segunda-feira, 22 de março de 2021

O esconderijo da vida

Diante de um mundo virado de ponta cabeça, onde se disseminam assassinatos, roubos, depredações, guerras, sequestros, invasões de propriedades, e um número cada vez maior de delitos, podemos perceber que algo anda muito errado, e deve haver uma causa para tudo isso.

Correntes das ciências modernas como sociologia, antropologia e congêneres, apontam para uma culpa da sociedade, no sentido de que ela, por conta de suas injustiças, levaria o indivíduo a praticar crimes, num “tipo” de manifestação “democrática” ou resistência civil ao status quo estabelecido. Mas, como esquecer-se de que a sociedade não é um ente em si mesmo, de não existir uma alma coletiva, e ser impossível penalizá-la, levando-a ao banco dos réus, condenando-a, e restringindo sua liberdade em prisões? Seria isso possível, aceitável, racional? Não! Eu diria convicto, caso me fosse perguntado. Por que?

Primeiramente, a sociedade não pode ser culpada de algo cometido ou praticado por um indivíduo, ou vários indivíduos, mas nunca por toda uma coletividade, onde o número daqueles a sofrerem o dano, vítimas de baderneiros e criminosos, é infinita e proporcionalmente maior. Tentar equiparar as atitudes humanas na subjetividade, naquilo não efetivo, real e objetivo, colocando ofensor e vítima no mesmo patamar, em que conter-se e agir apreendem o mesmo significado prático, é uma amálgama impossível e inaceitável. Em outras palavras, subsiste na mesma sociedade, a qual tentam imputar o dolo (estendido inexplicavelmente aos cidadãos que não cooperaram, nem participaram, nem desejaram qualquer delito), o sofrimento, um tipo evidente de esquizofrenia coletiva, onde o mal que não se deseja é-lhe imputado, levando-o a pagar pelo que não quis, e ainda sofrendo o castigo pelo não produzido[1]. O intento é o de dar aos termos, algoz e vítima, o mesmo significado, quando não distorcê-los, tornando um no outro, e vice-versa. Essa inversão de categorias foi apontada pelo profeta como algo imoral, perverso, e uma afronta a Deus:

“Ai dos que ao mal chamam bem, e ao bem mal; que fazem das trevas luz, e da luz trevas; e fazem do amargo doce, e do doce amargo!
Ai dos que são sábios a seus próprios olhos, e prudentes diante de si mesmos! Ai dos que são poderosos para beber vinho, e homens de poder para misturar bebida forte; dos que justificam ao ímpio por suborno, e aos justos negam a justiça!
“(Isaías 5:20-23)

Logo, se a culpa não é da sociedade, de quem é?

Antes de tentar responder, é preciso atentar para o fato de haver, em toda a história, grupos de indivíduos com seus interesses específicos, levando toda uma sociedade ao caos, à destruição, e, em alguns casos, à extinção. Temos então criminosos fazendo da sociedade o seu refém[2], e usando-a para galgar novos degraus em sua ânsia de poder, riquezas e a manutenção do status quo pessoal. Invariavelmente, serão varridos, após anos ou décadas (as vezes séculos), do seu trono, mas, até lá, o estrago será grande e a devastação será iminente, com mortes, miséria, e perdas irrecuperáveis. Um exemplo, a ser citado, são os governos totalitários modernos. Onde se estabeleceram, não houve liberdade, piedade, individualismo, economia forte, ou qualquer tipo de valorização da vida humana. Pelo contrário, vemo-los empenhados em chacinas, genocídios, torturas, usurpação da riqueza alheia, e, em troca, distribuindo a todos que não se enquadraram na elite estatal, igualitariamente, fome, miséria, dor, angústia, dúvidas, e cadáveres por todos os lados, visíveis e ocultos. 

De quem seria a culpa, então?

Especificamente, podemos citar, como exemplo,  os casos mais indignos do século XX: Stalin, Mussolini, Hitler, Mao, Pol Pot, Fidel, entre outros menos votados, mas igualmente malignos. Os atos perpetrados por estes ditadores contra o seu próprio povo seriam o caso da sociedade agir contra si mesma? Ou eles, e seus aliados, não seriam os agentes propagadores do mal em suas fronteiras e além delas? Quem será acusado no tribunal da história pelos crimes cometidos contra alemães e russos? Os próprios alemães e russos? Ou Hitler e Stalin?

Alguns podem dizer: bem, mas Hitler não faria o que fez se não tivesse o apoio do povo alemão, logo a Alemanha, como nação e sociedade, é cúmplice dos crimes de Hitler[3]. Sim, os alemães, incitados primeiramente, e coagidos em uma segunda etapa a apoiarem o Nazismo, acabaram por sofrer, na própria pele, as consequências por sua estultice e falta de prudência. Famílias, vilas e cidades inteiras foram destruídas, e se não fosse a ajuda dos Aliados no pós-guerra, a Alemanha provavelmente não teria se reconstruído, nem atingiria o status de nação rica e poderosa que sustenta nas últimas décadas. Ainda assim, não podemos afirmar que o povo, ou a sociedade alemã em peso, apoiou e curvou-se ao Nazismo. Em seu próprio país, Hitler sofreu atentados contra a sua vida, patrocinados por alemães que não estavam alinhados com o pensamento social-trabalhista do partido Nazista, não o aceitaram, nem foram coniventes, muito menos se curvaram às suas atrocidades. Houve resistência; e muitos pagaram um preço verdadeiramente alto.

