Por John
Owen (1616 - 1683)
Esforce-se por encher sua mente e sua consciência
com uma percepção clara e constante da culpa, do perigo e do mal do desejo
pecaminoso que está perturbando você.
1. A culpa do seu desejo pecaminoso
O cristão precisa se recusar a ser enganado pelos
argumentos enganosos da sua natureza pecaminosa. Ela sempre procurará
apresentar desculpas para diminuir a gravidade da sua culpa. Está sempre pronta
a raciocinar da seguinte maneira: "Talvez isto seja mal, mas há coisas
que são piores! Outros santos não apenas têm pensado nessas coisas como as têm
praticado..."
Mediante centenas de maneiras diferentes o pecado
procurará impedir que a mente elabore uma compreensão correta da sua culpa.
Como os profetas nos disseram: "A sensualidade, o vinho e o mosto tiram
o entendimento" (Os. 4:11).
Da mesma maneira como estes desejos pecaminosos têm
pleno êxito em produzir isso nos não-cristãos, assim também, até certo ponto,
terão sucesso ao agirem nos cristãos.
Em Provérbios, encontramos um quadro triste de um
jovem que foi seduzido por uma prostituta. Este jovem carecia de
"juízo" (Prov. 7:7). Qual era exatamente o "juízo" de que
carecia? A resposta é que não sabia que entregar-se a sua lascívia iria lhe
"custar a vida" (Prov. 7:23) - não levou em conta a culpa do mal no
qual estava envolvido.
Se quisermos mortificar o pecado, precisamos
perceber plenamente que ele procurará prejudicar nossa percepção da culpa
envolvida nele. Precisaremos, então, fixar uma compreensão correta dessa culpa
em nossas mentes. Há duas coisas que devemos ter em mente que nos ajudarão
nesse sentido:
a) O pecado de um cristão é muito mais grave que o
de um incrédulo.
A graça de Deus que está agindo no cristão
enfraquecerá o poder do pecado que não é mais seu mestre como, infelizmente,
continua sendo dos incrédulos (veja Rom. 6:14,16). Ao mesmo tempo, contudo, a
culpa do pecado num cristão é pior pelo fato de que o cristão peca contra a
graça!
"Que diremos, pois? Permaneceremos no pecado,
para que seja a graça mais abundante? De modo nenhum. Como viveremos ainda no
pecado, nós os que para ele morremos?" (Rom.
6:1,2).
Neste texto a ênfase está na palavra
"nós" (subentendida). Como é que nós faremos isso? Sem dúvida somos
piores do que qualquer outro se praticarmos o pecado. Pecamos contra o amor de
Deus. Pecamos contra a misericórdia de Deus. Pecamos a despeito da promessa de
ajuda para derrotarmos o pecado. Muito mais poderia ser dito, todavia deixem
que essa consideração final fique gravada nas suas mentes.
No coração de cada cristão há muito mais mal e
culpa no pecado que permanece lá, do que haveria em uma igual medida de pecado
num coração que não tem a graça de Deus.
b) Pense em como é que Deus vê o seu pecado
Quando Deus contempla as aspirações por santidade
que a graça tem produzido no coração de qualquer um dos Seus servos, Ele vê
mais beleza e excelência nelas do que vê nas mais gloriosas obras dos homens
destituídos da graça. Sim, Deus até mesmo vê mais beleza e excelência nestas
aspirações internas, do que vê na maioria dos seus atos externos. Isso é porque
há quase sempre uma maior mistura de pecado nas nossas ações exteriores do que
nas aspirações e desejos por santidade de um coração com a graça de Deus.
Por outro lado, Deus vê grande mal no desejo
pecaminoso de um cristão. Ele vê maior mal nesse desejo pecaminoso, do que vê
nos atos visíveis e notórios dos ímpios. Ele vê ainda maior mal nele do que vê
em muitos pecados externos nos quais os santos possam cair. Por quê? É porque
Deus vê que há mais disposição interna contra o pecado propriamente dito, e
geralmente há mais humilhação pelo pecado. É por isso que Cristo trata da
decadência espiritual nos Seus filhos, indo à raiz e expondo seu verdadeiro
estado. "Eu conheço..." (Apoc. 3:15).
