Por: Carl
Henry
A onda contracultural da
droga representa um esforço ainda mais conspícuo para impulsionar a
individualidade humana à transcendência. Rejeitando o cientificismo tecnológico
como chave do sentido da vida, ela busca significação pessoal mediante a
experiência íntima que explode a consciência. Contornando os baluartes do
empirismo científico, promove o que considera o sacramento recreador “fora do
corpo” do acontecimento intensamente pessoal, semirreligioso, da espécie
antimaterialista.
Alguns viciados
descrevem a experiência nos termos do renascimento interno. O número estimado
de americanos que usam drogas ilegalmente, de forma casual e como vício, é de
aproximadamente 60 milhões; alguns observadores acreditam que uns 40 milhões
continuam envolvidos, estando mais de um milhão viciados em cocaína ou crack.
Pensa-se que os cristãos evangélicos nos EUA que alegam ter “nascido de novo”
espiritualmente ora atinjam o número superior a 60 milhões.
Muito antes do recente
movimento contracultural, os evangélicos enfatizavam que a experiência
consciente de todo dia da espécie humana é, em certos aspectos, anormal; que a
individualidade presente da humanidade está enviesada e requer um novo tipo de
vida; e que nenhuma alternativa gratificante existe à parte do elo vital com o
reino transcendente por meio da experiência interna dinâmica da regeneração
espiritual. A ênfase no novo nascimento espiritual e na vida eterna é um
elemento essencial no ensino de Jesus e nos escritos do Novo Testamento.
Contudo, as modernas denominações centradas na experiência, mais notavelmente o
movimento pentecostal, tendem a isolar essa ênfase da herança orientada de
forma confessional e são teologicamente menos precisas que as igrejas do tronco
histórico principal. Mesmo que o pentecostalismo esteja, com certeza, afastado
de qualquer busca de uma “vida melhor” por meio da química, certos aspectos do
pentecostalismo são muito similares aos fenômenos psicodélicos, visto que a
ênfase recai sobre a experiência pessoal intensa, independente da comunidade
orientada em sentido confessional, ocorrendo em um contexto teologicamente
impreciso.
As características
experimentais do pentecostalismo, além disso, são usufruídas para destroçar a
linguística universal e os limites conceituais. No entanto, uma diferença
admirável distancia a experiência pentecostal dos eventos “semirreligiosos” da
cultura da droga; do corrente movimento desconstrucionista na filosofia, que
rejeita de modo deliberado o teísmo metafísico e toda existência estruturada no
logos; e dos pretensos marxistas cristãos que abandonam o sobrenatural. Ainda
que ao pentecostalismo falte uma teologia sistemática e suas crenças não
estejam estruturadas de modo confessional, ele insiste, porém, na existência
objetiva do Deus trino, no senhorio de Jesus Cristo, o Deus-homem, na realidade
pessoal do Espírito Santo e na autoridade da Bíblia. Em suma, a oferta
pentecostal do modo alternativo de vida promove um contra-argumento à cultura
secular da droga. O desconstrucionismo, entrementes, na rejeição do logos e da
racionalidade, bem como do Deus de existência objetiva, ontologicamente
estende, por assim dizer, implicações extrarracionais específicas ao fenômeno
psicodélico.
Em contraste com a
precisão confessional do sobrenaturalismo cristão histórico, a exploração
psicodélica envolve o relacionamento cognitivamente amorfo com o transcendente;
ela produz o misticismo induzido pelas drogas em que a autotranscendência com
certeza não está em contato com a realidade além da própria individualidade de
alguém. O mundo supostamente mais elevado, em que o eu está imerso, não tem
caráter e é indefinível; é transracional ou super-racional, fora do domínio da
formulação propositiva. O que constitui a autorrealização de quem passa pela
experiência é tão obscuro quanto o que constitui a autotranscendência.
Por conseguinte,
defrontamo-nos com abordagens diametralmente opostas à transcendência: seja a
experiência psicodélica expandidora da consciência ou a revelação divina
propositiva. Muitos, como alguns praticantes, retratam o prazer das drogas
alucinógenas como uma espécie de experiência religiosa, pervertendo, na
verdade, a psiquê humana e fazendo pouco caso da imagem de Deus à qual os seres
humanos são criados. A experiência é separada não só dos critérios racionais,
mas também das preocupações morais pelo relaxamento dos imperativos éticos
universais há muito reverenciados.