Para simbolizar esse movimento, gostaria de citar o sacrifício emblemático de Dietrich Bonhoeffer, um pastor luterano e teólogo alemão, membro da resistência contra o Nazismo, e um dos fundadores da igreja confessante[4]. Em linhas gerais, Bonhoeffer não estava engajado com o pensamento nazista, imbuído em uma “cruzada messiânica”, como os restauradores e reconstrutores da sociedade alemã[5] a partir do controle do Estado sobre todos os aspectos da sociedade, e a construção de uma pátria ariana; levando Hitler, e a cúpula de seu governo, a controlar as manifestações religiosas através da igreja oficial, cujo líder máximo era o próprio Fuher[6].

Em 1934, Bonhoeffer, Niemöller[7] e vários líderes protestantes, constituíram o Sínodo de Bremen, a partir do qual formou-se a Igreja Confessante, rejeitando toda e qualquer ingerência do Estado na igreja cristã (diga-se, não se sujeitar ao domínio nazista) e a autoridade de Hitler como seu mestre. Opondo-se ao projeto “messiânico” de salvação do povo alemão, a partir da superioridade germânica, estabelecido pelos ideais de supremacia ariana no mundo, a Igreja Confessante afirmou peremptoriamente a existência de um único Senhor e Salvador: Jesus Cristo, ao qual se submeteria, e por quem rejeitaria vigorosamente a imposição legal estabelecida pelo III Reich, de autodenominar-se “o absoluto”, quase onipresente, na vida cristã. A Igreja Confessante rebelou-se contra esse poder, e contra o grupo de igrejas submetidas ao controle da igreja oficial, que, aderindo às suas exigências, colocou-se debaixo do jugo nazista[8]. Sem entrar em todos os pormenores da resistência alemã, analisarei dois pontos que trazem à tona a meditação e o posicionamento cristão quanto a esse acontecimento: 

Primeiro, precisamos tratar com o criminoso, e não nos entregarmos aos desvios, emaranhados de sistemas e ideologias que defendem tratar o problema sem levar em conta o indivíduo, o infrator, a causa primeira do dilema, e muito menos a vítima. É como propor um teorema sem elementos e provas.

Segundo, a questão está em obedecer ou não uma autoridade constituída. Alguns apontarão para Paulo, ao alertar-nos de que “toda alma esteja sujeita às potestades superiores, porque não há potestade que não venha de Deus, e as potestades que há foram ordenadas por Deus” (Rm 13:1).

Ora, o apóstolo claramente adverte contra a insurreição e rebelião aos governantes, no sentido do dever, em qualquer hipótese ou situação, de obedecê-los. E parece confirmar isso em seguida: “Por isso quem resiste à potestade resiste à ordenação de Deus; e os que resistem trarão sobre si mesmos a condenação (Rm 13.2).

A situação do rebelde se complica ao analisar-se os versos sem uma exegese correta. Talvez por preguiça ou desconhecimento, muitos alegam haver na fala do apóstolo uma proibição contra o combate a governos corruptos, assassinos, e que desprezam o próprio Deus. Há quase um consenso, na maioria dos cristãos, especialmente os evangélicos, de que a luta do crente é contra as hostes espirituais, e de não haver qualquer respaldo à resistência contra governos e homens maus. A pergunta é: seria isso verdade?

Voltando a Paulo, nos versos 3 a 5, deparamo-nos com a seguinte explicação: “Porque os magistrados não são terror para as boas obras, mas para as más. Queres tu, pois, não temer a potestade? Faze o bem, e terás louvor dela. Porque ela é ministro de Deus para teu bem. Mas, se fizeres o mal, teme, pois não traz debalde a espada; porque é ministro de Deus, e vingador para castigar o que faz o mal. Portanto é necessário que lhe estejais sujeitos, não somente pelo castigo, mas também pela consciência.”

Meditemos mais um pouco no conteúdo destes versos; o que temos?

Primeiro, está explicitamente declarado pelo apóstolo a referência aos bons magistrados, posto não serem “terror para as boas obras, mas para as más”. Não se está falando de maus governantes, mas dos bons, os guardiões da ordem, da paz, da moral e da justiça. Ainda que os dois primeiros versos se refiram a “potestades superiores”, não há referência a “toda” potestade, num sentido geral e irrestrito. Se apegarmo-nos aos dois versos tão somente, criaremos a doutrina de que o cristão deve estar sujeito e obediente a toda autoridade, mesmo as más e mais cruéis, obrigando-o inclusive a, caso seja-lhe requerido, praticar o mal, algo expressamente vedado por Deus. Por exemplo, em um governo cruel, é solicitada a execução do meu semelhante encontrado em alguma situação de desobediência. Nesse caso, qual o procedimento adotar? O Sexto Mandamento ordena-nos: “Não matarás” (Êx 20.13), porém, Romanos 13.1 ordena a sujeitar-nos às autoridades; havendo um conflito, como agir?

Algum incauto e estulto dirá: “O problema é a Bíblia. É ela que se contradiz, ao ordenar fazer algo que proibiu anteriormente”.

