocridade nos púlpitos. Dominicalmente são oferecidos sermões
mortos, pregações vazias, discursos inócuos, preleções insossas. A igreja tem
sido submetida a uma dieta terrível: uma sopa rala que não nutre a fé. Existe
um contingente expressivo de pessoas sem maturidade e estatura espiritual, e
Igrejas cheias de pessoas vazias. Há muita gente sofrendo o processo de
infantilização por falta da pregação da Palavra.
Uma leitura cuidadosa da História
cristã mostrará que existe uma estreita relação entre a pregação da Palavra e a
vida da igreja. Todas as vezes que a pregação do evangelho floresce seu impacto
se torna evidente na vitalidade da igreja e na subsequente transformação da
cultura.
Se alguém gastasse uma
semana lendo toda a Bíblia e, na semana seguinte, se familiarizasse com os
principais acontecimentos da história da igreja, o que observaria? Que a obra
de Deus no mundo e a pregação estão intimamente ligadas. Onde Deus age, ali a
pregação floresce. Em todos os lugares em que a pregação é menosprezada ou está
ausente, ali a causa de Deus passa por um tempo de improdutividade. O Reino de
Deus e a pregação são irmãos siameses que não podem ser separados. Juntos, eles
permanecem de pé ou caem.2
A
igreja brasileira sofre por causa do declínio da pregação. A falência dos
púlpitos é uma tragédia para o povo de Deus. Existem muitos palradores, mas
poucos pregadores. Há uma enorme carência de homens que preguem o evangelho das
insondáveis riquezas de Cristo.3 Via de regra, o que se tem
visto, de norte a sul do Brasil, são homens superficiais que oferecem um tipo
de “alimento” incapaz de nutrir a fé. Boa parte dos cristãos não sabe o que
significa o evangelho. Muitos não conhecem as verdades elementares da fé
cristã. As implicações desta triste realidade são avassaladoras. O cenário
evangélico brasileiro é constituído de igrejas teologicamente confusas,
moralmente frouxas, socialmente inoperantes e espiritualmente decadentes.
I. OS RESULTADOS DO FRACASSO DA
PREGAÇÃO NA VIDA DA IGREJA.
1) Empobrecimento do culto
cristão.
Na estrutura do culto cristão, a
exposição bíblica é o principal ato de adoração. Culto público de adoração sem
a pregação do evangelho não é apenas pobre, é falso. “O que vemos hoje é a
marginalização do púlpito. Há uma percepção de que o púlpito é apenas um móvel
decorativo no santuário e que alguém tem que usá-lo para alguma coisa”.4 É
triste e lamentável constatar a pobreza dos cultos. A falta de pregação bíblica
e a quantidade de cânticos medíocres na musicalidade e heréticos no conteúdo é
um escândalo. Quando a pregação não ocupa o centro no culto cristão e a Palavra
perde a devida primazia na vida da igreja prevalecem o subjetivismo, o
antropocentrismo, o sensacionalismo, o paganismo e todo tipo de
excentricidades. Tais coisas, por sua natureza, não glorificam a Deus e não
edificam a igreja de Jesus Cristo.
2) Desfibramento moral da
igreja.
Se a pregação é o principal meio
de graça, através do qual a igreja é santificada pela ação do Espírito Santo,
onde não há pregação do evangelho a corrupção do coração é potencializada e se
manifesta com maior força. Existem contundentes evidências da falta de
integridade moral por parte de muitas pessoas que confessam ser cristãs.
Valores e práticas incompatíveis com a Palavra de Deus se tornaram comuns no
arraial evangélico. Se o profeta Oséias pregasse para essa geração de cristãos
no Brasil, sua mensagem seria: “Volta, ó Israel, para o Senhor, teu Deus,
porque, pelos teus pecados, estás caído”.5 A exortação do
Cristo ressurreto à igreja em Sardes é bem adequada à igreja brasileira: “...
não tenho achado íntegras as tuas obras na presença do meu Deus”.6 Uma
das razões pelas quais a igreja padece de fraqueza moral é porque “há uma
tendência dos púlpitos modernos a propagar uma mensagem que informa, mas não
transforma, que diverte mas não converte” (Abgel).
3) Confusão doutrinária no seio da
igreja.
João Calvino, grande teólogo e
experiente pastor, afirmou que “a ignorância é mãe de todas as heresias”. Onde
a verdade é negligenciada floresce o erro. O Brasil, conhecido por sua cultura
mística de profundas raízes no paganismo, é terreno fértil para a proliferação
de ensinos errados. As matizes, quer seja, a pajelança indígena, os
ídolos do catolicismo romano, os rituais afro-ameríndios, o
kardecismo anglo-saxão ou as seitas “evangélicas”, conspiram contra o genuíno
evangelho. Nesse cenário de múltiplas divindades, variados cultos e tantos
credos, o enfraquecimento do magistério da Palavra e a negligência da pregação
tornam a igreja vulnerável e criam o ambiente para o sincretismo. Não seria
essa a triste realidade da igreja evangélica no Brasil?
