Proíbe Deus a Celebração de Aniversários Natalícios?
Por Miguel Servet Jr.
Introdução
É mundialmente conhecido que as Testemunhas de Jeová evitam tudo o que está relacionado com comemorações de aniversários natalícios. Elas jamais celebram o seu próprio aniversário, nem o de seus filhos, caso tenham, e também não comparecem a comemorações de aniversários de parentes, amigos e colegas de escola ou de trabalho. Até mesmo os cumprimentos a aniversariantes são evitados.
O motivo básico de as Testemunhas de Jeová agirem dessa forma é que a liderança de sua organização religiosa tem se pronunciado contra isso já por várias décadas. Os responsáveis pela redação das publicações religiosas usadas pelas Testemunhas, com freqüência afirmam que a Bíblia dá base para essa proibição e são apresentados vários argumentos que conduzem todos os membros da comunidade a essa mesma conclusão. As Testemunhas são muito sinceras e fiéis em obedecer a tal regra, pois, com base no que lêem nestas publicações, vieram a acreditar unanimemente que Deus não aprova que os cristãos comemorem seu aniversário.
É inegável o impacto dessa proibição na vida social dos que a seguem. Por obedecê-la escrupulosamente, as Testemunhas têm sido chamadas de "bitoladas", "desmancha-prazeres", "anti-sociais", "fanáticas" e de outros termos desse gênero. Sem dúvida, ninguém sente mais as conseqüências de tal restrição do que os jovens (crianças e adolescentes) da comunidade religiosa, pois tais jovens vêem-se impedidos tanto de comemorar seus aniversários como de ir aos aniversários de colegas e amigos, e por motivos que são, na grande maioria das vezes, incompreensíveis para os próprios jovens e até para muitos adultos que são Testemunhas. Se uma Testemunha de Jeová desconsiderar a proibição e comemorar abertamente seu aniversário, ela, no mínimo, passará a ser mal-vista pelos seus companheiros de crença e poderá até sofrer outras formas de discriminação e/ou disciplina religiosa, por ter promovido uma 'celebração popular de origem pagã, que desagrada a Deus'.
Embora já tenham sido publicados diversos artigos que criticam esta proibição religiosa específica, o fato é que, apenas pelos motivos alistados no parágrafo anterior, ela merece um exame adicional que abranja outros detalhes que ainda não foram discutidos.
Este estudo examinará a maneira como a liderança da Torre de Vigia encara as referências que a Bíblia faz a celebrações de aniversários. Ao avaliar essa visão, será feita uma análise do conteúdo das próprias referências, com o fim de determinar se Deus de fato proíbe ou pelo menos desencoraja este tipo de celebração entre os cristãos que vivem hoje.
As Referências Bíblicas a Aniversários Natalícios, Segundo a Visão da Torre de Vigia
Seguem-se alguns trechos de publicações, onde se afirma taxativamente que a Palavra de Deus desabona tais comemorações (com grifos acrescentados):
Citação 1 - A Sentinela de 15.01.1981 - pág 31
"Como devemos encarar essas duas celebrações de aniversários natalícios? É apenas coincidência que são mencionadas e que ambas eram de pessoas que não tinham a aprovação de Deus? Ou será que Jeová fez deliberadamente com que estes pormenores fossem registrados na sua Palavra, a qual, segundo ele diz, é “proveitosa para ensinar, para repreender, para endireitar as coisas”? (2 Tim. 3:16) No mínimo, pode-se dizer que estas duas narrativas colocam biblicamente as celebrações de aniversários natalícios numa péssima luz, como prática dos apartados de Deus."
Citação 2 - Raciocínios à Base das Escrituras (1985), pág 37:
16 Você pode empregar o convidativo método do livro Grande Instrutor, dizendo: “Então, sabemos que tudo o que está na Bíblia está ali por alguma razão.” Daí, pergunte: “Portanto, o que acha que Deus está-nos dizendo a respeito de festas de aniversários natalícios?”"
Para quem crê na inspiração divina da Bíblia, isto é uma verdade óbvia. Não teria sentido pensarmos que Deus faria constar uma informação em Sua Palavra que fosse absolutamente inútil. Porém, se fizermos uma aplicação demasiadamente abrangente dessa frase, levando-a às últimas conseqüências, podemos cair em generalizações absurdas. Adiante veremos claramente por que.
... de modo que as evitam.
20 Ora, o terceiro dia resultou ser aniversário natalício de Faraó, e ele passou a dar um banquete a todos os seus servos e a levantar a cabeça do chefe dos copeiros e a cabeça do chefe dos padeiros no meio dos seus servos. 21 Concordemente, restituiu o chefe dos copeiros ao seu posto de copeiro, e ele continuou a dar o copo à mão de Faraó. 22 Mas ao chefe dos padeiros ele pendurou, assim como José lhes dera a interpretação.
21 Chegou, porém, um dia conveniente, no seu aniversário natalício, em que Herodes ofereceu uma refeição noturna a seus dignitários e comandantes militares, e aos principais da Galiléia. 22 E entrou a filha desta mesma Herodias e dançou, e ela agradou a Herodes e aos que se recostavam com ele. O rei disse à donzela: “Pede-me o que quiseres, e eu to darei.” 23 Sim, jurou-lhe: “O que for que me pedires, até a metade do meu reino, eu to darei.” 24 E ela saiu e disse à sua mãe: “Que devo pedir?” Ela disse: “A cabeça de João, o batizador.” 25 E entrando logo apressadamente, foi ter com o rei e fez a sua solicitação, dizendo: “Quero que me dês imediatamente, numa travessa, a cabeça de João Batista.” 26 Embora o rei ficasse profundamente contristado, contudo, não quis desconsiderá-la, em vista dos juramentos e dos que se recostavam à mesa. 27 O rei mandou assim imediatamente um guarda pessoal e ordenou-lhe que trouxesse a cabeça dele. E ele foi e o decapitou na prisão, 28 e trouxe a cabeça dele numa travessa, e a deu à donzela, e a donzela a deu à sua mãe.
1. No decorrer das duas celebrações ocorreu um crime (assassinato)
2. Os aniversariantes eram pagãos, e não servos do verdadeiro Deus
Levando em consideração estes fatos e como a expressão "aniversário natalício" aparece no contexto dos dois relatos, as publicações da organização argumentam que a Bíblia está fazendo uma clara 'referência desfavorável' às próprias celebrações. Alega-se que, já que "tudo o que está na Bíblia tem uma razão de estar ali" e como a Bíblia conecta estes dois fatos com as celebrações, isso não é uma simples "coincidência", e sim a maneira de Deus dizer que Ele desaprova totalmente que Seus servos fiéis comemorem aniversários natalícios. Senão, Ele não teria feito constar estas informações na Bíblia.
O que a Bíblia faz, neste caso, é relatar em que circunstâncias Amnom foi morto. O meio-irmão dele, Absalão planejou matá-lo durante uma festa de confraternização entre irmãos. Absalão estava comemorando a sua aquisição de "tosquiadores" e havia convidado até mesmo a seu pai, Davi. Como lemos, o Rei Davi não quis ir com a comitiva real, porque achou que ia dar muita despesa a seu filho, mas consentiu que seu filho primogênito, Amnom, fosse junto com os demais irmãos. Foi nessa ocasião festiva, regada a vinho, que o promotor da festa, Absalão, executou vingança contra Amnom, mandando seus empregados assassiná-lo.
Fazendo uma comparação, poderíamos até dizer que, em certos aspectos, o crime de Absalão foi muito mais grave do que o do Rei Herodes. Como visto no relato de Marcos, o Rei Herodes, que era um pagão, mandou matar João Batista a contragosto e a própria maneira de execução do crime foi idealizada por outros. Já Absalão, que era um israelita e conhecedor do verdadeiro Deus, premeditou e planejou o assassinato. E ainda por cima, a pessoa que ele mandou matar diante de todos, durante a festa, era seu próprio irmão!
Contudo, por mais hediondo que tenha sido o que Absalão fez, cabem aqui as seguintes perguntas: Será que tal crime depôs de alguma maneira contra a ocasião em que ele foi cometido? Já que a informação específica sobre a festa 'está ali' na Bíblia, será que é porque há alguma coisa errada em fazer festas comemorativas em família? Está a Bíblia fazendo um "relato desfavorável" sobre tais tipos de festas e está Deus dizendo que Seus servos não devem promover eventos semelhantes a esses?
Não existe o menor sentido na idéia de que Deus instrua Seus servos de forma ambígua, usando uma espécie de linguagem "em código", de uma maneira que somente alguns entendam a instrução e outros não. Os crentes na Bíblia sabem muito bem que quando Deus dá instrução espiritual vital para Seus servos, Ele sempre o faz de maneira clara, seja através de uma ordem ou proibição direta, seja através de um princípio explícito.
CONCLUSÃO
Embora a Bíblia diga que houve grande alegria por ocasião dos nascimentos de João Batista e de Jesus Cristo, a organização Torre de Vigia endossa a idéia de que os primitivos cristãos jamais celebravam seus aniversários. Desta forma, o livro “Raciocínios à Base das Escrituras”, pág 37, cita com aprovação o seguinte:
“A noção de uma festa de aniversário natalício era alheia às idéias dos cristãos deste período, em geral.” — The History of the Christian Religion and Church, During the Three First Centuries (Nova Iorque, 1848), Augusto Neander (traduzido por Henry John Rose), p. 190.
Assim, é transmitida a idéia de que os cristãos hoje, seguindo o exemplo deles, também não deveriam celebrar aniversários.
Mas, mesmo que seja verdade que os primitivos cristãos não realizavam tais celebrações, não se pode deixar de perceber que, ao lançar mão deste argumento, a organização está usando um padrão duplo de pensamento. Como assim?
