Sei que pode soar um tanto quanto "óbvio"
o fato de dizermos que dentro de uma igreja que se diz cristã ser necessário
que se pregue a palavra de Cristo - o seu mestre -, mas é necessário que
tenhamos em mente que o mero reunir-se em uma igreja que se intitula
"evangélica", não caracteriza verdadeira fidelidade à revelação (a
Bíblia Sagrada) que Deus nos deixou e por isso que precisamos compreender
algumas implicações que deve ter o pregar a partir da Bíblia.
Há tempos ouvi um pastor falando que conhecia um
pregador que era conhecido como "o pastor engraçado" (ou "pastor
piadista", algo assim), pois suas "pregações" eram sempre
muito engraçadas, cheias de comédia e as vezes os ouvintes até mesmo
urinavam de tanto rir durante as "pregações". Pensei por um breve
momento que aquele pastor iria repudiar tal atitude de seu conhecido, mas não o
fez; pelo contrário, aprovou e disse que não havia nada de errado com se ter
uma pregação engraçada e que entretenha as pessoas.
"E havia entre os
fariseus um homem, chamado Nicodemos, príncipe dos judeus. Este foi ter de
noite com Jesus, e disse-lhe: Rabi, bem sabemos que és Mestre, vindo de Deus;
porque ninguém pode fazer estes sinais que tu fazes, se Deus não for com
ele. Jesus respondeu, e disse-lhe: Na verdade, na verdade te digo que
aquele que não nascer de novo, não pode ver o reino de Deus. Disse-lhe
Nicodemos: Como pode um homem nascer, sendo velho? Pode, porventura, tornar a
entrar no ventre de sua mãe, e nascer? Jesus respondeu: Na verdade, na
verdade te digo que aquele que não nascer da água e do Espírito, não pode
entrar no reino de Deus. O que é nascido da carne é carne, e o que é
nascido do Espírito é espírito" (Jo 3:1-6). Nesta passagem -
humanamente falando -, Jesus tem uma excelente oportunidade para pregar a Sua
própria mensagem àquele homem que era o príncipe dos judeus, porém Ele não o
faz. Jesus não respondeu a Nicodemos de forma engraçada ou suavizou Sua
mensagem. Quando Nicodemos questiona Jesus sobre como seria possível alguém
nascer de novo (v. 9), Jesus simplesmente lhe responde: "Tu és mestre de Israel, e não sabes isto? (Jo 3:10). O
que Jesus quis dizer àquele homem era: "Tu que és mestre de Israel e
príncipe dos judeus, que ensinas e te vanglorias de teu conhecimento, não
conheces o princípio mais básico sobre a mensagem que dizes viver?". Em
momento algum vemos Jesus suavizando ou "divertindo" sua mensagem.
Em outra situação, Jesus ao combater o ensino dos
fariseus sobre a necessidade de se lavar as mãos antes de comer (coisa que a
lei veterotestamentária não havia imposto) e dizer que o que entra pela boca
não é o que contamina, mas o que sai, é indagado por seus discípulos que
questionam: "Sabes que os fariseus, ouvindo essas
palavras, se escandalizaram?" (Mt 15:12). Vemos então a resposta do
mestre: "Toda a planta, que meu Pai celestial não
plantou, será arrancada. Deixai-os; são condutores cegos. Ora, se um cego guiar
outro cego, ambos cairão na cova" (Mt 15:13-14). Aqui, novamente,
não encontramos nenhum resquício de Jesus amenizando a mensagem, mas sim
pregando-a com amor, contudo, energicamente e sem jamais renunciar a Verdade.
Ainda outra narrativa nos mostra como Jesus
respondeu ao povo que foi até ele apenas para saciarem-se com pães: "E, achando-o no outro lado do mar, disseram-lhe: Rabi, quando
chegaste aqui? Jesus respondeu-lhes, e disse: Na verdade, na verdade vos digo
que me buscais, não pelos sinais que vistes, mas porque comestes do pão e vos
saciastes. Trabalhai, não pela comida que perece, mas pela comida que permanece
para a vida eterna, a qual o Filho do homem vos dará; porque a este o Pai,
Deus, o selou" (Jo 6:25-27). Neste ponto, mais uma vez percebemos
que Jesus não adulterou a mensagem para que todo aquele povo continuasse a
segui-Lo (do ponto de vista humano, que grande oportunidade desperdiçada!), mas
condenou o erro e apontou para solução, isto é, que não se trabalhasse pela
comida passageira, mas pela verdadeira comida, isto é, a palavra de Deus que
nos supre para sempre.