Ela não manifesta ao
Transcendente nenhuma resposta inteligivelmente fundada e é destituída de
sentido, virtude e dever compartilháveis com o público. O êxtase induzido por
meio da química é a volta à mágica; as vibrações substituem os silogismos e a
farmacologia substitui a teologia como contexto. Dizer que a experiência
psicodélica é análoga ao sacramento espiritual apenas aumenta a ambiguidade
contemporânea concernente à definição da religião e da experiência religiosa. O
atual enaltecimento da experiência interna como dimensão definitiva não se dá
sem estar relacionada à ignorância cultural e teológica dos dias atuais.
No ponto em que vai de
encontro à cultura da droga, o cristianismo subteológico, todavia, na maior
parte oferece uma contraexperiência elementar demais para registrar
consequências profundas na sociedade. Há o risco adicional de que a geração de
viciados em drogas repute a conversão ao cristianismo apenas como uma troca de
um conjunto de sentimentos por outro. Uma quantidade demasiadamente grande de
americanos crê, como observa Russell Hittinger, “que a experiência
religiosa a contento pode ser tida sem se preocupar com verdades
proposicionais”.[25]
Esse contraste ampliador
entre a experiência espiritual privada e a verdade compartilhável em público,
ampliador até o ponto de ambiguidade quando diz respeito a um objeto religioso
transcendente, junto com a ênfase na criatividade pessoal em relação à
metafísica, tem implicações de longo alcance.
O conhecimento
revelacional mediado é desvalorizado; além disso, o termo revelação é
aproveitado no caso de alguém, pela mera ingestão de algum composto químico em
particular, buscar por relacionamentos internos imediatos com o mundo supremo e
por alguma coisa sentida de forma direta e divina (em sentido místico).
Semelhante procedimento não é diferente do empenho de mergulhar a si mesmo em
um mundo novo e diferente mudando para os canais de televisão eróticos em busca
de orgasmo psíquico.
Na ausência de controles
epistêmicos e éticos fixados, a geração delirante e dependente de drogas está
fadada à existência sem direção. Desprendida da racionalidade e da moralidade,
sua chamada experiência religiosa logo desmorona para o sub-racional e
subético. Submergir Deus em dados inexprimíveis é o primeiro passo para levar a
deidade à morte. Tão logo Deus é empurrado para a beira da linguagem, o
cristianismo será criticado, e não surpreendentemente, por tentar
defini-lo.[26]
O que está em jogo aqui
não é só o valor e o sentido individuais, bem como o propósito do universo, mas
também alguma compreensão da existência de Deus, o Criador e Preservador
transcendental da vida, da própria natureza e do destino da humanidade. Por
repudiarem de forma deliberada os últimos traços de transcendência compostos
mesmo que em termos subcristãos, os filósofos desconstrucionistas nos fazem
mergulhar em direção ao fundo do poço teológico. Ao passo que a experiência
psicodélica sonda a perspectiva da realidade sobrerracional transcendente, a
perspectiva que desvaloriza o cognitivo universal e as categorias éticas, e ao
passo que o diálogo cristão-marxista radical pressupõe uma ontologia de um
nível só e, dentro dela, explora possibilidades de transcendência histórica
além do determinismo cósmico, o ateísmo pós-teísta, ou desconstrucionismo,
tenta subverter toda a história do pensamento ocidental tornando-o desatado de
Deus e da lógica, de critérios verificadores e de significação verbal
partilhada.
O desconstrucionismo
rejeita qualquer resto de transcendência que se derive genética e logicamente
da herança judaico-cristã. Ao expressar o desejo de uma era pós-metafísica, ele
luta pelo fim do teísmo e da metafísica. Os desconstrucionistas querem eliminar
do pensamento ocidental qualquer ênfase em uma deidade existente de modo
objetivo.
Um comentarista descreve
o movimento como a “dança da morte sobre a tumba de Deus”. O ateísmo pós-teísta
sem dúvida tem uma queixa legítima contra a longa sucessão de concepções de
deidade conflitantes e rivais que abarrotaram o pensamento ocidental do tempo
de Platão até o dos filósofos do processo de hoje. Propostos como alternativas
ao Deus autorrevelador da Bíblia, tal panorama de deuses conjecturais há muito
apresenta uma desanimadora crise de identidade.
