por
R. B. Kuiper
A Comunicação do Evangelho
Ultimamente veio à luz uma nova ciência - ou, mais precisamente, uma velha ciência recebeu novo nome. O que de há muito era denominado retórica, mais tarde oratória, e mais recentemente arte de falar em público, hoje em dia é intitulado comunicação. É a ciência da transmissão de mensagens, seja pela linguagem falada, seja pela linguagem escrita, seja pela ação.
Até que ponto pregadores evangelistas do porte de Wesley, Whitefield, Edwards, Spurgeon, Moody, Sunday e Walter A. Meyer conheciam a comunicação como ciência, é difícil dizer. Mas o certo é que eles dominavam esta arte. A mesma coisa se pode dizer do evangelista Billy Graham e de Peter H. Eldersveld, da "Back-to-God-Hour" (Hora da Volta para Deus) - programa de rádio da Igreja Cristã Reformada, nos E.U.A. Talvez a comunicação seja primariamente um dom, secundariamente uma arte, e num sentido mais remoto, uma ciência.
Ocasionalmente se ouvem elogios feitos ao apóstolo Paulo como um grande orador, e mesmo como o maior orador que a igreja cristã já teve. Há bom motivo para duvidar que ele fosse considerado assim nos seus dias. De fato, é praticamente certo que, pelos padrões do mundo greco-romano, ele não era qualificado como orador. Na sofisticada cidade de Corinto, havia quem dissesse dele: "As cartas, com efeito, são graves e fortes; mas a presença corporal dele é fraca, e a palavra desprezível" (2 Coríntios 10:10). Ele mesmo disse aos coríntios que tinha ido até eles, não "com ostentação de linguagem", nem com "linguagem persuasiva de sabedoria", mas "em fraqueza, temor e grande tremor" (1 Coríntios 2:1-4). Ele mesmo admitiu que era "falto no falar" (2 Coríntios 11:6). Evidentemente Paulo não foi nem um Demóstenes, nem um Cícero. Apesar disso, o impacto que ele causava em seus ouvintes prova que ele sabia captar e reter um auditório.
A comunicação é mais uma questão de personalidade de que de técnica. Se um orador tem certo tipo de personalidade, sem dúvida prende a atenção dos ouvintes sem recorrer a astutos artifícios. Por outro lado, se lhe falta certo tipo de personalidade, os mais engenhosos estratagemas serão insuficientes para a conquista de ouvintes. Sendo assim, a personalidade do evangelista é de substancial importância.
A Escritura reconhece esse fato quando ensina que, normalmente, a salvação é efetuada mediante a pregação da Palavra de Deus. Sem dúvida, os pecadores podem ser salvos, e muitas vezes isto se dá, pela simples leitura da Palavra de Deus. Mas, como regra geral, Deus se apraz em empregar a pregação para esse fim. O chefe do tesouro público da Etiópia não chegou à posse da fé pela leitura que fizera de Isaías 53, mas sim, pela pregação de Filipe sobre aquele texto (Atos 8:26-39). Referindo-se a judeus e a gregos, Paulo levantou a seguinte questão retórica: "Como crerão naquele de quem nada ouviram? e como ouvirão, se não há quem pregue?" (Romanos 10:14). O mesmo pregador declarou: "Certamente a palavra da cruz é loucura para os que se perdem, mas para nós, que somos salvos, poder de Deus", e, "visto como, na sabedoria de Deus, o mundo não o reconheceu por sua própria sabedoria, aprouve a Deus salvar aos que crêem, pela loucura da pregação" (1 Coríntios 1:18,21). Ora, na pregação, a personalidade do pregador só pode desempenhar papel proeminente. A esse fato Phillips Brooks deu expressão em sua definição de pregação - aliás, defeituosa em muitos outros aspectos - como "a comunicação da verdade aos homens pelo homem".