De igual modo, quando o apóstolo Paulo está
escrevendo ao seu amado Timóteo, ele insta-o para: "Que pregues a palavra, instes a tempo e fora de tempo,
redarguas, repreendas, exortes, com toda a longanimidade e doutrina"
(2Tm 4.2). As cartas de Paulo são cheias de admoestações e instruções para seus
queridos e para as igrejas que ele visitou ou visitaria, contudo não
encontramos nenhuma exortação paulina para que os crentes "se
divertissem" durante a pregação. Escrevendo a Timóteo, Paulo lhe diz para
que pregasse a palavra, redarguisse, repreendesse e exortasse com toda
longanimidade e doutrina. Pergunto: onde que encontramos base para termos uma
pregação divertida? Respondo: em lugar algum.
O Catecismo Maior de Westminster nos dá diretrizes
de como deve ser pregada a palavra de Deus:
Pergunta 159: “Como deve ser pregada a Palavra de Deus por aqueles que para isso
são chamados? Resposta: Aqueles que são chamados a trabalhar
no ministério da Palavra devem pregar a sã doutrina (Tt 2.1, 7, 8),
diligentemente, em tempo e fora de tempo (At 18.25; II Tm 4.2); claramente
(I Co 14.9), não em palavras persuasivas de humana sabedoria, mas em
demonstração do Espírito e de poder (I Co 2.4); fielmente (Jr 23. 28; I Co
4. 1, 2), tornando conhecido todo o conselho de Deus (At 20.27), sabiamente (Cl
1.28; II Tm 2.15) acomodando-se às necessidades e às capacidades dos ouvintes
(I Co 3.2; Hb 5.12-14; I Ts 2.7; Lc 12.42) zelosamente (At 18.15; II Tm 4.5),
com amor fervoroso para com Deus (II Co 5.13, 14; Fp 1.15-17) e para com
as almas do seu povo (II Co 12.15; I Ts 3.12); sinceramente (II Co 4. 2;
II Co 2. 17), tendo por alvo a gloria de Deus (Jo 7.18; I Ts 2. 4-6) e
procurando converter (I Co 9.19-22), edificar (II Co 12.19; Ef 4.12) e salvar
as almas (I Tm 4.16; II Tm 2.10; At 16.16-18)”. Diante dessas diretrizes
elaboradas por homens piedosos, percebemos que em momento alguns eles sugerem
que a palavra de Deus deva ser pregada com irreverência, pouca importância ou
ainda que ela deva ser "divertida" e rápida.
Mas afinal, por quê é necessário que preguemos
somente a palavra de Deus? Deixem-me listar 3 motivos (baseados em 2 Tm
3.16,17) pelos quais tão somente a palavra de Deus deve ser pregada e deva ser
o centro do culto ao Senhor:
1. Somente a Escritura é divinamente inspirada por
Deus - "Toda a Escritura é divinamente inspirada (2
Tm 3:16a).
Procuraremos em vão pelo restante das Escrituras em
busca de alguma sentença que nos indique que algum outro escrito tenha sido
escrito e inspirado pelo Senhor. Certamente que nos vem à mente a questão sobre
os livros apócrifos e os pseudo-epígrafos, mas sobre eles falaremos em outra
oportunidade [1]. Contudo, precisamos ter a
certeza de que o livro que temos em mãos foi divinamente inspirado - mas que
implicação isso tem?
Implica em dizer que, apesar de ter sido escritos
por homens, estes foram inspirados pelo Senhor, isto é, "homens santos de Deus falaram [e aqui acrescento:
escreveram] inspirados pelo Espírito Santo"
(2 Pe 1:21). Dizer que a Escritura é divinamente inspirada, é afirmar que ela é
perfeita, pura, e destituída de qualquer pecado ou invenção humana. Mas o que
as Escrituras nos ensinam? O Breve Catecismo de Westminster nos auxilia nessa
questão.
