O quarto mandamento fala do sábado, sétimo dia da semana, o mesmo dia em que o Senhor descansou da sua obra criativa: “Lembra-te do dia de sábado, para o santificar. Seis dias trabalharás e farás toda a tua obra. Mas o sétimo dia é o sábado do Senhor, teu Deus; não farás nenhum trabalho, nem tu, nem o teu filho, nem a tua filha, nem o teu servo, nem a tua serva, nem o teu animal, nem o forasteiro das tuas portas para dentro; porque, em seis dias, fez o Senhor os céus e a terra, o mar e tudo o que neles há e, ao sétimo dia, descansou; por isso, o Senhor abençoou o dia de sábado e o santificou” (Êx 20.8-11).
O sábado, que começava no início da noite da nossa sexta-feira e terminava no final do dia seguinte, era uma obrigação dos judeus na sua condição de povo santo de Deus, separado para executar seus decretos e promover o louvor da sua glória.
Porém, enquanto o Novo Testamento reafirma os “preceitos justos” contidos em nove dos Dez Mandamentos (1Co 8.6; Rm 1.22,23; Tg 5.12; Ef 6.1-3; 1Jo 3.15; Hb 13.4; Ef 4.28; Tg 4.11; Hb 13.5), a guarda do sábado é uma questão bastante sensível, já que os que queriam guardar os dias e festas observadas no Antigo Testamento receberam uma dura reprimenda do apóstolo: “Mas agora que conheceis a Deus ou, antes, sendo conhecidos por Deus, como estais voltando, outra vez, aos rudimentos fracos e pobres, aos quais, de novo, quereis ainda escravizar-vos? Guardais dias, e meses, e tempos, e anos. Receio de vós tenha eu trabalhado em vão para convosco” (Gl 4.9-11).
Paulo ainda diz que a guarda de dias não era razão para alguém ser avaliado como um crente melhor – e vice-versa – porque que tais guardas apontavam para realidades futuras que se cumpririam em Cristo. Do mesmo modo que a sombra em uma parede não mais se vê quando aquilo que a produz se une à parede, para Paulo a vinda de Cristo realizou o que as proibições de alimentos e a guarda do sábado e das festas judaicas apontavam, anulando, assim, tanto suas funções como sua validade: “Ninguém, pois, vos julgue por causa de comida e bebida, ou dia de festa, ou lua nova, ou sábados, porque tudo isso tem sido sombra das coisas que haviam de vir; porém o corpo é de Cristo” (Cl 2.16,17).
Por essa razão, nem mesmo a mudança da guarda do sábado para o domingo é capaz de desviar o cristão que se coloca debaixo da lei mosaica das duras repreensões por invalidar a obra do Espírito (Gl 1.6; 3.2,3). Na verdade, apesar de a lei do Antigo Testamento ser um ensino bem conhecido da igreja, Paulo chama a apresentação da mensagem legalista na igreja de “outro evangelho” (Gl 1.8,9). Marcos Granconato, em A Essência do Evangelho de Paulo, p. 12, fala sobre a natureza dos problemas das igrejas da Galácia, explicando qual era o “outro evangelho” acusado por Paulo: “De fato, fica claro em toda a carta que os crentes da Galácia estavam acolhendo os ensinos de mestres judaizantes que afirmavam a necessidade dos cristãos se submeterem à lei judaica. Mesmo sendo provavelmente em sua maioria gentios (cf. At 13.46-52), aqueles crentes viram certo atrativo na mensagem dos mestres legalistas”.
Diante da rejeição neotestamentária da guarda de um dia como cumprimento de um estatuto legal da lei mosaica, a pergunta natural é: “Será que não há algum ‘preceito justo’ que transpareça no quarto mandamento?”. A resposta não é difícil de notar, pois as duas menções desse mandamento apresentam o “descanso” como valor a ser considerado. Em Êxodo 20.11, a razão dada para o descanso de toda a casa dos israelitas era o exemplo de Deus ao criar o Universo em seis dias e descansar no sábado. Em Deuteronômio 5.15, a razão era a lembrança de que os israelitas haviam sido escravos no Egito e o Senhor os havia libertado e aliviado da carga de trabalhos forçados. O descanso e não a cerimônia é o que esses dois textos enfatizam: “Para que o teu servo e a tua serva descansem como tu” (Dt 5.14).