Leitor, você precisa deixar que estas e outras
considerações semelhantes o levem a uma clara consciência da culpa pelo desejo
pecaminoso que habita em você. Não subestime nem procure desvencilhar-se da sua
culpa nisto, ou seu desejo pecaminoso se fortalecerá e prevalecerá sem que você
o perceba.
2. O perigo do seu desejo pecaminoso
Há muitos perigos a serem considerados, mas nós nos
limitaremos a quatro deles:
a) O perigo de sermos endurecidos
Considere as advertências de Hebreus 3:12,13.
Nestas palavras o escritor solenemente admoesta seus leitores a que façam tudo
que estiver ao seu alcance para evitar que sejam "endurecidos pelo
engano do pecado". O endurecimento mencionado aqui é a apostasia
total, um endurecimento que "afasta do Deus vivo". Qualquer desejo
pecaminoso que se deixe sem mortificar opera tal endurecimento e consegue fazer
pelo menos algum progresso nessa direção. A pessoa que está lendo estas
palavras pode ter sido certa vez muito terna para com Deus e freqüentemente
percebido o mover-se do seu coração pela Sua Palavra. Agora, no entanto, eis
que as coisas mudaram e ela pode negligenciar os deveres de orar, de ler e de
ouvir a Palavra de Deus, com pouca preocupação. Não é suficiente que seu
coração trema ao pensar em se endurecer, a tal ponto que você pense
levianamente do pecado, da maravilha da graça de Deus, da misericórdia de Deus,
do precioso sangue de Cristo, da lei de Deus, do céu e do inferno. Leitor, tome
cuidado. Isso é o que um desejo pecaminoso que não foi mortificado fará, se for
deixado sem ser examinado.
b) O perigo de alguma grande punição temporal
Embora Deus nunca vá abandonar completamente os
Seus filhos por deixarem de mortificar seus desejos pecaminosos, talvez Ele os
castigue, causando-lhes dor e tristeza (veja Sal. 89:30-33). Pense em Davi e em
todas as tribulações que teve porque deixou de mortificar os desejos
pecaminosos por Bate-Seba. Não significaria nada para você que seu fracasso em
mortificar os desejos pecaminosos na sua vida possa trazer sobre você castigos
dolorosos que podem continuar com você até o túmulo? Se não tem receio de tal
coisa, então há uma boa razão para temer que seu coração já esteja endurecido.
c) O perigo de perder a paz e a força pelo resto da
vida
A paz com Deus e a força para andar diante de Deus
são essenciais para a vida espiritual da alma. Sem gozar destas coisas em certa
medida, viver é morrer. Quando uma pessoa persiste em deixar de mortificar os
seus desejos pecaminosos, mais cedo ou mais tarde será privada de ambas essas
bênçãos. Que paz ou que força pode desfrutar uma alma quando Deus diz: "Por
causa da indignidade da sua cobiça eu me indignei e feri o povo; escondi a
face, e indignei-me..." (como Ele fez em Is. 57:17)? Ainda noutra
ocasião Deus diz: "Irei, e voltarei para o meu lugar, até que se
reconheçam culpados" (Os. 5:15). E, quando Deus age assim, o que será
da paz deles e de sua força?
Pense, leitor, seria o caso de que em breve,
talvez, você não mais veja a face de Deus com paz? Talvez amanhã você não seja
capaz de orar, de ler, de ouvir ou de realizar quaisquer deveres com pelo menos
um pouco de gozo, vida ou vigor. Talvez Deus lance suas setas em você, e o
encha de angústia, de temores e de perplexidades. Considere isto um pouco, que
embora Deus não o destrua totalmente, Ele poderá lançá-lo em um estado no qual
você sinta que isto é o que acontecerá com você. Não deixe de lado esta
consideração até que sua alma trema dentro de você.
d) O perigo da destruição eterna
Há tal conexão entre a persistência no pecado e a
destruição eterna que enquanto uma pessoa estiver sob o poder do pecado, ela
precisa ser advertida sobre a destruição e a separação eterna de Deus. O fato
de Deus ter resolvido livrar alguns da permanência no pecado (a fim de
salvá-los da destruição) não muda o outro fato (igualmente verdadeiro) de que
Deus não livrará da destruição quem permanecer no pecado. A regra de Deus é
muito clara. "Aquilo que o homem semear, isso também ceifará. Porque o
que semeia para a sua própria carne, da carne colherá corrupção..."