Seria essa a saída? Desautorizar a Escritura como a infalível, inerrante e inspirada palavra de Deus? Claro que não! Especialmente porque o incrédulo concluiu apressadamente, sem meditar e analisar corretamente a questão. Mais à frente, a elucidarmos. Voltando para o dilema, o cristão, ao escolher uma das opções incorreria em pecado na outra, e vice-versa. Mas isso é um pensamento falho levando a uma conclusão enganosa.

Um pouco mais à frente, o apóstolo confirma a ideia de que estamos diante de autoridades boas e justas, ao exortar: ”Queres tu, pois, não temer a potestade? Faze o bem, e terás louvor dela”. Parece-me que ele não está a falar de toda e qualquer autoridade, mas apenas daquelas comprometidas com o bem-estar geral, com a justiça, retidão e a moral (a partir dos princípios bíblicos formadores de códigos e legislações), de propiciar que todos possam exercitar livremente suas atividades, fazendo o bem, servindo, e sendo digno de louvor, tendo o respaldo necessário para exercer os predicados de bondade, incitando o indivíduo não somente a almejá-lo, mas à prática. Essa advertência tem um caráter positivo, o de garantir ao cidadão os meios para ser bom, ordeiro, trabalhador e auxiliador do próximo. Nada disto está explícito, mas é possível deduzi-lo, pois encontram-se aglutinados na expressão “boas obras”, as quais devem merecer aprovação e estímulo. O ponto negativo está expresso no verso seguinte:

“Mas, se fizeres o mal, teme, pois não traz debalde a espada; porque é ministro de Deus, e vingador para castigar o que faz o mal.”

Não há muito a explicar, visto o apóstolo manifestar sem restrições as consequências de um governo justo diante de atos maus praticados pelo cidadão. Neste caso, está a tratar com o infrator, que deve temer, pois até mesmo a espada pode sobrevir-lhe, dependendo do crime cometido. Em sabedoria, a Bíblia não exclui o transgressor do problema, lançando-o sobre “terceiros”: as autoridades, o Estado, a Igreja, ou as vítimas. Ela aponta para o delito e o delinquente simultaneamente: ele deve temer por sua vida, pois praticou o mal; e será punido pelo ministro de Deus. Levando-nos à questão da pena de morte como forma de justiça bíblica, se válida ou não, se plausível e justa, ou se inconcebível e abusiva. Ao contrário do que a polêmica atual parece sugerir, de ser reflexo da barbárie qualquer tentativa de legitimá-la, quanto mais aplica-la, as Escrituras parecem autenticar a pena capital.

Uma grande gama de cristãos rejeitam-na, como se o ladrão de galinhas pudesse ser condenado à morte, aumentando exponencialmente o nível de injustiça. Há quem acredite na execução da pena capital imediatamente após a sentença promulgada, sem que todas as apelações e recursos, nesse caso, se estendesse por anos e décadas. No corredor da morte, nos EUA, um sentenciado não cumpre a pena antes de decorrido, no mínimo, dez anos. A visão, via de regra, é simplista, sem o devido conhecimento de causa, sem as restrições necessárias a tal condenação, ao ponto de se imaginar alguém pulando a roleta do ônibus e sendo sumariamente condenado à cadeira-elétrica. Existe um “frenesi”, um verdadeiro horror, ojeriza, somente em pensar na hipótese, levando, por assimilação, uma aversão ao Antigo Testamento. Note-se, contudo, que a fala é de Paulo, apóstolo de Cristo, relatada no Novo Testamento[9].

Mas qual morte deve ser mais lamentada? Do corpo ou da alma? Se somos cristãos, não há muito a se dizer: a morte física deve ser evitada a todo custo, porém há casos inevitáveis, em que a execução é a última saída contra o mal praticado e não reparado, porque há crimes irreparáveis. A morte espiritual é agravada pela eternidade, na qual o pecador estará sujeito à ira divina, por causa da sua rebelião constante contra Ele, e o não reconhecimento de Cristo como Senhor e Salvador. Este homem deixou-se subjugar pelo mal e, certamente, em algum momento da sua existência, aprovou-o, e levou-o a cabo como estilo ou meio de vida. Podemos fazer várias conjecturas, mas, certamente a morte física não é pior do que a espiritual, é apenas consequência desta. Todos morreremos, cedo ou tarde, e não há injustiça nela, como sendo o resultado da nossa “Queda” e pecaminosidade diante do Deus santo. Nenhum de nós é inocente ou não merece o castigo físico da morte, por isso Cristo não veio nos libertar dela, já que todos morreremos, mas daquela morte eterna; a qual foi possível sobreviver exclusivamente pelo sacrifício e mérito do Filho, ao homem que crê e o reconhece como Redentor. Contudo, o custo foi alto, e o preço foi pago com o seu sangue, com a sua vida… Somente a morte de Cristo pode nos dar vida; somente entregando a sua vida à morte resgatou-nos da morte eterna, dando-nos vida. Se Cristo morreu, o Justo pelos injustos, porque o injusto não pode morrer para, ao menos, levar sobre si mesmo as consequências da sua injustiça? Não mereceu ele próprio a punição por praticar a iniquidade?

Por que, então, parece ilegítimo, a muitos cristãos, a Pena de Morte?