O livro de Hebreus faz a mesma relação entre o quarto mandamento e o descanso: “Porque, em certo lugar, assim disse, no tocante ao sétimo dia: E descansou Deus, no sétimo dia, de todas as obras que fizera. E novamente, no mesmo lugar: Não entrarão no meu descanso” (Hb 4.4,5). Essa associação do autor de Hebreus tem a ver com a punição divina à rebeldia e incredulidade israelitas que, diante do relato dos espias enviados a Canaã, se negaram a tomar a terra (Nm 14). Hebreus 4.5 é uma citação do Salmo 95.11, onde o texto é aplicado à lembrança de que o povo rebelde permaneceu quarenta anos no deserto (Sl 95.10 cf. Nm 14.23,28-30).
Diante disso, é interessante notar as palavras de Josué à geração seguinte que, de fato, entrou na terra e a dominou: “Lembrai-vos do que vos ordenou Moisés, servo do Senhor, dizendo: O Senhor, vosso Deus, vos concede descanso e vos dá esta terra” (Js 1.13). Descanso físico e comunhão com Deus são as faces do “preceito justo” contido no quarto mandamento e, por isso, devem ser valorizados e buscados pela igreja de hoje. Contudo, isso não deve ser feito por meio do estatuto legal, ainda que se mude seu formato do sábado para outro dia da semana.
Essas verdades costumam gerar duas perguntas. A primeira é se “a guarda do sábado, ou seu referente no domingo, não faz parte da lei moral, a qual supostamente ainda estaria sobre a igreja como estatuto legal?”. A segunda é se “isso quer dizer que o cristão não tem mais de seguir o princípio de descanso e de tempo de adoração a Deus?”.
A resposta à primeira pergunta é que não existe divisão na lei. Pode existir apenas caráter diferente nos aspectos da execução de cada lei, mas Tiago, ao dizer que “qualquer que guarda toda a lei, mas tropeça em um só ponto, se torna culpado de todos” (Tg 2.10), não deixa que façamos esse tipo de particionamento para cumprir somente uma parte dela. Desse modo, não se pode escolher partes da lei para cumprir e partes para deixar de lado. O judeu não podia fazer isso, nem pode fazer, atualmente, qualquer um que a queira tomar sobre si. Quem quer guardar o sábado (ou domingo), deve também ser circuncidado, fazer sacrifícios e todos os demais estatutos da lei de Moisés, sem que se espiritualize seus sentidos, pois não foi dada por Deus aos judeus para seu cumprida de modo figurado, mas literal, conforme descrita, item por item. Não obstante, sem lei ainda reconhecemos como princípio justo por trás da lei a orientação divina de descansar e separar de tempo para adoração.
A resposta à segunda pergunta é que o fato é que a lei, como estatuto legal, não existir mais não invalida o que podemos aprender nela sobre o que tange aos seus justos preceitos, os quais não dependem da lei em si, mas do caráter de Deus. Assim, não é porque a lei não está sobre nós que podemos adorar outros deuses, matar ou adulterar. A lei, assim como o restante da Bíblia, ensina-nos que Deus odeia tais coisas, independente de lei e mesmo antes de ela ser dada. Por isso, agora, mesmo sem lei, o Espírito Santo trabalha em nós para cumprirmos a justiça que há por trás da lei sem que tomemos o fardo legal sobre nós: “Porquanto o que fora impossível à lei, no que estava enferma pela carne, isso fez Deus enviando o seu próprio Filho em semelhança de carne pecaminosa e no tocante ao pecado; e, com efeito, condenou Deus, na carne, o pecado, a fim de que o preceito da lei se cumprisse em nós, que não andamos segundo a carne, mas segundo o Espírito” (Rm 8.3-4).
Em resumo, a liberdade cristã tem dois lados: liberdade da lei, por um lado, e liberdade do pecado, por outro. Esse é o equilíbrio contido no evangelho e na graça de Cristo.
Pr. Thomas Tronco
Fonte: http://www.igrejaredencao.org.br
Imagem: Google
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