4) Decadência espiritual.
Um púlpito fraco é a maior
tragédia da igreja. Spurgeon estava certo ao afirmar que “o mais maligno servo
de Satanás que conheço é o ministro infiel do evangelho”.7 O
fracasso da pregação é a causa primária da miséria espiritual da igreja. Sempre
que a igreja é transformada em teatro da fé, o púlpito em vitrine de vaidades,
o culto em serviço de entretenimento e o pastor em animador de auditório, a
decadência espiritual é inevitável. À luz das Escrituras, a falta de santidade,
devoção, misericórdia, sabedoria, compaixão, fervor, piedade, vida e amor são
evidências do declínio espiritual. A igreja tem dado sinais de fraqueza
espiritual e existem algumas razões pelas quais isso acontece. O notável João
Crisóstomo indica uma delas. "Quando você vir uma árvore cujas folhas
estejam secas e murchas, algo de errado está acontecendo com as suas raízes;
quando você vir um povo indisciplinado, sem dúvida, os seus sacerdotes não são
santos".8 A igreja que tolera um pastor negligente no
ministério da pregação comete suicídio.
II. FATORES CONTRIBUINTES PARA O
DECLÍNIO DA PREGAÇÃO.
O declínio não foi súbito, mas
gradual. Um estudo criterioso apontará as razões pelas quais a glória da
pregação ter sido apagada. O renomado Dr. Albert Mohler9 aponta
alguns elementos significativos, dentre os quais, destacamos três:
1) A pregação contemporânea sofre
de perda na confiança no poder da Palavra
Muitos pregadores não creem na
autoridade da Bíblia como Palavra de Deus. É impressionante constatar a
quantidade de pastores que deveriam nutrir a fé da igreja a partir da pregação
da Palavra, mas não o fazem porque não confiam que de fato a Bíblia é a Palavra
de Deus. Se um homem nega a inspiração, autoridade e suficiência da Escritura,
ele não está qualificado para pregar.
2) A pregação contemporânea sofre
de obsessão por tecnologia
Vivemos em uma sociedade de forte
apelo audiovisual. O emprego de novas tecnologias não deve ser descartado, mas
avaliado criteriosamente. O risco não é usar esses recursos, mas se tornar
escravo deles. Um pastor não pode gastar mais tempos preparando slides para
apresentar o seu sermão do que estudando o texto bíblico e orando diante
de Deus, por si e pelos seus ouvintes. Como bem observou o dr. Moller, Deus
decidiu ser ouvido e não visto.
3) A pregação contemporânea sofre
de focalização em necessidades sentidas
A principal necessidade do ser
humano é a paz com Deus por meio de Cristo. Desconsiderar essa verdade torna o
púlpito um centro de aconselhamento para tratar realização profissional, saúde
financeira e relacionamentos interpessoais. A psicologização do púlpito é uma
triste realidade no cenário evangélico brasileiro. Enquanto os pregadores
gastam tempo falando sobre os sete passos para melhorar o casamento, muitos
casais nada sabem sobre o que significa o texto: “Maridos, amai vossa mulher,
como também Cristo amou a igreja e a si mesmo se entregou por ela”.10
O pastor moderno precisa
voltar-se para o estudo profundo das Escrituras e para a pregação expositiva da
revelação divina. Pequenos sermões tópicos, carregados de ilustrações
sentimentais, que se ouvem nos púlpitos, [...] não satisfazem as mais profundas
necessidades espirituais dos ouvintes”.11
Felizes
são as igrejas cujos pastores pregam a Palavra de Deus. A história testemunha
que as igrejas que mais crescem espiritualmente são aquelas que valorizam a
pregação. Enquanto o púlpito não ocupar a primazia no culto não haverá
edificação.
III. ENCORAJAMENTO AOS PREGADORES
A Reforma Protestante, a despeito
de todas as acusações de seus detratores, deixou um glorioso legado para o
cristianismo, o resgate da pregação pública da Palavra de Deus. Os
reformadores não inventaram a pregação, mas certamente lutaram para que
ocupasse a primazia no culto cristão. Eles exortavam os que estavam sob a sua
liderança a buscar excelência na pregação da Palavra. John Owen
declarou que “o primeiro e principal dever de um pastor é alimentar o rebanho
pela pregação diligente da Palavra”. Para tanto, eles tinham um pressuposto e
uma motivação. Primeiro, eles entendiam que a pregação da Palavra de Deus é “um
meio de graça indispensável e sinal infalível da verdadeira igreja” (Calvino).
Segundo, a incansável luta desses gigantes da fé tinha como alvo a glória de
Deus. Sendo essa a motivação primária para subir ao púlpito e anunciar o
evangelho da graça. Deus é glorificado quando a igreja é edificada, e isso
acontece através da diligente e fiel pregação da Palavra.
Martin Lloyd-Jones disse que a
pregação é a tarefa mais importante do mundo. Calvino entendia que o púlpito é
o trono de onde Deus governa a sua igreja. A reforma da igreja começa no
púlpito da igreja. “O avivamento da igreja acontece quando se acende uma fogueira
no púlpito”. (D. W. Moody).