Interpretações errôneas da Escritura, e um sentimentalismo suicida, fazem com que uma nevoa de incompreensão obscureça o real entendimento do tema. Normalmente quando estou diante de alguém advogando a excrescência da Pena de Morte, faço alguns questionamentos não respondidos e, em alguns casos, relegados ao desprezo por pessoas cujas opiniões estão formatadas e adequadas aos padrões humanistas (no pior sentido possível, de exaltação e fé no homem). Uma das coisas que pergunto é: como você entende a ordem do Senhor de amar ao próximo? Em um primeiro instante, o questionamento parece ser uma boia de salvação a confirmar a posição do não defensor da Pena Capital. Ele entende que amar o próximo refere-se a todo o próximo, sem distinção, no entanto a Bíblia usa de expressões gerais para afirmar doutrinas particulares. Há mesmo uma quase euforia quando são confrontados, pois pensam: “bem, este cara é muito tolo! Ao trazer à tona a questão do amor ao próximo, está dando um tiro no pé!”. Não é difícil ouvir de alguns: “O bandido também é o próximo!”; “Devemos amar a todos, sem exceção, inclusive o criminoso”; e variações deste tipo. Sempre com a alegação de jamais o crente reagir ou agir para a morte de alguém, como o próximo apontado por Cristo (Mt 22.39).

Sempre espero um pouco e coloco-o diante de uma situação bastante real nos dias atuais, em que a impiedade e crueza têm dominado e expandindo-se na mente criminosa: “Digamos que você está com a sua família em casa, diante da tv, comendo uma pipoca e vendo um filme de aventuras. Sua esposa está ao seu lado, a cabeça sobre o seu ombro, enquanto seus filhos estão no chão da sala, comendo e bebendo enquanto assistem a película. Neste ínterim, um bandido entra armado e ameaça matar todos, caso não tenha suas exigências atendidas. O que você faria? Quem é o seu próximo? Quem você defenderia? Quem sacrificaria?”.

Não é uma questão para ser respondida rapidamente, mas a maioria insiste em fazê-lo quase de imediato. Talvez pela necessidade de deixar evidente o pensamento ou opinião, delimitar prontamente o seu espaço e os limites que o mantém nele, cercado por “chavões”, histeria ou ofensas que os protegem de argumentar com o mínimo de proposição. Em conversa com um amigo, disse-lhe que os nossos tempos têm se assemelhado muito com uma partida de futebol, onde as pessoas incorporam a figura do torcedor em todos os aspectos da vida, insuflado por paixões desmedidas, irracionais, em que o sentimentalismo e as emoções são norteadores das suas posições e ações sem passarem pelo crivo da razão, do bom-senso, do escrutínio. Tudo tem de ser resolvido rapidamente; e a paciência e autodomínio são práticas relegadas a poucos.

Quem já teve uma arma apontada para a sua cabeça, ou de outrem, sabe bem como é estressante e perturbador olhar o cano do revólver ou a lâmina de uma faca. Nesses momentos, devemos orar e pedir proteção ao Senhor, porque sabemo-nos indefesos. Mas caso houvesse a possibilidade de revide, de neutralizar o criminoso, não estaríamos agindo em amor da vida? Seja a própria ou do próximo?

Como dito anteriormente, alguém pode alegar que o criminoso também é o próximo, e devemos preserva-lo. Não tenho dúvidas de que ele seja o próximo, mas em uma balança entre ele e uma vítima em potencial, que nada tem a ver com a decisão arbitrária do ofensor de causar-lhe dano, para aonde inclinaria o pêndulo? Lavaríamos as mãos, ou tomaríamos a posição em favor de um dos “próximos”?

Este dilema alcança uma dificuldade ainda maior se alguém apelar para a manutenção dos “dois próximos”, sendo que existe uma clara intensão do criminoso em levar às vias de fato a afronta máxima de executar o crime. Do contrário, por que a arma? Não é para a sua defesa? Ainda que possa ser entendida como tal, em algum sentido, seria para o ataque; a arma como o meio de garantir o seu intento: roubo, sequestro ou o assassínio. A banalização da vida não começa a partir da vítima, que não tem recursos para se defender, mas do criminoso; ele é o fomentador da violência, sabendo das consequências do seu ato, inclusive, de se voltar contra si mesmo.

Entretanto, o assunto simples e definido pelas Escrituras torna-se extremamente complexo, dado os valores atuais, as ideologias atuais, o descaso com o estudo sério e profundo da Bíblia.  Ao mesmo tempo que o Senhor adverte: “Não matarás!” (Dt 5.17); existe a orientação de como os juízes de Israel aplicariam a pena de morte: “E quem matar a alguém certamente morrerá. Mas quem matar um animal, o restituirá, vida por vida... Quem, pois, matar um animal, restitui-lo-á, mas quem matar um homem será morto. Uma mesma lei tereis; assim será para o estrangeiro como para o natural; pois eu sou o Senhor vosso Deus.” (Lv 24.17-18; 21-22). Haverá contradição? Estaria a Escritura em contrassenso, em desacordo? Por que Deus não se encarregou de ele mesmo punir o infrator ao invés de delegar a execução da punição aos homens?

