Por Renato
César
Já perdi as contas de quantas vezes me deparei com
a mesma cena: o teclado (ou outro instrumento qualquer) ao fundo tocando uma
melodia em ritmo lento, às vezes quase fúnebre; um vocalista emocionado fazendo
uma oração comovente; pastor, presbíteros e diáconos com mãos erguidas na
direção dos membros (ingrediente opcional). Pronto, está feita a receita para
um culto avivado.
Infelizmente, tem sido assim na maior parte das
minhas experiências em igrejas evangélicas. Nem as denominações históricas
escapam a essa fórmula. A oração acompanhada por uma música de fundo melosa
difundiu-se rapidamente com a popularização midiática das bandas e cantores
gospel com suas ministrações durante shows, e praticamente se tornou uma marca
dos cultos evangélicos.
Longe de significar um mover do Espírito, tornou-se
um clichê previsível e enfadonho que alguns repetem insistentemente a fim de
espiritualizar o que já é espiritual e forçar um avivamento através de um
pragmatismo velado, mas notório ao repetir sempre os mesmos ingredientes:
música melosa e oração de confissão emotiva.
Essa fórmula funciona muito bem para causar emoção
nos ouvintes, e assim deixá-los mais vulneráveis à mensagem que se deseja
passar no sermão, bem como aos pedidos de ofertas e de contribuição para as
atividades eclesiásticas. Seria como preparar o terreno para lançar a semente.
Alguns até podem fazê-lo inconscientemente e com a melhor das intenções, mas
tal prática é não somente antiética como antibíblica.
A falta de ética passa a existir no momento em que
se procura persuadir alguém não apenas mediante argumentos racionais, mas
apelando para a emoção, que não raramente nos leva a tomar decisões equivocadas
e até mesmo irracionais. Igualmente, essa prática cultual é herética pois não
vemos qualquer base bíblica que a fundamente.
Além disso, esse hábito que tantos ministérios de
louvor desenvolveram conduz a um caminho de enganação, pois traz consigo a
impressão de que a igreja passa realmente por um momento espiritual de
contrição, arrependimento e comprometimento com a Palavra, marcas registradas
de um autêntico avivamento. Basta aquele instante de nervos a flor da pele
terminar para que se constate, por exemplo, a irreverência de muitos no momento
da pregação. E a coisa piora quando se busca identificar quanto dos dízimos e
ofertas vão para missões ou trabalhos sociais, ou quando se conhece o cotidiano
fora da igreja de irmãos supostamente avivados que se derramam em lágrimas na
hora dos louvores.
Parece mesmo que Calvino já previa essa tendência
da igreja ao limitar ao máximo o uso de instrumentos musicais no acompanhamento
dos cânticos durante os cultos. Lamentavelmente, até mesmo em algumas igrejas
históricas a coisa tem corrido frouxa, e transparecer tranquilidade ou
seriedade quando as extravagâncias começam pode vir a ser interpretado como
frieza espiritual e incredulidade na ação do Espírito.
Felizmente, nós, os que somos frios e
descontextualizados do movimento gospel, temos ainda, e já nos basta, a Bíblia
a nosso favor, que nos fala de um culto racional (Rm 12.1) e que o importante é
adorar o Pai em “espírito e em verdade” (Jo 4.23), sem a necessidade de
emocionalismo gratuito.
Se precisamos de ajuda para nos entristecermos ao
confessarmos nossos pecados e invocarmos a Deus, necessitamos rogar a ele que
primeiro transforme nossos corações endurecidos em vez de contar com o auxílio
de recursos sonoros. A emoção, ao contrário do que temos visto, deve ser
decorrente de uma profunda reflexão sobre nossa pequenez diante do Altíssimo e
fruto de um firme comprometimento com a verdade do evangelho.
***
Sobre o autor: Renato César é cristão reformado, formado em
administração de empresas e teologia, membro da IPB - Fortaleza/CE.
Contatos: renatocesarmg@hotmail.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário