Por
Rev. Augustus Nicodemus Lopes
Tem sido argumentado que o Brasil é um país
místico, cuja grande parte da população tem se envolvido, uma vez ou outra, com
o oculto. A quantidade de pessoas envolvidas com espíritos malignos é muito
grande, quer através de procura consciente de contato com entidades
espirituais, quer através de “inocentes” consultas aos búzios e leitura das
linhas das mãos. As implicações de toda esta abertura para o reino das trevas,
argumenta-se, é que dificilmente encontraremos nas igrejas pessoas que foram
convertidas como adultas, e que não tiveram, ao menos, uma passagem superficial
pelo mundo dos espíritos. Tais pessoas estão sujeitas a serem molestadas,
oprimidas e mesmo invadidas por estes espíritos, aos quais deram o direito de
entrar em suas vidas no passado, se não anularem estes “pactos” que foram
feitos com eles, mesmo que inconscientemente.
A pergunta é se o tratamento recomendado nas
Escrituras para estas pessoas é a prática de “quebra de maldições”, a anulação
de pactos com demônios.
O mundo em que os apóstolos pregaram o Evangelho
era infestado pelo ocultismo, e pela idolatria, possivelmente de forma tão
intensa quanto o Brasil de hoje. Muitos dos convertidos pelos apóstolos vieram
de um passado de ocultismo, artes mágicas e feitiçaria. Entretanto, em nenhum
momento os apóstolos consideraram necessário acrescentar ao arrependimento e à
fé coisas como quebra de maldições ou anulação de pactos com espíritos.
Um dos locais mais infestados era Éfeso. A cidade
era conhecida como um centro de artes mágicas, e pelo culto da deusa Artemis
(Diana). Esta deusa da mitologia grega era conhecida como a deusa do submundo,
que controlava espíritos da natureza e dos animais selvagens. Sua imagem era
coberta com os símbolos do Zodíaco, para lembrar aos adoradores de Éfeso que ela
era uma divindade cósmica, com controle sobre os espíritos determinantes do
destino.
Quando Paulo ali pregou o Evangelho, muitos efésios
converteram-se a Cristo, boa parte dos quais havia se envolvido com artes
mágicas, e certamente com o culto a Diana (Atos 19.18-20, 26-27). Como
testemunho público de que já haviam sido libertos e resgatados pelo poder do
Espírito Santo, vieram a público queimar seus livros de magia negra. Não foi
pelo atear fogo naqueles livros que ganharam sua plena libertação. Eles já
haviam sido libertados, quando creram (At 19.18).
Mais tarde, quando lhes escreveu a carta que
conhecemos como Efésios, o apóstolo Paulo não sentiu nenhuma necessidade de
instrui-los a quebrar maldições que fossem resultado de pactos ainda pendentes
com o antigo culto aos demônios com que se envolveram no passado
Antes, em sua primeira viagem missionária, Paulo
havia levado à Cristo o procônsul Sérgio Paulo, na ilha de Patmos (Atos
13.4-12). Sérgio Paulo havia se envolvido com artes mágicas, pois tinha ao seu
lado um judeu mágico, um bruxo, chamado Barjesus. Possivelmente era seu
conselheiro espiritual, conforme prática antiga — e bem moderna! — de oficiais
e governadores de consultar videntes para tomar resoluções. Após a conversão de
Sérgio Paulo, o apóstolo nada lhe recomendou em termos de quebrar os pactos
antigos feitos com os espíritos malignos através dos serviços do bruxo.
Um outro exemplo de como os apóstolos tratavam
convertidos que vinham do ocultismo é o relato da conversão dos samaritanos em
Atos 8. Lemos ali que os samaritanos em pêso seguiam a Simão Mago, um bruxo que
praticava artes mágicas, e que era o líder espiritual da cidade, ou da região
(Atos 8.9-11). Certamente a maioria dos moradores da cidade já havia, uma vez
ou outra, se envolvido com Simão, através de consultas, “trabalhos”, invocação
de mortos, e outras práticas ocultas populares daquela época. Quando Felipe ali
chegou pregando o Evangelho no poder do Espírito, muitos deles deram-lhe
crédito, e foram convertidos a Cristo. Felipe os batizou (Atos 8.12). O próprio
bruxo foi batizado (8.13).
Mais tarde, os apóstolos vieram de Jerusalém
examinar estes convertidos. Nada acrescentaram ao que Felipe já havia feito, a
não ser orar para que os convertidos recebessem o Espírito Santo — procedimento
necessário para que ficasse claro que, à semelhança dos Judeus no dia de
Pentecostes, outros povos podiam também ser aceitos na Igreja de Cristo (At
8.16-17). Nenhuma palavra sobre o passado deles na feitiçaria! Nenhuma
instrução a Felipe para que anulasse os pactos demoníacos daquela gente! Os
apóstolos consideraram que a obra de Cristo nos samaritanos, convertendo-os,
era suficiente para romper os laços antigos de pecado, ignorância, superstição
e incredulidade.
E mesmo quando o bruxo deu sinais de que ainda
estava “amarrado” ao seu passado, a orientação de Pedro foi: “arrepende-te e
ora ao Senhor” (Atos 8.22). Pedro viu que Simão estava ainda “em fel de
iniquidade e laço de amargura” (Atos 8. 23), mas não julgou que a solução
seria “anular” os compromissos do bruxo com o mundo dos espíritos. A solução
era um verdadeiro arrependimento e oração ao Senhor.
As tendências destas ênfases da “batalha
espiritual”, portanto, acaba sendo a de diminuir o poder e a eficácia da
suficiência de Cristo na vida do crente, ao introduzir a necessidade de coisas
como a quebra de maldições hereditárias como condição para que o crente
verdadeiro usufrua plenamente das bênçãos que Deus lhe tem reservado em Cristo.
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