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O Peregrino

Fiz-me acaso vosso inimigo, dizendo a verdade? Gálatas 4:16

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sábado, 8 de novembro de 2008

Em inglês: Worlds Apart

Site oficial: http://toverdener.dk/

Filme baseado num drama real de uma Testemunha de Jeová que, ao se envolver com um rapaz de fora de sua crença, tem de decidir entre sua família e seu amor.
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To Verdener
J. Guimarães

Finalmente assisti ao filme. Fiz questão que meu namorado assistisse comigo, para ter também a opinião de alguém relativamente neutro, que nunca passou pela Torre de Vigia. Assim eu teria outra percepção tanto sobre o filme enquanto arte, quanto sobre a temática trabalhada.
Quero antecipar que na minha análise haverá spoilers, ou seja, revelarei alguns pontos do filme. Quem não quiser saber, pare aqui e depois de assistir ao filme leia.
Bem, a cena de batismo da irmã da Sara é bem emblemática. Mostra como a protagonista está feliz pela inserção da irmã biológica mais nova nessa comunidade religiosa. Sara é uma TJ padrão: vai ao campo, dirige o estudo com seus irmãos, etc. Mas ainda no começo do filme há um drama familiar: o pai de Sara cometeu adultério, e não é perdoado pela esposa, o que resulta em divórcio, bíblico segundo as TJ's. Os pais perguntam com quem os filhos querem ficar e, instigados por Sara, resolvem ficar com o pai. Sara chega a passar na cara da mãe que é um dever perdoar. Mal saberia ela que não teria acesso ao perdão do pai e de outros TJ's no decorrer do filme...
Sara tem uma amiga, Thea, que diz haver três tipos de jovens testemunhas-de-jeová: O primeiro quebra todas as regras. O segundo experimenta as coisas sem falar muito a respeito. O terceiro, são os nerds: vão a todas as reuniões, bebem chá com seus pais e nunca fazem nada errado.
Sara diz ser do terceiro tipo, e sua amiga diz que em breve ela será do segundo. Estão ambas numa festa "mundana", e Sara mentiu para o pai para estar lá. Quer dizer, disse uma meia-verdade. Não disse exatamente que tipo de festa era. E foi lá instigada por sua amiga Thea, também testemunha. É lá que ela conhece Teis, por quem virá a apaixonar-se. Para mim um dos momentos mais bonitos do filme, em se tratando de fotografia, é quando Sara perde o trem e é obrigada a dormir na casa de Teis, que mora distante dela. Sara reluta, mas concorda em dormir na cama, e Teis no chão. O enquadramento da câmera, com Sara em primeiro plano, cheia de dúvidas e desejos, e Teis mais ao fundo, no chão, é simples, bonito e emblemático.
Bom, a questão é que o filme vai se desenvolvendo, mostrando a rotina familiar TJ de Sara, por um lado, e seu envolvimento amoroso, de outro. Situações constrangedoras também acontecem, como quando Sara e Teis estão numa loja, e lá ela encontra seu irmão biológico mais velho. Mal se falam, e o mal-estar é notório. Quem foi TJ mata logo a charada: o irmão de Sara é desassociado, e ela só fala com ele para não parecer anormal diante de Teis. Mas ele percebe, e fica estupefato diante de uma religião que submete irmãos a isso. E num dos momentos altos do filme, começa a questionar que Deus amoroso é esse. Aponta aleatoriamente para pessoas da loja, mulheres e um bebê, e pergunta se Deus vai destruí-los caso não se convertam à fé de Sara. Constrangida ela se mantém firme, e diz que sim, vai. Evidentemente tudo isso, dito de forma tão crua, por uma pessoa de fora, a quem ela ama, começa a mexer com suas certezas mais íntimas.
O que ocorre é que, tanto por se envolver emocionalmente, como por analisar e ver como de fato funciona a organização, Sara vai se distanciando, mas tem medo de se tornar como o irmão mais velho, um pária social, alguém abjeto diante dos outros. Afinal, não são só os amigos que Sara vai perder caso deixe a Torre: a própria família lhe iria virar as costas. É por isso que ela e Teis pensam estratégias para enganar as pessoas, e não deixar elas perceberem que já estão morando juntos. Sara conta inclusive com a ajuda da mãe, que lhe confessa que também tinha suas dúvidas sobre a organização. A maior preocupação de Sara é não se distanciar de seus irmãos.
Teis até que tentou estudar a Bíblia. Foi a um congresso. Mas simplesmente a "verdade" não lhe entrava na cabeça. E, justiça seja feita: ele em momento nenhum exigiu que Sara abandonasse sua fé por causa dele. Mas também nunca deixou de falar com ela sobre o que pensava. Os anciãos insistem em procurar Sara e ela passa por duas comissões judicativas. Na primeira foi ela mesma quem procurou os anciãos, sob instâncias do pai. Quando meu namorado viu como funciona uma comissão judicativa, ele soltou uma exclamação: "Que perversão!". Palavras dele. Ele achou um absurdo o grau de intimidade das perguntas. E disse até que na confissão católica a confissão pode ser anônima, e não há todo aquele massacre psicológico. A todo momento ele me perguntava: "É assim mesmo? Como você se submeteu a isso?"
Finalmente Sara é desassociada, contra a sua vontade. Repito: não que ela quisesse permanecer na Torre. O que ela não queria era perder o contato com os irmãos. Sua irmã, que se batizou no começo do filme, reage como a própria Sara já havia tratado o irmão desassociado: vira-lhe a cara. O caçula (nessa parte eu me emocionei muito) quer entender por que Jeová vai destruir sua irmã a partir de agora. E Sara lhe fala: não acredite, é tudo mentira!
Foi triste e real também ver Sara no funeral da amiga, que morreu por rejeitar transfusões de sangue. Confesso que nesse momento do filme, quando ela chegou ao Salão do Reino, pensei (na verdade, desejei profundamente) que ela fosse fazer um discurso e dizer umas verdades. Mas ela simplesmente sentou, ouviu o discurso, e foi embora, sendo vista como um E.T. por todos os seus ex-"irmãos". E para piorar, seu pai ainda lhe disse que ela era egoísta por ter abandonado a Jeová e à família. Sara responde com uma pergunta que para mim valeu o filme inteiro. Essa eu vou deixar para vocês conferirem.
Bom, muitos não gostaram do filme porque Sara terminou seu relacionamento com Teis. Outros, porque ela se torna atéia no final, outro ápice do filme, sua última oração. Eu acho que já valeu muito a pena pelo fato de ela ter se libertado, e agora, finalmente, poder escolher seus caminhos, sem culpa. Achei muito positivo isso. Penso que devemos abandonar o pendor hollywoodiano que temos, de ansiar por "finais felizes". Por mais contraditório que possa parecer, esse filme segue a máxima de Herbert Viana: "A vida não é filme, você não entendeu!". Sim, esse filme é baseado em fatos reais, na vida de pessoas como nós. E não há nada mais de original desde que Aristóteles escreveu na sua obra Arte Poética, milhares de anos atrás: a arte só é arte quando imita a vida...

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