sexta-feira, 25 de abril de 2008

Qual o Papel do Crente e de Deus na Santificação?

por
John F. MacArthur Jr.

Alguém falou a certo pastor: "A Escritura afirma que 'Não sou eu quem vive, mas Cristo vive em mim'. Não temos que fazer nada por nossa santificação, mas simplesmente nos rendermos a Deus e deixarmos que Ele faça tudo".

Na verdade esta pessoa estava refletindo o ensino de um movimento nos Estados Unidos, chamado "Vida Mais Profunda" (deeper life), o qual afirma que, para se vivera vida cristã em santidade não se precisa fazer esforço algum, pois o poder deve vir de Cristo. Isso tem um pouco de verdade, mas exclui uma outra verdade igualmente importante: A Escritura exorta o crente a viver a vida cristã com esforço. Veja o que nos diz Hebreus 6:11-12 e 2 Pedro 1:5-7. Mas gostaria de enfatizar o que nos diz o apóstolo Paulo em Filipenses 2: "Desenvolvei a vossa salvação com temor e tremor. Porque Deus é quem efetua em vós tanto o querer como o realizar, segundo a sua boa vontade."

Quietismo e Pietismo

O que aquela pessoa falou ao pastor sobre santificação é chamado de "quietismo". O quietismo afirma que o cristão deve ser passivo no crescimento espiritual. Devemos deixar que Deus faça tudo, pois nosso frágil esforço só faz atrapalhar a ação de Deus. Devemos apenas "render-nos" ao Espírito Santo, e Ele nos dará a vitória.

O oposto do quietismo é o "pietismo", que ensina que os crentes devem trabalhar muito e praticar uma autodisciplina extrema para conseguirem piedade pessoal. Devemos fazer estudos bíblicos enérgicos, ser auto-disciplinados, obedientes, diligentes para conseguirmos vidas santas. Mas não pára aí; adota padrões legalistas no seu modo de vestir, de comer, no seu estilo de vida, etc.

Muitos quietistas e pietistas concordam em que a salvação é pela graça, por meio da fé, mas a discordância deles é na área da santificação. Os quietistas desprezam o esforço do crente e arriscam-se a promover a irresponsabi1idade, a apatia espiritual. Os pietistas exageram o esforço humano e tendem a provocar o orgulho e a cair no legalismo.

Equilíbrio Adequado

Vejamos o que Paulo nos diz no capítulo 2:12-13 de sua carta aos Filipenses: "Assim, pois, amados meus, como sempre obedecestes, não só na minha presença, porém muito mais agora na minha ausência, desenvolvei a vossa salvação com temor e tremor; porque Deus é quem efetua em, vós tanto o querer como o realizar, segundo a sua boa vontade."

No capítulo 12, Paulo fala como um pietista, que nós ternos de agir: "desenvolvei a vossa salvação com temor e tremor...". No versículo 13 ele fala como um quietista: que Deus é quern age: "Deus é quem efetua em vós...". Vemos aqui o perfeito equilíbrio, apesar de não compreendermos tudo completamente, pois o texto diz que devemos agir, mas na verdade é Deus que está operando em nós tanto o querer como o efetuar. Paulo não se preocupa em dar explicações, mas simplesmente afirma os dois lados. Quem pode compreender a mente de Deus? Seus pensamentos são muito altos para nosso entender limitado (Isaías 55:9; Deuteronômio 29:29).

O mesmo problema existe no ensino bíblico sobre a salvação. O Evangelho exige um ato do homem no qual o pecador se arrepende e põe sua fé na pessoa e obra de Cristo. No entanto, a Escritura garante que a salvação é uma obra totalmente de Deus (Efésios 1:8,9) e que Ele escolheu pessoas para a salvação antes da fundação do mundo (Efésios 1:4-5).

O mesmo se observa no ensino sobre a perseverança dos santos. Da mesma forma que a Bíblia exige "Sê fiel até a morte e dar-te-ei a coroa da vida", ela nos garante que ninguém pode nos arrebatar das mãos de Deus (João 10:27-29) e que ninguém pode nos separar do amor de Deus (Romanos 8:33-35). A salvação está garantida, mas temos de perseverar.

Na questão da santificação vemos o esforço do crente unido ao soberano controle de Deus. Paulo exemplifica este ensino ao dizer em 1 Coríntios 15: 10– "Pela graça de Deus sou o que sou; e sua graça, que me foi concedida, não se tornou vã" Aqui soa como quietismo, mas logo diz: "antes, trabalhei muito mais do que todos eles", agora soa como pietismo, e termina afirmando: "todavia não eu, mas a graça de Deus comigo." Isso é quietismo novamente. Paulo não estava defendendo nem o pietismo nem o quietismo, mas mostrando um perfeito equilíbrio entre Deus, o qual opera no crente, e o crente mesmo, que se deve esforçar por ser santo.

