O cabresto
é uma correia armada contendo às vezes um tapa-olho, que se coloca na cabeça de
um animal para amarrá-lo ou dirigi-lo. Já a mordaça é um pedaço de pano ou fita,
que se prende na boca de alguém para impedir de falar ou gritar. Os objetos são
reais, mas essas expressões podem ser usadas também em sentido figurado. O cabresto diz respeito ao comportamento
de quem se deixa dominar por outra pessoa. A mordaça refere-se a alguém que poderia ou deveria se manifestar,
mas por imposição ou medo de outrem permanece calado.
Será
que esse sentido figurado está presente no meio evangélico? Será que todos os crentes são verdadeiramente
livres para manifestar as suas opiniões? Será que podem
participar das decisões mais importantes de sua denominação? Vamos buscar as respostas a partir das
seguintes reflexões. Existem basicamente três diferentes formas
de governo eclesiástico, que prevaleceram nas comunidades cristãs ao longo dos
séculos. Esses regimes estão presentes no meio evangélico atualmente, a saber:
1) Episcopal ou Prelática: o
governo da igreja é exercido por uma pessoa, seja pastor, bispo ou “apóstolo”, tal
como sucede nas Assembleias de Deus e em várias neopentecostais – um governa
todos;
2) Presbiteriano ou Presbiterial: o governo cabe a um colegiado de pastores e
presbíteros, que formam o Conselho ou Presbitério, como se verifica nas
Presbiterianas – alguns são eleitos para governar por todos; e,
3)
Congregacional ou Independente: o governo é exercido pela assembleia
dos membros, como acontece nas Batistas e Congregacionais – todos governam.
Nascido e educado em lar evangélico,
pude conviver com cada uma dessas formas de governo ao longo de toda a minha
vida. Fui membro da Igreja Batista, Assembleia de Deus e Presbiteriana
Renovada, e conheci bem de perto como funcionam e como se comportam os seus dirigentes
no exercício do poder eclesiástico. Certamente que cada regime de governo tem
suas virtudes e suas limitações, entretanto não há dúvida de que o episcopal é
o que mais está sujeito a cometer erros, por concentrar muito poder nas mãos de
uma só pessoa.
Essa centralidade de poder está em
desacordo com o modelo de governo apresentado pelo Novo Testamento. O Senhor
Jesus não submeteu a sua Igreja a nenhum governante individualmente. Pelo
contrário, a Palavra de Deus nos mostra claramente que a igreja primitiva foi
governada pelo colégio apostólico e por presbíteros (Lucas 6.13; Atos 1.21-26, 5.29, 6.1-7, 8.14, 15.6 e 16.4). E as
Epístolas Paulinas confirmam a participação dos presbíteros no governo
eclesiástico (I Timóteo 4.14, 5.17-19; Tito
1.5; I Pedro 5.1-3).
Myer Pearlman, em sua obra Conhecendo as Doutrinas da Bíblia, Editora Vida, 7ª edição, página 225,
assim escreveu:
As primeiras igrejas eram democráticas em seu
governo – circunstância natural em uma comunidade onde o dom do Espírito Santo
estava disponível a todos, e onde toda e qualquer pessoa podia ser dotada de
dons para um ministério especial. É verdade que os apóstolos e anciãos presidiam
as reuniões de negócios e à seleção dos oficiais; mas tudo se fez em cooperação
com a igreja. (Atos 6:3-6; 15:22; 1 Cor. 16:3; 2 Cor 8:19; Fil 2:25). [...]
Vemos claramente que no Novo Testamento não
há apoio para uma fusão das igrejas em uma “máquina eclesiástica” governada por
uma hierarquia. Nos dias primitivos não havia nenhum governo centralizado
abrangendo toda a igreja. Cada igreja local era autônoma e administrava seus
próprios negócios com liberdade. Naturalmente os “Doze Apóstolos” eram muito
respeitados por causa de suas relações com Cristo, e exerciam certa autoridade.
(Vide Atos 15).
O modelo episcopal, além do descompasso bíblico, cria um ambiente favorável ao autoritarismo religioso e ao desvirtuamento
dos propósitos da igreja, como inúmeros casos têm demonstrado. Sem falar que
está na contramão da democracia e da liberdade de manifestação do pensamento que
desfruta o nosso país (art. 5º, inc. IV,
e art. 220, da Constituição Federal). Excessos pessoais e institucionais são
cometidos, porém não há como corrigi-los, porque a liderança não responde pelo
que faz. Não está debaixo de responsabilidade e não tem a quem prestar contas
dos seus atos. São verdadeiros papas evangélicos e praticam toda espécie de
arbitrariedades e desvios de conduta, sob o manto de uma imunidade que não lhes
foi outorgada pelas Escrituras.
