O Espírito Santo testifica: “Se alguém está em
Cristo, é nova criatura” (2 Co 5.17).
Esse testemunho é verdade, pois:
Em primeiro lugar, aquele que está em Cristo
ama e adora um novo Deus. O homem natural é um deus para si mesmo; além disso,
possui muitos outros deuses. Quer seja a justiça própria, o agradar a si mesmo,
o mundo, as riquezas, a família, em qualquer forma que tudo isso apareça,
“outros senhores têm exercido domínio sobre ele”, exceto o Deus vivo e
verdadeiro. A mente humana possui tal natureza que deve amar e adorar algum
objeto. Em seu estado de inocência, a criatura tinha o Senhor como seu único
objeto de amor e adoração. Caídos desse estado de afeição simples e suprema,
mediante a promessa do tentador (a promessa de que, se comessem do fruto da
árvore proibida, seriam como Deus - Gn 3.5), lançaram fora, num momento, sua
dedicação ao Senhor, rejeitaram-No como objeto de seu amor supremo, como o
centro de suas afeições mais santas e tornaram-se deuses para si mesmos. O
templo foi arruinado, o altar, derrubado, a chama pura, apagada. Deus
afastou-se, e “outros senhores” entraram e tomaram posse da alma do ser humano.
Mas, que admirável mudança a graça produz! Ela
repara o templo, reconstrói o altar, reacende a chama e traz a Deus de volta ao
homem! Deus em Cristo é agora o principal objeto do amor, da adoração e do
culto do homem. O ídolo do eu foi subjugado, a justiça própria, renunciada, a
auto-exaltação, crucificada. O “valente, bem armado” entrou, expulsou o
usurpador e, “fazendo novas todas as coisas”, recuperou a supremacia que, por
direito, era dEle mesmo. As afeições, livres de sua falsa deidade e renovadas
pelo Espírito, agora voltam-se para Deus e descansam nEle. Deus em Cristo! Quão
glorioso Ele se mostra agora! De fato, a alma é levada a conhecer e amar um
novo Deus. Ela nunca tinha visto em Deus tanta beleza, excelência e
bem-aventurança como vê agora. Qualquer outra glória fenece e morre perante a
insuperável glória do caráter, dos atributos, da autoridade e da lei de Deus.
Agora, a alma se vê reconciliada com Deus, em Cristo; a inimizade cessa, o ódio
desaparece, a hostilidade abandona suas armas, bem como os pensamentos injustos
sobre a lei dEle; findam-se os sentimentos rebeldes contra a autoridade de
Deus, e o amor surge na alma. E, no precioso Cristo, o único Mediador, Deus e o
pecador se encontram, recebem um ao outro e passam a viver em harmonia.
Verdadeiramente, eles se tornam um. Deus diz à alma: “Tu és minha”. Esta
responde: “Tu és o meu Deus — outros deuses tiveram domínio sobre mim, mas,
daqui por diante, servirei somente a Ti, amarei somente a Ti . ‘A minha alma
apega-se a ti; a tua destra me ampara’ (Sl 63.8). ‘Uma coisa peço ao Senhor, e
a buscarei: que eu possa morar na Casa do Senhor todos os dias da minha vida,
para contemplar a beleza do Senhor e meditar no seu templo’ (Sl 27.4)”.
Agora, Deus é o Pai daquele que está em Cristo.
“Levantar-me-ei, e irei ter com o meu pai” (Lc 15.18) - esse é o primeiro
impulso de uma alma renovada. “Pai, pequei contra... ti” é a primeira confissão
que surge do coração quebrantado. O Pai apressa-se a encontrar e abraçar seu
filho; e, apertando-o ao peito, exclama: “Este meu filho estava morto e
reviveu” (Lc 15.24). Reconciliado, agora o filho olha para Deus como seu Pai.
“Porque vós sois filhos, enviou Deus ao nosso coração o Espírito de seu Filho,
que clama: Aba, Pai!” (Gl 4.6). “Pai me chamarás e de mim não te desviarás” (Jr
3.19). Deus fala? É a voz de um Pai que o nascido de novo escuta. Deus
disciplina e repreende? É de seu Pai que ele sente que vêm essas correções. As
esperanças dele são frustradas, seus planos, impedidos, suas cisternas,
destruídas, e seus frutos murcham? “Meu Pai fez tudo isso!”, ele exclama.
Abençoado Espírito de adoção! Tu és doce penhor e testemunho da nova
criatura!
Agora, Deus é o objeto de segurança e confiança
daquele que está em Cristo. A confiança em um Deus e Pai reconciliado não
caracterizava nem constituía o estado anterior da pessoa nascida de novo.
Naquele tempo, ele confiava em si mesmo, em sua suposta sabedoria, força e
bondade. Confiava no braço de carne, em causas inferiores. Agora, aquele que
está em Cristo confia em Deus - a todo instante, em todas as circunstâncias. Confia
em Deus nas horas mais difíceis, nas obrigações mais deprimentes; confia nEle
quando a providência divina parece sombria e ameaçadora e quando Deus parece
esconder-se. Confia em Deus, ainda que Ele o mate (Jó 13.15 - RC)... Oh! quão
segura a pessoa nascida de novo se sente, agora, nas mãos de Deus e sob sua
autoridade! Sua alma, seu corpo, sua família, seus negócios e seus cuidados
foram completamente renunciados, e Deus é tudo. Leitor, isto é o que significa
ser nascido de novo.