(Gál. 6:7,8). Quanto mais claramente reconhecermos a realidade de que os
desejos pecaminosos que não foram mortificados levarão a destruição eterna,
mais claramente veremos o perigo de permitir que qualquer desejo pecaminoso na
nossa vida permaneça sem ser mortificado. O desejo pecaminoso é um inimigo que
nos destruirá se antes não o destruirmos. Que isso penetre fundo na sua alma.
Não se contente com a suposição de que já foi suficientemente fundo enquanto
não tremer ao pensar em ter um inimigo vivendo dentro de você, que o destruirá
se antes você não o destruir.
3. Os males da sua lascívia
O perigo se preocupa com futuras possibilidades mas
o mal com as atuais. Há muitos males relacionados com um desejo pecaminoso que
não tenha sido mortificado, porém focalizaremos nossa atenção apenas em três
deles:
a) Entristece o santo e bendito Espírito de Deus
O grande privilégio dos cristãos é que o Espírito
de Deus vive dentro deles. Por causa disso, os cristãos são especial-mente
exortados em Efésios 4:25-29 a se absterem de uma variedade de desejos
pecaminosos e motivados a fazer isso com as seguintes palavras:
"E não entristeçais o Espírito Santo de Deus,
no qual fostes selados para o dia da redenção" (Ef. 4:30).
Assim como uma pessoa terna e amorosa se entristece
com a falta de bondade de um amigo, assim também o Espírito Santo é
entristecido quando um cristão permite que desejos pecaminosos que não foram
mortificados vivam no seu coração. O Espírito Santo escolheu nossos corações
como Sua habitação. Ele veio fazer por nós todo o bem que desejamos. O Espírito
Santo Se entristece muito quando um cristão compartilha seu coração, que Ele
veio possuir, com seus inimigos (nossos desejos pecaminosos), os próprios
inimigos que Ele veio ajudar a destruir.
Ó, cristão, considere quem e o que você é;
considere quem é o Espírito que você está entristecendo, o que Ele fez por você
e o que Ele pretende fazer por você. Envergonhe-se de cada desejo pecaminoso
que não mortificou e que dessa maneira permitiu que maculasse o Seu templo.
b) O Senhor Jesus Cristo é ferido novamente pelo
desejo pecaminoso que não foi mortificado.
Quando o desejo pecaminoso permanece sem ser
mortificado no coração de um cristão, a nova criação de Cristo naquele coração
é ferida, Seu amor é frustrado, Seu inimigo gratificado. Assim como um abandono
total de Cristo pelo engano do pecado é estar "crucificando para si
mesmos o Filho de Deus, e expondo-o à ignomínia" (Heb. 6:6), do mesmo
modo, abrigarmos pecados que Ele veio para destruir O fere e O entristece.
c) Rouba a utilidade de um cristão
Desejos pecaminosos que não tenham sido
mortificados geralmente produzem uma doença espiritual na vida da pessoa. Seu
testemunho raramente recebe a bênção de Deus. Muitos cristãos permitem que
desejos pecaminosos que destroem a alma vivam nos seus corações. Esses jazem
como vermes à raiz da sua obediência, e a corroem e a enfraquecem dia após dia.
Todas as graças, todas as maneiras e todos os meios pelos quais as graças
possam ser exercidas e aperfeiçoadas, são impedidos desta maneira; e Deus mesmo
nega a este homem qualquer sucesso.
Conclusão
Nunca se esqueça da culpa, do perigo e da
malignidade do pecado. Pense muito nestas coisas. Permita que elas encham sua
mente até que levem seu coração a tremer.
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