Não penso que o Senhor nos criou com o intuito de ser-nos por “babá”. Entendo a providência como cuidado divino, sendo ela o motivador para o crescimento moral e espiritual do homem. Levando-o à consciência de quem é, a quem deve se submeter, o que buscar, o que evitar e rejeitar. Deus nos quer responsáveis, aos moldes de Adão antes da Queda, mordomos capazes, inclusive de nós mesmos, já que tudo é de Deus e para ele. Por isso, nos ensinou, e tem nos ensinado, a crescer em conhecimento, dele e da sua lei, a fim de sermos capacitados e idôneos, qualificados e instruídos a julgar, não somente os outros, mas a nós também. O fato de confiarmos em Deus não nos exime da obrigação de atender a adequada provisão e demanda da vida. Argumentar a confiança e fé em Deus, cruzando os braços e esperando as dádivas “caírem” do céu, é uma afronta e tenta-lo[10]. Paulo disse: “se alguém não quiser trabalhar, não coma também(2Ts 3.10). Confiar em Deus não é tenta-lo, nem sinônimo de passividade, indolência, omissão. O Senhor nos cobre de favores, desde a saúde, emprego, disposição, para realizarmos aquilo ordenado. Em todos os aspectos, o cristão deve ser ativo, mesmo, e sobretudo, na submissão ao Senhor, às autoridades, às leis (obediência ativa ou propositiva). Portanto, alegar que a providência divina nos exime de sermos aprimorados na verdade, é hipocrisia e loucura. Um tipo de charlatanismo teológico e ético.

Com isso, não estou defendendo o armamento da população, em um sentido irrestrito, sem investigar e arrazoar o portador da arma. Eu mesmo não me interessaria em ter uma, mas não proibiria quem quisesse, dentro de avaliações psíquicas, morais, legais, e de habilidade, obter o seu porte e o direito à autodefesa pessoal e familiar. Em um país onde existem mais de 60.000 assassinatos por ano, maior do que a totalidade das mortes nas guerras civis em curso pelo mundo, alegar que o porte seria causa do aumento da criminalidade chega a ser risível. Certamente mais de 90% de todas essas mortes não decorre de armas legais, mas ilegais, nem de cidadãos e homens de bem; em sua maioria praticadas por criminosos, homens dispostos a matar com a indiferença de quem retira uma cutícula da unha, ou com o prazer diabólico do vampiro por sangue.

O cristão deveria, ou melhor, poderia portar uma arma legal? E usá-la em legítima defesa? Em princípio não vejo problemas, mas essa deveria ser uma prerrogativa dos magistrados[11], como Paulo diz, o qual deveria zelar pela ordem, pela justiça, pelo bem, no que tem malogrado fragorosamente.

E já que voltamos à questão das autoridades constituídas por Deus, seria a pena de morte uma de suas atribuições? Ou os tempos são outros, e outra a humanidade, a ponto de tornar essa prática inadmissível? Pois bem, se ao cristão está vedado o homicídio (a não ser nos casos de legítima defesa), o que não se configura crime, aos olhos da Lei divina, o Estado pode prescindir desse meio de justiça? É evidente que não nos interessam as discussões jurídicas, do ponto de vista do Direito Penal (não que não sejam relevantes ao debate, mas o espaço não nos permite uma discussão mais ampla), mas tão somente o princípio bíblico a ratificar ou desqualificar a atuação dos magistrados.

Voltando a Dietrich Bonhoeffer e a igreja Confessante (com o auxílio de homens do alto comando Nazista que se opunham as práticas do partido), após tomarem conhecimento das atrocidades nazistas implementadas nos campos de concentração contra judeus, adversários políticos e outras minorias, planejaram matar Hitler. A tentativa acabou fracassando, e Bonhoeffer foi acusado e condenado à morte, falecendo alguns dias, na forca, antes da derrocada alemã na II Grande Guerra. Seria justificável essa atitude? Planejar um atentado contra Hitler a fim de tirar-lhe a vida? Ou estaria Bonhoeffer e a Igreja Confessante em flagrante pecado, quebrando o quinto mandamento? O sofrimento de milhões de pessoas, mortas por fuzilamento, de fome, na câmara de gás, não ampararia essa atitude extrema? Evitando-se que outros milhões fossem sacrificados?

Analisemos duas hipóteses. A primeira: em um governo nitidamente injusto, maléfico, diabólico, os cristãos não têm o dever de se sublevar e derrubá-lo? Não seria o caso de destituir-se as autoridades e, se necessário, a sua execução? Parece que esta foi a visão da Igreja Confessante, de que um mal menor (a morte de um ou alguns) era melhor do que o padecimento de muitos. Não estaria a atitude deles no âmbito da “legítima defesa” e de amor ao próximo? Milhares, talvez milhões, salvos do extermínio? Seria impossível tentar destrinchar toda a complexidade da situação nestas poucas páginas. Mas a verdade é que, entre o criminoso e o inocente, entre o assassino e a vítima, entre o bem e o mal, devemos tomar posição em favor do vulnerável, daquele que não tem como se defender e precisa de auxílio, advogariam muitos cristãos. “Lavar as mãos, ou colocar toda a responsabilidade apenas em Deus, é ser irresponsável e cínico”, continuariam. Se há como impedir o mal (e muitas vezes ele precisa ser destruído), não o fazer é, em última instância, pactuar e endossá-lo (Rm 1.32). Portanto, ainda que entenda o Senhor como aquele capaz de vingar o ofendido, em última instância, é imperativo que, dentro das nossas condições, impeçamos o criminoso de ultimar o delito. Especialmente se existem vítimas em potencial. Não tendo a quem recorrer no âmbito legal e jurídico, visto a legislação do Social-Nazismo ser frontalmente contra Deus e sua lei, a Igreja Confessante não poderia se omitir e negligenciar o sofrimento nos campos de concentração, concluiriam os defensores desta primeira análise.