Pergunta 3. "Qual é
a coisa principal que as Escrituras nos ensinam?" Resposta: "A
coisa principal que as Escrituras nos ensinam é o que o homem deve crer a
respeito de Deus, bem como o dever que Deus requer do homem" (Mq 6.8; Jo
20.31; Jo 3.16).
Vemos que por ser inspirada, a palavra de Deus não
necessita de acréscimo humanos ou de "benfeitorias necessárias", como
se partes da revelação divina estivessem caducadas pelo tempo ou ainda que não
sejam coerentes com o "tempo em que vivemos". Por divina, o Senhor
quer dizer-nos que ela é fidedigna, isto é, que merece crédito, que tem procedência,
pois emana do Pai celestial, o criador dos céus e da terra. "Toda a boa dádiva e todo o dom perfeito vem do alto, descendo
do Pai das luzes, em quem não há mudança nem sombra de variação"
(Tg 1:17 - grifo meu). Se Deus é imutável, logo a Sua palavra também será
imutável. Não haveria lógica em Deus dispor-nos de uma revelação para seguirmos
(a Bíblia) e após morrermos recebermos o veredicto de que na verdade o Senhor
"mudou de opinião" e agora executará a Sua justiça a partir de algo
que nenhum humano jamais conheceu, e que por isso, todos estarão condenados.
Se o Senhor não pode mudar e inspirou toda a Sua
palavra aos homens, aprendemos que temos uma revelação inspirada por Ele e que
jamais poderá substituída, quer seja por filosofias ou qualquer outra "boa
ideia" sugerida por vis pecadores.
2. Somente a Escritura pode nos ensinar, responder,
corrigir e instruir em justiça - "e proveitosa
para ensinar, para redargüir, para corrigir, para instruir em justiça"
(2 Tm 3:16b).
É importante atentarmos para o fato de que se a
palavra de Deus foi inspirada por Ele mesmo, naturalmente decorre de que as
Escrituras são suficientes para instruir e guiar o homem em sua peregrinação
pela terra.
Muitos homens têm proclamado essa verdade em suas
conversas, pregações e livros publicados, contudo tais palavras apenas "têm, na verdade, alguma aparência de sabedoria, em devoção
voluntária, humildade, e em disciplina do corpo, mas não são de valor algum
senão para a satisfação da carne" (Cl 2.23). Como vemos nos jornais
e nas revistas, está "na moda" ser evangélico e crer numa entidade
superior. O "evangelicalismo" está em alta, muitas editoras
"evangélicas" estão com suas produções aquecidas, as livrarias
"cristãs" proliferam com grande rapidez - mas será esse um marco da
verdadeira vida cristã e de um avivamento genuíno? Creio que não.
Quando a palavra de Deus nos diz que ela é útil
"para ensinar, para redargüir, para corrigir, para
instruir em justiça", isso necessariamente deve-se traduzir em boa
piedade cristã, isto é, boa doutrina aliada à prática - e nesse ponto, os
puritanos eram majestosos. Eles concordavam com o Catecismo Maior de
Westminster que diz:
Pergunta 01: “Qual é o fim supremo e principal do homem? Resposta: “O fim
supremo e principal do homem é glorificar a Deus (Rm 11.36; I Co 10.31) e
gozá-lo para sempre”(Sl 73.24- 26; Jo 17.22- 24).
Mas como isso se traduz na vida prática? Para
Thomas Watson (puritano que viveu entre 1620 e 1686), essa resposta do
catecismo tinha duas finalidades específicas para a vida: a glorificação de
Deus e a satisfação em Deus [2]. "Se alguém falar, fale segundo as palavras de Deus; se alguém
administrar, administre segundo o poder que Deus dá; para que em tudo
Deus seja glorificado por Jesus Cristo, a quem pertence a glória e
poder para todo o sempre. Amém" (1 Pe 4:11 - grifo meu).