Em segundo lugar, a alma regenerada possui e
confessa um novo Salvador. Quão glorioso, agradável e precioso é Jesus para ela
agora! Não era assim antes, quando tinha seus salvadores, seus refúgios de
mentiras (Is 28.17), suas muitas convicções trágicas. Antes, para esta pessoa Jesus
era “como raiz de uma terra seca; não tinha aparência nem formosura” (Is 53.2).
Talvez ela tenha negado a divindade de Jesus, rejeitado a sua redenção,
desdenhado sua graça e desprezado seu perdão e seu amor. Cristo é tudo para ela
agora. A pessoa nascida de novo adora Jesus como o “Deus Forte, Pai da
Eternidade, Príncipe da Paz” (Is 9.6); como Aquele que “é sobre todos, Deus
bendito para todo o sempre” (Rm 9.5); como Deus “manifestado na carne” (1 Tm
3.16); como Aquele que se humilhou, assumindo a natureza humana, tornando-se
osso de nossos ossos, e carne de nossa carne; como Aquele que se ofereceu por
“propiciação pelos nossos pecados” (1 Jo 2.2); como Aquele que morreu, “o justo
pelos injustos” (1 Pe 3.18). Sua justiça é gloriosa por ser justificadora de
todo os pecados (At 13.39); seu sangue é precioso como meio de purificar todo
pecado (1 Jo 1.7). Sua plenitude de graça é estimada como capaz de suprir todas
as necessidades. Oh! quão infinitamente glorioso, quão incomparavelmente
amável, quão indescritivelmente precioso é Jesus para a alma nascida de novo!
Verdadeiramente, um novo Salvador! O nascido de
novo renunciou “outros senhores”; virou as costas para “o refúgio da mentira”;
não segue mais os “falsos cristos”. Encontrou um Salvador melhor - Jesus, o
Deus forte, o Redentor dos pecadores, “o fim da lei... para justiça de todo
aquele que crê” (Rm 10.4). Tudo é novo para a visão restaurada da pessoa
regenerada; um mundo novo de glória paira em sua mente. Jesus, o Cordeiro, é a
luz e a glória desse mundo. A pessoa nascida de novo jamais imaginou que
houvesse tanta beleza na pessoa de Jesus, tanto amor em seu coração, tanta
perfeição em sua obra, tanto poder e tanta disposição para salvar. Aquele
sangue que antes era desprezado agora é precioso. Aquela justiça que era
desdenhada agora é gloriosa. Aquele nome que era insultado agora é como música
para a alma, um “nome que está acima de todo nome” (Fp 2.9).
Jesus é seu único salvador. A pessoa nascida de
novo não se permite confiar em nada além de Cristo. Renunciou o pacto das
“obras mortas”. Livrando-a desse pacto, o Espírito a conduz à aliança da graça,
da qual Jesus é a essência, a estabilidade e a glória. Sobre a base ampla da
obra completa e redentora de Emanuel, o nascido de novo descansa sua alma. E,
quanto mais ele pressiona o alicerce, tanto mais se apóia na pedra angular e
tanto mais ele percebe que o alicerce é forte e capaz de sustentá-lo. É verdade
que o nascido de novo sente um princípio de justiça própria a segui-lo de perto
durante toda a sua jornada através do deserto. Quando ele ora, a justiça
própria encontra-se por perto; quando fala, ela está ali; quando trabalha, ela
está ali; quando pensa, ela o assedia. Ele a detecta quando a suspeita de sua
existência está quieta. Contudo, nos momentos prudentes de seu discernimento,
quando o nascido de novo está prostrado aos pés da cruz e olha para Deus,
mediante Jesus Cristo, ele descobre esse princípio, detesta-o, confessa-o e
lamenta-o. Com os olhos da fé voltados para o Salvador que sofreu, a linguagem
de seu coração é: “Outro refúgio não tenho... Sustenta em Ti a minha alma
desamparada?”
Em terceiro, compreensões novas e mais
profundas a respeito do Espírito Santo caracterizam a mente nascida de novo.
Após receber o Espírito Santo como aquele que vivifica, a pessoa convertida
sente a necessidade de tê-Lo como Mestre, Santificador, Consolador e Penhor.
Como Professor, o Espírito Santo revela ao nascido de novo mais sobre a maldade
oculta do coração e dá-lhe mais conhecimento de Deus, de sua Palavra e de seu
Filho. Como Santificador, o Espírito Santo dá continuidade à obra da graça na
alma, gravando mais profundamente no coração a imagem de Deus e transformando
cada pensamento, sentimento e palavra numa agradável, santa e filial obediência
à lei de Jesus. Como Consolador, nos momentos de forte provação, o Espírito
Santo leva o nascido de novo a Cristo, confortando-o ao mostrar a compaixão e a
ternura de Jesus, bem como a conveniência peculiar das promessas abundantes da
Palavra da verdade, para consolação dos aflitos do Senhor. Como Penhor, o
Espírito Santo grava no coração o senso de perdão, aceitação e adoção. Ele
mesmo entra no coração como “penhor da nossa herança, até ao resgate da sua
propriedade” (Ef 1.14).