Na segunda, alguém pode contra-argumentar: “Se esse plano fosse da vontade de Deus, ele daria certo. Hitler não escaparia. Bonhoefffer e outros não seriam presos e mortos… A igreja não pode se empenhar no morticínio, seja de quem for”. É um bom argumento. No entanto, não sabemos a vontade oculta de Deus, e poderíamos elaborar uma série de suposições quanto à sua vontade final, mas não passariam de meras especulações. Certo é que a palavra nos adverte duplamente, insistiria o defensor da segunda análise: “Eu, porém, vos digo que não resistais ao mau; mas, se qualquer te bater na face direita, oferece-lhe também a outra… Amai a vossos inimigos, bendizei os que vos maldizem, fazei bem aos que vos odeiam, e orai pelos que vos maltratam e vos perseguem; para que sejais filhos do vosso Pai que está nos céus (Mt 5:39, 44); e “E eis que um dos que estavam com Jesus, estendendo a mão, puxou da espada e, ferindo o servo do sumo sacerdote, cortou-lhe uma orelha. Então Jesus disse-lhe: Embainha a tua espada; porque todos os que lançarem mão da espada, à espada morrerão” (Mt 26:51-52).

Em ambos os trechos existe uma exortação clara em não tomar mão da espada para a justiça pessoal. Não resistir ao mau, e não lançar mão da espada, impede-nos de agir como juízes, executores, e de pagar o mal com o mal. É-nos vedado. Bonhoeffer e outros irmãos estariam incluídos nessa categoria, daqueles que, fazendo uso da espada, morreram por ela. E prosseguiriam, esses defensores: “A igreja não foi chamada para revoluções, sublevar-se, destituir autoridades, muito menos o extermínio delas. Pelo contrário, devemos orar pelos maus governantes, orar para que seus governos sejam justos, servindo-lhes com o bem em paga pelo mal praticado. É assim que o Senhor ordena, e é assim que devemos agir!”, concluiriam. Nesta visão, a Igreja Confessante poderia se opor às práticas nazistas, condená-las publicamente, não se sujeitar a elas, pagando com a própria vida se necessário, mas jamais insurgir-se plantando uma bomba com o intento de matar e destruir vidas. Em último crivo, a morte é prerrogativa divina, e homem algum está autorizado a fazê-lo, quanto mais a igreja. A respaldar esta visão, temos o exemplo da igreja primitiva, que foi perseguida por judeus e romanos, recusando-se a adorar César e outros deuses[12], mas jamais se rebelou como um movimento armado, terrorista ou facção guerrilheira.

Bonhoeffer e seus pares, ao proporem uma saída terrorista e armada, com o fim de matar Hitler e alguns dos seus oficiais, expôs-se a desobediência a Deus e ao quinto mandamento, ainda que os motivos fossem justos e piedosos: pôr fim ao sofrimento daqueles perseguidos pelo regime nazista. Aqui, em Minas, temos um ditado que diz o seguinte: “de boas intenções o inferno está cheio”! O pecado, muitas vezes, vem embalado em justificativas de bondade, em desculpas com a intenção de amparar, sustentar a prática pecaminosa. Em campo mais filosófico, seria o mesmo que os fins justificarem os meios. E continuariam, esses advogados: “Bonhoeffer pagou o preço da desobediência com a própria vida. Neste sentido, ele não cumpriu o mandamento máximo: não amou e confiou na providência de Deus (Rm 13.1); não amou os seus inimigos (Mt 5:44); nem a si mesmo (Mc 12:32); uma infração tripla!”, sentenciariam.

Poderia haver ainda uma terceira via, um amalgama destes dois raciocínios, mas nos ateremos apenas a eles. Qual escolha caberia a você? Agir como a Igreja Confessante? Ou condenar a sua atitude? Pare um instante, e medite na questão. Dar-lhe-ei um tempo…

Tem a resposta?… Pois bem, eu ainda não. Minha opinião vem alternando-se desde a minha conversão. Existem momentos em que pendo para um lado ou outro, e, na maioria deles, tenho mais dúvidas do que certezas. De uma coisa eu sei, não me interessaria em ter uma arma, que não fosse para atirar em latas e caixas vazias. Um tiro para o alto, vez ou outra, e se necessário. Não me apraz a ideia de matar alguém, mesmo que para a minha sobrevivência. Do ponto de vista estritamente pessoal, não creio que desejasse algum instrumento de defesa. Mas, e em relação aos meus queridos, amigos, ou mesmo um desconhecido, indefeso e à mercê do criminoso? Poderia abrir mão de defender a vítima? De agindo poupar-lhe a vida? Mesmo que tirando a do bandido? Neste contexto, já não tenho tanta certeza, apesar da diminuição das dúvidas. O senso de injustiça e o desejo de justiça me leva a considerar seriamente a defesa do fraco, do desprotegido. É claro que tentaria argumentar e demover o criminoso, mas se ele permanecesse irredutível, uma ação letal não estaria fora de cogitação. Poderia, até mesmo, me entregar em lugar do refém; afinal, a escolha e decisão são minhas, e seria uma forma de preservar as vidas em detrimento da própria. Seria falta de amor a mim mesmo, ou o reconhecimento da vida como um bem insuperável? São questionamentos que faço, e que gostaria também de levar até você. Entretanto, advogo o direito de as pessoas cuidarem da autodefesa, e de portarem armas, dentro das prerrogativas e exigências da lei (sob influência direta da Lei de Deus).