Logo, não surpreende que
a filosofia do século XX feche o segundo milênio cristão culminando na admissão
de que a alternativa durável não é o Deus de Platão, de Aristóteles, dos
estoicos, de Descartes, de Leibniz, de Kant, de Hegel, de Whitehead ou de uma
centena de outros. Embora os desconstrucionistas filosóficos juntem-se na
tentativa de tirar tais divindades doentes da miséria, ao mesmo tempo são em
especial hostis para com o ponto de vista da revelação judaico-cristã,
considerando-o irretratável ou irrecuperável.
Sua intensa animosidade
para com o teísmo bíblico, entretanto, inconscientemente reconhece o
incomparável domínio da ortodoxia cristã sobre as massas. A redução
desconstrucionista do cristianismo é ousada no interesse da reconstrução
filosófica com ênfase na contribuição criativa[27] do conhecedor humano para o
conteúdo de conhecimento, e propõe o regresso aos antigos filósofos cósmicos
gregos para um novo começo na história das ideias.
Os marxistas aplaudem
essa desconstrução da filosofia ocidental com o objetivo de promover sua teoria
socialista que liga o naturalismo contemporâneo ao materialismo pré-cristão,
pré-socrático e rebaixador do teísmo a mito. Por essa colossal inversão os
modernos eruditos têm que culpar a si mesmos. A progressiva diluição dos pontos
essenciais do teísmo bíblico, mediante concessões a uma e depois outra
neotérica teoria especulativa, prejudicou com seriedade as crenças nucleares
judaico-cristãs.
Os acadêmicos da
universidade avidamente truncaram o Deus vivo da Bíblia, separando-o da
natureza e da história e dando só tributo temporário e de má vontade a esse ou
aquele bocado sobrevivente da herança cristã ocidental. Repetida deferência às
novidades, às quais os conceitos escriturísticos eram rotineiramente ajustados,
fizeram a iniciativa cognitiva perder seu direito para as contemporâneas
alternativas conjecturais à visão bíblica.
Durante a primeira
metade do século XX, o anti-intelectualismo inundou a teologia que se
professava cristã, de maneira mais notável nas concepções religiosas de Rudolf
Bultmann e de Karl Barth no início. Mesmo que Barth por fim rejeitasse a
redução existencial das crenças cristãs por Bultmann, os desconstrucionistas
acolheram de Barth a elevação da realidade de Deus acima da lei lógica da
contradição; eles a veem como uma contribuição inconsciente à afirmação deles
de que o Deus objetivamente existente é apenas um subproduto da imaginação
humana.
Em particular nas
universidades seculares do Ocidente pouca atenção foi prestada às concepções
religiosas mediadoras. Os meio-deuses de uma geração logo passam a ser o objeto
do ridículo da geração seguinte. O Logos miniaturizado cedeu ao humanismo
secular como a metafísica mascarada da modernidade. Agora a maré está mudando
para o paganismo puro.
O termo deus está
despido de significação metafísica; não se reconhece nenhum critério objetivo
para distinguir o certo do errado ou a verdade do erro. No fundo do poço os
últimos lampejos de luz estão diminuindo. Todavia, até os conhecedores
intelectualmente inventivos da modernidade, obsedados com o mito da ilimitada
criatividade, hesitam em ver a si próprios como meros eventos quânticos e como
dentes de engrenagem em uma rede de processos impessoais.
A consciência continua a aclamar seus objetos
diante da realidade transcendental e nutre a inquieta suspeita de que no final
de seu limite filosófico o Cão do Céu[28] a quem negaram pode, em vez disso,
ter nos encurralado no próprio fundo do poço. Uma Presença invisível de modo
esporádico rompe o silêncio; uma voz desconcertantemente reconhecível faz a
mesma pergunta embaraçosa — que primeiro ressoou no Éden depois da queda:
“Adão, onde tu estás?”. Alguém parece, afinal, conhecer onde estamos. Pelas
profundezas acres da cadente cultura ecoa um lamento outrora ouvido por
Jeremias: “Porque o meu povo cometeu dois delitos: eles me abandonaram, a fonte
de águas vivas, e cavaram para si cisternas, cisternas furadas, que não retêm
água” (Jr 2.13).
Carl
Henry - O Resgate da Fé Cristã.
Fonte: http://defesaapologetica.blogspot.com
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