Ele nunca falou de sua santificação sem reconhecer ambos os lados. Dessa forma vemo-lo afirmando novamente, em Colossenses 1:28-29, que se afadiga e se esforça segundo a eficácia que opera nele. "Afadigo-me", no grego, é a palavra kopiao, que se refere ao trabalho cansativo, à exaustão. "Esforçando-me" no grego, é a palavra agonizomai, que significa agonizar, lutar, sofrer. Porém, completa: "Segundo a eficácia que opera eficientemente em mim". Os crentes devem usar todas as suas energias para servirem ao Senhor com diligência. Ao mesmo tempo, tudo que se realiza em nosso íntimo é a obra de Deus.

Qual a nossa parte? Desenvolver a nossa salvação.

"Desenvolvei a vossa salvação". No grego é o presente do imperativo "esforçai-vos incessantemente para desenvolver a vossa salvação". Não é uma ordem dada a incrédulos mas a crentes. Não é, portanto, um esforço para se ganhar a salvação, pois esta é um dom de Deus. Mas é um chamado aos crentes para que se esforcem e sejam diligentes no viver santo (2 Coríntios 7: 1; Efésios 4: 1). O sentido mais correto não é "trabalhem pela salvação", mas "trabalhem na salvação" em direção à consumação da fé, em busca da santidade.

Vamos ao texto de Filipenses 2:12. Aqui vemos 5 frases que nos ajudam a entender como desenvolver a nossa salvação. "Assim, pois, amados meus, como sempre obedecestes, não só na minha presença, porém muito mais agora, na minha ausência, desenvolvei a vossa salvação com temor e tremor".

1. "Assim, pois": Compreendam o exemplo que lhes foi apresentado. Essa expressão nos leva de volta a Filipenses 2:5-11, onde Jesus é apresentado como modelo de humildade, obediência e submissão. Ele é o nosso padrão de vida (1 João 16).

2. "Amados meus": Entendam que vocês são amados. A Igreja de Filipos era uma igreja fiel, mas tinha problemas de orgulho e desunião e por isso Paulo dá ênfase na questão da unidade. Evódia e Sintique, duas mulheres, lideraram facções opostas uma a outra (Filipenses 4:2,3). Porém, apesar de tudo, Paulo os amava e por isso os corrigia e chamava de "amados". Deus é assim, ama, tem misericórdia de nós, mesmo quando fracassamos no nosso processo de santificação.

3. "Como sempre obedecestes": Entendam o valor da obediência. A palavra grega traduzida por "obedecestes" (hupakouo), significa literalmente "atender à porta", ou "obedecer, como resultado de ouvir". Ou seja, submeter-se ao que se ouviu. Foi o que aconteceu com Lídia ao ouvir a pregação de Paulo. Ela atendeu ao apelo do Evangelho, converteu-se, foi batizada e passou a servir a Paulo e seus companheiros. O mesmo aconteceu com o carcereiro de Filipos. Eles atenderam à Palavra.

4. "Não só na minha presença, porém muito mais agora na minha ausência": Entendam seus recursos e responsabilidades. Eles buscaram a santidade por conta própria, e esta é uma responsabilidade de cada cristão. O apoio de irmãos é importante, mas é fácil nos tornarmos dependentes deles. Certos crentes perdem a pureza e a santidade, quando perdem o apoio espiritual de alguém. Mas, quando Paulo exige que eles desenvolvam a santificação ("vossa salvação"), está dando a entender que, em Cristo, eles podiam viver em santidade, independentes de qualquer ajuda externa. Nós somos responsáveis por nossa vida espiritual.

5. "Com temor e tremor": Entendendo as conseqüências do pecado. O pecado traz conseqüências, e esta é a razão porque devemos andar em santidade com temor e tremor. A palavra grega para "temor" é phobos da qual se originou fobia. A palavra grega para "tremor" é tromos que originou a palavra trauma. Estas palavras falam de um saudável temor de ofender a Deus, temor de pecar, de desonrar a Deus, do colapso moral, de entristecer a Deus e assim trazer a correção divina. lsaías no capítulo 66.2, fala do temor que Lhe agrada – "O homem para quem olharei é este: o aflito e abatido de espírito e que treme da minha palavra". E no versículo 5 afirma: "Ouvi a palavra do Senhor, vós, os que a temeis".

Portanto, a santidade exige esforço, não é algo fácil, pois significa ter disciplina, seguir a Jesus, ser obediente à Palavra, exercitar os dons e avaliar as conseqüências do pecado. Mas um temor saudável a Deus nos motivará a buscar esta santidade que Ele requer de nós.