UMA PALAVRA DE ENCORAJAMENTO
1) Pregue a palavra
Conjuro-te, perante Deus e Cristo Jesus, que há de
julgar vivos e mortos, pela sua manifestação e pelo seu reino: prega a palavra,
insta, quer seja oportuno, quer não, corrige, repreende, exorta com toda a
longanimidade e doutrina.12
Uma
grande honra é sempre acompanhada de uma grande responsabilidade. A exortação
de Alexander Wyte é muito oportuna: “Nunca pense em abrir mão da pregação! Os
anjos em derredor do trono invejam sua grandiosa obra.”
2) Estude exaustivamente o texto
Sem disciplina nos estudos não é
possível pregar com excelência. “Pregação que não custa nada não vale nada”,
exortava John Henry Jowett. O pastor deve dedicar-se aos estudos e a preparação
do sermão. Alguém sugeriu que para cada minuto de pregação o pregador deveria
investir uma hora de preparação. Pode parecer muito, ou até mesmo impraticável,
mas o ponto é que o preparo é fundamental. Segundo Spurgeon, o príncipe dos
pregadores, “aquele que cessa de aprender cessa de ensinar. Aquele que não
semeia nos estudos não colhe no púlpito”.
3) Crie pontes entre o mundo
bíblico e o contemporâneo
Não torne a sua pregação uma coisa
enfadonha e sem sentido. Conheça a Escritura, mas também o povo para o qual
você prega. Mostre as pessoas a conexão entre o texto bíblico e a vida delas.
Use ilustrações vivas e verdadeiras. Uma boa ilustração é como janelas em uma
casa, iluminam e arejam o ambiente. A viva e eficaz Palavra de Deus precisa ser
comunicada com clareza, a fim de que haja uma correta aplicação para os
ouvintes.
4) Seja humilde: você
depende da graça de Deus
Certo pregador subiu ao púlpito
cheio de confiança em si mesmo. Foi um completo fracasso. Então alguém lhe
disse: Se você subisse como desceu (humilde) teria descido como subiu
(confiante). A humildade é uma virtude que faz toda diferença na vida do pregador.
Os talentos não são suficientes. Para obter a bênção de Deus no exercício da
pregação é necessário suplantar a soberba e pregar na completa dependência do
Senhor. McCheyne acertou ao dizer que “não é tanto os talentos o que Deus
abençoa, mas uma grande semelhança com Jesus. Um ministro de vida santa é uma
tremenda arma nas mãos de Deus”.13
5) Ore invocando a presença do
Espírito Santo
Sermões áridos e sem vida matam a
igreja. O que torna um sermão uma pregação é o poder do Espírito. “A pregação é
lógica em fogo” (Lloyd Jones). Todo pregador deve buscar a unção do Espírito,
sem o qual os frutos são impossíveis. Em uma época de aguda fraqueza espiritual
nos púlpitos, acompanhada de inúmeras conversões fabricadas pela manipulação
das emoções humanas, todo pregador deveria levar em consideração as palavras do
apóstolo Paulo, um dos maiores pregadores da história do cristianismo: “porque
o nosso evangelho não chegou até vós tão-somente em palavra, mas, sobretudo, em
poder, no Espírito Santo e em plena convicção, assim como sabeis ter sido o
nosso procedimento entre vós e por amor de vós”.14
Em suma, sem pregação bíblica,
proclamada no poder do Espírito Santo, não há esperança para a igreja
brasileira. Deus tenha misericórdia de nós.
* Texto publicano no site da Edições Vida Nova
(Teologia Brasileira)
__________________________________
1LATIMER,
Hugh. Citado por STOTT, John. Eu Creio na
Pregação. Vida: São Paulo, 2001, pp. 27-28.
2OLYOTT, Stuart. Pregação Pura e Simples. Fiel:
SJC, 2008, p. 23.
3Efésios 3.8.
4MOHLER, Albert. Apascenta o meu rebanho.
Cultura Cristã: São Paulo, 2009, p. 25.
5Oséias 14.1.
6Apocalipse 3.2.
7SPURGEON, Charles H. O Ministério Ideal,
Vl 2. PES: São Paulo, 1990, p. 65.
8CRISÓSTOMO, In: Homilias sobre o Evangelho
de Mateus (38), citado por SPENER Filipe Jacob, Pia Desideria,
p. 26.
9MOHLER, Albert. Deus não está em silêncio.
Fiel: São José dos Campos, 2011, pp. 22-28.
10Efésios 5.25.
11CRABTREE. A Doutrina Bíblica do
Ministério Pastoral. Rio de Janeiro: Juerp, 1981, p. 81.
122 Timóteo 4.1-2.
13MCCHEYNE, Robert M. Citado por STOTT, John. O
perfil do pregador. São Paulo Vida Nova, 2005, p. 114.
141 Tessalonicenses
1.5.Fonte: http://judiclaysantos.blogspot.com.br/2013/11/o-declinio-da-pregacao-e-decadencia-da.html
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