Que espécie de pessoa o evangelista deve ser a fim de dirigir a atenção dos ouvintes para o Evangelho? Alguns requisitos são evidentes. Ele deve ter clara compreensão do Evangelho pela simples razão de que a imprecisão e a confusão não podem nem transmitir a verdade, nem exigir respeito. Deve ter firme convicção da veracidade do Evangelho, de modo que possa dizer: "Eu cri, por isso é que falei" (2 Coríntios 4:13) e "Antes de tudo vos entreguei o que também recebi; que Cristo morreu pelos nossos pecados, segundo as Escrituras, e que foi sepultado, e ressuscitou ao terceiro dia, segundo as Escrituras" (1 Coríntios 15:3,4). Deve ter vívido senso da suprema importância do Evangelho, de que a atitude da pessoa para com ele é questão de vida ou morte, e ainda, de vida eterna ou morte eterna. Ele mesmo deve ter experimentado o poder salvador do Evangelho, de maneira que possa testificar: "Sei em quem tenho crido, e estou certo de que Ele é poderoso para guardar o meu depósito até aquele dia" (2 Timóteo 1:12). Deve ter paixão pelas almas perdidas que o impele a exortá-las como se Deus as estivesse exortando, e a rogar-lhes em lugar de Cristo: "Reconciliai-vos com Deus" (2 Coríntios 5:20). Deve ter dominante amor ao Salvador, que o amou primeiro, podendo exclamar:
Se a natureza inteira fosse minha,
seria ainda um presente pequenino.
Amor tão estupendo e tão divino
requer todo o meu ser, minha alma e vida.
Desde que ele próprio é um pecador salvo pela graça, deve proclamar o amor de Deus mais eloqüentemente do que o poderiam fazer os anjos. Deus abençoa e usa essa comunicação do Evangelho.
A Dádiva da Conversão
O vocábulo comunicação é muitas vezes empregado com sentido mais amplo com o qual foi empregado na discussão precedente. Em geral se diz que os oradores, os escritores e os atores comunicam suas convicções àqueles a quem se dirigem. É bom dizer enfaticamente que, nesse sentido, a comunicação excede a capacidade do mais eloqüente e piedoso evangelista. A tarefa do evangelista é comunicar aos homens o Evangelho; infundir no homem a fé no Evangelho é prerrogativa de Deus.
A fé salvadora não é dom do evangelista ao seu ouvinte não salvo; "é dom de Deus" (Efésios 2:8). Nenhum evangelista jamais deu fé em Cristo a uma única alma. Ela é produzida nos corações humanos pelo Espírito Santo, pois "ninguém pode dizer: Jesus é o Senhor" senão pelo Espírito Santo" (1 Coríntios 12:3). Nenhum pecador jamais foi convertido por um evangelista; o autor da conversão é Deus. A Escritura explica a conversão de Lídia, não dizendo que ela abriu por dentro o ferrolho do seu coração, nem relatando que o grande apóstolo - por sua argumentação convincente e com seus apelos eloqüentes - abrandou-lhe o coração, mas, sim, insistindo em que o Senhor lhe abriu o coração para que ela estivesse atenta ao que Paulo dizia (Atos 16:14).
Foi com pela ciência de como o evangelista depende completamente de Deus para a eficiência de seu trabalho, que o mais célebre missionário da igreja escreveu: "Quem é Apolo? e quem é Paulo? Servos por meio de quem crestes, e isto conforme o Senhor concedeu a cada um. Eu plantei, Apolo regou; mas o crescimento veio de Deus. De modo que nem o que planta é alguma coisa, nem o que rega, mas Deus que dá o crescimento" (1 Coríntios 3:5-7).
O profundo ensino da Escritura Sagrada é que a explicação última do fato de uma pessoa chegar à fé, é que Deus a escolheu soberanamente desde a fundação do mundo para a salvação. Na expressão de Jesus: "muitos são chamados, mas poucos escolhidos" (Mateus 22:14), está implícito que, dos muitos chamados pelo Evangelho, os poucos que crêem, crêem porque desde a eternidade foram escolhidos por Deus para esse fim. Também com poucas palavras Lucas disse que em resposta à pregação de Paulo e Barnabé aos gentios de Antioquia da Pissídia, "creram todos os que haviam sido destinados para a vida eterna" (Atos 13:48). A destinação foi feita por Deus. Deus também fez com que a destinação fosse eficiente por meio da comunicação da fé salvadora.
Numa rua de Londres, um bêbado cambaleante deu um encontrão em Spurgeon. Reconheceu o pregador e lhe perguntou se este não o reconhecia. Quando Spurgeon respondeu que não, o ébrio argumentou: "Mas o senhor devia conhecer-me; sou um dos seus convertidos". Ao que veio a competente resposta: "Isso pode ser. Se o senhor fosse um converso de Deus, não estaria nessas condições".
É condenável o conselho muitas vezes dado aos que proclamam o Evangelho: "Preguem como se tudo dependesse de vocês; orem como se tudo dependesse de Deus". Aquele que prega como se tudo dependesse dele, parte de falsa suposição. Isto não pode ser bom. Aquele que ora como se tudo dependesse de Deus declara falsa uma suposição verdadeira. Isto não é melhor. Por outro lado, é recomendável o conselho dado por William Carrey, missionário batista na Índia: "Só espere grandes coisas de Deus. Tente realizar grandes coisas para Deus". O evangelista deve, de fato, trabalhar com todas as suas forças, mas em completa dependência de resultados da ação do Espírito Santo. Se agir assim, sua dependência só pode expressar-se em fervente oração. E também neste ponto, "muito pode, por sua eficácia, a súplica do justo" (Tiago 5:16)
Em muitos casos o evangelista apresenta o Evangelho a pecadores espiritualmente mortos. Nem seria preciso dizer que os mortos não podem voltar à vida por si mesmos. Que nenhum homem pode ressuscitar mortos, também não seria preciso dizer. Somente pode fazê-lo Aquele que, numa das visões de Ezequiel, disse aos ossos secos do vale: "Eis que farei entrar o espírito em vós, e vivereis. Porei tendões sobre vós, farei crescer carne sobre vós, sobre vós estenderei pele, e porei em vós o espírito, e vivereis. E sabereis que Eu sou o Senhor" (Ezequiel 37:5,6). Noutra colocação, incredulidade é coisa do coração, disposição íntima do ser humano. A pessoa não salva tem coração de pedra. Ela mesma não pode substituí-lo por um coração de carne. Nem o evangelista pode. Dar-lhe novo coração é prerrogativa de Deus o Espírito Santo, daquele que prometeu ao Seu povo idólatra: "Dar-lhes-ei um só coração, espírito novo porei dentro deles; tirarei da sua carne o coração de pedra, e lhes darei coração de carne" (Ezequiel 11:19). Somente quem foi submetido àquela radical mudança de coração que a Escritura chama de novo nascimento, abraçará o Evangelho pela fé. Pois "o homem natural não aceita as coisas do Espírito de Deus, porque lhe são loucura; e não pode entendê-las porque elas se discernem espiritualmente" (1 Coríntios 2:14).
Da verdade de que a eficiência da evangelização depende totalmente de Deus, segue-se uma conclusão inevitável. É que a Deus pertence toda a glória por toda conversão genuína. Que nenhum converso se julgue merecedor de crédito por sua conversão. Que nenhum evangelista se julgue merecedor de algum crédito pela conversão daquele a quem apresentou o Evangelho. Exclui-se toda jactância. "Aquele que se gloria, glorie-se no Senhor" (1 Coríntios 1:31). Toda verdadeira conversão é de Deus, mediante Deus e para Deus. A Ele seja a glória para sempre (Romanos 11:36).