E
aquele que ousa
questionar os desvios ou abusos é tratado como se fosse inimigo da “obra de
deus”. Não raras vezes sofre duras perseguições, inclusive com perda de renda
eclesiástica para quem dela depende na igreja. É afastado de todas as atividades e
sepultado vivo dentro da denominação! E assim permanece até morrer de tristeza
ou escapar com vida para um ambiente cristão que lhe trate as feridas na alma. São
diversos episódios dessa natureza e impressiona como certos dirigentes são
capazes de ferir e até matar as ovelhas! Fazem contra o próximo aquilo que
Jesus Cristo nunca fez contra quem o perseguiu e crucificou...
E
aqui entra o cabresto e a mordaça!
Quem permanece nesses ambientes tem
que aceitar passivamente as imposições e os excessos. Isso porque há líderes que
formam nos crentes um espírito de submissão a homens. O uso frequente do
autoritarismo teológico e das ameaças espirituais sem fundamento bíblico para
ocultar irregularidades, tais como: “não
toque no ungido do Senhor”, “ai
daquele que se levanta contra a igreja”, “ai daquele que julga seu irmão” e
coisas semelhantes, acabam provocando temor desmedido e incapacidade de reagir
frente ao pecado, principalmente naqueles que são mais novos na fé. “Não por força nem por violência, mas sim
pelo meu Espírito, diz o Senhor dos Exércitos.” (Zacarias 4.6).
Esse tipo de submissão não é virtude, mas
pecado de omissão (Levítico 5.1;
Ezequiel 33.7-9; Mateus 18.15-17). Além disso, contraria frontalmente o
espírito Bíblico no relacionamento entre a Igreja como corpo e Cristo como
cabeça (Efésios 5.24-25; Hebreus 3.1-2 e
10.15-16). Porque a consciência do cristão não deve ser dominada por
homens, mas precisa estar subordinada aos princípios éticos, morais e
espirituais delineados pela Bíblia Sagrada. “Sabendo que recebereis do Senhor o galardão da herança, porque a
Cristo, o Senhor, servis.” (Colossenses 3.24).
Ora, a Palavra de Deus nos adverte: “Não sejais como o cavalo, nem como a mula, que não têm entendimento,
cuja boca precisa de cabresto e freio para que não se cheguem a ti” (Salmos
32.9). Mas, Infelizmente, há crentes vivendo debaixo de cabresto
religioso, apesar de serem chamados à liberdade de serviço e adoração a Cristo.
Muitos estão convivendo com um cristianismo desprovido de entendimento, alheios
à soberania do Reino de Deus e Sua justiça, deixando de desfrutar do privilégio
de servir ao Senhor Jesus sem estar subjugado a homens (Mateus 11.29-30). Comportam-se como se não tivessem vontade
própria, permitindo ser dominados por um tradicionalismo denominacional que em
nada contribui para a maturidade cristã frente aos desafios do nosso século.
E assim, crentes de várias estaturas se
deixam amordaçar! Calam-se por migalhas de pão, quando poderiam desfrutar de
uma mesa farta. Apegados a títulos, cargos e honras no palco dos templos, muitos
estão emudecidos diante do pecado, mergulhados no comodismo da autojustificação
criada pelo prazer de cumprir uma programação religiosa. Até parece que não vão
prestar contas a Deus. Curvam-se diante de absurdos cometidos no seu arraial, mas
condenam com veemência o pecado daqueles que estão fora de suas tendas.
Diante dessa realidade, cabe a cada um
examinar a si mesmo acerca do tipo de cristianismo que está vivendo. Se está ou
não debaixo de cabresto e de mordaça! É preciso compreender qual é a autoridade
que tem prevalecido sobre a conduta cristã. A sua vida é dominada por imposições
humanas e regras de religiosidade, que criam classes distintas e limitam a
liberdade entre os membros? Ou você é guiado por princípios imutáveis das
Escrituras, que mostram a justa cooperação de cada parte na edificação do corpo
de Cristo (I Coríntios 12.12-27; Efésios
4.11-16), e nos impulsiona na luta contra o pecado (Hebreus 12.4). Escolha hoje a quem servir, porque Deus não nos
chamou para a servidão de regras de denominação. “Para a liberdade foi que Cristo nos libertou. Permanecei, pois, firmes
e não vos submetais de novo a jugo de escravidão.” (Gálatas 5.1).
Conclui-se
ressaltando que o cristianismo dos nossos dias clama e reclama por liderança que
tenha como líder o Supremo Pastor, Jesus Cristo: “Eu sou o bom Pastor, o bom Pastor dá a sua vida pelas ovelhas” (João
10.11). Precisamos de homens e mulheres que tenham compaixão das pessoas, que
dêm a própria vida em favor delas como fez o Senhor Jesus. Contudo, se não
puderem chegar a tanto, que sejam capazes de praticar pelo menos isto: “Pastoreai o rebanho de Deus que há entre
vós, não por constrangimento, mas espontaneamente, como Deus quer; nem por
sórdida ganância, mas de boa vontade; nem como dominadores dos que vos foram
confiados, antes tornando-vos modelos do rebanho” (I Pedro 5.2-3). Enfim,
que conduzam as ovelhas no verdadeiro cristianismo, livre de qualquer cabresto ou
mordaça!
Por
Adiel Teófilo.
Fonte: adielteofilo.blogspot.com
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