Consideremos os seguintes procedimentos organizacionais:
· Reuniões: Que os primitivos cristãos ajuntavam-se regularmente é inegável. Mas será que as reuniões deles eram sempre num mesmo prédio, num dia e horário específico, seguindo uma programação rigorosamente pré-estabelecida e com somente alguns falando duma tribuna e os demais apenas ouvindo e tendo a obrigação de aceitar tudo o que se dizia? Não há qualquer evidência bíblica ou histórica de que as coisas funcionavam desta maneira.
· Pregação: Falar de sua fé aos descrentes foi, desde o princípio, alistado como uma obrigação para os cristãos. A Bíblia e a História mostram que eles cumpriram isso. O que não é possível encontrar é a evidência bíblica ou histórica de que essa pregação deles era executada de porta em porta, de maneira sistemática, repetitiva, sem convite prévio, e através do uso de outros escritos além das Escrituras, escritos estes que deveriam ser oferecidos ao público em troca de dinheiro. Nem podemos confirmar biblicamente que os primitivos cristãos tinham a obrigação de anotar mensalmente toda a sua atividade de pregação num relatório e entregá-lo a outros homens, para avaliação de seu “nível de espiritualidade”.
· Congressos: A organização Torre de Vigia e outras religiões promovem regularmente eventos deste tipo, tanto a nível regional como internacional. As Testemunhas de Jeová são até mesmo levadas a encarar tais congressos como “festividades espirituais” e se uma delas deixar de comparecer (salvo por motivo de força maior), pode até ser vista como uma pessoa que “não tem apreço”. Porém, não há registro bíblico ou histórico de que os primitivos cristãos fizessem isso. Tal idéia era “alheia” a eles.
E este artigo poderia alistar vários outros procedimentos que são executados atualmente, mas que não têm precedentes no primitivo cristianismo. Se este argumento da Torre de Vigia fosse válido, então as Testemunhas de Jeová não deveriam fazer estas coisas hoje. No entanto, a organização não só as incentiva, como ainda transforma tais procedimentos em verdadeiras obrigações.
APÊNDICE
E seus filhos foram e realizaram um banquete na casa de cada um [deles] no seu próprio dia; e mandaram convidar suas três irmãs para comerem e beberem com eles. 5 E dava-se que, tendo os dias de banquete completado o ciclo, Jó mandava santificá-los; e ele se levantava de manhã cedo e oferecia sacrifícios queimados segundo o número de todos eles; pois, dizia Jó, “meus filhos talvez tenham pecado e amaldiçoado a Deus no seu coração”. Assim Jó fazia sempre.
Foi depois disso que Jó abriu a boca e começou a invocar o mal sobre o seu dia. 2 Jó respondeu então e disse: 3 “Pereça o dia em que vim a nascer, Também a noite em que alguém disse: ‘Foi concebido um varão vigoroso!’ ... 6 Aquela noite — levem-na as trevas; Não se regozije entre os dias do ano; Não entre no meio do número dos meses lunares.
Ademais, a hipótese de que os filhos de Jó 'realizavam uma reunião familiar em rodízio por uma semana', algo como "uma festa da primavera ou da colheita" é nada mais que um palpite sem comprovação. A passagem não diz que as festividades duravam “uma semana”, não diz que os banquetes eram em dias consecutivos, e nem diz em que época ou estação do ano isso ocorria. A expressão “tendo os dias de banquete completado o ciclo”, que aparece em Jó 1:5, não quer dizer necessariamente um rodízio ‘semanal’, mas pode muito bem se referir à finalização da série anual de banquetes de todos os aniversariantes, momento em que Jó oferecia seus sacrifícios.
Outro detalhe é que o relato (por exemplo em Jó 1: 4, 18) sempre dá a impressão de que Jó não estava presente nessas festas. Já que a atividade agrícola era tão fundamental naquela época, a ausência de Jó seria muito estranha numa “festa da primavera ou da colheita” (supostamente realizada em uma semana específica do ano), mas não seria tão estranha nas comemorações de aniversários de todos os seus filhos (que eram basicamente eventos de diversão para a ‘gente moça’, sendo realizados em dias diferentes do ano).
Os líderes das Testemunhas aparentemente reconhecem todos estes fatos, tanto é que usam na publicação os termos "parece que" e "possivelmente". Tudo o que o registro no livro de Jó faz é dizer que os filhos homens de Jó realizavam ‘banquetes’ (exatamente como Faraó e o Rei Herodes, ambos homens), e “cada um no seu próprio dia”, mandando convidar suas irmãs. Embora não se afirme aqui, de maneira dogmática, que tais banquetes eram forçosamente festas de aniversário, é possível argumentar solidamente nesse sentido. Por outro lado, a organização Torre de Vigia está errada ao ensinar dogmaticamente que ‘com certeza não eram’, e ainda mais apresentando uma argumentação deficiente.
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