Não há nenhum outro documento, livro, pensamento ou
filosofia que esteja apto a ensinar o homem cristão sobre quem é Deus e o que o
Senhor requer de Seus filhos, exceto a Bíblia. A suficiência das Escrituras nos
mostram que pautar-se pelo estrito ensinamento bíblico é o melhor caminho a se
seguir.
3. Somente a Escritura pode nos tornar perfeitos e
aptos para a obra do Senhor - "Para que o homem de
Deus seja perfeito, e perfeitamente instruído para toda a boa obra"
(2 Tm 3:17).
A finalização dessa breve sentença de Paulo
(versículos 16 e 17) é quase que uma obviedade devido a construção que ele faz,
contudo parece ser extremamente obscura para muitos professos da fé cristã.
Muitos "evangélicos" concordariam com
nosso primeiro ponto que diz que "toda a Escritura
é divinamente inspirada". Também estariam de acordo de que ela
é "proveitosa para ensinar, para redargüir,
para corrigir, para instruir em justiça", porém, quando suas vidas
são analisadas à luz dessa Escritura que é proveitosa para instruir em todo o
conhecimento de Deus, percebemos que o círculo não completa o seu ciclo, isto
é, embora professem crer na inspiração da Escritura e digam que ela é
proveitosa para suas vidas, isso não se manifesta em suas obras e em seu
caráter que deveria ser de um crente em Cristo Jesus. Em muitos casos a
Palavra de Deus parece ser suficientemente clara, a ponto de ninguém poder
escusar-se da responsabilidade que tem de seguir os princípios bíblicos
ali expostos - e creio que esse seja um desses casos.
Observemos que Paulo finaliza o seu argumento
dizendo que a implicação prática de toda a Escritura ser divinamente inspirada
e proveitosa para ensinar, é "Para que o
homem de Deus seja perfeito, e perfeitamente instruído para toda a boa obra". Mas
diferentemente do que muitos homens afirmaram - como John Wesley, Charles
Finney e outros -, não se pode atingir a perfeição moral (isto é, boas obras e
um viver digno perante a sociedade) e nem tampouco a perfeição teológica nessa
vida (que naturalmente leva à uma boa prática cristã).
Paulo instrui a Timóteo dizendo que a Escritura é
suficiente "Para que o homem de Deus seja
perfeito, e perfeitamente instruído para toda a boa obra"
(grifo meu). Note que em momento algum das Escrituras (em todos os 66 livros da
Bíblia) nos é dito que o homem convertido deixa de pecar quando torna-se
crente, contudo, nos diz que no tocante à sua vida pós conversão, esse homem
passa a ter um parâmetro perfeito para sua vida, a saber, as Escrituras. Isto
é, se o homem regenerado não passa a pautar-se pelas Escrituras, grandes são as
dúvidas de que tal homem foi verdadeiramente transformado - "Vós, porém, não estais na carne, mas no Espírito, se é que o
Espírito de Deus habita em vós. Mas, se alguém não tem o Espírito de Cristo,
esse tal não é dele" (Rm 8:9).
A finalidade das Escrituras é nos fazer "perfeitamente instruído(s) para toda a boa obra", ou seja, se
desejamos ter um andar cristão, um pensar cristão, um viver cristão, precisamos
sem demora nos banharmos nas águas santas e profundas das Escrituras. "Porque, se alguém é ouvinte da palavra, e não cumpridor, é
semelhante ao homem que contempla ao espelho o seu rosto natural; Porque se
contempla a si mesmo, e vai-se, e logo se esquece de como era. Aquele, porém,
que atenta bem para a lei perfeita da liberdade, e nisso persevera, não sendo
ouvinte esquecidiço, mas fazedor da obra, este tal será bem-aventurado no seu
feito" (Tg 1:23-25).
Amém.
Notas:
[1] Sobre esse ponto, recomendo ler GEISLER, Norman e
William Nix. Introdução Bíblica - como a Bíblia chegou até nós. Editora Vida
[2] WATSON, Thomas. A fé cristã - Estudos baseados no
Breve Catecismo de Westminster. Editora Cultura Cristã
Imagem: Google
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