Quanto ao ato de Bonhoeffer, e da Igreja Confessante, não vejo qualquer respaldo bíblico para aquela atitude. Mesmo que nos pareça impossível estar sujeitos à autoridade bárbara e maligna de Hitler, e seus comparsas, não há como negar a providência de Deus em estabelecer os nazistas no governo alemão, e o mesmo vale para comunistas, ditadores, déspotas em todos os tempos e lugares, pois não há governo ou governante que não seja estabelecido por Deus (Rm 13.1).

Voltando ao exemplo da Igreja Primitiva, ela não teve o seu caminho facilitado durante os governos cruéis e pérfidos de Nero e Domiciano, por exemplo. Contudo, não existem relatos de revoltas, ataques ou revides de cristãos às autoridades. Não há qualquer menção no Novo Testamento de que os cristãos devem pegar em armas e ir à luta contra tiranos. Em contrapartida, ele nos adverte: “quem resiste à potestade resiste à ordenação de Deus; e os que resistem trarão sobre si mesmos a condenação” (Rm 13.2).

A resistência, antes de ser física e material, é da consciência. Obedecer aos magistrados e governantes em tudo aquilo que estiver em harmonia com a vontade divina e a lei. Naquilo em que se opõe a ela, negá-lo, rejeitá-lo, e desobedece-lo. Afinal, a vontade de Deus é a regra máxima e o dispositivo final para a vida do cristão, tanto intimamente quanto no trato geral com o próximo. Não existe, então, como validar a atitude contra Hitler, não em moldes bíblicos, e como vontade manifesta de Deus para o seu povo. Seria usar as armas do mundo, as armas inimigas, nas quais eles são peritos e experts, e não afeitas ao cristão (ao menos, não deveriam). As nossas armas são outras, entregues pelo Senhor para que o imitemos, e as preservemos, utilizando-as em sinal de obediência e serviço a Deus, e na implantação do seu Reino de amor, paz e bondade (Ef 6.11-20).

Entretanto, a defesa desse princípio implicaria na rejeição à pena capital? Entendo que não. Essa é uma prerrogativa das autoridades, dos magistrados, legisladores e executores, e o próprio verso, em Rm 13.4, assegura aos ministros de Deus o título de vingadores, de trazerem à mão a espada “para castigar o que faz o mal”. Ainda que a pena de morte seja vista como barbarismo, mais motivada pela debilidade moderna do que pelo senso real de justiça, ela não deve ser alijada do rol dos meios de se fazer justiça. E não menos instrumento para coibir e refrear injustiças. E ao Estado, em seus poderes constituídos, cabe aplica-la, punindo o infrator nos casos extremos de atentado à vida, em que a malignidade ultrapassa a própria morte, residindo no terror à vitima e no prazer ao crime.

Para finalizar, em resposta ao questionamento inicial, o aumento sistemático dos delitos tem apreço em duas questões: o afastamento do homem de Deus e o apego ao pecado, se recusando a reconhece-los. Se Deus é ignorado, a ignorância levará o homem ao afastamento da ordem, do amor, da preservação da vida. Quanto mais distante dele, mais próximo da morte e do caos. E a recusa em se reconhecer pecador, de que a alma está mais afeita às transgressões, não no sentido de se chegar às vias de fato, ao extremo do mal, mas de aceita-lo, em algum aspecto, como decorrente de circunstâncias diversas que não a própria malignidade intrínseca ao coração e consciência humana, fará com que a noção de pecado seja diluída, minimizada, não reconhecida em sua potencialidade, mas na improbabilidade, até a sua completa negação. Ou seja, a ignorância do pecado levará à ignorância de si mesmo, a se criar um impostor que, produzindo o mal, não o chamaremos de mal, dando-lhe outro significado que justifique a não acusação e condenação do infrator[13]. E, se como igreja, aceitamos o olhar sobre o mundo e nós mesmos com os olhos ignorantes, camuflando o pecado e o pecador, travestindo-lhe de bondade inexistente e ficcional, revelamos quão grandes trevas existem em nós.

O Evangelho, a revelação do Deus santo e perfeito ao seu povo, é a arma que distingue os verdadeiros cristãos, mas também a arma pela qual o Espírito de Deus mudará o mundo. Ainda que muitos estejam irremediavelmente condenados, e não possamos fazer nada para absolve-los; ao não negligenciarmos os efeitos benéficos das “Boas-Novas” manterá a esperança em um mundo melhor, mas também de que nós mesmos seremos aperfeiçoados à imagem de Cristo, o verdadeiro esconderijo, onde a morte nunca terá vez.

E “que ele cresça, e eu diminua” (Jo 3.30), é o desejo primeiro e último da vida.

 

Por Jorge Fernandes Isah


NOTAS:

[1] O castigo é duplo: o cidadão comum se torna refém do criminoso, que divide a responsabilidade do crime com a vítima, tendo aquele penas brandas e se vendo livre para permanecer na bandidagem. O cidadão ainda tem de arcar com os custos dos processos, prisão, manutenção de uma estrutura judicial/social (inclusive o sustento dos familiares do ofensor) para a qual o criminoso nada contribui. O ônus recai completamente sobre a vítima, que ainda se vê, em especial na mídia, como a causa, em última instância, para a realização do delito. Enquanto a Bíblia condena, veemente, a cobiça, a origem de todos os crimes: o desejo de tirar/tomar algo de alguém, sejam as suas posses, seja a sua vida.