Oh! que compreensão elevada o nascido de novo tem
agora sobre o eterno e bendito Espírito Santo - sobre a sua glória pessoal, a
sua obra, as suas funções, influências, amor, ternura e fidelidade! O ouvido
está aberto para o mais brando sussurro da voz do Espírito; o coração dilata-se
à mais gentil impressão de sua influência que sela e santifica. O nascido de
novo, por lembrar que é “santuário do Espírito Santo” (1 Co 6.19), deseja andar
como tal — em humildade, gentileza, vigilância e oração. Ele evita tudo que
entristeceria o Espírito, renunciando cada pecado que percebe ter em si, que
desonraria o Espírito e o faria retirar-se. O único objetivo de sua vida é
andar de maneira agradável a Deus, “para que, em todas as coisas, seja Deus
glorificado, por meio de Jesus Cristo” (1 Pe 4.11).
Não teríamos uma lista correta de algumas das
características da nova criatura, se excluíssemos a natureza e a tendência
crescente do princípio vital da graça implantado no coração do regenerado.
Nenhuma outra coisa prova de modo tão surpreendente e verdadeiro a realidade,
poderíamos dizer, a divindade, da obra interna do Espírito Santo, além da força
crescente e da disposição santa que sempre acompanha essa obra. Ela é a
propriedade que faz a vida em si mesma crescer e se multiplicar. A semente
lançada na terra germina, e logo surge o delicado rebento, que se desenvolve
num arbusto novo e, depois, torna-se uma árvore gigantesca, com galhos que
produzem sombra, ricamente carregados de frutos. Obedecendo a lei de sua
natureza, o nascido de novo aspira a perfeição que lhe pertence.
A vida em Cristo deve crescer. Nada pode impedi-la,
exceto um ferimento que prejudique seu princípio vital ou sua derrubada por
completo. A vida de Deus na vida de um homem inclui o princípio de crescimento.
Aquele que não está se desenvolvendo — crescendo em graça e força; sendo
frutífero em cada boa palavra e ação; crescendo no conhecimento de Deus, de seu
próprio coração, da preciosidade, plenitude e completa suficiência de Jesus; e
crescendo em Cristo, em todas as coisas (Ef 4.15), tem grande razão para
suspeitar da ausência da vida divina em sua alma... Mas o espírito que ora
consideramos é o de um homem verdadeiramente “nascido de novo”. “Não que eu o
tenha já recebido ou tenha já obtido a perfeição; mas prossigo para conquistar
aquilo para o que também fui conquistado por Cristo Jesus. Irmãos, quanto a
mim, não julgo havê-lo alcançado; mas uma coisa faço: esquecendo-me das coisas
que para trás ficam e avançando para as que diante de mim estão, prossigo para
o alvo” (Fp 3.12-14). Oh! santa decisão de um homem regenerado! Isto é o que
jorra da fonte da água viva no coração. Este é o retorno da alma para Deus.
Veja como a fonte sobe! Veja como a chama se eleva! É a imensa força de Deus, o
Espírito Santo, atraindo a alma para cima, em direção ao céu, para Deus!
Que o leitor cristão não encerre este capítulo com
o coração oprimido. Que nenhum querido filho de Deus escreva coisas severas e
tristes contra si mesmo, enquanto lê estas últimas palavras. Que ele não chegue
a conclusões precipitadas, incrédulas, duvidosas, que desonrem a Deus!
Como você vê a si mesmo - indigno, vil, vazio? Quem
é Jesus para você - alguém precioso, amável, é toda a sua salvação e tudo
que você deseja? O que é pecado para você - coisa mais odiosa do mundo?
E o que é santidade - coisa mais agradável, aquilo que você mais
anela? O que é o trono da graça para você - lugar mais atraente? E a
cruz - mais doce lugar de descanso do universo? Quem é Deus para você
- seu Deus e Pai, a fonte de todas as suas alegrias, o manancial de toda a sua
felicidade, o centro de suas afeições? É isso? Então, você nasceu de novo; é
filho de Deus e nunca morrerá eternamente. Alegre-se, alma preciosa! O dia de
sua redenção se aproxima. Aquela opinião degradante de si mesmo - quele
desânimo, aquele luto interior, a confissão secreta, o desejo por mais
espiritualidade, mais graça, mais zelo e mais amor provam a existência, a
realidade e o crescimento da obra de Deus em você. Deus, o Espírito Santo, está
ali... Então, leitor, levante a cabeça e deixe este pensamento alegrá-lo: nunca
perece a alma que sente sua vileza e a preciosidade de Jesus.
- por
Octavius Winslow (1808-1878)
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