Às vezes os frutos da evangelização não são tão evidentes como o evangelista gostaria e esperaria que fossem, em suas orações a Deus. Pode parecer-lhe que está lavrando sobre rocha, e que nenhuma das sementes que semeia cai em boa terra. Então pode sobrevir o desânimo. Todavia, aquele que se empenha zelosamente em harmonizar sua mensagem e seu método com a Palavra de Deus, jamais terá motivo para desespero. Ao contrário, pode esperar resultados, confiante em Deus.
Somente o onisciente Deus pode avaliar com precisão os resultados da evangelização. Somente Ele pode calcular o número dos convertidos. Quando, por intermédio da evangelização de massa, milhares vêm a professar a fé em Cristo, somente "aquele que sonda mente e corações" (Apocalipse 2:23) pode julgar quantos deles possuem a fé verdadeira e duradoura. E quando Robert Morrison, o pai das missões protestantes na China, viu-se remunerado com apenas dez almas - depois de vinte oito anos de zeloso esforço missionário - somente Deus sabia em quantos corações mais o Seu Espírito estava por começar, ou já tinha começado, a boa obra.
Deus vê as coisas de amanhã como se tivessem ocorrido ontem. Daí o Filho de Deus podia dizer: "Um é o semeador, e outro é o ceifeiro" (João 4:37). Quando, pela direção da divina providência, alguém deixou um folheto numa certa casa da Inglaterra, Deus tinha planejado que Richard Baxter (1615-1691), convertido por meio da leitura daquele folheto, escrevesse The Saints' Everlasting Rest (O Repouso Eterno dos Santos); que Phillip Doddridge (1702-1751), movido pela leitura daquele tratado, escrevesse The Rise and Progress of Religion in the Soul (Nascimento e Progresso da Religião na Alma); que William Wilberforce (1759-1833), fascinado por aquela obra, escrevesse Practical Christianity (Cristianismo Prático); e que Thomas Chalmers (1780-1847), fundador da Igreja Livre da Escócia, profundamente influenciado por aquele livro, viesse a tornar-se um dos maiores pregadores de todos os tempos, cujos sermões seriam publicados em vinte cinco volumes, dois anos depois da sua morte. Quando, às portas de Damasco, Deus transformou Saulo de Tarso, Ele sabia que, pelos trabalhos daquele converso, milhões seriam introduzidos no Reino até o fim dos tempos. E quando Seu próprio Filho, ao sofrer a morte de um criminoso, concluiu Sua missão na terra de um jeito que parecia ser um completo fracasso e uma vergonhosa derrota, Deus sabia que, levantado na cruz, Ele iria atrair a Si uma multidão incontável de gente de todas as raças, tribos, povos e nações (João 12:32).
A Palavra de Deus está repleta de grandes e preciosíssimas promessas dirigidas àquele que trabalha no Evangelho. É-lhe dito: "Quem sai andando e chorando enquanto semeia, voltará com júbilo, trazendo os seus feixes" (Salmos 126:6). Deus lhe assegura: "Assim como descem a chuva e a neve dos céus, e para lá não tornam sem que primeiro reguem a terra e fecundem e a façam brotar, para dar semente ao semeador e pão ao que come, assim será a palavra que sair da minha boca; não voltará para mim vazia, mas fará o que me apraz, e prosperará naquilo para que a designei" (Isaías 55:10,11). Ele é admoestado a ser firme, inabalável e sempre abundante na obra do Senhor, sabendo que, no Senhor, o seu trabalho não é vão (1 Coríntios 15:58). Porque Deus é fiel e o Seu conselho permanecerá de pé (Isaías 46:10), Seu servo pode ficar plenamente certo de que todos os que foram destinados para a vida eterna crerão e serão salvos (Atos 13:48).
Com Deus como líder, não há lugar para desespero. Só há lugar para vigorosa fé, firme esperança e ardente amor.
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