[2] Parece contraditório dizer que a sociedade, como um todo, não pode ser acusada do crime cometido pelo individuo, mas é possível alegar ser ela refém de criminosos. A história apresenta homens maus que dominaram nações inteiras amparadas pelo poder real, estatal, institucional e jurídico, mantendo a população indefesa e subjugada à tirania. Não faltam exemplos para provar que o primeiro caso é um delírio, e o segundo uma realidade.

[3] Eric Voegelin, em seu livro, “Hitler e os Alemães” (É Realizações, São Paulo, 2008), parece concordar com a culpa alemã pela ascensão e governo nazista. Ele aponta para a criação de uma segunda realidade, em que o homem, como fim e causa de si mesmo à parte de Deus, criou uma falsa realidade que permitiu à mentira, ao embuste, sobreviver anos a fio. Tudo isso se deu a partir de uma sociedade em desordem, não desumanizada, mas essencialmente humana, doente e caótica. Ainda que essa realidade fosse deformada, uma falsa imagem, ela permitiu que o homem vivesse-na como se fosse a realidade genuína, a partir de um delírio coletivo. Em sua “boa-fé”, os alemães confiaram no discurso do Partido Nazi-socialista (Voegelin cunhou o termo “honestidade compacta” para designar o fenômeno de autoengano das massas), difundindo-o como verdadeiro.  Para o filósofo, a massa social não é capaz de articular a trapaça, mas de espalhar a mentira que advém da trapaça criada em “nível superior” (os intelectuais e ideólogos a serviço da tramoia). Um exemplo do que seja “honestidade compacta” é o fato do marxismo afirmar que a culpa de fulano ser pobre origina-se na riqueza de beltrano. Por isso, é necessário que o Estado tire de beltrano para dar a fulano, em nome de uma pretensa “justiça social”. 

[4] Igreja Confessante (em alemão Bekennende Kirche) foi um movimento cristão que rejeitou participar da igreja estatal (Igreja Protestante do Reich). Formou-se a partir da “Declaração de Barmen”, escrita pelo teólogo suíço Karl Barth, e subscrita pelo Sínodo de Barmen, em 1934. Fonte: A Cruz de Hitler, Erwin Lutzer, Editora Vida, São Paulo, 2003, Pg 168.

[5]Em um primeiro momento, o nazismo como partido socialista/nacionalista, preconizava a reestruturação social alemã, para, em seguida, almejar voos mais altos, e aplicar essa mesma política em todo o mundo Ocidental.

[6] Hitler e seus ideólogos sabiam que era imprescindível “controlar” os cristãos, pois entendia serem eles a maior ameaça e oposição à implementação dos ideais nazistas. Assim também ocorreu nos regimes comunistas, onde a igreja foi, e ainda é,  perseguida implacavelmente.

[7] Alguns historiadores entendem que Niemöller concordava, em vários pontos, com o discurso nazista. O que o levou a romper com o nazismo, e a unir-se à Igreja Confessante, foi o controle estatal sobre a igreja, a tentativa de controlar a igreja, e não os desvios morais e anticristãos de Hitler e cia.

[8] Niemöller declarou, após constatar o desejo do Reich em destruir cruelmente a igreja, invocando a liderança do Fuher: “Obedecer a esses déspotas é desobedecer a Deus”. Fonte: A Cruz de Hitler, Pg 172.

[9] Não entrarei na corroboração ou não da pena capital, no Novo Testamento. Mas a partir da exposição de Paulo, em Romanos 13, parece haver uma aceitação, senão uma compreensão da Lei, no sentido de ser válida nos moldes descritos na Lei Mosaica, no Antigo Testamento.

[10] Vide a passagem em que o Senhor é tentado pelo diabo no deserto. Quando ele ordena que Cristo se lance no abismo, para que os anjos o sustentem na queda (confiar na providência divina), Jesus se nega, dizendo que está escrito: “Não tentarás ao Senhor teu Deus”! (Mt 4.7). Enquanto muitos tentam a Deus, por ignorância ou cinismo, Cristo usou de autoridade para com o diabo, colocando-o em seu devido lugar, e pulverizando a tentação, a armadilha na qual queria que o Senhor caísse.

[11] Por magistrados podemos entender os três poderes: legislativo, judiciário e executivo, ou seja, a defesa da população, da ordem e do bem-estar são características do Estado, como o conhecemos hoje: promover a ordem e impedir o caos.

[12] Pedro, em Atos 5.29, diante do sumo sacerdote, e do Conselho do Templo, disse: “Mais importa obedecer a Deus do que aos homens”. Ainda que devamos respeitar as autoridades constituídas, a obediência deve ser a Deus e sua lei. Se há conflitos entre uma e outra, prevalecerá a vontade e a lei divina, debaixo das quais estão todas as demais coisas.

[13] Ultimamente, muitos crimes que antes eram punidos com prisão estão sendo pagos por trabalhos comunitários ou a distribuição de cestas básicas. Assim, banaliza-se o crime, e o infrator não recebe a condenação proporcional e justa, sentindo-se livre para não conter o pecado e a prática criminosa.

 

Fonte: napec.org

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