Qual a parte de Deus? Operar em Nós

Em FI.2:13 Paulo explica.- "Deus é quem efetua em vós tanto o querer como o realizar, segundo a sua boa vontade". É Ele que habita em nós e nos dá o poder de fazermos a Sua vontade. Não temos capacidade em nós mesmos, a nossa capacidade vem de Deus. (2 Coríntios 15). Em Filipenses 2:13 vemos 5 verdades a respeito de Deus, que nos ajudarão a compreender o que Deus faz por nós na santificação.

1. A pessoa de Deus. "Deus é quem efetua em vós..." É Deus quem está envolvido com a nossa vida, com o nosso bem-estar espiritual. Ele habita em nós e quer que façamos o que Ele ordena. Nosso progresso espiritual não depende de nós, nem de nossas habilidades, nem da ajuda de outros crentes, nem dos pastores, nem mesmo de anjos. Mas é Deus quem opera em nós, realizando a nossa santificação. O mesmo Deus que nos conheceu de antemão, nos predestinou, nos chamou e nos justificou, é o mesmo que nos santifica e haverá de nos glorificar (Romanos 8:30). Que diferença dos deuses pagãos! Mas Deus nos acompanha e nos supre por toda a vida.

2. O poder de Deus: Operando. "É Deus quem efetua...". Esta palavra no original é energeo que se refere a uma energia ativa e produtiva. É um poder que opera o nosso progresso espiritual, a nossa santificação. Por isso estaremos seguros até o fim. "Aquele que começou boa obra em vós há de completá-la até o dia de Cristo Jesus" (Filipenses 1:6).

3. A presença de Deus: Em nós. Deus opera em nós. Paulo diz, em Efésios 3:20, que Deus "é poderoso para fazer infinitamente mais do que tudo quanto pedimos ou pensamos, conforme o Seu poder que opera em nós". Paulo não diz que Ele opera nos céus e sim em nós. Ele é a nossa suficiência. Aqui devemos lembrar que no V.T. os crentes adoravam no Tabernáculo, no Templo. Mas agora somos templo de Deus, pois Cristo habita no coração de cada crente. "Nós somos santuário do Deus vivente..." (2 Coríntios 6:16). Ele está conosco, sustentando-nos, suprindo e fortalecendo a nossa santificação.

4. O propósito de Deus: O querer e o realizar. É Ele que nos impulsiona a querer e a efetuar, dá-nos tanto o desejo como a habilidade. A palavra "querer" no grego é thelo que significa intento e inclinação. Deus nos dá desejos santos, agradáveis a Ele. Como? Em primeiro lugar, Ele nos dá uma santa insatisfação para com a nossa natureza carnal e corrompida. Foi isso que fez Paulo dizer em Romanos 7:14: "Desventurado homem que sou! Quem me livrará do corpo desta morte?". Em segundo lugar, Ele nos dá um desejo pelas coisas santas e puras. Isso vemos na biografia dos santos do passado e percebemos o quanto estamos longe desta dedicação a Deus. Em terceiro lugar, Deus nos dá o desejo de Lhe agradar, de causar-Lhe satisfação e isso resulta em um proceder santo.

5. A satisfação divina: Segundo a Sua boa vontade. A palavra grega traduzida por "boa vontade" é eudokia que significa satisfação ou agrado. Deus opera em nós para que façamos aquilo que Lhe agrada e satisfaz. Ou seja, desenvolver a nossa salvação com temor e tremor agrada a Deus. Somos muito queridos de Deus e quando fazemos aquilo que Lhe agrada, Ele fica satisfeito. Esta é a essência de qualquer relacionamento: queremos agradar a quem amamos. Queremos causar satisfação Àquele que perdoa as nossas iniquidades, resgata-nos da condenação eterna, coroa-nos com graça e misericórdia, enche de bens os nossos anos, de modo que a nossa mocidade se renova como a da águia (Salmos 103:3-5).

Vemos que há uma maravilhosa combinação entre os nossos esforços e os recursos, providenciados por Deus. Servimos a um Deus que nos dá poder para vivermos para Sua glória. Este é o mistério do Cristianismo: "Cristo em vós, a esperança da glória" (Colossenses 1: 27).

Deus nos chama para vivermos vidas santas, mas é Ele quem nos santifica. Deus nos convoca a servi-Lo, mas, na realidade, é Ele mesmo que nos impulsiona a isso por meio do Seu próprio poder em nós. A obra é dEle, mas é nossa também. A glória, contudo, pertence, somente a ELE.

Soli Deo Gloria.

Extraído do Jornal "Os Puritanos" Ano IV – No. 4 – 1996

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